DECISÃO: Trata-se de pedido de suspensão de segurança, formulado pelo Estado do Piauí, em face da decisão liminar proferida pelo Desembargador José Ribamar Oliveira, do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, relator do Mandado de Segurança no 2009.0001.001596-1. Na determinado decisão ao Estado objeto do deste Piauí que pedido de Suspensão, fornecesse o foi medicamento Tasigna, cuja substância ativa é o Nilotinibe, necessário para o tratamento de leucemia mielóide crônica a que se submete a menor F.P.G.S. O Desembargador Relator do mandado de segurança concedeu a liminar na forma pleiteada na inicial, com a seguinte fundamentação (fls. 25/26/Apenso): “Trata-se de Mandado de Segurança impetrado pelo Ministério Público do Estado do Piauí em favor de F.P.G.S [sic], menor de idade, internada no Hospital São Marcos em decorrência do agravamento de sua situação de saúde, uma vez que é portadora de leucemia, isto é, câncer das células brancas do sangue. Aduz que a família da menor não possui condições para arcar com o custo do medicamento necessário para o tratamento da doença, qual seja, NILOTINIB(TOSIGNA), e que, após solicitar o medicamento junto à Farmácia de medicamentos especiais, esta lhe negou sob a alegativa de que a menor reside em outro Estado da Federação. (...) Senão vejamos: o fumus boni iuris encontra-se evidenciado na plausibilidade jurídica dos fundamentos que sustentam a afronta ao direito líquido e certo, notadamente, afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à saúde, enquanto cláusula pétrea. Cuida-se de dever do Estado o integral atendimento aos hipossuficientes a fim de preservar o direito constitucional à saúde, sobretudo, em se tratando de criança amparada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O periculum in mora, por sua vez, caracteriza-se pela cristalina necessidade da impetrante em adquirir o medicamento outrora negado pela autoridade tido como coatora, haja vista ser necessário à sua sobrevivência, conforme orientação médica. (...) 1 Isto posto, ante a configuração do fumus boni iuris e do periculum in mora demonstrados, bem assim dos fundamentos acima alinhavados, concedo a medida liminar vindicada para determinar que a autoridade impetrada forneça o medicamento requerido, qual seja, NILOTINIB (nome comercial TOSIGNA) necessário à sobrevivência da infante, tem em vista os argumentos e documentos acostados nos autos.” Contra essa decisão o Estado do Piauí apresenta pedido de suspensão de segurança a esta Corte, alegando grave lesão à ordem e à economia públicas, violação do princípio da separação dos Poderes (fl. 15) e possibilidade de ocorrência do efeito multiplicador da decisão (fl. 6). Sustenta que o Sistema Único de Saúde (SUS) não reservou aos Estados, mas, sim, à União, o dever de garantir o acesso da população ao tratamento para o câncer (fls. 6-11). Ressalta que o medicamento Nilotinib não consta do rol de medicamentos abrangidos pela política de medicamentos de dispensação excepcional do SUS, nos termos da Portaria n.º 2.577/GM, de 27 de outubro de 2006 (fl. 11). Alega que não há a devida previsão orçamentária para a aquisição da medicação. Ademais, defende que as prestações de saúde devem ser executadas dentro da “reserva do possível” (fls. 14-18). Decido. A base normativa que fundamenta o instituto da suspensão (Leis nos 12.016/2009, 8.437/1992, 9.494/1997 e art. 297 do RI-STF) permite que a Presidência do Supremo Tribunal Federal, para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, suspenda a execução de decisões concessivas de segurança, de liminar ou de tutela antecipada, proferidas em única ou última 2 instância, pelos tribunais locais ou federais, quando a discussão travada na origem for de índole constitucional. Assim, é a natureza constitucional da controvérsia que justifica a competência do Supremo Tribunal Federal para apreciar o pedido jurisprudência julgados: de desta RCL-AgR contracautela, Corte, no 497/RS, conforme destacando-se Rel. Carlos a pacificada os seguintes Velloso, Plenário, maioria, DJ 6.4.2001; SS-AgR no 2.187/SC, Rel. Maurício Corrêa, DJ 21.10.2003; e SS no 2.465/SC, Rel. Nelson Jobim, DJ 20.10.2004. No presente caso, reconheço que a controvérsia instaurada na ação em apreço evidencia a existência de matéria constitucional: alegação de ofensa aos arts. 2º, 6º, caput, 196 e 198 da Constituição. Destaco que a suspensão da execução de ato judicial constitui somente medida quando excepcional, atendidos os a ser deferida, requisitos caso autorizadores a caso, (grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públi cas). Nesse sentido, confira-se trecho de decisão