SS 3852-PI TOSIGNA STF

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DECISÃO: Trata-se de pedido de suspensão de segurança,
formulado
pelo
Estado
do
Piauí,
em
face
da
decisão
liminar
proferida pelo Desembargador José Ribamar Oliveira, do Tribunal de
Justiça do Estado do Piauí, relator do Mandado de Segurança no
2009.0001.001596-1.
Na
determinado
decisão
ao
Estado
objeto
do
deste
Piauí
que
pedido
de
Suspensão,
fornecesse
o
foi
medicamento
Tasigna, cuja substância ativa é o Nilotinibe, necessário para o
tratamento de leucemia mielóide crônica a que se submete a menor
F.P.G.S.
O Desembargador Relator do mandado de segurança concedeu
a
liminar
na
forma
pleiteada
na
inicial,
com
a
seguinte
fundamentação (fls. 25/26/Apenso):
“Trata-se
de
Mandado
de
Segurança
impetrado
pelo
Ministério Público do Estado do Piauí em favor de F.P.G.S
[sic], menor de idade, internada no Hospital São Marcos em
decorrência do agravamento de sua situação de saúde, uma vez
que é portadora de leucemia, isto é, câncer das células
brancas do sangue.
Aduz que a família da menor não possui condições para
arcar com o custo do medicamento necessário para o tratamento
da doença, qual seja, NILOTINIB(TOSIGNA), e que, após
solicitar o medicamento junto à Farmácia de medicamentos
especiais, esta lhe negou sob a alegativa de que a menor
reside em outro Estado da Federação.
(...)
Senão vejamos: o fumus boni iuris encontra-se evidenciado
na plausibilidade jurídica dos fundamentos que sustentam a
afronta ao direito líquido e certo, notadamente, afronta ao
princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à saúde,
enquanto cláusula pétrea. Cuida-se de dever do Estado o
integral atendimento aos hipossuficientes a fim de preservar o
direito constitucional à saúde, sobretudo, em se tratando de
criança amparada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
O periculum in mora, por sua vez, caracteriza-se pela
cristalina necessidade da impetrante em adquirir o medicamento
outrora negado pela autoridade tido como coatora, haja vista
ser necessário à sua sobrevivência, conforme orientação
médica.
(...)
1
Isto posto, ante a configuração do fumus boni iuris e do
periculum in mora demonstrados, bem assim dos fundamentos
acima alinhavados, concedo a medida liminar vindicada para
determinar que a autoridade impetrada forneça o medicamento
requerido, qual seja, NILOTINIB (nome comercial TOSIGNA)
necessário à sobrevivência da infante, tem em vista os
argumentos e documentos acostados nos autos.”
Contra essa decisão o Estado do Piauí apresenta pedido de
suspensão de segurança a esta Corte, alegando grave lesão à ordem
e à economia públicas, violação do princípio da separação dos
Poderes
(fl.
15)
e
possibilidade
de
ocorrência
do
efeito
multiplicador da decisão (fl. 6).
Sustenta que o Sistema Único de Saúde (SUS) não reservou
aos Estados, mas, sim, à União, o dever de garantir o acesso da
população ao tratamento para o câncer (fls. 6-11). Ressalta que o
medicamento Nilotinib não consta do rol de medicamentos abrangidos
pela política de medicamentos de dispensação excepcional do SUS,
nos termos da Portaria n.º 2.577/GM, de 27 de outubro de 2006 (fl.
11).
Alega que não há a devida previsão orçamentária para a
aquisição
da
medicação.
Ademais,
defende
que
as
prestações
de
saúde devem ser executadas dentro da “reserva do possível” (fls.
14-18).
Decido.
A base normativa que fundamenta o instituto da suspensão
(Leis nos 12.016/2009, 8.437/1992, 9.494/1997 e art. 297 do RI-STF)
permite que a Presidência do Supremo Tribunal Federal, para evitar
grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas,
suspenda
a
execução
de
decisões
concessivas
de
segurança,
de
liminar ou de tutela antecipada, proferidas em única ou última
2
instância, pelos tribunais locais ou federais, quando a discussão
travada na origem for de índole constitucional.
