Desde que há alguns anos os órgãos de comunicação social

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O CERCO LEGISLATIVO À COMUNICAÇÃO SOCIAL
António Marinho e Pinto *
1 - INTRODUÇÃO
Desde que há alguns anos os órgãos de comunicação social começaram a incomodar alguns
poderosos deste país, denunciando situações de corrupção, financiamentos ilegais de instituições
políticas, falta de transparência na Administração Pública, o poder político reagiu desencadeando
alterações legislativas que no seu conjunto constituem um verdadeiro cerco legal à actividade
jornalística. Esse cerco consolidou-se quando os principais dirigentes constataram que, em
matéria de delitos de imprensa, os tribunais começavam a interpretar e aplicar as leis em
conformidade com a Constituição da República Portuguesa e sobretudo tendo em atenção a
moderna doutrina jurídica que tende a conferir ao direito de informar e à liberdade de imprensa um
carácter de prevalência sobre outros bens jurídicos de idêntica dignidade 1.
1
Vide, entre outros,
- JOSÉ FRANCISCO DE FARIA E COSTA (Direito Penal da Comunicação - Alguns Escritos,
Coimbra Editora, 1998, pág. 47) que salienta o «duplo carácter que a liberdade de expressão e
informação assume no quadro da nossa lei constitucional». Este autor, citando FIGUEIREDO DIAS,
escreve: «O carácter de um direito individual do cidadão, por um lado, dotado do ‘radical subjectivo’
que a este pertence ... e que no caso, aliás, se traduz tanto num direito de defesa como num direito de
participação política; mas também o carácter, por outro lado, de uma garantia institucional ..., no
preciso sentido da protecção jurídico-institucional dispensada, em nome do interesse público, a uma
‘instituição’ do direito político». Mais adiante (pag. 48), FARIA E COSTA chama a atenção para a
dificuldade em se qualificar como delito o exercício do direito de informação. «Na verdade, é, em simples e
linear lógica jurídica, de difícil entendimento compaginar o exercício de um direito com a prática de
uma infracção». E acrescenta: «...a unidade da ordem jurídica, nomeadamente na sua vertente
negativa, tem como decorrência interna dos seus pressupostos que aquele que exerce um direito não
pode agir contra o direito». Nesta linha de pensamento interroga: «Assim, se o que exerce o direito não
age contra o direito, como pode, então, praticar uma infracção?». É que, frisa, «... a ilicitude
consubstanciada na infracção é, ao menos formalmente, actuação não só desconforme ao direito, mas
actuação contra o direito». Por isso, conclui «... inteligir as coisas a partir da ideia e da raiz
metodológica de que aquele que exerce um direito não pode agir contra o direito parece-nos algo de
meridiana evidência e que, por sobre tudo, se deve defender», até porque, refere ainda, «... uma tal
realidade normativa está claramente consagrada, mesmo ao nível da própria lei positiva», ou seja, no
art. 31º nº al. b) do Código Penal, onde «... se deixa perceber, de forma inequívoca e insusceptível de
interpretação outra, que o facto não é ilícito quando praticado no exercício de um direito».
- LUIS ESCOBAR DE LA SERNA (Derecho de la Información, Dykinson 1998, pags. 301 e
segs.) chama à liberdade de informação «valor preferente» ou «valor preferente da liberdade de
expressão».
2
O cerco legislativo em torno da Comunicação Social tem vindo a apertar-se nos últimos anos,
atingindo a sua mais escandalosa expressão com a recente publicação do novo Estatuto do
Jornalista (Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro).
Entre as alterações legislativas mais prejudiciais à liberdade de imprensa e ao direito de informar
merecem referência as sucessivas alterações ao Código Penal, bem como as várias revisões da
Constituição da República Portuguesa.
Foi, com efeito, na nossa Lei Fundamental que algumas das alterações atingiram mais
certeiramente a comunicação social.
