Regulação da Transmissão: O Caso Singular do Setor Elétrico Brasileiro EDVALDO SANTANA ANEEL Setembro de 2008 Sumário Considerações iniciais Premissas básicas para o modelo de operação da rede Características da infra-estrutura de transmissão Aspectos relacionados aos contratos O Contrato de Prestação dos Serviços de Transmissão O Contrato de Uso do Sistema de Transmissão O Contrato de Conexão O Contrato de Compartilhamento das Instalações Reforços e melhorias das instalações de transmissão Considerações finais Considerações iniciais Premissas básicas para o modelo de operação da Rede Minimização dos efeitos das quatro falhas de mercado Assimetria de informações (AI) Externalidades (E) Poder de Monopólio (PM) Bens públicos (BP) A rede de transmissão é uma das fontes dessas falhas O funcionamento da rede (equipamentos) é melhor conhecido pelos proprietários (AI) Uma nova entrada na rede (de uma usina ou de uma carga), se a rede não estiver preparada, pode afetar o desempenho do sistema (E) Restrições de transmissão, limitando o fluxo de energia, tornam o sistema vulnerável ao poder de monopólio (PM) A confiabilidade é vista como um bem público, o que exige bastante cuidado na forma de alocar os custos e avaliar seus efeitos (BP e E) Esses problemas são adequadamente resolvidos no Brasil? Considerações iniciais Pressupostos gerais da reestruturação Competição onde é possível Geração e comercialização Operação do mercado e do sistema seria realizada por entidades independentes Agência reguladora independente A rede seria um monopólio natural Redes de transmissão e distribuição (fio) Separação vertical das atividades Como são aplicados, no Brasil, os dois últimos pressupostos? Características da Infra-estrutura de Transmissão Alguns aspectos básicos É livre o acesso de G, D ou CL à rede de transmissão A rede básica é operada de forma centralizada pelo ONS, que tem um contrato de prestação de serviço com as transmissoras São da rede básica as instalações com tensão ≥ que 230 kV A operação da rede é regulada e fiscalizada pela ANEEL Existem hoje no Brasil 63 Transmissoras, titulares de 89 mil km de redes. Desse total, 68% são de propriedade estatal, verticalizadas Já foram licitados 23 mil km, a maioria para as empresas privadas As Transmissoras possuem uma receita anual fixa 50% dessa receita são pagos pelos geradores e 50% pelos consumidores – livres e regulados As faturas são emitidas mensalmente com base em dados do ONS Todas as transações são regidas por contratos regulados Características da Infra-estrutura de Transmissão A operação física da rede A operação é coordenada pelo ONS, que ordena o despacho das usinas de acordo com modelos computacionais A operação e a manutenção é programada e realizada pelas próprias transmissoras Existem quatro submercados fisicamente interligados, com regimes hidrológicos complementares (Sul – Sudeste) Isso torna essencial a disponibilidade da rede, pois as LTs são utilizadas para “transferência de água” entre submercados Por isso, indisponibilidades acima de um padrão causam elevados descontos na receita – Parcela Variável (PV) Esse desconto, em 2007/2008, não chegou a 1,0% da receita total – um bom desempenho – confiabilidade e segurança energética A conexão de qualquer usuário à rede requer o atendimento de padrões de desempenho estabelecidos em procedimentos de rede Aspectos relacionados à contratação Tipos de contratos Todos são contratos padronizados pela ANEEL Contrato de Concessão – é o “contrato regulatório”: rege a relação entre a Transmissora e o Poder Concedente Contrato de Prestação de Serviços de Transmissão (CPST) – rege a relação entre o ONS e as Transmissoras Contrato de Uso do Sistema de Transmissão (CUST) – rege a relação entre os Usuários (G ou D ou CL) com as Transmissoras e o ONS Contrato de Conexão de Transmissão (CCT): rege a relação entre G ou D ou C com as Transmissoras Contrato de Compartilhamento de Instalações de Transmissão (CCI) – rege a relação entre transmissoras Aspectos relacionados à contratação O Contrato de Prestação de Serviço de Transmissão (CPST) Celebrado entre o Operador da Rede e as Transmissoras Estabelece os termos e as condições para a prestação do serviço de transmissão – obrigações e direitos: do ONS e da T As Transmissoras autorizam ONS a representá-las no Contrato de Uso do Sistema de Transmissão (CUST) Por tal contrato as transmissoras são obrigadas a manter um determinado índice de disponibilidade – exigências operacionais; O não cumprimento de tal índice implica o pagamento de “parcela variável” (PV), que pode chegar a uma receita anual (RAP) Após a entrada em operação comercial as transmissoras têm direito à RAP, que resulta de um leilão ou é definida pela ANEEL, quando for um reforço Aspectos relacionados à contratação O Contrato de Uso da Transmissão (CUST) Celebrado entre o Operador da Rede, as Transmissoras e os Usuários (G, D