Assim,
é
a
natureza
constitucional
da
controvérsia
que justifica a competência do Supremo Tribunal Federal para
apreciar
o
pedido
jurisprudência
julgados:
de
desta
RCL-AgR
contracautela,
Corte,
no
497/RS,
conforme
destacando-se
Rel.
Carlos
a
pacificada
os
seguintes
Velloso,
Plenário,
maioria, DJ 6.4.2001; SS-AgR no 2.187/SC, Rel. Maurício Corrêa,
DJ
21.10.2003;
e
SS
no
2.465/SC,
Rel.
Nelson
Jobim,
DJ
20.10.2004.
No
presente
caso,
reconheço
que
a
controvérsia
instaurada na ação em apreço evidencia a existência de matéria
constitucional: alegação de ofensa aos arts. 2º, 6º, caput,
196 e 198 da Constituição.
Destaco que a suspensão da execução de ato judicial
constitui
somente
medida
quando
excepcional,
atendidos
os
a
ser
deferida,
requisitos
caso
autorizadores
a
caso,
(grave
lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públi cas).
Nesse
sentido,
confira-se
trecho
de
decisão
proferida
pela
Ministra Ellen Gracie no julgamento da STA no 138/RN:
“[...] os pedidos de contracautela formulados em situações
como a que ensejou a antecipação da tutela ora impugnada devem
ser analisados, caso a caso, de forma concreta, e não de forma
abstrata e genérica, certo, ainda, que as decisões proferidas
em pedido de suspensão se restringem ao caso específico
analisado, não se estendendo os seus efeitos e as suas razões
a outros casos, por se tratar de medida tópica, pontual” –
(STA no 138/RN, Presidente Min. Ellen Gracie, DJ 19.9.2007).
Ressalte-se, não obstante, que, na análise do pedido de
suspensão
de
decisão
judicial,
não
é
vedado
ao
Presidente
do
Supremo Tribunal Federal proferir um juízo mínimo de delibação a
respeito
das
questões
jurídicas
presentes
na
ação
principal,
3
conforme tem entendido a jurisprudência desta Corte, da qual se
destacam os seguintes julgados: SS-AgR no 846/DF, Rel. Sepúlveda
Pertence, DJ 8.11.1996 e SS-AgR no 1.272/RJ, Rel. Carlos Velloso,
DJ 18.5.2001.
O art. 15 da Lei no 12.016/2009 autoriza o deferimento do
pedido de suspensão da execução de segurança concedida nas ações
movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento da
pessoa
jurídica
de
direito
público
interessada,
em
caso
de
manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para
evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia
públicas.
A decisão liminar que o Estado do Piauí busca suspender,
ao determinar que o impetrado fornecesse o medicamento Tasigna,
cuja
substância
ativa
é
o
Nilotinibe,
baseou-se
na
aplicação
imediata do direito fundamental social à saúde.
O
direito
à
saúde
é
estabelecido
pelo
artigo 196
da
Constituição Federal como (1) “direito de todos” e (2) “dever do
Estado”, (3) garantido mediante “políticas sociais e econômicas
(4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos”,
(5) regido pelo princípio do “acesso universal e igualitário” (6)
“às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.
A doutrina constitucional brasileira há muito se dedica à
interpretação do artigo 196 da Constituição. Teses, muitas vezes
antagônicas,
proliferaram-se
em
todas
as
instâncias
do
Poder
Judiciário e na seara acadêmica. Tais teses buscam definir se,
como e em que medida o direito constitucional à saúde se traduz em
um direito subjetivo público a prestações positivas do Estado,
passível de garantia pela via judicial.
4
O fato é que a judicialização do direito à saúde ganhou
tamanha importância teórica e prática que envolve não apenas os
operadores
do
Direito,
mas
também
os
gestores
públicos,
os
profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um todo.