Nos últimos dez anos a CRP foi objecto de três revisões (1989, 1992 e 1997) e, sobretudo nesta
última, saiu claramente restringido o direito de informar. Tais restrições surgiram, ora por limitação
directa do exercício do direito de informar, ora pelo reforço ou alargamento dos poderes de
entidades administrativas reguladoras da informação, ora pela inclusão na Lei Fundamental de
novos direitos ou valores tradicionalmente conflituantes com o direito de informar. Comecemos
por este último.
2 - OS CRIMES DE GRAVAR E FOTOGRAFAR
Com a revisão de 1989 introduziu-se no artigo 26º da CRP mais um direito fundamental, ou seja,
o direito à palavra. Tal inclusão veio a repercutir-se no Código Penal, alargando a criminalização
das situações de fotografias, filmagens ou gravações ditas ilícitas. A anterior versão da norma
incriminadora (art. 179º do CP de 1982), além da ausência de consentimento do ofendido 2, exigia
também a ausência de justa causa, que funcionava como uma espécie de elemento negativo do
- IGNÁCIO BERDUGO GOMEZ DE LA TORRE (Honor y Libertad de expresión, Tecnos,
1987, pag. 107) considera a liberdade de imprensa uma «liberdade preferente». «La libertad de expresión
puede ocupar una posición preferente no por sí, sino por el bien jurídico que a través de ella logra
plena vigencia», sublinha o mesmo autor (pág. 120). E acrescenta (pág. 121): «... la posición preferente de
la libertad de expresión reposa en su contribuición a la formación de la opinión pública. Tal
contribuición no está condicionada por la forma, y se pude llevar a cabo tanto a través de la
información como a través del ejercicio de la crítica».
- MANUEL DA COSTA ANDRADE (Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal - Uma
perspectiva Jurídico-Criminal, Coimbra Editora, 1996, pág. 45) refere que «o estatuto de direito
fundamental da liberdade de imprensa prejudica também o alcance e a consistência dos limites que ela
comporta». E acrescenta: «De forma sincrética, impõe limites aos limites a impor à liberdade de
imprensa». Segundo afirma (pág. 47), «É o próprio relevo constitucional da liberdade de imprensa que
condiciona o alcance com que os valores conflituantes a podem balizar». E sublinha, citando K.
TIEDEMANN (Constitución y Derecho penal, Revista Española de Derecho Constitucional, 1991,
Sept-Dec, pp. 719 e segs.): «... as normas de direito (penal) ordinário que de algum modo estabelecem
limites à liberdade de imprensa estarão sempre ‘iluminadas com a luz da constituição’, devendo, por
isso, ser sempre interpretadas a partir do programa de tutela da liberdade de imprensa consignado na
Constituição».
2 Expresso ou tácito, consoante se tratasse, respectivamente, do crime de gravações ou do de
filmagens ou fotografias.
3
tipo legal de crime. A actual versão da lei3 eliminou a referência à justa causa, pelo que para a
verificação de tal delito basta que a conduta típica tenha sido levada a cabo sem consentimento.
Esta alteração tem uma importante consequência, qual seja a de aumentar os casos que são
submetidos a julgamento, já que se torna mais fácil preencher o tipo legal de crime. Por outro
lado, a causa de justificação fixada na al. b) do nº 2 do art. 31º do CP 4, apesar da epígrafe do
artigo, funciona mais como exclusão da culpa do que como afastamento da ilicitude, pelo que a
sua plena averiguação só poderá verdadeiramente fazer-se em audiência de discussão e
julgamento, que é a sede própria para se apurar a culpa do agente. Pelo contrário, se a exigência
de ausência de justa de causa figurasse como elemento (negativo) do tipo legal, bastaria a
verificação de uma justa causa5 em sede de inquérito ou de instrução para afastar a existência do
crime e, consequentemente, ter de ser ordenado o arquivamento do processo sem necessidade
de julgamento.
Acresce que o legislador nunca foi suficientemente claro ao explicar porque é que optou por
retirou do tipo legal a ausência de justa causa e manteve a falta de consentimento, quando ambos
os elementos integravam (e integram) o elenco de causas gerais de justificação do art. 31º do CP.