proferida pela Ministra Ellen Gracie no julgamento da STA no 138/RN: “[...] os pedidos de contracautela formulados em situações como a que ensejou a antecipação da tutela ora impugnada devem ser analisados, caso a caso, de forma concreta, e não de forma abstrata e genérica, certo, ainda, que as decisões proferidas em pedido de suspensão se restringem ao caso específico analisado, não se estendendo os seus efeitos e as suas razões a outros casos, por se tratar de medida tópica, pontual” – (STA no 138/RN, Presidente Min. Ellen Gracie, DJ 19.9.2007). Ressalte-se, não obstante, que, na análise do pedido de suspensão de decisão judicial, não é vedado ao Presidente do Supremo Tribunal Federal proferir um juízo mínimo de delibação a respeito das questões jurídicas presentes na ação principal, 3 conforme tem entendido a jurisprudência desta Corte, da qual se destacam os seguintes julgados: SS-AgR no 846/DF, Rel. Sepúlveda Pertence, DJ 8.11.1996 e SS-AgR no 1.272/RJ, Rel. Carlos Velloso, DJ 18.5.2001. O art. 15 da Lei no 12.016/2009 autoriza o deferimento do pedido de suspensão da execução de segurança concedida nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. A decisão liminar que o Estado do Piauí busca suspender, ao determinar que o impetrado fornecesse o medicamento Tasigna, cuja substância ativa é o Nilotinibe, baseou-se na aplicação imediata do direito fundamental social à saúde. O direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal como (1) “direito de todos” e (2) “dever do Estado”, (3) garantido mediante “políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos”, (5) regido pelo princípio do “acesso universal e igualitário” (6) “às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”. A doutrina constitucional brasileira há muito se dedica à interpretação do artigo 196 da Constituição. Teses, muitas vezes antagônicas, proliferaram-se em todas as instâncias do Poder Judiciário e na seara acadêmica. Tais teses buscam definir se, como e em que medida o direito constitucional à saúde se traduz em um direito subjetivo público a prestações positivas do Estado, passível de garantia pela via judicial. 4 O fato é que a judicialização do direito à saúde ganhou tamanha importância teórica e prática que envolve não apenas os operadores do Direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um todo. Se, fundamental por para um o lado, a exercício atuação do efetivo da Poder Judiciário cidadania e para é a realização do direito à saúde, por outro as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão entre os elaboradores e os executores das políticas públicas, que se veem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área da saúde e além das possibilidades orçamentárias. Em 5 de março de 2009, convoquei Audiência Pública em razão dos diversos pedidos de suspensão de segurança, de suspensão de tutela antecipada e de suspensão de liminar em trâmite no âmbito desta Presidência, com vistas a suspender a execução de medidas cautelares que condenam a Fazenda Pública ao fornecimento das mais variadas prestações de saúde (fornecimento de medicamentos, suplementos alimentares, órteses e próteses; criação de vagas de UTIs e leitos hospitalares; contratação de servidores de saúde; realização de cirurgias e exames; custeio de tratamento fora do domicílio, inclusive no exterior, entre outros). Após ouvir os depoimentos prestados pelos representantes dos diversos setores envolvidos, entendo ser necessário redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no Brasil. Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas. Portanto, não se cogita 5 do problema da interferência judicial em âmbitos de livre apreciação ou de ampla discricionariedade de outros Poderes quanto à formulação de políticas públicas. Esse dado pode ser importante para a construção de um critério ou parâmetro para a decisão em casos como este, no qual se discute, primordialmente, o problema da interferência do Poder Judiciário na esfera dos outros Poderes. O primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento. Nesses casos, a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser evidente. Se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a não prestação decorre de uma omissão legislativa ou administrativa, de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou de uma vedação legal a sua dispensação. O segundo dado a ser considerado é a existência de motivação para o não fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS. Há casos em que se ajuíza ação com o objetivo de garantir prestação de saúde que o SUS decidiu não custear por entender que inexistem evidências