Se,
fundamental
por
para
um
o
lado,
a
exercício
atuação
do
efetivo
da
Poder
Judiciário
cidadania
e
para
é
a
realização do direito à saúde, por outro as decisões judiciais têm
significado um forte ponto de tensão entre os elaboradores e os
executores
das
políticas
públicas,
que
se
veem
compelidos
a
garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas
vezes
contrastantes
com
a
política
estabelecida
pelos
governos
para a área da saúde e além das possibilidades orçamentárias.
Em 5 de março de 2009, convoquei Audiência Pública em
razão dos diversos pedidos de suspensão de segurança, de suspensão
de
tutela
antecipada
e
de
suspensão
de
liminar
em
trâmite
no
âmbito desta Presidência, com vistas a suspender a execução de
medidas cautelares que condenam a Fazenda Pública ao fornecimento
das
mais
variadas
prestações
de
saúde
(fornecimento
de
medicamentos, suplementos alimentares, órteses e próteses; criação
de vagas de UTIs e leitos hospitalares; contratação de servidores
de saúde; realização de cirurgias e exames; custeio de tratamento
fora do domicílio, inclusive no exterior, entre outros).
Após ouvir os depoimentos prestados pelos representantes
dos
diversos
setores
envolvidos,
entendo
ser
necessário
redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no
Brasil. Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial
não
ocorre
em
razão
de
uma
omissão
absoluta
em
matéria
de
políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas
tendo
em
vista
uma
necessária
determinação
judicial
para
o
cumprimento de políticas já estabelecidas. Portanto, não se cogita
5
do
problema
da
interferência
judicial
em
âmbitos
de
livre
apreciação ou de ampla discricionariedade de outros Poderes quanto
à formulação de políticas públicas.
Esse dado pode ser importante para a construção de um
critério ou parâmetro para a decisão em casos como este, no qual
se discute, primordialmente, o problema da interferência do Poder
Judiciário na esfera dos outros Poderes.
O primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não,
de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada
pela parte. Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as
políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de
Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas
apenas determinando o seu cumprimento. Nesses casos, a existência
de um direito subjetivo público a determinada política pública de
saúde parece ser evidente.
Se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as
políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a não prestação
decorre
de
uma
omissão
legislativa
ou
administrativa,
de
uma
decisão administrativa de não fornecê-la ou de uma vedação legal a
sua dispensação.
O
segundo
dado
a
ser
considerado
é
a
existência
de
motivação para o não fornecimento de determinada ação de saúde
pelo
SUS.
Há
casos
em
que
se
ajuíza
ação
com
o
objetivo
de
garantir prestação de saúde que o SUS decidiu não custear por
entender
que
inexistem
evidências
científicas
suficientes
para
autorizar sua inclusão.
Nessa
distintas:
1º)
hipótese,
o
SUS
podem
fornece
ocorrer,
tratamento
ainda,
duas
alternativo,
situações
mas
não
6
adequado
a
determinado
paciente;
2º)
o
SUS
não
tem
nenhum
tratamento específico para determinada patologia.
A princípio, pode-se inferir que a obrigação do Estado, à
luz do disposto no artigo 196 da Constituição, restringe-se ao
fornecimento das políticas sociais e econômicas por ele formuladas
para a promoção, proteção e recuperação da saúde.
Isso porque o Sistema Único de Saúde filiou-se à corrente
da “Medicina com base em evidências”. Com isso, adotaram-se os
“Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas”, que consistem num
conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de
doenças
e
disponíveis
o
e
tratamento
as
correspondente
respectivas
doses.
com
Assim,
os
um
medicamentos
medicamento
ou
tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com
cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente.
Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema
Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do
acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só
se torna viável mediante a elaboração de políticas públicas que
repartam
os
recursos
(naturalmente
escassos)
da
forma
mais
eficiente possível. Obrigar a rede pública a financiar toda e
qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à
ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo
a
prejudicar
ainda
mais
o
atendimento
médico
da
parcela
da
população mais necessitada. Dessa forma, podemos concluir que, em
geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em
detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que
não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de
saúde existente.
