DECISÃO: Trata-se de reclamação na qual se alega que o ato ora impugnado teria transgredido a autoridade do julgamento que esta Suprema Corte proferiu, com efeito vinculante, no exame da ADC 16/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO, além de supostamente haver desrespeitado o enunciado constante da Súmula Vinculante nº 10/STF, que possui o seguinte teor: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.” (grifei) Sustenta-se, na presente sede processual, que o órgão ora reclamado, no julgamento objeto da presente impugnação, teria decidido com base na Súmula nº 331, IV, do TST (em sua antiga redação), afastando, em consequência, a incidência do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93, o que, além de supostamente desrespeitar a decisão proferida no julgamento da ADC 16/STF, implicaria, ainda, ofensa ao princípio da reserva de plenário (CF, art. 97). Registro que indeferi o pedido de medida cautelar, motivo pelo qual a parte reclamante interpôs recurso de agravo. Sendo esse o contexto, passo ao exame do pedido formulado nesta sede reclamatória. Como se sabe, esta Suprema Corte, ao apreciar a ADC 16/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO, julgou-a procedente, para declarar a constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93, em decisão que se acha assim ementada: “RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995.” (ADC 16/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO – grifei) Cabe ressaltar, no ponto, que, em referido julgamento, não obstante o Plenário do Supremo Tribunal Federal tenha confirmado a plena validade constitucional do § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93 – por entender juridicamente incompatível com a Constituição a transferência automática, em detrimento da Administração Pública, dos encargos trabalhistas, fiscais, comerciais e previdenciários resultantes da execução do contrato, na hipótese de inadimplência da empresa contratada –, enfatizou que essa declaração de constitucionalidade não impediria, em cada situação ocorrente, o reconhecimento de eventual culpa “in omittendo” ou “in vigilando” do Poder Público. Essa visão em torno do tema tem sido observada por eminentes Ministros desta Suprema Corte (Rcl 8.475/PE, Rel. Min. AYRES BRITTO – Rcl 11.917/SP, Rel. Min. LUIZ FUX – Rcl 12.089/RJ, Rel. Min. LUIZ FUX – Rcl 12.310/SP, Rel. Min. LUIZ FUX – Rcl 12.388/SC, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – Rcl 12.434/SP, Rel. Min. LUIZ FUX – Rcl 12.595/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – Rcl 13.933/AM, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – Rcl 14.623/ES, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, v.g.), em julgamentos nos quais se tem reconhecido possível a atribuição de responsabilidade subsidiária ao ente público na hipótese de restar demonstrada a ocorrência de comportamento culposo da Administração Pública. Vale referir, ainda, ante a pertinência de seu conteúdo, trecho da decisão que o eminente Ministro JOAQUIM BARBOSA proferiu no âmbito da Rcl 12.925/SP, de que foi Relator: “(...) ao declarar a constitucionalidade do referido § 1º do art. 71 da Lei 8.666/1993, a Corte consignou que se, na análise do caso concreto, ficar configurada a culpa da Administração em fiscalizar a execução do contrato firmado com a empresa contratada, estará presente sua responsabilidade subsidiária pelos débitos trabalhistas não adimplidos. Em outras palavras, vedou-se, apenas, a transferência automática ou a responsabilidade objetiva da Administração Pública por essas obrigações. No presente caso, a autoridade reclamada, embora de forma sucinta, a partir do conjunto probatório presente nos autos da reclamação trabalhista, analisou a conduta do ora reclamante e entendeu configurada a sua culpa ‘in vigilando’. …................................................................................................... Como o controle da regularidade da execução dos contratos firmados com a administração deve ser feito por dever de ofício, é densa a fundamentação do acórdão-reclamado ao atribuir ao Estado o dever de provar não ter agido com tolerância ou desídia incompatíveis com o respeito ao erário. Se bem ou mal decidiu a autoridade reclamada ao reconhecer a responsabilidade por culpa imputável à reclamante, a reclamação constitucional não é o meio adequado para substituir os recursos e as medidas ordinária e extraordinariamente disponíveis para correção do alegado erro. Ante o exposto, julgo improcedente