A situação resultante dessa alteração traduziu-se, para aquele tipo de crimes, num regime mais
agravado do que o existente antes do 25 de Abril, no consulado de Marcelo Caetano 6.
Desde os tempos do Estado Novo até 1995, para que o crime de gravações, fotografias ou filmes
ilícitos se consumasse era necessário que a conduta do agente tivesse sido levada a cabo,
nomeadamente, sem justa causa e sem consentimento dos visados. A partir de 1995, para que
tais delitos se consumem basta que a conduta do agente seja levada a cabo sem consentimento,
só se podendo fazer apelo à justa causa, em sede de julgamento, como causa geral de
justificação.
Resta sublinhar que as gravações, bem como fotografias e filmagens constituem hoje os meios
absolutamente indispensáveis para o exercício da actividade da Comunicação Social 7.
3
Cfr. art. 199º do Código Penal, com a redacção introduzida pelo DL nº 48/95, de 15 de Março.
Esta norma diz que «... não é ilícito o facto praticado: b) no exercício de um direito».
5 Por exemplo, o direito de informar previsto na Constituição e na Lei de imprensa.
6
Cfr. actual art. 199º do Código Penal com a Lei nº 3/73, de 5 de Abril, mormente a sua base I.
7 A este propósito, embora não se referindo a delitos de imprensa, veja-se o recente acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça, que revogou um acórdão do Tribunal Judicial do Círculo da Covilhã,
por este ter admitido como meio de prova a gravação de uma conversa entre um dos arguidos e
uma testemunha, gravação essa efectuada sem conhecimento (logo sem consentimento
expresso) do visado. O caso resume-se da seguinte forma: alguém alegadamente pretendendo
dar uma sova noutra pessoa, contacta um terceiro para efectuar a tarefa. Este porém, em vez de
a realizar grava a conversa e denuncia o caso às autoridades. O STJ, em face do estatuído no art,
199º do CP, decidiu «declarar a nulidade das gravações, por constituírem meios de prova ilegais,
e declarar inadmissíveis os meios de prova pessoal que nelas directamente se baseiam ...».
Citando Costa Andrade (Sobre A Valoração, Como Meio De Prova Em Processo Penal, das
Gravações Produzidas por Particulares, in Estudos Em Homenagem Ao Prof. Doutor
Eduardo Correia, Universidade de Coimbra, Boletim da Faculdade de Direito, Número
Especial, I - págs. 595 e 596), o STJ considera que o que se procura impedir com a incriminação
do art. 199º, nº 1, (art. 179º, nº1 do CP anterior à revisão de 1995) é «que aquilo que se
4
4
3 - AS REVISÕES CONSTITUCIONAIS
Mas foi sobretudo com a revisão de 1997 que o legislador deu algumas das mais profundas
machadadas nos direitos pertinentes à informação.
Por um lado elevou-se o segredo de justiça à dignidade constitucional, conferindo-lhe o estatuto
de figurar no elenco dos Princípios Gerais dos Direitos e Deveres Fundamentais e, por outro lado,
alargou-se a entidades não judiciais o poder de apreciar as infracções cometidas pelos órgãos de
comunicação social.
Tradicionalmente o segredo de justiça sempre foi considerado como um mero instrumento de
eficácia da investigação criminal, mas a partir do momento em que destacadas figuras da vida
pública portuguesa passaram a ser arguidas em processos crime (os «white collar criminals»), o
segredo de justiça logo passou a ser considerado como um dos mais sagrados direitos
processuais dos arguidos8. E daí à sua constitucionalização foi um passo.
Com essa constitucionalização do segredo de justiça, limitou-se drasticamente a liberdade de
informação, uma vez que, tendo ambas as figuras dignidade constitucional, ficam, ipso facto,
acentuadamente diminuídos os casos em que o direito de informar prevalece sobre o dever de
guardar segredo acerca dos actos do processo penal.