7
Essa conclusão não afasta, contudo, a possibilidade de o
Poder
Judiciário,
medida
diferente
ou
da
de
a
própria
custeada
pelo
Administração,
decidir
SUS
fornecida
deve
ser
que
a
determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo,
comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso.
Inclusive,
Audiência
como
ressaltado
Pública,
há
pelo
próprio
necessidade
de
Ministro
revisão
da
Saúde
periódica
na
dos
protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim,
não
se
pode
Terapêuticas
afirmar
do
SUS
que
os
Protocolos
Clínicos
são
inquestionáveis,
o
e
que
Diretrizes
permite
sua
contestação judicial.
Situação diferente é a que envolve a inexistência de
tratamento na rede pública. Nesses casos, é preciso diferenciar os
tratamentos puramente experimentais dos novos tratamentos ainda
não testados pelo Sistema de Saúde brasileiro.
Os tratamentos experimentais (cuja eficácia ainda não foi
cientificamente
centros
comprovada)
médicos
de
são
ponta,
realizados
por
laboratórios
consubstanciando-se
em
ou
pesquisas
clínicas. A participação nesses tratamentos rege-se pelas normas
que regulam a pesquisa médica e, portanto, o Estado não pode ser
condenado a fornecê-los.
Como esclareceu o Médico Paulo Hoff, Diretor Clínico do
Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, na Audiência Pública
realizada, essas drogas não podem ser compradas em nenhum país,
porque nunca foram aprovadas ou avaliadas, e o acesso a elas deve
ser
disponibilizado
apenas
no
âmbito
de
estudos
clínicos
ou
programas de acesso expandido, não sendo possível obrigar o SUS a
custeá-las. No entanto, é preciso que o laboratório que realiza a
pesquisa
continue
a
fornecer
o
tratamento
aos
pacientes
que
participaram do estudo clínico, mesmo após seu término.
8
Quanto aos novos tratamentos (ainda não incorporados pelo
SUS), é preciso que se tenha cuidado redobrado na apreciação da
matéria.
Como
frisado
pelos
especialistas
ouvidos
na
Audiência
Pública, o conhecimento médico não é estanque, sua evolução é
muito
rápida
e
dificilmente
acompanhável
pela
burocracia
administrativa.
Se, por um lado, a elaboração dos Protocolos Clínicos e
das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor distribuição de
recursos
públicos
e
a
segurança
dos
pacientes,
por
outro
a
aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e,
assim,
acabar
por
excluir
o
acesso
de
pacientes
do
SUS
a
tratamento há muito prestado pela iniciativa privada.
Parece certo que a inexistência de Protocolo Clínico no
SUS não pode significar violação ao princípio da integralidade do
sistema, nem justificar a diferença entre as opções acessíveis aos
usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede
privada. Nesses casos, a omissão administrativa no tratamento de
determinada patologia poderá ser objeto de impugnação judicial,
tanto
por
ações
individuais
como
coletivas.
No
entanto,
é
imprescindível que haja instrução processual, com ampla produção
de provas, o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de
medida cautelar.
Portanto,
independentemente
da
hipótese
levada
à
consideração do Poder Judiciário, as premissas analisadas deixam
clara a necessidade de instrução das demandas de saúde para que
não
ocorra
a
produção
padronizada
de
iniciais,
contestações
e
sentenças, peças processuais que, muitas vezes, não contemplam as
especificidades
do
caso
concreto
examinado,
impedindo
que
o
julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com
a dimensão objetiva do direito à saúde.
9
Dos documentos acostados aos autos, ressalto os seguintes
dados fáticos como imprescindíveis para a análise do pleito:
a) a requerente, com 12 anos de idade, é portadora de
leucemia
mielóide
medicamento
crônica.
Glivec,
cuja
Apresentou
intolerância
utilização
severa
desencadeou
ao
quadro
hemorrágico. Conforme receituário médico, a requerente necessita
do medicamento Nilotinibe (Tasigna) pelo prazo de 3 (três) meses
(fls. 15-19/Apenso);
b) o Ministério Público do Estado do Piauí encaminhou
ofício requisitando a referida medicação à Secretaria de Saúde do
Estado
do
Piauí
(fl.20/Apenso).
