Caso Clínico – Morfofuncional II

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Caso Clínico – Morfofuncional II
Um homem de 52 anos de idade deu entrada no HR, proveniente de uma
comunidade próxima a Garanhuns, com mal-estar, diarréia aquosa, dores abdominais fortes,
vômitos e anorexia. Ao ser internado, exames laboratoriais foram solicitados e os
resultados dos valores séricos foram os seguintes:
Na+
140 mEq/L
K+
4,4 mEq/L
Cl-
105 mEq/L
PCO2
28 mmHg
pH
7,2
HCO3-
10 mEq/L
Glicose
180 mg/dL
Proteína Total
10 g/L
Densidade do Plasma
1,039
Osmolaridade
Plasma
do 325 mOsm/L
O paciente melhorou com a reposição de fluidos e a administração de tetraciclina. O
vibrião colérico foi isolado de suas fezes.
1. Quando o paciente foi admitido no HR, qual sua situação ácido-base? Explique com
base nos resultados dos exames.
O paciente encontra-se em acidose metabólica. Os resultados da concentração de
bicarbonato, o pH e a pCO2 revelam tal situação.
Na acidose metabólica, ocorre uma diminuição do pH, da concentração de HCO3- e
da pCO2. O paciente em questão encontra-se nesse caso, já que os resultados obtidos estão,
todos, abaixo dos valores de referência. O pH de referência varia entre 7,35 e 7,45, e o do
paciente foi de 7,2, revelando o aumento da concentração de H+ no organismo e levando à
diminuição da concentração de HCO3- que funciona como tamponante do íon H+, de
acordo com a reação:
H+ + HCO3- ===
H2CO3
=== H2O + CO2
Ocorre, então, diminuição da concentração de bicarbonato, que, conseqüentemente,
não é mais capaz de eliminar o excesso de íon Hidrogênio. Assim, a reação acima deslocase para a esquerda, fazendo com que a pCO2 diminua.
Os valores de referência são: pH = 7,35 a 7,45 ; [HCO3-] = 22 a 26 mEq/L ; pCO2=
35 a 45 mmHg.
2. Destes resultados, quais estão associados à desidratação? Explique.
A desidratação caracteriza-se pela perda de líquidos de todos os compartimentos do
corpo. A perda de líquido causada na cólera pode reduzir o volume sanguíneo devido a
perda do plasma do sistema circulatório.
O paciente em questão apresenta osmolaridade do plasma elevada devido a perda de
líquidos por causa da diarréia, aumento a concentração do plasma sanguíneo. Um quadro
característico de desidratação é haver aumento dos níveis de proteínas totais séricas, o que
ocorre com o paciente.
A densidade do plasma, por sua vez, está baixa, como resultado da perda de
líquidos, pois o volume é diretamente proporcional à densidade, e se já que o volume
diminuiu, a densidade também.
Valores de referência: Proteínas totais = 6 a 8 g/L ; Osmolaridade do plasma = 280
a 296 mOsm/Kg de H2O.
3. Explique como o Vibrio cholerae produz os problemas clínicos associados a Cólera.
O V. cholerae, após suplantar a barreira ácida do estômago, a competição da flora
bacteriana intestinal e os mecanismos de defesa do indivíduo, liga-se às células do epitélio
duodenal, onde se multiplica aceleradamente, estimulado pelo efeito do ambiente alcalino e
rico em sais biliares, para posteriormente produzir uma potente enteroxina (CTX) que
rapidamente liga-se a GM1 gangliosídeo, um receptor glicolipídio na superfície das células
epiteliais jejunais. A toxina transfere irreversivelmente ADP-ribose da nicotinamida
adenina dinucleotídeo para sua proteína-alvo específica, o componente regulador GTPligador da adenilato ciclase nas células epiteliais intestinais. Quando ADP-ribolisada, essa
proteína G regula para cima a subunidade catalítica da ciclase, que não transforma o GTP
em GDP para inativá-la. Dessa forma, ela fica continuamente ativa, estimulando a adenilato
ciclase a formar AMP cíclico, que se acumula na célula intestinal. Por sua vez, o AMP
cíclico inibe o sistema de transporte absortivo de sódio nas células crípticas, e estes eventos
levam à acumulação de cloreto de sódio no lúmen intestinal. Desde que a água se move
passivamente para mantes a osmolaridade, líquido isotônico acumula-se no lúmen. Quando
o volume desse líquido excede a capacidade reabsortiva do resto do tubo digestivo, ocorre
diarréia.
Essa perda de líquido isotônico, pobre em proteínas e rico em sódio, potássio, cloro
e bicarbonato, determina rapidamente quadro grave de desidratação e acidose metabólica.
(devido a perda de bicarbonato). Em algumas pessoas (menos de 10%), a cólera pode
evoluir de forma mais grave, com início súbito de diarréia aquosa profusa, geralmente sem
muco, pus ou sangue e, com frequência, acompanhada de vômitos. Pode ocorrer perda
rápida de líquidos (até 1 a 2 litros por hora) e eletrólitos, levando a desidratação acentuada.
Em razão disso, há sede intensa, perda de peso, prostração, diminuição do turgor da pele e
olhos ficam encovados. Há desequilíbrio hidroeletrolítico, o que pode ocasionar cãibras
musculares e, em crianças, a hipoglicemia pode levar a convulsões e redução do nível de
consciência. Sem tratamento adequado, ocorre diminuição da pressão sanguínea,
funcionamento inadequado dos rins, diminuição do volume urinário até anúria total, coma e
ecolução para a morte em três a quatro horas. Raramente pode haver concomitância de
febre alta ( cólera “tifóide”) e a perda de líquidos pode não ser evidente (cólera “seca”),
uma vez que a desidratação pode se dar por retenção de líquidos no intestino. O óbito pode
acontecer em até 50% das formas graves não tratadas, número que cai para menos de 2%
com tratamento.