científicas suficientes para autorizar sua inclusão. Nessa distintas: 1º) hipótese, o SUS podem fornece ocorrer, tratamento ainda, duas alternativo, situações mas não 6 adequado a determinado paciente; 2º) o SUS não tem nenhum tratamento específico para determinada patologia. A princípio, pode-se inferir que a obrigação do Estado, à luz do disposto no artigo 196 da Constituição, restringe-se ao fornecimento das políticas sociais e econômicas por ele formuladas para a promoção, proteção e recuperação da saúde. Isso porque o Sistema Único de Saúde filiou-se à corrente da “Medicina com base em evidências”. Com isso, adotaram-se os “Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas”, que consistem num conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de doenças e disponíveis o e tratamento as correspondente respectivas doses. com Assim, os um medicamentos medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente. Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só se torna viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível. Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada. Dessa forma, podemos concluir que, em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente. 7 Essa conclusão não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário, medida diferente ou da de a própria custeada pelo Administração, decidir SUS fornecida deve ser que a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso. Inclusive, Audiência como ressaltado Pública, há pelo próprio necessidade de Ministro revisão da Saúde periódica na dos protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim, não se pode Terapêuticas afirmar do SUS que os Protocolos Clínicos são inquestionáveis, o e que Diretrizes permite sua contestação judicial. Situação diferente é a que envolve a inexistência de tratamento na rede pública. Nesses casos, é preciso diferenciar os tratamentos puramente experimentais dos novos tratamentos ainda não testados pelo Sistema de Saúde brasileiro. Os tratamentos experimentais (cuja eficácia ainda não foi cientificamente centros comprovada) médicos de são ponta, realizados por laboratórios consubstanciando-se em ou pesquisas clínicas. A participação nesses tratamentos rege-se pelas normas que regulam a pesquisa médica e, portanto, o Estado não pode ser condenado a fornecê-los. Como esclareceu o Médico Paulo Hoff, Diretor Clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, na Audiência Pública realizada, essas drogas não podem ser compradas em nenhum país, porque nunca foram aprovadas ou avaliadas, e o acesso a elas deve ser disponibilizado apenas no âmbito de estudos clínicos ou programas de acesso expandido, não sendo possível obrigar o SUS a custeá-las. No entanto, é preciso que o laboratório que realiza a pesquisa continue a fornecer o tratamento aos pacientes que participaram do estudo clínico, mesmo após seu término. 8 Quanto aos novos tratamentos (ainda não incorporados pelo SUS), é preciso que se tenha cuidado redobrado na apreciação da matéria. Como frisado pelos especialistas ouvidos na Audiência Pública, o conhecimento médico não é estanque, sua evolução é muito rápida e dificilmente acompanhável pela burocracia administrativa. Se, por um lado, a elaboração dos Protocolos Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor distribuição de recursos públicos e a segurança dos pacientes, por outro a aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa privada. Parece certo que a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não pode significar violação ao princípio da integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada. Nesses casos, a omissão administrativa no tratamento de determinada patologia poderá ser objeto de impugnação judicial, tanto por ações individuais como coletivas. No entanto, é imprescindível que haja instrução processual, com ampla produção de provas, o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar. Portanto, independentemente da hipótese levada à consideração do Poder Judiciário, as premissas analisadas deixam clara a necessidade de instrução das demandas de saúde para que não ocorra a produção padronizada de iniciais, contestações e sentenças, peças processuais que, muitas vezes, não contemplam as especificidades do caso concreto examinado, impedindo que o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva do direito à saúde. 