RTJ

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DECISÃO: Trata-se de reclamação na qual se alega que o ato ora
impugnado teria transgredido a autoridade do julgamento que esta
Suprema Corte proferiu, com efeito vinculante, no exame da ADC 16/DF,
Rel. Min. CEZAR PELUSO, além de supostamente haver desrespeitado o
enunciado constante da Súmula Vinculante nº 10/STF, que possui o
seguinte teor:
“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a
decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare
expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do
poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.” (grifei)
Sustenta-se, na presente sede processual, que o órgão ora reclamado,
no julgamento objeto da presente impugnação, teria decidido com base
na Súmula nº 331, IV, do TST (em sua antiga redação), afastando, em
consequência, a incidência do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93, o que, além de
supostamente desrespeitar a decisão proferida no julgamento da
ADC 16/STF, implicaria, ainda, ofensa ao princípio da reserva de
plenário (CF, art. 97).
Registro que indeferi o pedido de medida cautelar, motivo pelo
qual a parte reclamante interpôs recurso de agravo.
Sendo esse o contexto, passo ao exame do pedido formulado nesta
sede reclamatória.
Como se sabe, esta Suprema Corte, ao apreciar a ADC 16/DF, Rel.
Min. CEZAR PELUSO, julgou-a procedente, para declarar a
constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93, em decisão que se
acha assim ementada:
“RESPONSABILIDADE
CONTRATUAL. Subsidiária.
Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do
outro contraente. Transferência consequente e automática dos
seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da
execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica.
Consequência proibida pelo art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93.
Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de
constitucionalidade
julgada,
nesse
sentido,
procedente.
Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da
Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela
Lei nº 9.032, de 1995.”
(ADC 16/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO – grifei)
Cabe ressaltar, no ponto, que, em referido julgamento, não obstante o
Plenário do Supremo Tribunal Federal tenha confirmado a plena
validade constitucional do § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93 – por
entender juridicamente incompatível com a Constituição a transferência
automática, em detrimento da Administração Pública, dos encargos
trabalhistas, fiscais, comerciais e previdenciários resultantes da execução
do contrato, na hipótese de inadimplência da empresa contratada –,
enfatizou que essa declaração de constitucionalidade não impediria, em
cada situação ocorrente, o reconhecimento de eventual culpa “in omittendo”
ou “in vigilando” do Poder Público.
Essa visão em torno do tema tem sido observada por
eminentes Ministros desta Suprema Corte (Rcl 8.475/PE, Rel. Min. AYRES
BRITTO – Rcl 11.917/SP, Rel. Min. LUIZ FUX – Rcl 12.089/RJ, Rel. Min.
LUIZ FUX – Rcl 12.310/SP, Rel. Min. LUIZ FUX – Rcl 12.388/SC, Rel.
Min. JOAQUIM BARBOSA – Rcl 12.434/SP, Rel. Min. LUIZ FUX –
Rcl 12.595/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – Rcl 13.933/AM, Rel. Min.
JOAQUIM BARBOSA – Rcl 14.623/ES, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA,
v.g.), em julgamentos nos quais se tem reconhecido possível a atribuição
de responsabilidade subsidiária ao ente público na hipótese de restar
demonstrada a ocorrência de comportamento culposo da Administração
Pública.
Vale referir, ainda, ante a pertinência de seu conteúdo, trecho da
decisão que o eminente Ministro JOAQUIM BARBOSA proferiu no âmbito
da Rcl 12.925/SP, de que foi Relator:
“(...) ao declarar a constitucionalidade do referido § 1º do
art. 71 da Lei 8.666/1993, a Corte consignou que se, na análise do
caso concreto, ficar configurada a culpa da Administração em
fiscalizar a execução do contrato firmado com a empresa contratada,
estará presente sua responsabilidade subsidiária pelos débitos
trabalhistas não adimplidos. Em outras palavras, vedou-se, apenas, a
transferência automática ou a responsabilidade objetiva da
Administração Pública por essas obrigações.