e CL) Pode ser permanente ou temporário (suprimento interruptível) É o principal contrato para o negócio da transmissão Estabelece os termos e as condições para o uso da Rede Básica pelos Usuários Os usuários pagam uma Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST), calculada pela ANEEL com base em preços locacionais Essas tarifas, multiplicadas pelo montante de uso dos sistemas de transmissão (MUST), formam as RAPs das transmissoras Mensalmente o ONS faz o rateio da receita total entre as Ts As sobras de receita reduzem as tarifas do ano seguinte e os déficits aumentam tais tarifas. Não há grandes sobras ou déficits Aspectos relacionados à contratação O Contrato de Conexão (CCT) Celebrado entre o Transmissora e os Usuários (G, D e CL) da Rede As transmissoras se comprometem com atendimento de algumas condições operacionais em certo ponto de conexão É no CCT que são definidas as condições de acesso – assimetria de informações O parecer de acesso é coordenado pelo ONS A escolha do ponto de conexão leva em conta a minimização do custo global, daí a participação do ONS O parecer de acesso é essencial para a otimização do uso da rede – confiabilidade versus custo. Minimiza efeitos de externalidades Os pagamentos dos Usuários levam em conta as obras das Ts Esses pagamentos são realizados sob a forma de encargo de conexão, em geral combinado entre as partes Relação bastante virtuosa, o que facilita o acesso à rede básica Aspectos relacionados à contratação O Contrato de Compartilhamento das Instalações (CCI) Celebrado entre Transmissoras Define os direitos, as obrigações e os procedimentos para o uso compartilhado de instalações de transmissão Em geral consiste no compartilhamento de subestações ou de equipamentos ali instalados Algumas poucas Ts tentam criar dificuldade para compartilhar instalações – afetaria confiabilidade e custo e pode gerar poder de monopólio. Todos os casos foram resolvidos Ainda não houve grandes problemas, mas o reforço de instalações existentes pode resultar em disputas A conseqüência seria o aumento dos custos operacionais no futuro, o que se evita com a transferência compulsória de instalações Reforços e melhorias das instalações de transmissão Reforço São obras planejadas e determinadas pelo ONS ou pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) Ou seja, o empreendedor não teria como prevê os investimentos em tais obras Por Lei, as obras em instalações existentes são executadas pela própria transmissora Para esses casos, a ANEEL define uma RAP adicional, com base no orçamento apresentado ou custo ANEEL, o que for menor O custo ANEEL leva em conta os resultados dos últimos leilões As transmissoras procuram justificar qualquer obra como reforço (assimetria de informações), ou atrasam a execução de reforços (externalidades) Não recebem a RAP, são penalizadas e reforços podem ser transferidos Reforços e melhorias das instalações de transmissão Melhorias São investimentos associados ao aprimoramento tecnológico das instalações de transmissão Exemplo 1: a manutenção de uma certa confiabilidade do sistema requer a substituição de um transformador de corrente, que não suporta certa corrente de curto-circuito Esses investimentos são realizados pelas Ts, sem direito a uma RAP adicional Todo ano há um plano de melhoria Foi objeto de uma grande disputa com a ANEEL, resolvida em 2006 Grande fonte de assimetria de informações, mas há penalidade pela não execução, sem contar a aplicação da PV Considerações Finais A forma de operar a rede básica de transmissão no Brasil tem sido muito bem sucedida, apesar da singularidade do design Ótima confiabilidade e as restrições de transmissão são ocasionais Incentivos minimizam os efeitos da assimetria de informações e quase não há problemas para a conexão de usuários Os custos unitários são decrescentes, o que é explicado, pelos resultados dos leilões de transmissão Ou seja, são bens resolvidas as “falhas de mercado” (AI, PM, E, e BP) É muito bem exercido o livre acesso à rede básica, o que pode ser explicado, por exemplo, pelas vendas diretas entre G e CL Sem grandes problemas no rateio das receitas mensais Considerações Finais Um ou outro problema pontual, como a retirada (comercial) da interligação entre Brasil e Argentina A coordenação do parecer do acesso pelo ONS foi um fator-chave para os bons resultados Devemos aprimorar os problemas associados à definição de melhoria e o compartilhamento de instalações A assimetria de informações no planejamento dos reforços é adequadamente equacionada, mas pode melhorar Apesar de essenciais, os contratos são simples Casos não previstos são sempre resolvidos seguindo a orientação dos contratos, inclusive o “contrato regulatório” Ou seja, os contratos são “pontos de referência”, sendo virtuosas as relações entre todas as partes; baixos custos de transação Ainda temos pequenos problemas em redes abaixo de 230 kV