Ações e Êxitos do Brasil no Enfrentamento da Crise Financeira

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Ações e Êxitos do Brasil no Enfrentamento da Crise Financeira Internacional
Fernando Nogueira da Costa1
A Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) em % do PIB tornou-se uma referencia
central para coordenar os diversos instrumentos de política econômica em curto
prazo. Em 1984, no final do regime militar, estava em 53,3%. Em dez anos, no
final do governo Itamar Franco, caiu para seu menor patamar na história
recente: 30,0%. No governo FHC, retomou seu crescimento, especialmente no
ano de 1998 com a perda de reserva cambial e a reeleição, completando seu
segundo mandato em 2002 com 60,6% do PIB. Desde o governo Lula,
caracteriza-se uma firme tendência de queda: de 54,9% em 2003 até 38,4% no
ano de 2008, com o início da crise mundial e depreciação da moeda nacional. O
país já tinha mudado de posição financeira, tornando-se credor em moeda
estrangeira.
Depois da desoneração fiscal anti-crise mundial, retoma-se a tendência
declinante dessa razão. A DLSP / PIB reduziu de 42,9% para 37,5%, entre
outubro de 2009 e fevereiro de 2012. O plano inicial do governo Dilma era, nos
fins de anos, atingir 35,1% em 2012, 31,9% em 2013 e 28,7% em 2014.
Qual é a importância da análise desses números? Ela nos propicia entender a
importância das mudanças na política econômica de curto e de longo prazo que
têm ocorrido no governo Dilma. Em destaque, a nova diretoria do Banco Central
do Brasil está trabalhando de maneira coordenada com o restante da equipe
econômica, como deveria ter sido feito desde o início do governo Lula. Isto
significa que os diversos instrumentos de política econômica, que afetam a
relação DLSP/PIB (política monetária de juro e crédito, política cambial, controle
da mobilidade do capital e política fiscal), estão “atuando em uníssono”.
Em consequência, aproveitando o cenário deflacionário, o Banco Central firma a
tendência de queda da taxa de juros e de elevação da taxa de câmbio, os bancos
públicos contribuem com a queda do spread e a expansão do crédito, o
Ministério da Fazenda taxa com IOF o capital estrangeiro especulativo e
persegue as metas de resultado fiscal. A coordenação entre política fiscal e
política monetária contribuiu para expressiva redução dos juros de 12,5% para
8,0% e, portanto, dos encargos financeiros da dívida pública. O superávit
primário total passou de 2,0% do PIB, no pior ano da crise (2009), para 3,3% no
ano corrente. Enquanto isso o déficit nominal total caiu de -3,3% para -2,3% do
PIB no mesmo período.
Quais são os elos-fracos que ameaçam essa transformação do círculo vicioso pré2003 para o círculo virtuoso após a posse de governo social-desenvolvimentista?
Quase todas as apostas são no sentido do Brasil se transformar em economia
exportadora de petróleo na segunda metade da década corrente. O setor de
petróleo e gás é responsável por 59% do total de R$ 597 bilhões dos
Professor Livre-docente do IE-UNICAMP. Autor do livro “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012).
http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected].
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investimentos da indústria entre 2012-2015, mapeados pelo BNDES. O segundo
maior setor é a extrativa mineral, representando quase 10% dos investimentos.
Alguns economistas alertam para a “maldição da abundância de recursos
naturais”, isto é, a chamada “doença holandesa”. Porém, meu alerta diz respeito à
escassez de funding, ou seja, de recursos captados no mercado de capitais
brasileiro, através da emissão de debêntures, seja pelas empresas não
financeiras, seja pelo BNDESPAR, suficientes para lastrear o ritmo desses
investimentos. Há necessidade de se recorrer ao Tesouro Nacional, o que pode
trazer de volta o vício de endividamento público interno. A overdose seria o
endividamento externo com recursos captados seja através de organismos
multilaterais, como o BID e o Banco Mundial, seja com a emissão de bonds.
O forte crescimento dos gastos com abono salarial e seguro-desemprego,
decorrente entre outros fatores do aumento real do salário mínimo, eleva as
despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) em ritmo maior do que as
receitas crescem. O FAT passa a registrar déficits nominais, necessitando de
seguidos aportes do Tesouro Nacional. Das contribuições ao Fundo PIS-PASEP,
60% se destinam a custear o seguro-desemprego e o abono salarial e, no mínimo,
40% devem ser destinados ao BNDES para aplicação em programas de
desenvolvimento econômico.
Até 2008, o FAT representava a principal fonte de captação de recursos do
BNDES. Entre 2009 e 2011, no entanto, foi superada pelos aportes de R$ 255
bilhões do Tesouro Nacional ao BNDES. Ressalva-se que, dentre esses recursos,
R$ 24,8 bilhões foram captados sob a forma de LFT (Letras Financeiras do
Tesouro) e utilizados para integralização de ações de emissão da Petrobras.
