Ainda “a nação indispensável”? Visões conflitantes sobre o declínio

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Ainda “a nação indispensável”? Visões conflitantes sobre o declínio da hegemonia dos Estados Unidos e
seu impacto na governança internacional
Profa. Dra. Ivani Vassoler
State University of New York
[email protected]
Resumo Expandido
Robert Gilpin, um dos mais destacados representantes da corrente realista nas relações
internacionais, foi também um dos primeiros a identificar, quase 40 anos atrás, o declínio relativo da
hegemonia dos Estados Unidos. Mas esse fenômeno que foi observado ha’ várias decadas ganha
intensidade e novos contornos na entrada do século 21, suscitando pesquisas e predições sobre o futuro
do sistema internacional sem a presença do poder hegemônico americano. Como destaca a literatura
especializada em política exterior e geopolítica, a estrutura do sistema internacional em menos de duas
décadas a partir do fim da Guerra Fria passou por uma transformação indo de unipolar a apolar, refletindo
a mudança de um mundo sob a hegemonia de uma superpotência para um sistema com potências antigas
convivendo com as emergentes. Assim, esse trabalho explora diferentes perspectivas sobre o papel dos
Estados Unidos no sistema apolar que se delineia. O estudo se concentra nas questões centrais do debate
atual sobre o declínio da hegemonia americana e o futuro da nova ordem mundial. Haverá espaços para o
país atuar como um poder dominante, fazendo jus ao slogan “the indispensável nation” tão popular nos
círculos políticos americanos. Ou num mundo convulsionado pelas transformações econômicas, os
Estados Unidos, enfrentando uma severa restricao de recursos, estarão cada vez mais incapacitados para
influenciar o curso de eventos no sistema internacional? Se o recuo americano de fato se materializar,
quais serão as consequências para a segurança internacional?
Um estudioso das causas que transformaram os EUA num poder hegemônico, Gilpin também
observou no começo da década de 70 a ocorrência de um declínio relativo daquela hegemonia como
resultado de turbulências na economia internacional, entre elas, a crise energética conhecida como the “oil
shocks” (em 1973 e 1979). Além disso, o crescimento econômico do Japão e a competitividade dos seus
produtos manufaturados começaram a desafiar a economia americana que na época passou a acumular
déficits comerciais. Os problemas econômicos despertaram sentimentos protecionistas nos EUA, o que
em si representa um recuo global através de um menor envolvimento no comércio internacional. Naquela
época, Gilpin desenvolveu sua tese sobre o declínio da hegemonia, destacando que de uma posição de
dominação, os Estados Unidos teriam passar a conviver com uma era de interdependência, onde
cooperação e concessões seriam necessárias.
O declínio hegemônico dos Estados Unidos, observado desde a década de 70, sofreu uma breve
interrupçåo (pelo menos em termos de percepção) em 1991 com o término da Guerra Fria. O
desaparecimento do comunismo (como ameaça concreta ao sistema capitalista), o enfraquecimento e
desintegracão da União Soviética (desde então Rússia) e a ação decisiva do governo americano na Guerra
do Golfo (1991) alimentaram a noção de um sistema internacional dominado por uma única
superpotência. O fenônemo foi excepcionalmente capturado por Charles Krauthammer no artigo “The
Unipolar Moment” publicado na Foreign Affairs (1991). Durante pelo menos uma década a ideia de uma
única superpotência foi pouco desafiada. De fato, os anos da administração Clinton, nos quais
prevaleceram a expansão econômica, ganhos nos mercados de ações e novas oportunidades empresariais
através da Internet, trouxeram de volta as análises sobre a importância de um poder hegemônico para
garantir a estabilidade internacional, o que essencialmente e’ reinvicado pela teoria da estabilidade
hegemonica desenvolvida por Charles Kindleberger (1973).
Sabemos agora que o início do Século XXI foi um divisor de águas para a política exterior dos
EUA, marcando também o início de uma era de incertezas para o sistema internacional. Não somente a
guerra global ao terrorismo declarada por Washington (em resposta aos ataques do 11 de Setembro)
passou a consumir demasiados recursos do país como também outras variávies acabaram por desmoronar
a percepção de uma superpotência única capaz de manter uma ordem mundial liberal (como os EUA
fizeram na segunda metade do século 20). Debilitados financeiramente e moralmente pelas guerras no
Iraque (2003-2011) e Afeganistão (em andamento desde 2001), os Estados Unidos enfrentam a mais
severa crise econômica desde a Grande Depressão, o que é visível nos consecutivos déficit fiscais do
governo federal, no montante da dívida nacional (que equivale ao PIB do país), no alto nível de
desemprego e nos cortes de gastos públicos nas três esferas – federal, estaduaal e municipal.
Entretanto e como ja’ foi observado no passado, o declínio da hgemonia não pode ser equiparado
`a falta de poder. De fato, quando consideramos as medidas de “poder duro” (como definido por Joseph
Nye, 2004), os Estados Unidos se mantêm na posição número 1 na escala mundial. O Produto Interno
Bruto na casa de US$ 14 trilhões e o poderio militar (particularmente a alta tecnologia a ele associada)
fazem dos Estados Unidos um poder ímpar. Trata-se porém de um poder comprometido pelo alto
endividamento e pela dependência de empréstimos da China (e outros países). Além disso, a economia
americana e’ vulnerável em virtude da falta de poupança. Tendo de impor uma restrição severa nos gastos
públicos, os Estados Unidos estão sendo forçados a um certo retraimento internacional. De credor a
devedor, o país encolhido estaria perdendo sua capacidade de exercer a influência que exercia na arena
global. Segundo algumas análises, as transformações econômicas com o crescimento significativo da
China, India e Brasil indicam o início de uma nova ordem mundial sem o poder dominante americano.
Apesar do exposto, estamos longe de observar um consenso sobre a dimensão e consequências do
declínio hegemônico dos Estados Unidos. A literatura especializada em política exterior e geopolítica
revela perspectivas conflitantes sobre “como estamos e para onde vamos” (em relação ao status da
superpotência). Adicionalmente, as análises tentam visualizar que tipo de ordem global (governança
política e econômica) se estabelecerá no caso de um recuo significativo dos Estados Unidos. Partindo dos
pressupostos desenvolvidos por Robert Kagan, Michael Mandelbaum, Dominique Moisi e Philip Coggan,
entre outros, esse trabalho procura contribuir para o campos dos estudos dos Estados Unidos através de
uma análise dos altos e baixos da hegemonia americana.
REFERENCES
GILPIN, Robert. The Political Economy of International Relations. Princeton University Press, USA,
1987.
KINDLEBERGER, Charles. The World in Depression 1929-1939. London. 1973.
KRAUTHAMMER, Charles. “The Unipolar Moment”. Foreign Affairs. 1991.
NYE, Joseph. Soft Power: The Means to Success in World Politics. 2004.
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