Hospital Santana Protocolo síndrome de abstinência alcoólica Mário Ronaldo Lopes A Síndrome de Abstinência Alcoólica (SAA) é um estigma da Síndrome de Dependência Alcoólica (SDA), sendo um indicador da existência de dependência, sinalizando consumo crônico e abusivo. É desencadeada quando o indivíduo diminui ou cessa abruptamente a ingestão de álcool. Dessa forma, a abstinência alcoólica está inserida em um contexto mais amplo, que é o abuso e a dependência do álcool. Define-se abuso de álcool quando existe um padrão desadaptado de consumo, levando a prejuízo ou problemas clinicamente significativos, manifestados em doze meses por um dos seguintes motivos: - Falha em realizar obrigações em casa, no trabalho ou na escola - Uso recorrente em situações perigosas - Problemas legais relacionados ao álcool - Uso contínuo a despeito de problemas pessoais ou sociais relacionados ao álcool. A dependência ao álcool, por sua vez, é definida pelo padrão desadaptado de consumo, levando a prejuízo ou problemas clinicamente significativos, manifestados em doze meses por três ou mais dos seguintes motivos: - Abstinência (sintomas de abstinência ou uso de álcool para aliviar ou evitar os sintomas). - Uso de doses maiores e por períodos mais prolongados que o planejado. - Desejo persistente ou tentativas sem sucesso de parar ou reduzir o uso. - Grande tempo despendido na obtenção, no uso ou na recuperação do uso. - Deixar de realizar ou reduzir atividades sociais, recreacionais ou ocupacionais importantes. - Uso continuado a despeito do conhecimento dos problemas físicos e psicológicos associados ao álcool. Etiologia e fisiopatologia A síndrome de abstinência alcoólica inclui dois componentes: 1- cessação ou redução no uso crônico de grande quantidade de álcool 2- presença de dois ou mais dos seguintes sintomas: hiperatividade autonômica (sudorese, taquicardia, hipertensão sistólica); tremor nas mãos; insônia; náuseas ou vômitos; alucinações visuais, auditivas ou táteis transitórias; agitação psicomotora; ansiedade; convulsões tônico-clônicas generalizadas. A ingestão aguda de álcool, leva inicialmente a uma liberação de opióides endógenos causando euforia e reforço para o uso contínuo; em seguida, há ativação dos receptores inibitórios GABA tipo A, causando efeitos sedativos, ansioliticos, descordenação e inibição dos receptores excitatórios. Em razão do uso crônico do álcool ocorrem alterações no número e na função dos receptores, como uma resposta compensatória aos aos efeitos depressivos do álcool. Assim há uma diminuição nos receptores GABA tipo A e um aumento nos receptores excitatórios. Essa adaptação reverte-se quando há suspensão da ingestão crônica de álcool, culminando com o estado de hiperexcitabilidade da SAA. Achados clínicos O curso da síndrome de abstinência alcoólica é altamente variável e dependente de alguns fatores: quantidade de álcool consumida, SAA prévias e condições médicas associadas. Em média, os sintomas de abstinência podem começar de 5 a 10 horas após a última dose com pico em 48 a 72 horas, desaparecendo em 5 a 14 dias. 1 Os principais achados clínicos são: Sinais e sintomas precoces: início de 6 a 8 horas após a ultima dose. Tremores, sudorese, insônia, hipertensão, taquicardia e sintomas gastrointestinais. ( pico em 24/36h; cessação após 48/72h ) Convulsões associadas à abstinência: podem iniciar de 6 a 24 horas após a cessação da ingestão, 90% delas ocorrem em 48 horas. Ocorrem em 15 a 33% dos casos. Convulsões generalizadas e autolimitadas (< de 3% resultam em estado de mal epiléptico) Risco de convulsões aumenta se o indivíduo já teve outras abstinências prévias. Nível de consciência preservado exceto no período pós-ictal Alucinações alcoólicas: são relativamente precoces (24 a 48 após a ultima dose ), ocorrem em 25% dos casos. As três etapas básicas para a abordagem do paciente na SAA são: 1.Diagnóstico da SAA e suas complicações clínicas e psiquiátricas; 2.Avaliação do paciente e encaminhamentos; 3.Tratamento da SAA e das complicações clínicas e psiquiátricas. Diagnóstico Suspeitar da SAA em diversas situações clínicas e especialidades Critérios diagnósticos para síndrome de abstinência do álcool (SAA)~OMS Estado de abstinência Deve haver evidência clara de interrupção ou redução do uso de álcool, após uso repetido, usualmente prolongado e/ou em altas doses. B.Três dos sinais devem estar presentes: (1) tremores da língua,pálpebras ou das mãos quando estendidas; (2) sudorese; (3) náusea,ânsia de vômitos ou vômitos; (4) taquicardia ou hipertensão; (5) agitação psicomotora; (6) cefaléia; (7) insônia; (8) mal-estar ou fraqueza; (9) alucinações visuais,táteis ou auditivas transitórias; (10) convulsões tipo grande mal. Se o delirium está presente, o diagnóstico deve ser estado de abstinência alcoólica com delirium (delirium tremens) sem e com convulsões. .Avaliação do paciente -Lembrar das diversas comorbidades e doenças crônicas causadas pelo álcool. -Avaliar a interrelação entre elas. -Avaliar a superposição de eventos