No presente caso, a autoridade reclamada, embora de forma
sucinta, a partir do conjunto probatório presente nos autos da
reclamação trabalhista, analisou a conduta do ora reclamante e
entendeu configurada a sua culpa ‘in vigilando’.
…...................................................................................................
Como o controle da regularidade da execução dos
contratos firmados com a administração deve ser feito por
dever de ofício, é densa a fundamentação do acórdão-reclamado ao
atribuir ao Estado o dever de provar não ter agido com tolerância ou
desídia incompatíveis com o respeito ao erário.
Se bem ou mal decidiu a autoridade reclamada ao
reconhecer a responsabilidade por culpa imputável à
reclamante, a reclamação constitucional não é o meio adequado para
substituir os recursos e as medidas ordinária e extraordinariamente
disponíveis para correção do alegado erro.
Ante o exposto, julgo improcedente esta reclamação (art. 38
da Lei 8.038/1990 e art. 161, par. ún. do RISTF).” (grifei)
É importante assinalar, por oportuno, que o dever legal das
entidades públicas contratantes de fiscalizar a idoneidade das empresas
que lhes prestam serviços abrange não apenas o controle prévio à
contratação – consistente em exigir, das empresas licitantes, a
apresentação dos documentos aptos a demonstrar a habilitação jurídica, a
qualificação técnica, a qualificação econômico-financeira, a regularidade
fiscal e o cumprimento do disposto no inciso XXXIII do artigo 7º da
Constituição Federal (Lei nº 8.666/93, art. 27) –, mas compreende, também,
o controle concomitante à execução contratual, viabilizador, dentre
outras medidas, da vigilância efetiva e da adequada fiscalização do
cumprimento das obrigações trabalhistas em relação aos empregados
vinculados ao contrato celebrado (Lei nº 8.666/93, art. 67).
Esse entendimento encontra apoio em expressivo magistério doutrinário
(LÍVIA DEPRÁ CAMARGO SULZBACH, “A Responsabilidade
Subsidiária da Administração Pública na Terceirização de Serviços –
Princípio da supremacia do interesse público x dignidade da pessoa
humana? – Repercussões do julgamento da ADC n. 16 pelo STF na
Súmula n. 331 do TST”, “in” Revista LTr, vol. 76/2012, p. 719/739;
ROBERTO NOBREGA DE ALMEIDA FILHO, “Terceirização na
Administração Pública e suas consequências no âmbito da Justiça do
Trabalho”, “in” Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região,
nº 40/2012, p. 187/196; PLÍNIO ANTÔNIO PÚBLIO ALBREGARD,
“Responsabilidade Subsidiária da Administração Pública Direta,
Autárquica e Fundacional”, “in” Revista do TRT da 2ª Região, nº 07/2012,
p. 67/73; IVANI CONTINI BRAMANTE, “A Aparente Derrota da
Súmula 331/TST e a Responsabilidade do Poder Público na
Terceirização”, “in” Repertório de Jurisprudência IOB, nº 24/2011, vol. II,
p. 721/767; BRUNO SANTOS CUNHA, “Fiscalização de Contratos
Administrativos de Terceirização de Mão de Obra: Uma Nova Exegese e
Reforço de Incidência”, “in” Revista do TST, nº 01/2011, vol. 77/131-138;
EDITE HUPSEL, “Controle de Execução dos Contratos Administrativos
pela Administração Pública”, “in” Revista Zênite de Licitações e
Contratos – ILC, nº 163/2007, p. 872/878, v.g.).
Cabe destacar, ainda, nessa mesma linha de orientação, em face de
sua extrema relevância, a lição de HELDER SANTOS AMORIM,
MÁRCIO TÚLIO VIANA e GABRIELA NEVES DELGADO
(“Terceirização – Aspectos Gerais: Última Decisão do STF e a
Súmula 331 do TST – Novos Enfoques”, “in” Revista do TST, nº 01/2011,
vol. 77/76-83):
“A interpretação do § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93
desafia sua leitura conjunta e contextualizada com vários
outros dispositivos legais que imputam à Administração
Pública, de forma correlata e proporcional, o dever de fiscalizar
eficientemente a execução dos seus contratos de terceirização, por
imperativo de legalidade e moralidade pública (Constituição, art. 37,
capuz), inclusive em relação ao adimplemento dos direitos dos
trabalhadores terceirizados, tendo em vista que se trata de direitos
fundamentais (Constituição, art. 7º) cuja promoção e fiscalização
incumbe aprioristicamente ao Estado, como razão essencial de sua
existência.