9 Dos documentos acostados aos autos, ressalto os seguintes dados fáticos como imprescindíveis para a análise do pleito: a) a requerente, com 12 anos de idade, é portadora de leucemia mielóide medicamento crônica. Glivec, cuja Apresentou intolerância utilização severa desencadeou ao quadro hemorrágico. Conforme receituário médico, a requerente necessita do medicamento Nilotinibe (Tasigna) pelo prazo de 3 (três) meses (fls. 15-19/Apenso); b) o Ministério Público do Estado do Piauí encaminhou ofício requisitando a referida medicação à Secretaria de Saúde do Estado do Piauí (fl.20/Apenso). O médico-auditor José Henrique emitiu parecer desfavorável a sua aquisição, ao fundamento de que a paciente procede do Estado do Maranhão e, portanto, deveria requisitar a medicação junto à Secretaria de Saúde deste Estado. O argumento central apontado pelo Estado do Piauí reside na ausência de obrigação legal para que o Estado forneça o serviço requerido. Sustenta caber à União a prestação de saúde inserida no programa de oncologia, consubstanciada no fornecimento de medicamento. No RE 195.192-3/RS, a 2ª Turma deste Supremo Tribunal consignou o entendimento segundo o qual a responsabilidade pelas ações e serviços de saúde é da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios. Nesse sentido, o acórdão restou assim ementado: “SAÚDE – AQUISIÇÃO E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – DOENÇA RARA. Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e adolescente. O Sistema Único de Saúde torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.” (RE 195.192-3/RS, 2ª Turma, Ministro Marco Aurélio, DJ 22.02.2000). 10 Em sentido idêntico, no RE-AgR 255.627-1, o Ministro Nelson Jobim afastou a alegação do Município de Porto Alegre de que não seria responsável pelos serviços de saúde de alto custo. O Ministro Nelson Jobim, amparado no precedente do RE 280.642, no qual a 2ª Turma havia decidido questão idêntica, negou provimento ao Agravo Regimental do Município: “(...) A referência, contida no preceito, a “Estado” mostra-se abrangente, a alcançar a União Federal, os Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municípios. Tanto é assim que, relativamente ao Sistema Único de Saúde, diz-se do financiamento, nos termos do artigo n.º 195, com recursos do orçamento, da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Já o caput do artigo informa, como diretriz, a descentralização das ações e serviços públicos de saúde que devem integrar rede regionalizada e hierarquizada, com direção única em cada esfera de governo. Não bastasse o parâmetro constitucional de eficácia imediata, considerada a natureza, em si, da atividade, afigura-se como fato incontroverso, porquanto registrada, no acórdão recorrido, a existência de lei no sentido da obrigatoriedade de fornecer-se os medicamentos excepcionais, como são os concernentes à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), às pessoas carentes. O município de Porto Alegre surge com responsabilidade prevista em diplomas específicos, ou seja, os convênios celebrados no sentido da implantação do Sistema Único de Saúde, devendo receber, para tanto, verbas do Estado. Por outro lado, como bem assinalado no acórdão, a falta de regulamentação municipal para o custeio da distribuição não impede fique assentada a responsabilidade do Município. (...)” (RE-AgR 255.627-1/RS, 2ª Turma, Ministro Nelson Jobim, DJ 21.11.2000) Assim, apesar da responsabilidade dos entes da federação em matéria de direito à saúde suscitar questões delicadas, a decisão impugnada, ao determinar a responsabilidade do Estado no fornecimento do tratamento pretendido, segue as normas constitucionais que fixaram a competência comum (art. 23, II, da CF), a Lei Federal n.º 8.080/90 (art. 7º, XI) e a jurisprudência desta Corte. Entendo, pois, que a determinação para que o Estado do Piauí arque com as despesas do tratamento não configura lesão à ordem pública. 11 Entendo, igualmente, inexistente a ocorrência de grave lesão à ordem pública por violação ao art. 2º da Constituição. A alegação de violação à separação dos Poderes não justifica a inércia do Poder Executivo em cumprir seu dever constitucional de garantia do direito à saúde de todos (art. 196), legalmente estabelecido pelas normas que regem o Sistema Único de Saúde, e tecnicamente especificado pelas Portarias do Ministério da Saúde. A Constituição indica, de forma clara, os valores a serem priorizados, corroborada pelo disposto nas Leis Federais 8.080/90 e 8.142/90. Tais determinações devem ser seriamente consideradas na formulação orçamentária, pois representam comandos vinculativos para o Poder Público. Quanto Judiciário, à destaco possibilidade a ementa da de decisão intervenção proferida do na Poder ADPF-MC 45/DF, relator Celso de Mello, DJ 29.4.2004: “EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁCTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA ‘RESERVA DO POSSÍVEL’. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO ‘MÍNIMO EXISTENCIAL’. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).” Nesse sentido é a lição de Christian Courtis e Victor Abramovich (ABRAMOVICH, Victor; COURTS, Christian, Los derechos sociales como derechos exigibles, Trotta, 2004, p. 251): “Por ello, el Poder Judicial no tiene la tarea de diseñar políticas públicas, sino la de confrontar el diseño de políticas asumidas con los estándares jurídicos aplicables y – en caso de hallar divergencias – reenviar la cuestión a los 12 poderes pertinentes para que ellos reaccionen ajustando su actividad en consecuencia. Cuando las normas constitucionales o legales fijen pautas para el diseño de políticas públicas y los poderes respectivos no hayan adoptado ninguna medida, corresponderá al Poder Judicial reprochar esa omisión y reenviarles la cuestión para que elaboren alguna medida. Esta dimensión de la actuación judicial puede ser conceptualizada como la participación en un <<diálogo>> entre los distintos poderes del Estado para la concreción del programa jurídicopolítico establecido por la constitución o por los pactos de derechos humanos.” (sem grifo no original) Registre-se que a Lei Federal n.º 6.360/76, ao dispor sobre a Vigilância Sanitária a que ficam sujeitos os Medicamentos, as Drogas, os Insumos Farmacêuticos e Correlatos, determina, em seu artigo 12, que “nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde”. Em consulta ao sítio da ANVISA, é possível verificar que o medicamento Tasigna, cujo princípio ativo é o nilotinibe, produzido pela empresa NOVARTIS BIOCIENCIAS S.A, foi registrado sob o n.º 100681060, válido até 01/2014, o que atesta sua segurança para o consumo. A decisão objeto do pedido de suspensão, ao determinar o fornecimento do medicamento Nilotinib, decidiu pelo fornecimento de medicamento de alto custo que não consta dos protocolos do SUS. A Portaria n.º 3916, de 30 de outubro de 1998, dispõe sobre a diretrizes Política para a Nacional de instituição Medicamentos, de relação de estabelecendo medicamentos essenciais (RENAME), a regulamentação sanitária de medicamentos, a reorientação da assistência farmacêutica, a promoção da pesquisa e da produção de medicamentos, entre outras. 13 A assistência farmacêutica (Resolução n.º 338/2004 do Conselho Nacional de Saúde), uma entre as várias prestações de saúde que compõem econômicas que o sistema visam a brasileiro, reduzir os abrange preços dos políticas medicamentos (programas como “Farmácia Popular”, “Medicamento Genérico” e “Uso Racional de Medicamentos”) e políticas sociais que garantam o fornecimento gratuito de medicamentos à população por meio de três programas básicos (“Medicamentos básicos”, “Medicamentos estratégicos” e “Medicamentos excepcionais”). O Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional, iniciado em 1982, é responsável por disponibilizar medicamentos – normalmente de custo alto e de uso prolongado – para o tratamento de doenças específicas, que atingem um número limitado de pacientes. O Programa é regulado pela Portaria n.º 152/GM-2006, que define como critérios para o fornecimento do medicamento a existência de registro, definição de preço a indicação terapêutica requerida e a no órgão regulador. A Portaria n.º 1.869/GM, de 4 de setembro de 2008, que substitui a Portaria n.º 2.577/GM, de 27 de outubro de 2006, estabelece os procedimentos e os valores abrangidos pela política de medicamentos de dispensação excepcional do SUS. A instituiu a diretrizes reabilitação Portaria n.º Política para e órgãos do SUS. 2.439/GM, Nacional promoção, cuidados de de Atenção prevenção, paliativos 8 a de dezembro Oncológica, diagnóstico, serem de 2005, traçando tratamento, implantadas pelos Dentro dessa Política Nacional, a Portaria n.º 741/GM, 19 de dezembro de 2005, define as “unidades de assistência de alta complexidade em oncologia”, os “centros de assistência de alta complexidade em oncologia” (CACON) e os “Centros de Referência de alta complexidade em oncologia”, especificando os 14 procedimentos que podem realizar e as normas para se credenciarem no Programa. As instituições credenciadas ao Sistema Único de Saúde escolhem os fármacos necessários à quimioterapia ou aos outros procedimentos que julguem adequados para o tratamento do paciente e, posteriormente, requerem ao SUS o ressarcimento do valor gasto. A Portaria n.