Até à última revisão da CRP, os tribunais conferiam, em regra, preponderância ao direito de
informar quando este conflituava com o segredo de justiça, na base do entendimento de que um
era um direito fundamental consagrado na CRP (arts. 37º e 38º da CRP) e o outro um mero
instrumento de eficácia da investigação judicial de um crime, sem dignidade constitucional. Agora
pretendeu que fosse apenas uma expressão fugaz e transitória da vida se converta num produto
registado susceptível de ser utilizado a todo o tempo». Por isso, diz «o conteúdo do ilícito típico
esgota-se na simples gravação ou audição não consentidas». E mais adiante o STJ sublinha que
a «um nível meramente abstracto, mesmo a concluir-se pela verificação de uma situação de
justificação no caso concreto, nunca ela teria a virtualidade de conceptualmente excluir a
tipicidade....».
Mas o Supremo vai mais longe ainda: «É que, se à luz do Código Penal de 1982, era discutível o
exacto alcance a conceder ao inciso ‘as gravações a que se refere a alínea anterior’ constante do
art. 179º nº 1, al. b), resulta insofismável, em face da al. b) do nº 1 do art. 199º do Código revisto,
que mesmo que aquelas fossem lícitas, ainda assim se manteria a exigência do consentimento
para que a sua reprodução não caísse na alçada do respectivo tipo incriminatório».
8 Argumenta-se que o segredo de justiça visa também proteger, por um lado, o bom nome e a
honra dos arguidos e, por outro, a plena efectivação do princípio da presunção da inocência. Ora,
quanto ao primeiro aspecto ignora-se abertamente a circunstância de aqueles bens jurídicos
gozarem da protecção autónoma conferida pelos arts. 180º e segs. do CP. Assim, ao
transformar-se o segredo de justiça num instrumento adicional de protecção da honra e do bom
nome dos arguidos está-se a conceder a estes uma garantia acrescida que não tem qualquer
suporte legal nem constitucional.
Quanto à questão da presunção da inocência dir-se-á apenas que a mesma vigora legalmente até
ao trânsito em julgado da sentença condenatória o que em alguns casos (infelizmente cada vez
5
ambos estão plasmados na Constituição (cfr. art. 20º nº 3) e, portanto, serão muitos menos os
casos em que o direito de informar prevalecerá perante o segredo de justiça.
4 - A INFORMAÇÃO E A ADMINISTRAÇÃO
Também na revisão constitucional de 1997 se alargou a entidades não judiciais o poder de
apreciar as infracções cometidas pelos órgãos de comunicação social. Dizia o nº 3 do art. 37º, na
redacção anterior à última revisão, que as infracções cometidas no exercício do direito de
informação estavam submetidas aos princípios gerais do direito criminal, sendo a sua apreciação
da competência dos tribunais judiciais. Com a alteração operada em 1997 9 , as infracções
cometidas no exercício do direito de informar passaram a estar submetidas aos princípios gerais
do direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação da
competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos
da lei. Quer dizer que agora a lei ordinária determinará quais as infracções que terão natureza
criminal ou simplesmente contra-ordenacional e, assim, quais os que terão a sua resolução nos
tribunais judiciais e nas tais entidades administrativas independentes.
Todo o alcance da garantia constitucional poderá ser na prática esvaziado pelo legislador
ordinário, como, aliás, já começou a verificar-se.
A única entidade administrativa, dita independente, com vocação para resolver conflitos ou litígios
relacionados com o direito de informar é a Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) 10
que nada tem de independente, pois os seus membros, que auferem chorudos vencimentos e
gozam de invejáveis mordomias, são nomeados, maioritariamente, pelo poder político 11 com
possibilidade de recondução12. E é público e notório como a possibilidade de recondução para
cargos tão procurados e disputados é incompatível com a independência no exercício das
respectivas funções.
mais) só se verifica vários anos depois de o processo deixar de estar em segredo de justiça.