O
médico-auditor
José
Henrique
emitiu parecer desfavorável a sua aquisição, ao fundamento de que
a paciente procede do Estado do Maranhão e, portanto, deveria
requisitar a medicação junto à Secretaria de Saúde deste Estado.
O argumento central apontado pelo Estado do Piauí reside
na ausência de obrigação legal para que o Estado forneça o serviço
requerido. Sustenta caber à União a prestação de saúde inserida no
programa
de
oncologia,
consubstanciada
no
fornecimento
de
medicamento.
No RE 195.192-3/RS, a 2ª Turma deste Supremo Tribunal
consignou o entendimento segundo o qual a responsabilidade pelas
ações e serviços de saúde é da União, dos Estados e do Distrito
Federal e dos Municípios. Nesse sentido, o acórdão restou assim
ementado:
“SAÚDE – AQUISIÇÃO E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – DOENÇA
RARA. Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar meios visando a
alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e
adolescente. O Sistema Único de Saúde torna a responsabilidade
linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios.” (RE 195.192-3/RS, 2ª Turma, Ministro Marco
Aurélio, DJ 22.02.2000).
10
Em
sentido
idêntico,
no
RE-AgR
255.627-1,
o
Ministro
Nelson Jobim afastou a alegação do Município de Porto Alegre de
que não seria responsável pelos serviços de saúde de alto custo. O
Ministro Nelson Jobim, amparado no precedente do RE 280.642, no
qual a 2ª Turma havia decidido questão idêntica, negou provimento
ao Agravo Regimental do Município:
“(...) A referência, contida no preceito, a “Estado” mostra-se
abrangente,
a
alcançar
a
União
Federal,
os
Estados
propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municípios. Tanto
é assim que, relativamente ao Sistema Único de Saúde, diz-se
do financiamento, nos termos do artigo n.º 195, com recursos
do orçamento, da seguridade social, da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Já o
caput do artigo informa, como diretriz, a descentralização das
ações e serviços públicos de saúde que devem integrar rede
regionalizada e hierarquizada, com direção única em cada
esfera de governo. Não bastasse o parâmetro constitucional de
eficácia imediata, considerada a natureza, em si, da
atividade, afigura-se como fato incontroverso, porquanto
registrada, no acórdão recorrido, a existência de lei no
sentido da obrigatoriedade de fornecer-se os medicamentos
excepcionais, como são os concernentes à Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), às pessoas carentes. O
município de Porto Alegre surge com responsabilidade prevista
em diplomas específicos, ou seja, os convênios celebrados no
sentido da implantação do Sistema Único de Saúde, devendo
receber, para tanto, verbas do Estado. Por outro lado, como
bem assinalado no acórdão, a falta de regulamentação municipal
para o custeio da distribuição não impede fique assentada a
responsabilidade do Município. (...)” (RE-AgR 255.627-1/RS, 2ª
Turma, Ministro Nelson Jobim, DJ 21.11.2000)
Assim, apesar da responsabilidade dos entes da federação
em
matéria
de
direito
à
saúde
suscitar
questões
delicadas,
a
decisão impugnada, ao determinar a responsabilidade do Estado no
fornecimento
do
tratamento
pretendido,
segue
as
normas
constitucionais que fixaram a competência comum (art. 23, II, da
CF), a Lei Federal n.º 8.080/90 (art. 7º, XI) e a jurisprudência
desta Corte. Entendo, pois, que a determinação para que o Estado
do Piauí arque com as despesas do tratamento não configura lesão à
ordem pública.
11
Entendo, igualmente, inexistente a ocorrência de grave
lesão à ordem pública por violação ao art. 2º da Constituição. A
alegação
de
violação
à
separação
dos
Poderes
não
justifica
a
inércia do Poder Executivo em cumprir seu dever constitucional de
garantia
do
direito
à
saúde
de
todos
(art.