esta reclamação (art. 38 da Lei 8.038/1990 e art. 161, par. ún. do RISTF).” (grifei) É importante assinalar, por oportuno, que o dever legal das entidades públicas contratantes de fiscalizar a idoneidade das empresas que lhes prestam serviços abrange não apenas o controle prévio à contratação – consistente em exigir, das empresas licitantes, a apresentação dos documentos aptos a demonstrar a habilitação jurídica, a qualificação técnica, a qualificação econômico-financeira, a regularidade fiscal e o cumprimento do disposto no inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal (Lei nº 8.666/93, art. 27) –, mas compreende, também, o controle concomitante à execução contratual, viabilizador, dentre outras medidas, da vigilância efetiva e da adequada fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas em relação aos empregados vinculados ao contrato celebrado (Lei nº 8.666/93, art. 67). Esse entendimento encontra apoio em expressivo magistério doutrinário (LÍVIA DEPRÁ CAMARGO SULZBACH, “A Responsabilidade Subsidiária da Administração Pública na Terceirização de Serviços – Princípio da supremacia do interesse público x dignidade da pessoa humana? – Repercussões do julgamento da ADC n. 16 pelo STF na Súmula n. 331 do TST”, “in” Revista LTr, vol. 76/2012, p. 719/739; ROBERTO NOBREGA DE ALMEIDA FILHO, “Terceirização na Administração Pública e suas consequências no âmbito da Justiça do Trabalho”, “in” Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, nº 40/2012, p. 187/196; PLÍNIO ANTÔNIO PÚBLIO ALBREGARD, “Responsabilidade Subsidiária da Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional”, “in” Revista do TRT da 2ª Região, nº 07/2012, p. 67/73; IVANI CONTINI BRAMANTE, “A Aparente Derrota da Súmula 331/TST e a Responsabilidade do Poder Público na Terceirização”, “in” Repertório de Jurisprudência IOB, nº 24/2011, vol. II, p. 721/767; BRUNO SANTOS CUNHA, “Fiscalização de Contratos Administrativos de Terceirização de Mão de Obra: Uma Nova Exegese e Reforço de Incidência”, “in” Revista do TST, nº 01/2011, vol. 77/131-138; EDITE HUPSEL, “Controle de Execução dos Contratos Administrativos pela Administração Pública”, “in” Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC, nº 163/2007, p. 872/878, v.g.). Cabe destacar, ainda, nessa mesma linha de orientação, em face de sua extrema relevância, a lição de HELDER SANTOS AMORIM, MÁRCIO TÚLIO VIANA e GABRIELA NEVES DELGADO (“Terceirização – Aspectos Gerais: Última Decisão do STF e a Súmula 331 do TST – Novos Enfoques”, “in” Revista do TST, nº 01/2011, vol. 77/76-83): “A interpretação do § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93 desafia sua leitura conjunta e contextualizada com vários outros dispositivos legais que imputam à Administração Pública, de forma correlata e proporcional, o dever de fiscalizar eficientemente a execução dos seus contratos de terceirização, por imperativo de legalidade e moralidade pública (Constituição, art. 37, capuz), inclusive em relação ao adimplemento dos direitos dos trabalhadores terceirizados, tendo em vista que se trata de direitos fundamentais (Constituição, art. 7º) cuja promoção e fiscalização incumbe aprioristicamente ao Estado, como razão essencial de sua existência. Daí porque a fiscalização do fiel cumprimento dos direitos dos trabalhadores terceirizados constitui elemento intrínseco à fiscalização do contrato de prestação de serviços, tal como decorre expressamente de dispositivos da Lei de Licitações e das normas que a regulamentam no nível federal, em observância aos preceitos constitucionais que consagram a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamento da República (CF, art. 1º, III e IV), que instituem como objetivo da República construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), que fundamentalizam os direitos essenciais dos trabalhadores (art. 7º), que fundam a ordem econômica na valorização do trabalho humano (art. 170) e que alicerçam a ordem social no primado do trabalho (art. 193). No plano infraconstitucional, o dever da Administração Pública de fiscalizar o cumprimento de direitos dos trabalhadores terceirizados decorre primeiramente de dispositivos da Lei de Licitações, mas o padrão fiscalizatório, que diz respeito à extensão e profundidade deste dever de fiscalizar, encontra-se emoldurado na integração deste diploma legal com preceitos da Instrução Normativa (IN) nº 02/08, alterados pela Instrução Normativa (IN) nº 03/09, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), que regulamentam