Daí porque a fiscalização do fiel cumprimento dos
direitos dos trabalhadores terceirizados constitui elemento
intrínseco à fiscalização do contrato de prestação de serviços,
tal como decorre expressamente de dispositivos da Lei de Licitações e
das normas que a regulamentam no nível federal, em observância aos
preceitos constitucionais que consagram a dignidade da pessoa
humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como
fundamento da República (CF, art. 1º, III e IV), que instituem como
objetivo da República construir uma sociedade livre, justa e solidária
(art. 3º, I), que fundamentalizam os direitos essenciais dos
trabalhadores (art. 7º), que fundam a ordem econômica na valorização
do trabalho humano (art. 170) e que alicerçam a ordem social no
primado do trabalho (art. 193).
No plano infraconstitucional, o dever da Administração
Pública de fiscalizar o cumprimento de direitos dos trabalhadores
terceirizados decorre primeiramente de dispositivos da Lei de
Licitações, mas o padrão fiscalizatório, que diz respeito à extensão e
profundidade deste dever de fiscalizar, encontra-se emoldurado na
integração deste diploma legal com preceitos da Instrução Normativa
(IN) nº 02/08, alterados pela Instrução Normativa (IN) nº 03/09, do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), que
regulamentam a matéria no âmbito da Administração Pública Federal.
…...................................................................................................
E estando assim evidentes os extensos limites do dever
constitucional e legal da Administração de fiscalizar o
cumprimento dos direitos dos trabalhadores terceirizados, disso
decorre naturalmente que a inobservância deste dever de fiscalização
implica a responsabilidade da Administração pelo inadimplemento dos
direitos que deveriam ser fiscalizados.
Esta responsabilidade não se esgota com a demonstração
de uma simples verificação superficial da formalização dos
vínculos de emprego, pois o padrão fiscalizatório acima retratado
exige o envolvimento direto e diário da Administração com a rotina
das práticas trabalhistas da empresa contratada.
A Administração só se desincumbe deste seu dever quando
demonstra a promoção eficaz de todos os procedimentos legais
de controle, além daqueles que, embora não previstos
expressamente na lei, sejam indispensáveis à eficiência da fiscalização
na obtenção dos seus resultados, em respeito ao princípio da eficiência
administrativa que rege a Administração Pública (Constituição,
art. 37).
…..................................................................................................
Lado outro, a ausência de fiscalização ou a fiscalização
insuficiente, descomprometida com a efetividade dos direitos
fiscalizados, implica inadimplência do ente público contratante para
com o seu dever de tutela, dever decorrente da sua própria condição de
Administração Pública.” (grifei)
Cumpre ter presente, por relevante, que essa diretriz tem sido
observada pela jurisprudência dos Tribunais, notadamente por aquela
emanada do E. Tribunal Superior do Trabalho (AIRR 132100-60.2008.5.04.0402, Rel. Min. ALOYSIO CORRÊA DA VEIGA –
AIRR 14726-94.2010.5.04.0000, Rel. Min. MARIA DE ASSIS CALSING –
AIRR 2042-50.2010.5.18.0000, Rel. Min. ROSA WEBER – AIRR 546040-57.2006.5.07.0032, Rel. Min. GUILHERME AUGUSTO CAPUTO
BASTOS – RR 193600-61.2009.5.09.0594, Rel. Min. MAURICIO
GODINHO DELGADO, v.g.):
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE
REVISTA. TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA – ENTIDADES
ESTATAIS – RESPONSABILIDADE EM CASO DE CULPA ‘IN
VIGILANDO’ NO QUE TANGE AO CUMPRIMENTO DA