9 Cfr. Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro.
10 Cfr. Lei nº 43/98, de 6 de Agosto.
11 Nos termos do art. 39º, nº 3 da CRP, a AACS é constituída por onze membros sendo o
respectivo presidente um magistrado designado pelo Conselho Superior da Magistratura. Dos
restantes elementos cinco são eleitos na Assembleia da República, um é designado pelo governo
e os restantes quatro (representativos da opinião pública, da comunicação social e da cultura) são
designados, pelo Conselho Nacional do Consumo, pelos jornalistas com carteira profissional,
pelas organizações patronais dos órgãos de comunicação social e o quarto cooptado pelos
membros da AACS. A forma de designar os membros representativos da opinião pública foi
estabelecida pelo art. 10º, nº 1, al. d) da Lei nº 43/98, de 6 de Agosto. Este diploma revogou a
anterior lei da AACS (Lei nº 15/90, de 30 de Junho) diminuiu de três para 1 o número de membros
nomeados pelo Governo.
12 O art. 13º, nº 3 da Lei 43/98, de 6 de Agosto estatui que os membros da AACS não podem
exercer mais de dois mandatos consecutivos, nada dizendo quanto ao número total de mandatos
6
E, assim, o poder político que tiver maioria na Assembleia da República e, portanto, formar e
apoiar o governo, é o mesmo que directa ou indirectamente nomeia a maioria dos membros da tal
entidade administrativa independente (AACS) com vastíssimos poderes em matéria de regulação
da actividade informativa.
Como sinal dos tempos refira-se que a AACS começou já a aplicar multas por pretensas violações
do Código Deontológico dos Jornalistas, aproveitando-se do facto de alguns sectores do
jornalismo
português, prisioneiros de um fundamentalismo profissional ancorado nas antigas peias
corporativas do Estado Novo, se recusarem a criar de órgãos verdadeiramente reguladores das
infracções deontológicas.
5 - O SIGILO PROFISSIONAL DO JORNALISTA
Mas ainda mais assustadoras são as alterações legislativas efectuadas no último ano. Numa
delas, a contida na lei nº 67/98, de 26 de Outubro de 1998 13, admite-se expressamente que os
arquivos de um órgão de comunicação social ou de qualquer jornalista poderão ser examinados
pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), desde que uma qualquer pessoa alegue
que tais arquivos contêm dados pessoais seus.
Refira-se que a CNPD é uma entidade administrativa, também dita independente, mas cujos
membros, tal como na AACS, são na sua maioria designados pelo poder político com destaque
para o partido maioritário na Assembleia da República 14.
Aquele diploma prevê expressamente nos seus artigos 10º e 11º o direito de acesso relativamente
ao «tratamento de dados para fins exclusivamente jornalísticos» a efectuar pela CNPD,
bastando que tal seja pedido por qualquer pessoa que desconfie que um jornalista tem registado
os seus dados pessoais.
A nova lei define como dados pessoais «qualquer informação de qualquer natureza,
independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa
singular identificada ou identificável». Significa, pois, que ficam abrangidos os dados
recolhidos para fins exclusivamente jornalísticos, mesmo que não estejam informatizados e
constituam, por exemplo, meros apontamentos de reportagem desde que contenham «qualquer
informação de qualquer natureza» sobre um indivíduo identificado ou identificável.
que podem de facto exercer.
13
Esta lei revogou e substituiu o regime da Lei nº 10/91, de 19 de Abril.
14 A CNPD é constituída por sete membros, dos quais três (incluindo o respectivo presidente) são
eleitos pela Assembleia da República, dois são designados pelo Governo, um é um Juiz escolhido
pelo Conselho Superior da Magistratura e o outro um magistrado do Ministério Público escolhido
pelo Conselho Superior do Ministério Público.
7
Ora, com um tal regime, é claramente ameaçado, um dos principais pilares da liberdade de
imprensa e do direito de informar, que é justamente o sigilo profissional dos jornalistas, ou seja, a
faculdade de ocultar a identidade das suas fontes de informação.