de libação alcoólica, doenças agudas, agutização de doenças crônicas, síndrome de abstinência e diagnósticos diferenciais. -Enfermarias – pacientes em observação por doenças várias – pneumonias, pancreatite aguda, pós-cirúrgicos; 2 Avaliação laboratorial Hemograma, glicemia capilar, uréia, creatinina, íons (Na, K, Mg, Ca), TGP, TGO, bilirrubinas, albumina, tempo de protrombina, amilase, lípase, urina tipo I, ECG, RXt. Tratamento Objetivos do tratamento: 1.Aliviar dos sintomas existentes; 2.Prevenir o agravamento do quadro com convulsões e delirium ; 3.Vincular o paciente ao tratamento da dependência propriamente dito; 4.Prevenir a ocorrência de síndromes mais graves no futuro . Tratamento não farmacológico: -Atitude receptiva, sem julgamento moral, acolhedora, Tranqüilização do paciente, evitar gestos ameaçadores, oferecer local de segurança – cadeira, maca com proteção lateral, maca com cabeceira elevada ou mesmo o chão, para evitar quedas. -Manutenção de ambiente iluminado, evitar ruídos. -Manutenção de hidratação adequada e correção de distúrbios hidroeletrolíticos; Suporte do serviço social e psicologia; Quadros clínicos leves a moderados podem ser tratados ambulatorialmente (recomendação A). Tratamento Farmacológico Medicamentos Soro fisiológico 0,9% 500ml Associar a cada frasco de soro fisiológico: 40 mL de soro glicosado 50% 10 mL de Cloreto de Potássio 10% Administração EV em casos de vômitos ou Desidratação Tiamina -vitamina B1(ampolas de 100 1 a 2 ampolas IM ao mg). iniciar a Comprimidos de 100 injeção de glicose.** mg. Finalidade Hidratação, Reposição de Glicose e Eletrolíticos. Observação Não usar na SAA leve. Avaliar risco de hipervolemia em cardiopatas. Medir glicemia capilar (idosos, história de Diabetes mellitus ,pancreatite). Não administrar glicose sem uso concomitante de tiamina Funciona como uma isoenzima que promove o aproveitamento da glicose pelas células Manter as injeções por 2 a 3 dias,dependendo da gravidade do caso. Em caso de bom funcionamento do trato gastrintestinal, as doses subseqüentes podem ser por VO. 3 Benzodiazepínicos Uso oral Diazepam:10mg, 2 a 3 vezes ao dia.Clordiazepóxido: 50 mg até de 6/6 h. Lorazepan:2mg, 2 a 3 vezes ao dia em caso de hepatopatia grave. Trata a ansiedade,os sintomas autonômicos e as crises convulsivas. Uso parenteral Clordiazepóxido:100 mg IM (dose inicial) ou Diazepam:10 a 20mg EV Em casos graves sob observação estrita Carbamazepina 200 mg Metoclopramida (10 mg Ranitidina comprimidos de 150 mg ampolas (50 mg) VO 2 a 4 vezes ao dia. 01 ampola IM ou EV diluída em 10 mL de água destilada. 01 a 02 comprimidos via oral ou 1 ampola EV diluída em 10 mL de água destilada. Haloperidol 1 a 2 mg VO ou IM Propranolol 20 a 40 mg VO Diazepam e clordiazepóxido -ação longa. Lorazepan –ação curta. O tempo de prescrição deverá ser estabelecido caso a caso, na menor duração possível pelo risco de dependência química. O Uso endovenoso de Diazepam deve ser feito com retaguarda para tratamento de parada respiratória Tratamento e prevenção de crises convulsivas.Auxílio no controle da SAA e retirada do benzodiazepínico oral.Redução na compulsão à ingestão de álcool Para náuseas e vômitos Para a irritação Gastrintestinal Para alucinações e delírios. Usar doses baixas devido a efeitos extrapiramidais em pacientes debilitados Metoprolol e atenolol podem ser usados. Para taquicardia importante, tremores e hipertensão arterial O uso de b- Bloqueador está contra-indicado para pacientes asmáticos e enfisematosos 4 Captopril 25 mg VO de acordo com o ajuste feito pelo médico. Em caso de hipertensão arterial sistêmica agravada pela SAA. Nifedipina vo de acordo com o ajuste feito pelo médico Tratamento da hipertensão arterial sistêmica. Não usar sublingual pelo risco de hipotensão arterial grave Clonidina 0,100 a 0,150 mg 3 a 4vezes ao dia VO. Hipertensão arterial de difícil controle Monitoramento clínico **A dose de tiamina na SAA não está definida na literatura médica por evidência conclusiva.100 mg/dia IM inicial (máximo 200 mg/dia) (Cochrane Database of Systematic Reviews 2004) -Manter este esquema por até 2 ou 3 dias com ajuste das doses dos medicamentos prescritos. Conclusões - A abstinência é mais freqüente em indivíduos com consumo crônico e de grandes quantidades de álcool. Os sintomas podem surgir de 6 a 48 horas após a cessação da ingesta. - Os achados precoces são: tremor, taquicardia, sudorese, ansiedade, alucinações e convulsões. - Delirium tremens ocorre mais tardiamente (> 48 h)e se caracteriza pelos sintomas da abstinência associados a confusão e febre. - O tratamento é feito com suporte clínico e benzodiazepínicos. - Diazepam em esquema de dose ajustada aos sintomas (com reavaliação periódica) é melhor que o tratamento com doses fixas. O objetivo é deixar o paciente calmo e tranqüilo, porém acordado. Sedação excessiva aumenta a chance de complicações . - É importante buscar e tratar os fatores desencadeantes da abstinência: pneumonia, meningite, pancreatite, trauma craniano. POP N º 016 5