196),
legalmente
estabelecido pelas normas que regem o Sistema Único de Saúde, e
tecnicamente especificado pelas Portarias do Ministério da Saúde.
A Constituição indica, de forma clara, os valores a serem
priorizados, corroborada pelo disposto nas Leis Federais 8.080/90
e 8.142/90. Tais determinações devem ser seriamente consideradas
na formulação orçamentária, pois representam comandos vinculativos
para o Poder Público.
Quanto
Judiciário,
à
destaco
possibilidade
a
ementa
da
de
decisão
intervenção
proferida
do
na
Poder
ADPF-MC
45/DF, relator Celso de Mello, DJ 29.4.2004:
“EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A
QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA
INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE
GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL
ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO
ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS
E CULTURAIS. CARÁCTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO
LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA ‘RESERVA DO
POSSÍVEL’.
NECESSIDADE
DE
PRESERVAÇÃO,
EM
FAVOR
DOS
INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO
CONSUBSTANCIADOR
DO
‘MÍNIMO
EXISTENCIAL’.
VIABILIDADE
INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE
CONCRETIZAÇÃO
DAS
LIBERDADES
POSITIVAS
(DIREITOS
CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).”
Nesse sentido é a lição de Christian Courtis e Victor
Abramovich (ABRAMOVICH, Victor; COURTS, Christian,
Los derechos
sociales como derechos exigibles, Trotta, 2004, p. 251):
“Por ello, el Poder Judicial no tiene la tarea de diseñar
políticas públicas, sino la de confrontar el diseño de
políticas asumidas con los estándares jurídicos aplicables y –
en caso de hallar divergencias – reenviar la cuestión a los
12
poderes pertinentes para que ellos reaccionen ajustando su
actividad en consecuencia. Cuando las normas constitucionales
o legales fijen pautas para el diseño de políticas públicas y
los poderes respectivos no hayan adoptado ninguna medida,
corresponderá al Poder Judicial reprochar esa omisión y
reenviarles la cuestión para que elaboren alguna medida. Esta
dimensión de la actuación judicial puede ser conceptualizada
como la participación en un <<diálogo>> entre los distintos
poderes del Estado para la concreción del programa jurídicopolítico establecido por la constitución o por los pactos de
derechos humanos.” (sem grifo no original)
Registre-se que a Lei Federal n.º 6.360/76, ao dispor
sobre a Vigilância Sanitária a que ficam sujeitos os Medicamentos,
as Drogas, os Insumos Farmacêuticos e Correlatos, determina, em
seu artigo 12, que “nenhum dos produtos de que trata esta Lei,
inclusive
os
importados,
poderá
ser
industrializado,
exposto
à
venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da
Saúde”.
Em consulta ao sítio da ANVISA, é possível verificar que
o
medicamento
Tasigna,
cujo
princípio
ativo
é
o
nilotinibe,
produzido pela empresa NOVARTIS BIOCIENCIAS S.A, foi registrado
sob
o
n.º
100681060,
válido
até
01/2014,
o
que
atesta
sua
segurança para o consumo.
A decisão objeto do pedido de suspensão, ao determinar o
fornecimento do medicamento Nilotinib, decidiu pelo fornecimento
de medicamento de alto custo que não consta dos protocolos do SUS.
A Portaria n.º 3916, de 30 de outubro de 1998, dispõe
sobre
a
diretrizes
Política
para
a
Nacional
de
instituição
Medicamentos,
de
relação
de
estabelecendo
medicamentos
essenciais (RENAME), a regulamentação sanitária de medicamentos, a
reorientação da assistência farmacêutica, a promoção da pesquisa e
da produção de medicamentos, entre outras.