6 - O NOVO ESTATUTO DO JORNALISTA
Mas provavelmente a mais chocante de todas as modificações legislativas é a que se relaciona
com o Estatuto do Jornalista aprovado pela Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro. O novo estatuto aceita
claramente violações do sigilo profissional dos jornalistas e, o que é intolerável, demite-se de
regular os casos em que tais violações são legalmente possíveis. Por outro lado, aceita as buscas
às redacções dos órgãos de comunicação social, as revistas feitas aos jornalistas, bem como as
apreensões de material de reportagem ou a obrigatoriedade de exibição de elementos de
reportagem recolhidos na actividade jornalística, nos mesmos termos em que idênticas medidas
podem ser levadas a cabo contra qualquer cidadão suspeito da prática de um crime.
No domínio do sigilo profissional, das buscas às redacções, revistas e das apreensões, o novo
estatuto do jornalista consagra um regime escandalosamente mais gravoso para os jornalistas do
que os que existem para os advogados, os médicos e os empregados bancários, por exemplo. O
escândalo é tanto maior quanto o sigilo profissional dos jornalistas está consagrado na
Constituição da República (e como tal deveria ter um regime legal mais favorável) e os outros
não15.
Senão observe-se um breve cotejo entre o regime legal estabelecido para os jornalistas e o que
se encontra fixado para os advogados, por exemplo. O novo Estatuto do Jornalista admite no seu art.
11º, nº 1 a possibilidade de os jornalistas serem obrigados a revelar as suas fontes de informação nos termos
estabelecidos no Código de Processo Penal. Com efeito a referida norma diz expressamente que «sem
prejuízo do disposto na lei processual penal os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de
informação, não sendo o seu silêncio passível de qualquer sanção, directa ou indirecta».
Ou seja, a garantia de sigilo profissional pretensamente consagrada no Estatuto do Jornalista não prejudica o
que, sobre essa matéria, estatui o Código de Processo Penal. Essa ressalva retira quase todo o conteúdo
prático àquela garantia, uma vez que os jornalistas só a poderão fazer valer junto das entidades patronais ou
de entidades administrativas, mas, raramente o poderão invocar com êxito em tribunal.
Ao introduzir no texto do artigo a ressalva «sem prejuízo do disposto na lei processual penal», o novo
Estatuto Profissional dos jornalistas aceitou que estes não tenham um regime processual diferente do que
aquele que o código fixa para outras profissões sujeitas a segredo profissional. Com a agravante de o nº 5 do
art. 135º do CPP mandar ouvir o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo
profissional em causa, «... nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja
aplicável», sempre que se tratar de obrigar o referido profissional a depor como testemunha em violação
8
desse segredo. E perante esta remissão o que faz o novo Estatuto do Jornalista? Em vez de estabelecer os
casos em que os jornalistas poderiam ser obrigados a depor com violação do sigilo, pura e simplesmente não
aceita aquela remissão e «devolve a bola ao campo» do CPP, deixando tal tarefa ao arbítrio dos magistrados.
Isto é: em vez de fixar em concreto os casos em que o jornalista poderia ser obrigado a depor em violação do
sigilo profissional, de acordo com os valores ético-deontológicos do jornalismo, o novo Estatuto recusa-se a
fazê-lo, deixando o jornalista sem qualquer protecção específica perante a lei geral 16.
Comparando agora com o regime estabelecido para os advogados verifica-se que o respectivo estatuto diz
expressamente que «não podem fazer prova em juízo as declarações feitas pelo advogado com violação
do segredo profissional». A violação do sigilo só é admitido quando tal «seja absolutamente necessário
para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus
representantes» e mesmo assim só com autorização do presidente do Conselho Distrital respectivo 17.
A situação apresenta-se tanto mais aberrante quanto o sigilo profissional dos jornalistas está consagrado no
art. 38º, nº 2, al. b) da Constituição da República Portuguesa como uma das garantias da liberdade de
imprensa, enquanto os outros segredos profissionais não gozam sequer de referência constitucional.