a matéria no âmbito da Administração Pública Federal. …................................................................................................... E estando assim evidentes os extensos limites do dever constitucional e legal da Administração de fiscalizar o cumprimento dos direitos dos trabalhadores terceirizados, disso decorre naturalmente que a inobservância deste dever de fiscalização implica a responsabilidade da Administração pelo inadimplemento dos direitos que deveriam ser fiscalizados. Esta responsabilidade não se esgota com a demonstração de uma simples verificação superficial da formalização dos vínculos de emprego, pois o padrão fiscalizatório acima retratado exige o envolvimento direto e diário da Administração com a rotina das práticas trabalhistas da empresa contratada. A Administração só se desincumbe deste seu dever quando demonstra a promoção eficaz de todos os procedimentos legais de controle, além daqueles que, embora não previstos expressamente na lei, sejam indispensáveis à eficiência da fiscalização na obtenção dos seus resultados, em respeito ao princípio da eficiência administrativa que rege a Administração Pública (Constituição, art. 37). ….................................................................................................. Lado outro, a ausência de fiscalização ou a fiscalização insuficiente, descomprometida com a efetividade dos direitos fiscalizados, implica inadimplência do ente público contratante para com o seu dever de tutela, dever decorrente da sua própria condição de Administração Pública.” (grifei) Cumpre ter presente, por relevante, que essa diretriz tem sido observada pela jurisprudência dos Tribunais, notadamente por aquela emanada do E. Tribunal Superior do Trabalho (AIRR 132100-60.2008.5.04.0402, Rel. Min. ALOYSIO CORRÊA DA VEIGA – AIRR 14726-94.2010.5.04.0000, Rel. Min. MARIA DE ASSIS CALSING – AIRR 2042-50.2010.5.18.0000, Rel. Min. ROSA WEBER – AIRR 546040-57.2006.5.07.0032, Rel. Min. GUILHERME AUGUSTO CAPUTO BASTOS – RR 193600-61.2009.5.09.0594, Rel. Min. MAURICIO GODINHO DELGADO, v.g.): “AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA – ENTIDADES ESTATAIS – RESPONSABILIDADE EM CASO DE CULPA ‘IN VIGILANDO’ NO QUE TANGE AO CUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA E PREVIDENCIÁRIA POR PARTE DA EMPRESA TERCEIRIZANTE CONTRATADA – COMPATIBILIDADE COM O ART. 71 DA LEI DE LICITAÇÕES – INCIDÊNCIA DOS ARTS. 159 DO CCB/1916, 186 E 927, ‘CAPUT’, DO CCB/2002. A mera inadimplência da empresa terceirizante quanto às verbas trabalhistas e previdenciárias devidas ao trabalhador terceirizado não transfere a responsabilidade por tais verbas para a entidade estatal tomadora de serviços, a teor do disposto no art. 71 da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações), cuja constitucionalidade foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal na ADC nº 16-DF. Entretanto, a inadimplência da obrigação fiscalizatória da entidade estatal tomadora de serviços no tocante ao preciso cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias da empresa prestadora de serviços gera sua responsabilidade subsidiária, em face de sua culpa ‘in vigilando’, a teor da regra responsabilizatória incidente sobre qualquer pessoa física ou jurídica que, por ato ou omissão culposos, cause prejuízos a alguém (art. 186, Código Civil). Evidenciando-se essa culpa ‘in vigilando’ nos autos, incide a responsabilidade subjetiva prevista no art. 159 do CCB/1916, arts. 186 e 927, ‘caput’, do CCB/2002, observados os respectivos períodos de vigência. Agravo de instrumento desprovido.” (AIRR 157240-94.2007.5.16.0015, Rel. Min. MAURICIO GODINHO DELGADO – grifei) O exame da decisão ora reclamada, tendo em vista a situação concreta nela apreciada, revela que se reconheceu, na espécie, a responsabilidade subsidiária da parte ora reclamante, em decorrência de situação configuradora de culpa “in vigilando”, “in eligendo” ou “in omittendo”. Com efeito, o Ministério Público Federal, em pronunciamento da lavra do eminente Procurador-Geral da República, Dr. ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS, ao manifestar-se pela improcedência da presente reclamação, formulou parecer que está assim ementado: “Agravo Regimental. Reclamação. Responsabilidade subsidiária do Poder Público por débitos trabalhistas. Culpa ‘in vigilando’ do Estado. Não configurada ofensa à decisão proferida na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16 e à Súmula Vinculante nº 10 do Supremo Tribunal Federal. Necessidade de reexame da matéria probatória constante dos autos. Providência incabível na sede processual eleita. Parecer pelo desprovimento do agravo e pela improcedência da reclamação.” (grifei) Os fundamentos expostos em referida manifestação ajustam-se, integralmente, à orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou a propósito da matéria em análise, valendo destacar, por relevante, fragmento do parecer, oferecido pela douta Procuradoria-Geral da República, que a seguir reproduzo: “5. O agravo regimental deve ser desprovido. 6. A decisão reclamada afirmou expressamente que a Administração deve responder em caso de falha ou omissão do agente público em fiscalizar a empresa fornecedora de serviço: ‘De outro turno, o parágrafo 1º, do artigo 71, da Lei nº 8.666/93 tem por escopo exonerar a responsabilidade primária do tomador de serviços, não impedindo que esta subsista de forma subsidiária, mormente quando evidenciada a culpa ‘in vigilando’ da tomadora – caso dos autos – autorizando a condenação subsidiária imposta pelo Juízo de 1º grau, conforme entendimento consolidade no item V, da Súmula 331 do C. TST, em sua nova redação.’ 7. Essa decisão, contudo, não foi afetada pela declaração de constitucionalidade do § 1º do artigo 71 da Lei 8.666/93. Aliás, na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, o Supremo Tribunal Federal excepcionou as hipóteses em que configurada a culpa da Administração. 8. Portanto, o conteúdo da ADC nº 16 não foi violado. A instância ordinária adentrou o tema referente à culpa da Administração Pública, não cabendo, neste momento, revolver as provas para analisar o acerto ou desacerto do julgamento no seu aspecto fático (…). Entende-se que a desconstituição da decisão em relação à caracterização da culpa não pode ser feita na via estreita da reclamação. 9. De semelhante forma, não há que se falar em ofensa à Súmula Vinculante nº 10 do Supremo Tribunal Federal. Não houve o afastamento da aplicação do § 1º do art. 71 da Lei 8.666/93 com fundamento em sua inconstitucionalidade. Ante o exposto, o parecer é pelo desprovimento do agravo regimental e pela improcedência da reclamação.” (grifei) Não vislumbro, desse modo, a ocorrência do alegado desrespeito à autoridade da decisão que esta Corte proferiu, com eficácia vinculante, no julgamento da ADC 16/DF. De outro lado, e no que concerne ao alegado desrespeito à diretriz resultante da Súmula Vinculante nº 10/STF, não verifico, na decisão de que ora se reclama, a existência de qualquer juízo, ostensivo ou disfarçado, de inconstitucionalidade do art. 71 da Lei nº 8.666/1993. Na realidade, tudo indica que, em referido julgamento, o órgão judiciário ora reclamado apenas reconheceu, no caso concreto, a omissão do Poder Público, em virtude do descumprimento de sua obrigação de fiscalizar a fiel execução das obrigações trabalhistas pela contratada, não havendo formulado juízo de inconstitucionalidade, o que afasta, ante a inexistência de qualquer declaração de ilegitimidade inconstitucional, a ocorrência de transgressão ao enunciado constante da Súmula Vinculante 10/STF. É certo que o Supremo Tribunal Federal, em sua jurisprudência (RE 432.597-AgR/SP e AI 473.019-AgR/SP, ambos relatados pelo Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE), considera “declaratório de inconstitucionalidade o acórdão que – embora sem o explicitar – afasta a incidência da norma ordinária pertinente à lide, para decidi-la sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição” (RTJ 169/756-757, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei). Esta Suprema Corte tem entendido equivaler, à própria declaração de inconstitucionalidade, o julgamento que, sem reconhecer, explicitamente, a eiva de ilegitimidade constitucional, vem, não obstante, a recusar aplicabilidade ao ato do Poder Público, sob alegação de conflito com critérios outros resultantes do texto da Carta Política. Como se sabe, a inconstitucionalidade de qualquer ato estatal só pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal ou, onde houver, dos integrantes do respectivo órgão especial, sob pena de absoluta nulidade da decisão emanada do órgão fracionário (Turma, Câmara ou Seção). É preciso ter presente, por necessário, que o respeito ao postulado da reserva de plenário – consagrado pelo art. 97 da Constituição (e introduzido, em nosso sistema de direito constitucional positivo, pela Constituição de 1934) – atua como verdadeira condição de eficácia jurídica