13
A assistência farmacêutica (Resolução n.º 338/2004 do
Conselho Nacional de Saúde), uma entre as várias prestações de
saúde
que
compõem
econômicas
que
o
sistema
visam
a
brasileiro,
reduzir
os
abrange
preços
dos
políticas
medicamentos
(programas como “Farmácia Popular”, “Medicamento Genérico” e “Uso
Racional
de
Medicamentos”)
e
políticas
sociais
que
garantam
o
fornecimento gratuito de medicamentos à população por meio de três
programas
básicos
(“Medicamentos
básicos”,
“Medicamentos
estratégicos” e “Medicamentos excepcionais”).
O Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional,
iniciado em 1982, é responsável por disponibilizar medicamentos –
normalmente de custo alto e de uso prolongado – para o tratamento
de
doenças
específicas,
que
atingem
um
número
limitado
de
pacientes. O Programa é regulado pela Portaria n.º 152/GM-2006,
que define como critérios para o fornecimento do medicamento a
existência
de
registro,
definição de preço
a
indicação
terapêutica
requerida
e
a
no órgão regulador. A Portaria n.º 1.869/GM,
de 4 de setembro de 2008, que substitui a Portaria n.º 2.577/GM,
de 27 de outubro de 2006, estabelece os procedimentos e os valores
abrangidos
pela
política
de
medicamentos
de
dispensação
excepcional do SUS.
A
instituiu
a
diretrizes
reabilitação
Portaria
n.º
Política
para
e
órgãos do SUS.
2.439/GM,
Nacional
promoção,
cuidados
de
de
Atenção
prevenção,
paliativos
8
a
de
dezembro
Oncológica,
diagnóstico,
serem
de
2005,
traçando
tratamento,
implantadas
pelos
Dentro dessa Política Nacional, a Portaria n.º
741/GM, 19 de dezembro de 2005, define as “unidades de assistência
de alta complexidade em oncologia”, os “centros de assistência de
alta
complexidade
em
oncologia”
(CACON)
e
os
“Centros
de
Referência de alta complexidade em oncologia”, especificando os
14
procedimentos que podem realizar e as normas para se credenciarem
no Programa.
As instituições credenciadas ao Sistema Único de Saúde
escolhem os fármacos necessários à quimioterapia ou aos outros
procedimentos que julguem adequados para o tratamento do paciente
e, posteriormente, requerem ao SUS o ressarcimento do valor gasto.
A Portaria n.º 146/MS-SAS, de 12 de março de 2008, estabelece os
códigos e os valores máximos por procedimento que as Instituições
de alta complexidade em oncologia poderão reaver.
Na
Glivec,
hipótese
“dispensado
Medicamentos
dos
autos,
pelo
a
Estado,
Excepcionais”
(fl.
utilização
através
3/Apenso),
do
do
medicamento
Programa
desencadeou
de
quadro
hemorrágico na paciente. A médica prescreveu, então, o medicamento
Tasigna
(Nilotinib),
cujo
fornecimento
foi
negado
por
médico-
auditor com a alegação de que a paciente residiria em outro Estado
(Maranhão),
não
obstante
estivesse
sendo
atendida
pelo
Hospital São Marcos, localizado no Estado do Piauí.
SUS
no
Em razão
disso, o Ministério Público estadual ajuizou mandado de segurança
buscando impelir o Estado do Piauí ao fornecimento do medicamento
Tasigna (Nilotinib).
Não vislumbro, na decisão impugnada, a exemplo do que já
decidido na STA n.º 278/AL (de minha relatoria, DJe de 29.10.2008)
risco de grave lesão à ordem pública, uma vez considerados os
seguintes dados fáticos:
- o medicamento Nilotinib está registrado na ANVISA, o
que atesta sua segurança para o consumo;
- consta dos autos que a paciente é portadora de Leucemia
Mielóide
Crônica,
conforme
atestado
pela
Médica
15
prescritora, necessitando utilizar o referido medicamento
duas vezes ao dia, durante 3 (três) meses consecutivos;
- a requerente declara não possuir condições de arcar com
o custo do medicamento (fl.15/Apenso), orçado em mais de
R$ 112.816,76 (cento e doze mil, oitocentos e dezesseis
reais e setenta e seis centavos) – fl. 14;
- o Hospital São Marcos foi habilitado como Centro de
Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON),
com
Serviço
de
Oncologia
Pediátrica,
cujo
número
de
referência no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de
Saúde é 2726998;
- o alto custo do medicamento não é, por si só, motivo
para o seu não fornecimento, visto que a Política de
Dispensação
Nacional
de
de
Medicamentos
Atenção
excepcionais
Oncológica
e
visam
a
a
Política
contemplar
justamente o acesso da população acometida por neoplasias
aos
tratamentos
relatoria,
DJe
disponíveis
de
(STA
28.10.2008;
SS
278,
de
3748,
de
minha
minha
relatoria, DJe de 28.04.2009).