Acresce que para efeitos do art. 135º, nº 5 do CPP, os jornalistas não dispõem de nenhum organismo
representativo, já que a lei se refere às ordens profissionais respectivas e os jornalistas portugueses têm
sistematicamente recusado a criação de uma Ordem dos Jornalistas.
Verifica-se assim, que um direito fundamental dos jornalistas18 consagrado na Constituição acaba por ter na
lei ordinária um regime menos favorável do que direitos semelhantes de outras profissões que não têm
sequer acolhimento constitucional.
7 - BUSCAS, REVISTAS E APREENSÕES
Acabámos de ver como, em face da legislação existente, o jornalista pode ser obrigado a depor
como testemunha em tribunal em violação do sigilo profissional sob pena de a sua eventual
15
Cfr. art. 38º, nº 2 al. b) da CRP.
A única ressalva absoluta que o CPP admite em matéria de sigilo é a que se refere ao segredo
religioso (Cfr. art. 135º, nº 4).
17
Cfr. art. art. 81º (maxime o nº 4 e o nº 5) do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pelo
DL 84/84, de 16 de Março.
18
E não só dos jornalistas, mas da própria sociedade no seu conjunto, já que verdadeiramente o
sigilo profissional do jornalista consiste na faculdade de proteger as fontes de informação, não revelando a
sua identidade. Tal prerrogativa, que está protegida pela Constituição da República (art. 38º, nº 2, al. b)) e
pela Lei de Imprensa (arts. 2º, nº 1, al. a) e 22º, al. c)), constitui a verdadeira matriz do jornalismo moderno.
Assim como nunca haverá uma autentica democracia sem liberdade de imprensa, também jamais existirá
genuína liberdade de imprensa sem uma eficaz protecção do sigilo profissional dos jornalistas. Ninguém terá
coragem para revelar aos jornalistas factos que ponham em causa os poderes instituídos se os profissionais
da comunicação não lhes poderem antecipadamente garantir a protecção conferida pelo anonimato. Só dessa
forma se poderá impedir que as fontes de informação sejam alvo de represálias e perseguições. Sem uma
eficaz garantia do anonimato das fontes de informação nunca se poderá falar de verdadeiro jornalismo, nas
sociedades actuais.
16
9
recusa do depoimento poder acarretar-lhe uma condenação de seis meses a três anos de
prisão19.
Mas há outros casos em que o sigilo profissional do jornalista pode ser violado, de facto, por
entidades judiciais e/ou policiais.
Tal pode acontecer quando as referidas entidades tomam conhecimento, através de buscas, de
revistas ou de apreensões de elementos pertencentes a jornalistas contendo, por exemplo, nomes
e contactos de fontes de informação, cuja identidade se queria ocultada.
Na verdade e de acordo com o estabelecido no seu novo Estatuto 20 «os jornalistas não podem
ser desapossados do material utilizado ou obrigados a exibir os elementos recolhidos no
exercício da profissão, salvo por mandado judicial e nos demais casos previstos na lei».
Trata-se aparentemente de uma vacuidade sem sentido, pois tal norma apenas se limita a dizer
que as leis que prevêem essas situações se aplicam aos jornalistas 21. Parece, pois, que a norma
em causa (art. 11º, nº 3) só existe para mandar aplicar o que já era aplicado ao jornalista antes da
sua prolacção - a Lei Geral. Mas tal norma não é inocente. Por um lado procura dar a ideia de que
se veio proteger o jornalista quando ele está precisamente na mesma situação em que estaria se
o estatuto não existisse; quando ele está, afinal, na mesma situação em que está qualquer
cidadão que não poderá ser desapossado do que lhe pertence salvo nos casos previstos na lei.
