Tecnologia Culto à mediocridade A Internet tornou-se um celeiro de idéias cujo conteúdo e veracidade nem sempre podem ser confirmados. Em perspectiva crítica, o fenômeno mostra os exageros de uma cultura da opinião por Françoise Terzian 40 vol.7 nº4 jul/ago 2008 gvexecutivo 41 O >>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>> O que é a verdade? Na perspectiva científica, verdade é o que pode ser confirmado a partir de fatos, ou seja, da realidade. Contudo, segundo Andrew Keen, um insider do mundo do vale do Silício e crítico emergente da Web 2.0, está surgindo um novo significado de verdade, de acordo com o qual o verdadeiro é decidido pela maioria – no caso, pela maioria das pessoas que usam a Internet para criar blogs, sites, Wikipedia etc. Keen escreveu em 2007 um livro para criticar esse fenômeno de “liberdade de expressão” ensejado pela Web 2.0. A tese de O culto ao amador é de que a autoridade transformouse a ponto de quase desaparecer. Há algum tempo, as pessoas recorriam a “especialistas” para obter informações; hoje, elas podem buscá-las na Internet ou simplesmente fornecêlas. A questão é: qual o grau de segurança e de fidedignidade das informações encontradas em um blog? Keen, radical, alerta para a massa de saber duvidoso que cresce na Internet. Para entender melhor suas idéias, a GV-executivo entrevistou Kenn com exclusividade. A facilidade de acesso e publicação na Internet não poderia ser considerada o futuro da comunicação? Não estou certo disso, mas acho que esse futuro pode ser um lugar perigoso para se habitar. Como saberemos em quem confiar, em quais informações acreditar e o que é verdadeiro? Precisaremos ser mais cuidadosos a respeito do que vamos ler e identificar melhor quem produz esses conteúdos. Os conteúdos publicados precisam pautar-se por critérios de bom senso. O fato de o conteúdo ser gratuito não implica que tenha algum valor. Imagine crianças e jovens que, ao entrarem na Internet, seguem direto para a Wikipedia em busca de informações para seus trabalhos escolares. Nem sempre há aí informações verdadeiras, de modo que há um risco na exposição desse público a esses conteúdos. Há também proliferação de jogos ilegais, corrupção e violação de direitos autorais na Internet. O senhor critica a Web 2.0, mas também faz parte desse ambiente e tem até um blog. Isso não é incoerente? Estou dentro do sistema, mas tenho um ponto de vista crítico; analiso os problemas que o envolvem. Olho por dentro e vejo com cautela e crítica o modelo de negócios da suposta revolução da Internet. É verdade que a Web 2.0 está transformando a velha mídia, fazendo-a melhorar; mas, em minha opinião, esse modelo não é bom para o desenvolvimento da carreira e a geração de empregos. Não sou totalmente contra os blogs e a Wikipedia. Chego, inclusive, a checar algumas coisas na Wikipedia. AK: AK: 42 vol.7 nº4 jul/ago 2008 AK: Isso significa que a Internet deveria ser mais controlada e, no limite, regulada? Penso que a responsabilidade é de todos nós; não acho que é o governo quem deva impor uma solução para essa questão. Não sugiro uma situação como a da China, que proíbe o acesso a vários sites e recursos da Internet. Ver a Internet como algo ilegal não é a saída. Por outro lado, acredito que a população usuária da Web 2.0 poderia ter maior consciência e redobrar seu cuidado no uso da Internet. Quando você fica on-line, deve respeitar algumas regras. Participar de uma comunidade não é só uma questão de direitos, mas também de deveres e responsabilidades. >>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>> tecnologia: culto à mediocridade O que o senhor pensa sobre jornalismo colaborativo, que conta, por exemplo, com a ajuda da população para produzir notícias e fotos? Acho que o jornalismo deve ser feito por jornalistas, assim como a medicina deve ser exercida por médicos. Os jornalistas precisam continuar a produzir seus conteúdos. Ser um bom cidadão não significa ser um bom jornalista, e vice-versa. Quer dizer, as pessoas podem usar a Web 2.0 para se beneficiar pessoalmente e não a toda a comunidade. Jornalistas profissionais podem fazer realmente um bom trabalho. Essa idéia de usar a população como jornalistas talvez seja uma estratégia de cortar custos, mas não vejo como substituir um jornalista e um fotógrafo por cidadãos comuns. O jornalista dedica-se a essa atividade em tempo integral. Um cidadão, não. AK: E quanto aos blogs? Em minha opinião, a maioria dos blogs não faz dinheiro. Eles também não são profissionais, até porque não pertencem a jornalistas. Não têm um trabalho de edição nem cuidado com o que publicam. Na ausência de alguém que gerencie esse material, muitos blogueiros vendem seus conteúdos como se fossem inéditos. O grande problema da ausência de editores e revisores nos blogs é distinguir histórias reais e factuais das que não o são. AK: Qual sua opinião sobre o futuro da Internet, anunciado pela chegada da Web 3.0? Vou falar de um futuro que gostaria que acontecesse. Para mim, a Web 3.0 deveria redescobrir o valor dos profissionais e ser usada para distribuir e vender conhecimento É uma Internet com alto potencial. 6 AK: "O grande problema da ausência de editores e revisores nos blogs é distinguir histórias reais e factuais das que não o são" Françoise Terzian, Jornalista, [email protected] gvexecutivo 43