4. Caracterize o receptor de membrana envolvido nesta doença.
O receptor de membrana envolvido na cólera é um receptor glicolipídio chamado
GM1 gangliosídeo, um esfingolipídio localizado na superfície das células epiteliais
jejunais.
Os esfingolipídios são a segunda maior classe de lipídios de membrana e possuem
uma cabeça polar e duas caudas apolares, porém não possuem glicerol. São compostos por
uma molécula de aminoálcool de cadeia carbônica longa chamado esfingosina ou um de
seus derivados, uma molécula de um ácido graxo de cadeia longa, um álcool que forma a
cabeça polar alcoólica e, algumas vezes, ácido fosfórico em ligação diéster na cabeça polar
do grupo.
Os gangliosídeos, uma subclasse de esfingolipídios, possuem grupos cabeça
formados por oligossacarídeos muito complexos. Esses compostos recebem símbolos
identificadores (por exemplo, GM1, GM2) que indicam a estrutura do grupo cabeça. O
gangliosídeo GM1 (receptor de membrana envolvido na cólera) é o ponto de ligação da
toxina colérica quando ela ataca uma célula animal, um caso de coevolução de uma célula
hospedeira e um parasita patogênico.
5. Avalie o papel das proteínas ligantes de GTP na doença.
Uma vez estabelecido, o vibrião produz CTX, que consiste em um componente
enzimático monomérico (a subunidade A) e um componente pentamérico de ligação
(subunidade B). O pentâmero B liga-se a GM1 gangliosídeo, um receptor glicolipídio na
superfície das células epiteliais jejunais, e esta ligação torna possível o fornecimento da
subunidade A ao seu alvo citosólico. A subunidade A ativada (A1) transfere
irreversivelmente ADP-ribose da nicotinamida adenina dinucleotídeo para sua proteínaalvo específica, o componente regulador GTP-ligador da adenilato ciclase nas células
epiteliais intestinais. Quando ADP-ribolisada, esta proteína G regula para cima a
subunidade catalítica da adenilato ciclase, o resultado é a acumulação intracelular de altas
concentrações de AMP cíclico. Por sua vez, o AMP cíclico inibe o sistema de transporte
absortivo de sódio nas células vilosas e ativa o sistema de transporte excretor de cloreto nas
células crípticas, e estes eventos levam a acumulação de cloreto de sódio no lúmen
intestinal.
Em outras palavras, a toxina catalisa a transferência de ADP-ribose do NAD+ para
a subunidade Gs, bloqueando sua atividade GTPase e, portanto, tornando-a
permanentemente ativa (a proteína Gs é inativa quando ligada ao GDP e ativa quando
ligada ao GTP). Isto leva à ativação contínua da adenilato ciclase das células epiteliais do
intestino, e a alta concentração resultante do AMP cíclico desencadeia secreção continuada
de Cl- e HCO3- e inibe a absorção de Na+, além da secreção continuada de água, resultando
na desidratação e perda de eletrólitos.
6. Explique por que a glicose precisa estar presente na reposição de fluidos e
eletrólitos por via oral.
A membrana plasmática luminal contém um sistema de transporte que facilita um
movimento firmemente acoplado de Na+ e D-glicose ou açúcares estruturalmente
semelhantes (transportador de sódio e glicose ou SGLT). Esse transportador liga-se
simultaneamente a estes solutos e os transfere ao citoplasma. O co-transportador intestinal
mais comum é SGLT1 e acopla o movimento de 2 íons sódio ao de uma molécula de
glicose. Em seguida, a membrana plasmática, que contém bombas de sódio (enzima Na+
K+ ATPase), ativamente transporta Na+ para o sangue.
O tratamento moderno, por via oral, da cólera tira vantagem da presença do cotransporte Na+ - glicose no intestino, que não é realizado por cAMP e permanece
perfeitamente ativo na doença. Nesse caso, a presença de glicose permite a captação de Na+
para repor o NaCl do corpo.
7. Compare o mecanismo de ação da toxina V. cholerae com a toxina da bactéria
causadora de coqueluche, a Bordetella pertussis.
A toxina da coqueluche, produzida pela Bordetella pertussis, catalisa a ADPribosilação da Gi, prevenindo o deslocamento da GDP pelo GTP e bloqueando a inibição
da adenilato ciclase pela Gi; este defeito produz os sintomas da tosse comprida, incluindo a
hipersensibilidade à histamina e a diminuição da glicose sanguínea.
No caso da toxina da Cólera, ela catalisa a transferência de ADP-ribose do NAD+
para a subunidade Gs, bloqueando sua atividade GTPase e, portanto, tornando-a
permanentemente ativa (a proteína Gs é inativa quando ligada ao GDP e ativa quando
ligada ao GTP). Isto leva à ativação contínua da adenilato ciclase das células epiteliais do
intestino, e a alta concentração resultante do AMP cíclico desencadeia secreção continuada
de Cl- e HCO3- e inibe a absorção de Na+, além da secreção continuada de água, resultando
na desidratação e perda de eletrólitos.
Tanto na cólera quanto na coqueluche, as toxinas produzidas pelas bactérias são
enzimas que catalisam a transferência da ADP-ribose do NAD+ para um resíduo de Arg
das proteínas G: Gs no caso da cólera e Gi na coqueluche. As proteínas G modificadas
dessa forma deixam de responder ao estímulo hormonal normal. A patologia de ambas as
doenças leva a uma regulação defeituosa da adenilato ciclase e a superprodução do AMP
cíclico.
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