º 146/MS-SAS, de 12 de março de 2008, estabelece os códigos e os valores máximos por procedimento que as Instituições de alta complexidade em oncologia poderão reaver. Na Glivec, hipótese “dispensado Medicamentos dos autos, pelo a Estado, Excepcionais” (fl. utilização através 3/Apenso), do do medicamento Programa desencadeou de quadro hemorrágico na paciente. A médica prescreveu, então, o medicamento Tasigna (Nilotinib), cujo fornecimento foi negado por médico- auditor com a alegação de que a paciente residiria em outro Estado (Maranhão), não obstante estivesse sendo atendida pelo Hospital São Marcos, localizado no Estado do Piauí. SUS no Em razão disso, o Ministério Público estadual ajuizou mandado de segurança buscando impelir o Estado do Piauí ao fornecimento do medicamento Tasigna (Nilotinib). Não vislumbro, na decisão impugnada, a exemplo do que já decidido na STA n.º 278/AL (de minha relatoria, DJe de 29.10.2008) risco de grave lesão à ordem pública, uma vez considerados os seguintes dados fáticos: - o medicamento Nilotinib está registrado na ANVISA, o que atesta sua segurança para o consumo; - consta dos autos que a paciente é portadora de Leucemia Mielóide Crônica, conforme atestado pela Médica 15 prescritora, necessitando utilizar o referido medicamento duas vezes ao dia, durante 3 (três) meses consecutivos; - a requerente declara não possuir condições de arcar com o custo do medicamento (fl.15/Apenso), orçado em mais de R$ 112.816,76 (cento e doze mil, oitocentos e dezesseis reais e setenta e seis centavos) – fl. 14; - o Hospital São Marcos foi habilitado como Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON), com Serviço de Oncologia Pediátrica, cujo número de referência no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde é 2726998; - o alto custo do medicamento não é, por si só, motivo para o seu não fornecimento, visto que a Política de Dispensação Nacional de de Medicamentos Atenção excepcionais Oncológica e visam a a Política contemplar justamente o acesso da população acometida por neoplasias aos tratamentos relatoria, DJe disponíveis de (STA 28.10.2008; SS 278, de 3748, de minha minha relatoria, DJe de 28.04.2009). - Há declaração, nos autos de origem, de voluntária do Lar de Maria, instituição filantrópica crianças carentes com câncer em Teresina, da solicitação do medicamento ao Estado que acolhe de que, diante do Piauí, o médico negou o pedido ao fundamento de que a menor seria oriunda de outro Estado. De tal declaração se presume que a criança já era atendida pelo Estado do Piauí e que já era assistida pela instituição filantrópica sediada em Teresina (fls. 3 e 19-20/Apenso). 16 - O fornecimento anterior de medicamento que causou hemorragia na paciente foi dispensado pelo Estado, o que afastaria o fundamento adotado pela negativa do novo medicamento. O Estado do Piauí, apesar de alegar grave lesão à economia pública, não comprova a ocorrência de dano aos cofres estaduais de forma concreta, limitando-se a sustentar que o medicamento deve ser fornecido pela União, alegando a aplicação do princípio da reserva do possível (fl. 14-17). Nesse ponto, o pedido formulado tem nítida natureza de recurso, sendo entendimento assente desta Corte que a via da suspensão seguintes não é sucedâneo julgados: SL recursal, 14/MG, rel. como destacam os Corrêa, DJ Maurício 03.10.2003; SL 80/SP, rel. Nelson Jobim, DJ 19.10.2005; 56- AgR/DF, rel. Ellen Gracie, DJ 23.6.2006. O fato de não constar entre os medicamentos listados pelas Portarias do SUS tampouco é motivo suficiente para o seu não fornecimento, uma vez que a Política de Assistência Farmacêutica visa a contemplar justamente a integralidade das políticas de saúde a todos os usuários do sistema. Portanto, o fornecimento do medicamento Tasigna (Nilotinib) à paciente portadora de Leucemia Mielóide Crônica, na hipótese dos autos, não representa grave lesão à ordem e à economia pública. Inocorrentes os pressupostos contidos no art. 15 da Lei no 12.016/2009, verifico que a ausência da medicação solicitada poderá ocasionar graves e irreparáveis danos à saúde e à vida da paciente. 17 Acrescente-se, ainda, que, em 17.03.2010, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, negou provimento a nove agravos regimentais interpostos contra decisões da Presidência desta Corte, para manter determinações judiciais que ordenavam ao Poder Público fornecer remédios de alto custo ou tratamentos não oferecidos pelo portadores de Sistema doenças único graves, de em Saúde situações (SUS) a pacientes semelhantes a dos presentes autos, o que reforça o posicionamento ora adotado. (STAAgR 175 - apenso STA-AgR 178; SS-AgR 3724; SS-AgR 2944; SL-AgR 47; STA-AgR 278; SS-AgR 2361; SS-AgR 3345; SS-AgR 3355, Tribunal Pleno, de minha Relatoria). Ante o exposto, indefiro o pedido de suspensão. Publique-se. Brasília, 7 de abril de 2010. Ministro GILMAR MENDES Presidente 18