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA E PREVIDENCIÁRIA POR
PARTE DA EMPRESA TERCEIRIZANTE CONTRATADA –
COMPATIBILIDADE COM O ART. 71 DA LEI DE
LICITAÇÕES – INCIDÊNCIA DOS ARTS. 159 DO CCB/1916,
186 E 927, ‘CAPUT’, DO CCB/2002. A mera inadimplência da
empresa terceirizante quanto às verbas trabalhistas e previdenciárias
devidas ao trabalhador terceirizado não transfere a responsabilidade
por tais verbas para a entidade estatal tomadora de serviços, a teor do
disposto no art. 71 da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações), cuja
constitucionalidade foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal na
ADC nº 16-DF. Entretanto, a inadimplência da obrigação
fiscalizatória da entidade estatal tomadora de serviços no tocante ao
preciso cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias da
empresa prestadora de serviços gera sua responsabilidade subsidiária,
em face de sua culpa ‘in vigilando’, a teor da regra responsabilizatória
incidente sobre qualquer pessoa física ou jurídica que, por ato ou
omissão culposos, cause prejuízos a alguém (art. 186, Código Civil).
Evidenciando-se essa culpa ‘in vigilando’ nos autos, incide a
responsabilidade subjetiva prevista no art. 159 do CCB/1916,
arts. 186 e 927, ‘caput’, do CCB/2002, observados os respectivos
períodos de vigência. Agravo de instrumento desprovido.”
(AIRR 157240-94.2007.5.16.0015, Rel. Min. MAURICIO
GODINHO DELGADO – grifei)
O exame da decisão ora reclamada, tendo em vista a situação
concreta nela apreciada, revela que se reconheceu, na espécie, a
responsabilidade subsidiária da parte ora reclamante, em decorrência de
situação configuradora de culpa “in vigilando”, “in eligendo” ou “in
omittendo”.
Com efeito, o Ministério Público Federal, em pronunciamento da
lavra do eminente Procurador-Geral da República, Dr. ROBERTO
MONTEIRO GURGEL SANTOS, ao manifestar-se pela improcedência
da presente reclamação, formulou parecer que está assim ementado:
“Agravo Regimental. Reclamação. Responsabilidade
subsidiária do Poder Público por débitos trabalhistas. Culpa ‘in
vigilando’ do Estado. Não configurada ofensa à decisão proferida na
Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16 e à Súmula
Vinculante nº 10 do Supremo Tribunal Federal. Necessidade de
reexame da matéria probatória constante dos autos. Providência
incabível na sede processual eleita. Parecer pelo desprovimento do
agravo e pela improcedência da reclamação.” (grifei)
Os fundamentos expostos em referida manifestação ajustam-se,
integralmente, à orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte
firmou a propósito da matéria em análise, valendo destacar, por relevante,
fragmento do parecer, oferecido pela douta Procuradoria-Geral da
República, que a seguir reproduzo:
“5. O agravo regimental deve ser desprovido.
6. A decisão reclamada afirmou expressamente que a
Administração deve responder em caso de falha ou omissão do
agente público em fiscalizar a empresa fornecedora de serviço:
‘De outro turno, o parágrafo 1º, do artigo 71, da
Lei nº 8.666/93 tem por escopo exonerar a responsabilidade
primária do tomador de serviços, não impedindo que esta
subsista de forma subsidiária, mormente quando evidenciada a
culpa ‘in vigilando’ da tomadora – caso dos autos – autorizando
a condenação subsidiária imposta pelo Juízo de 1º grau,
conforme entendimento consolidade no item V, da Súmula 331
do C. TST, em sua nova redação.’
7. Essa decisão, contudo, não foi afetada pela declaração de
constitucionalidade do § 1º do artigo 71 da Lei 8.666/93. Aliás, na
Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, o Supremo Tribunal
Federal excepcionou as hipóteses em que configurada a culpa da
Administração.