- Há declaração, nos autos de origem, de voluntária do
Lar
de
Maria,
instituição
filantrópica
crianças carentes com câncer em Teresina,
da
solicitação
do
medicamento
ao
Estado
que
acolhe
de que, diante
do
Piauí,
o
médico negou o pedido ao fundamento de que a menor seria
oriunda de outro Estado. De tal declaração se presume que
a criança já era atendida pelo Estado do Piauí e que já
era assistida pela instituição filantrópica sediada em
Teresina (fls. 3 e 19-20/Apenso).
16
-
O
fornecimento
anterior
de
medicamento
que
causou
hemorragia na paciente foi dispensado pelo Estado, o que
afastaria
o
fundamento
adotado
pela
negativa
do
novo
medicamento.
O
Estado
do
Piauí,
apesar
de
alegar
grave
lesão
à
economia pública, não comprova a ocorrência de dano aos cofres
estaduais
de
forma
concreta,
limitando-se
a
sustentar
que
o
medicamento deve ser fornecido pela União, alegando a aplicação do
princípio da reserva do possível (fl. 14-17).
Nesse ponto, o pedido formulado tem nítida natureza
de recurso, sendo entendimento assente desta Corte que a via
da
suspensão
seguintes
não
é
sucedâneo
julgados:
SL
recursal,
14/MG,
rel.
como
destacam
os
Corrêa,
DJ
Maurício
03.10.2003; SL 80/SP, rel. Nelson Jobim,
DJ 19.10.2005; 56-
AgR/DF, rel. Ellen Gracie, DJ 23.6.2006.
O fato de não constar entre os medicamentos listados
pelas Portarias do SUS tampouco é motivo suficiente para o seu não
fornecimento, uma vez que a Política de Assistência Farmacêutica
visa
a
contemplar
justamente
a
integralidade
das
políticas
de
saúde a todos os usuários do sistema.
Portanto,
o
fornecimento
do
medicamento
Tasigna
(Nilotinib) à paciente portadora de Leucemia Mielóide Crônica, na
hipótese
dos
autos,
não
representa
grave
lesão
à
ordem
e
à
economia pública.
Inocorrentes os pressupostos contidos no art. 15 da Lei
no 12.016/2009, verifico que a ausência da medicação solicitada
poderá ocasionar graves e irreparáveis danos à saúde e à vida da
paciente.
17
Acrescente-se, ainda, que, em 17.03.2010, o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, negou provimento a nove
agravos
regimentais
interpostos
contra
decisões
da
Presidência
desta Corte, para manter determinações judiciais que ordenavam ao
Poder Público fornecer remédios de alto custo ou tratamentos não
oferecidos
pelo
portadores
de
Sistema
doenças
único
graves,
de
em
Saúde
situações
(SUS)
a
pacientes
semelhantes
a
dos
presentes autos, o que reforça o posicionamento ora adotado. (STAAgR 175 - apenso STA-AgR 178; SS-AgR 3724; SS-AgR 2944; SL-AgR 47;
STA-AgR
278;
SS-AgR
2361;
SS-AgR
3345;
SS-AgR
3355,
Tribunal
Pleno, de minha Relatoria).
Ante o exposto, indefiro o pedido de suspensão.
Publique-se.
Brasília, 7 de abril de 2010.
Ministro GILMAR MENDES
Presidente
18
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