da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público, consoante adverte o magistério da doutrina (LÚCIO BITTENCOURT, “O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis”, p. 43/46, 2ª ed., 1968, Forense; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 2/209, 1992, Saraiva; ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição do Brasil Interpretada”, p. 1.424/1.440, 6ª ed., 2006, Atlas; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 50/52, item n. 14, 27ª ed., 2006, Malheiros; UADI LAMMÊGO BULOS, “Constituição Federal Anotada”, p. 939/943, 5ª ed., 2003, Saraiva; LUÍS ROBERTO BARROSO, “O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro”, p. 77/81, itens ns. 3.2 e 3.3, 2004, Saraiva; ZENO VELOSO, “Controle Jurisdicional de Constitucionalidade”, p. 50/51, item n. 41, 1999, Cejup; OSWALDO LUIZ PALU, “Controle de Constitucionalidade”, p. 122/123 e 276/277, itens ns. 6.7.3 e 9.14.4, 2ª ed., 2001, RT, v.g.). A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, tem reiteradamente proclamado que a desconsideração do princípio em causa gera, como inevitável efeito consequencial, a nulidade absoluta da decisão judicial colegiada que, emanando de órgão meramente fracionário, haja declarado a inconstitucionalidade de determinado ato estatal (RTJ 58/499 – RTJ 71/233 – RTJ 110/226 – RTJ 117/265 – RTJ 135/297) ou, então, “embora sem o explicitar”, haja afastado “a incidência da norma ordinária pertinente à lide, para decidi-la sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição” (RTJ 169/756-757, v.g.). As razões subjacentes à formulação do postulado constitucional do “full bench”, excelentemente identificadas por MARCELLO CAETANO (“Direito Constitucional”, vol. II/417, item n. 140, 1978, Forense), justificam a advertência dos Tribunais, cujos pronunciamentos – enfatizando os propósitos teleológicos visados pelo legislador constituinte – acentuam que “A inconstitucionalidade de lei ou ato do poder público só pode ser decretada pelo voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal, em sessão plena” (RF 193/131 – RTJ 95/859 – RTJ 96/1188 – RT 508/217). Não se pode perder de perspectiva, por isso mesmo, o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, cujas decisões assinalam a alta significação político-jurídica de que se reveste, em nosso ordenamento positivo, a exigência constitucional da reserva de plenário: “Nenhum órgão fracionário de qualquer Tribunal dispõe de competência, no sistema jurídico brasileiro, para declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos emanados do Poder Público. Essa magna prerrogativa jurisdicional foi atribuída, em grau de absoluta exclusividade, ao Plenário dos Tribunais ou, onde houver, ao respectivo Órgão Especial. Essa extraordinária competência dos Tribunais é regida pelo princípio da reserva de plenário inscrito no artigo 97 da Constituição da República. Suscitada a questão prejudicial de constitucionalidade perante órgão fracionário de Tribunal (Câmaras, Grupos, Turmas ou Seções), a este competirá, em acolhendo a alegação, submeter a controvérsia jurídica ao Tribunal Pleno.” (RTJ 150/223-224, Rel. Min. CELSO DE MELLO) Tenho para mim, na linha do que tem sido iterativamente proclamado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Rcl 11.846/MG, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – Rcl 12.388/ES, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – Rcl 12.486/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – Rcl 14.623/ES, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, v.g.), que o ato objeto da presente reclamação não declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93 nem afastou, mesmo implicitamente, a sua incidência, para decidir a causa “sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição” (RTJ 169/756-757, v.g.). Cabe ressaltar, finalmente, que o Plenário desta Suprema Corte, em recentíssimos julgamentos (Rcl 11.308-AgR/AC, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Rcl 11.327-AgR/AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), ao examinar recursos de agravo que versavam matéria idêntica à ora debatida nesta sede processual, negou-lhes provimento, mantendo, em consequência, decisões impregnadas do mesmo conteúdo veiculado na presente decisão. Sendo assim, em face das razões expostas, julgo improcedente a presente reclamação, restando prejudicada, em consequência, a apreciação do recurso de agravo. Arquivem-se os presentes autos. Publique-se. Brasília, 12 de março de 2013. Ministro CELSO DE MELLO Relator