8. Portanto, o conteúdo da ADC nº 16 não foi violado. A
instância ordinária adentrou o tema referente à culpa da
Administração Pública, não cabendo, neste momento, revolver as
provas para analisar o acerto ou desacerto do julgamento no seu
aspecto fático (…). Entende-se que a desconstituição da decisão em
relação à caracterização da culpa não pode ser feita na via estreita da
reclamação.
9. De semelhante forma, não há que se falar em ofensa à
Súmula Vinculante nº 10 do Supremo Tribunal Federal. Não houve o
afastamento da aplicação do § 1º do art. 71 da Lei 8.666/93 com
fundamento em sua inconstitucionalidade.
Ante o exposto, o parecer é pelo desprovimento do agravo
regimental e pela improcedência da reclamação.” (grifei)
Não vislumbro, desse modo, a ocorrência do alegado desrespeito à
autoridade da decisão que esta Corte proferiu, com eficácia vinculante, no
julgamento da ADC 16/DF.
De outro lado, e no que concerne ao alegado desrespeito à diretriz
resultante da Súmula Vinculante nº 10/STF, não verifico, na decisão de que ora
se reclama, a existência de qualquer juízo, ostensivo ou disfarçado, de
inconstitucionalidade do art. 71 da Lei nº 8.666/1993.
Na realidade, tudo indica que, em referido julgamento, o órgão
judiciário ora reclamado apenas reconheceu, no caso concreto, a omissão do
Poder Público, em virtude do descumprimento de sua obrigação de
fiscalizar a fiel execução das obrigações trabalhistas pela contratada, não
havendo formulado juízo de inconstitucionalidade, o que afasta, ante a
inexistência de qualquer declaração de ilegitimidade inconstitucional, a
ocorrência de transgressão ao enunciado constante da Súmula
Vinculante 10/STF.
É certo que o Supremo Tribunal Federal, em sua jurisprudência
(RE 432.597-AgR/SP e AI 473.019-AgR/SP, ambos relatados pelo Ministro
SEPÚLVEDA PERTENCE), considera “declaratório de inconstitucionalidade
o acórdão que – embora sem o explicitar – afasta a incidência da norma ordinária
pertinente à lide, para decidi-la sob critérios diversos alegadamente extraídos da
Constituição” (RTJ 169/756-757, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei).
Esta Suprema Corte tem entendido equivaler, à própria declaração de
inconstitucionalidade, o julgamento que, sem reconhecer, explicitamente, a
eiva de ilegitimidade constitucional, vem, não obstante, a recusar
aplicabilidade ao ato do Poder Público, sob alegação de conflito com
critérios outros resultantes do texto da Carta Política.
Como se sabe, a inconstitucionalidade de qualquer ato estatal só
pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta dos membros do
Tribunal ou, onde houver, dos integrantes do respectivo órgão especial,
sob pena de absoluta nulidade da decisão emanada do órgão fracionário
(Turma, Câmara ou Seção).
É preciso ter presente, por necessário, que o respeito ao postulado da
reserva de plenário – consagrado pelo art. 97 da Constituição (e
introduzido, em nosso sistema de direito constitucional positivo, pela
Constituição de 1934) – atua como verdadeira condição de eficácia
jurídica da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos
atos do Poder Público, consoante adverte o magistério da doutrina
(LÚCIO
BITTENCOURT,
“O
Controle
Jurisdicional
da
Constitucionalidade das Leis”, p. 43/46, 2ª ed., 1968, Forense; MANOEL
GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição
Brasileira de 1988”, vol. 2/209, 1992, Saraiva; ALEXANDRE DE
MORAES, “Constituição do Brasil Interpretada”, p. 1.424/1.440, 6ª ed.,
2006, Atlas; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional
Positivo”,
p. 50/52, item n. 14, 27ª ed., 2006, Malheiros; UADI
LAMMÊGO BULOS, “Constituição Federal Anotada”, p. 939/943, 5ª ed.,
2003, Saraiva; LUÍS ROBERTO BARROSO, “O Controle de
Constitucionalidade no Direito Brasileiro”, p. 77/81, itens ns. 3.2 e 3.3,
2004, Saraiva; ZENO VELOSO, “Controle Jurisdicional de
Constitucionalidade”, p. 50/51, item n. 41, 1999, Cejup; OSWALDO LUIZ
PALU, “Controle de Constitucionalidade”,
p. 122/123 e
276/277, itens ns. 6.7.3 e 9.14.4, 2ª ed., 2001, RT, v.g.).