Também aqui, lamentavelmente, o novo estatuto se demitiu de fixar os casos em que um
jornalista ou um
órgão de informação poderá ser alvo de revistas, apreensões e
buscas,
deixando tal ao arbítrio de magistrados e polícias e procurando criar a ilusão de que consagra
verdadeiros e novos direitos profissionais.
Afinal o que o novo Estatuto vem dizer é que as buscas e/ou as apreensões podem ser ordenadas
por um juiz ou por um procurador (sem qualquer limite material) ou efectuadas por polícias sem
autorização judicial. E neste último caso a polícia têm 3 dias para que a apreensão seja validada
por um juiz ou um procurador22.
Assim, ao não fixar qualquer excepção para os jornalistas, o que o novo estatuto faz é desprezar
o respectivo sigilo profissional, admitindo a possibilidade de se apreenderem, por exemplo,
agendas ou arquivos de jornalistas contendo as identidades e moradas das suas fontes de
informação.
19
Cfr. art. 360º, nº 1 e nº 2 do CP, segundo o qual incorre naquela pena «... quem, sem justa
causa, se recusar a depor ...». Ora, no caso de um tribunal ordenar a um jornalista que preste
depoimento com violação do segredo profissional, deixa, obviamente, de haver justa causa para a
recusa.
20
Cfr. art. 11º, nº 3.
21 Como se fosse preciso publicar uma lei para mandar aplicar a lei que já se aplicava!!! A
redacção deste normativo só se compreende como uma pequena subtileza cujo objectivo é o de
pretender incutir nos leigos a ideia de que se confere protecção especial a um direito que, na
realidade, não goza de qualquer protecção específica.
22
Cfr. art. 174º, nº 4, als. a) e c); art. 175º, nº 1; art. 176º, nº 1 e nº 3; art. 178º, nº 3, nº 4 e nº 5 e art. 251º, nº
1, al. a) e nº 2, todos do CPP.
10
Como comparação com o que se passa com os advogados 23 sublinhe-se que uma busca ao
escritório de um advogado só pode ordenada por um juiz, tem obrigatoriamente de ser presidido
por esse juiz e com a presença também obrigatória do presidente do Conselho Distrital da Ordem
respectivo.
Possivelmente será uma utopia pretender um Estatuto do Jornalista onde se determine que as
buscas às redacções dos jornais ou as revistas a profissionais só possam ser efectuadas nas
mesmas condições que ao escritório de um advogado. Mas já não seria «escandaloso» que o
novo Estatuto do Jornalista estipulasse pelo menos que as buscas às redacções dos jornais, as
revistas aos jornalistas e as apreensões de material jornalístico tivessem de ser ordenadas por um
juiz, nos termos da lei, para serem processualmente válidas. Isto para não se poder afirmar que
os jornalistas, ao contrário do que sucede com outras profissões sujeitas a sigilo profissional, têm
um estatuto processual precisamente igual ao de um vulgar criminoso e as redacções dos jornais
equiparadas a antros de criminalidade.
Por fim, uma palavra, para a única alteração legislativa ocorrida na vigência do actual governo,
que teve um sentido iniludivelmente favorável aos jornalistas. Tal alteração foi levada a cabo com
a última revisão do Código Penal e traduziu-se na eliminação pura e simples do nº 5 do art. 180º.
A norma revogada impunha que, no caso de difamação em que se imputasse factos que
constituíssem crimes, a respectiva prova em juízo só pudesse ser feita através da sentença
condenatória proferida no processo em que tais factos tivessem sido julgados. Ao admitir que tal
prova possa ser efectuada por qualquer outro meio legítimo, a lei penal veio reforçar as garantias
de defesa dos arguidos em processos por difamação, que constituem, como se sabe, a maioria
dos crimes de imprensa.
* - Advogado, Jornalista do jornal EXPRESSO, Assistente Convidado da Universidade de
Aveiro, onde rege a Cadeira de Direito e Deontologia da Comunicação no Curso de Novas
Tecnologias da Comunicação do Departamento de Comunicação e Arte.
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Cfr. art. 180º e 268º nº 1, al. c) do CPP.
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