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por sua vez,
tem reiteradamente proclamado que a desconsideração do
princípio em causa gera, como inevitável efeito consequencial, a nulidade
absoluta da decisão judicial colegiada que, emanando de órgão
meramente fracionário, haja declarado a inconstitucionalidade de
determinado ato estatal (RTJ 58/499 – RTJ 71/233 – RTJ 110/226 –
RTJ 117/265 – RTJ 135/297) ou, então, “embora sem o explicitar”, haja
afastado “a incidência da norma ordinária pertinente à lide, para decidi-la sob
critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição” (RTJ 169/756-757,
v.g.).
As razões subjacentes à formulação do postulado constitucional do
“full bench”, excelentemente identificadas por MARCELLO CAETANO
(“Direito Constitucional”, vol. II/417, item n. 140, 1978, Forense),
justificam a advertência dos Tribunais, cujos pronunciamentos –
enfatizando os propósitos teleológicos visados pelo legislador
constituinte – acentuam que “A inconstitucionalidade de lei ou ato do
poder público só pode ser decretada pelo voto da maioria absoluta dos
membros do Tribunal, em sessão plena” (RF 193/131 – RTJ 95/859 – RTJ
96/1188 –
RT 508/217).
Não se pode perder de perspectiva, por isso mesmo, o magistério
jurisprudencial desta Suprema Corte, cujas decisões assinalam a alta
significação político-jurídica de que se reveste, em nosso ordenamento
positivo, a exigência constitucional da reserva de plenário:
“Nenhum órgão fracionário de qualquer Tribunal dispõe
de competência, no sistema jurídico brasileiro, para declarar a
inconstitucionalidade de leis ou atos emanados do Poder Público.
Essa magna prerrogativa jurisdicional foi atribuída, em grau
de absoluta exclusividade, ao Plenário dos Tribunais ou, onde
houver, ao respectivo Órgão Especial. Essa extraordinária
competência dos Tribunais é regida pelo princípio da reserva de
plenário inscrito no artigo 97 da Constituição da República.
Suscitada a questão prejudicial de constitucionalidade
perante órgão fracionário de Tribunal (Câmaras, Grupos, Turmas ou
Seções), a este competirá, em acolhendo a alegação, submeter a
controvérsia jurídica ao Tribunal Pleno.”
(RTJ 150/223-224, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Tenho para mim, na linha do que tem sido iterativamente
proclamado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
(Rcl 11.846/MG, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – Rcl 12.388/ES,
Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – Rcl 12.486/SP, Rel. Min. RICARDO
LEWANDOWSKI – Rcl 14.623/ES, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, v.g.),
que o ato objeto da presente reclamação não declarou a
inconstitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93 nem afastou,
mesmo implicitamente, a sua incidência, para decidir a causa “sob critérios
diversos alegadamente extraídos da Constituição” (RTJ 169/756-757, v.g.).
Cabe ressaltar, finalmente, que o Plenário desta Suprema Corte, em
recentíssimos julgamentos (Rcl 11.308-AgR/AC, Rel. Min. CELSO DE
MELLO – Rcl 11.327-AgR/AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), ao
examinar recursos de agravo que versavam matéria idêntica à ora
debatida nesta sede processual, negou-lhes provimento, mantendo, em
consequência, decisões impregnadas do mesmo conteúdo veiculado na
presente decisão.
Sendo assim, em face das razões expostas, julgo improcedente a
presente reclamação, restando prejudicada, em consequência, a apreciação
do recurso de agravo.
Arquivem-se os presentes autos.
Publique-se.
Brasília, 12 de março de 2013.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
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