Em termos dinâmicos, em médio e longo prazo, dependendo da prudência no
endividamento, isto é, em se evitar o círculo vicioso, retornará o círculo virtuoso.
Além do pagamento anual de juros (TJLP) do BNDES para a União, e
amortizações entre 6 e 40 anos, haverá ganhos fiscais resultantes das operações
viabilizadas pelo empréstimo da União. O lucro do BNDES retornará à União por
meio de dividendos, tributos e lucros retidos. Haverá ganho fiscal em curto
prazo, decorrente da expansão do produto e da renda da economia. Sobressairse-á o ganho fiscal de longo prazo, resultante do fato de que a capacidade
produtiva da economia será maior nos próximos anos, viabilizando o
crescimento da demanda sem pressão inflacionária, maior PIB e arrecadação
fiscal mais elevada.
Esse arranjo financeiro encontrado na economia brasileira foi eficaz para o País
tirar seu atraso histórico no desenvolvimento socioeconômico. Afinal, mesmo
com altíssima taxa de juros real, houve financiamento subsidiado do
desenvolvimento – e o Brasil entrou no RIC, constituindo o BRIC!
Como se chegou a tal arranjo? A política monetária de juro alto propiciou altos
rendimentos das carteiras de ativos dos grandes fundos parafiscais, compostas
predominantemente por títulos de dívida pública, que compensam juro abaixo
do mercado no crédito direcionado. Os recursos de origem (e destino em última
análise) trabalhista foram fundamentais.
O FGTS é funding para Caixa fomentar o desenvolvimento urbano. O FAT (PISPASEP) é funding para BNDES financiar a infraestrutura logística. Os três fundos
de desenvolvimento regionais, isto é, o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste
(FDNE), o Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FDA) e o Fundo de
Desenvolvimento do Centro-Oeste (FDCO), são, respectivamente, funding para
Banco do Nordeste do Brasil, o BASA e o Banco do Brasil. Este cuida do
desenvolvimento agrícola. Semelhantemente, as EFPP (Entidades Fechadas de
Previdência Privada) capitalizam seu funding para associações em
empreendimentos prioritários para o desenvolvimento nacional.
Em outras palavras, o Capitalismo de Estado Neocorporativo Brasileiro coloca o
Tesouro Nacional no centro das tomadas de decisões financeiras direcionadas.
Ele cuida da centralização fiscal e da concentração de capital necessárias para o
“salto de etapas” na emergência da economia brasileira. Arrecada tributos dos
contribuintes e toma empréstimos com credores para capitalização dos bancos
públicos. Obtém recursos através da política de endividamento público para
executar, como emprestador em última instância, a política financeira
desenvolvimentista.
O Tesouro Nacional oferece aos investidores a segurança do risco soberano,
liquidez e rendimento real, para captar em longo prazo, tanto no mercado
financeiro doméstico, quanto no internacional, via títulos de dívida pública.
Depois, faz a realocação de recursos em prazos adequados às prioridades
nacionais. Ele supre a ausência de mercado de capitais.
O debate sobre a retomada do crescimento econômico brasileiro ainda não se
aprofundou. Alguns economistas alegam que "as medidas usadas pelo governo
para reativar a economia e tirar o Brasil da trajetória de desaceleração que se
instalou no mundo todo são as mesmas que ajudaram o Brasil na crise de
2008/2009". Instrumentos de política econômica são sempre “os mesmos”
(políticas monetária, fiscal, cambial e de controle de capital), o que muda é a
intensidade e o sentido em que são utilizados. Atualmente, a baixa da taxa de
juros básica levou-a ao menor nível histórico.
Baseado no afrouxamento monetário, corte de impostos para bens duráveis,
estímulo ao crédito, e gastos públicos, esses economistas alegam que "o remédio
não está funcionando como antes". Para analistas mais cuidadosos, a pequena
eficácia imediata das medidas já adotadas pelo governo é resultado da natureza
distinta entre as duas etapas da mesma crise, além de ser também explicada pelo
momento distinto vivido pelas economias doméstica e mundial. Agora, nos países
de capitalismo maduro, está se socializando o prejuízo decorrente da anterior
privatização do benefício de salvamento dos banqueiros.
Em 2008, a quebra do Lehman Brothers, nos Estados Unidos, instaurou o pânico
nos mercados financeiros e travou os canais de crédito, mas a resposta das
autoridades globais, especialmente do Fed, foi rápida e favoreceu uma
recuperação já no ano seguinte. Dessa vez, o foco principal é na crise de dívida
soberana na zona do euro, que representa cerca de 25% da economia global. Ela
preocupa investidores e diminui a capacidade global de crescimento, inclusive
nos emergentes, que antes pareciam imunes às preocupações dos países
desenvolvidos.
No Brasil, alguns analistas argumentam que os incentivos à demanda esbarram
em consumidores mais endividados e com propensão menor a assumir novos
compromissos. Em abril de 2012, segundo dado divulgado pelo Banco Central, o
comprometimento com dívidas atingiu 22% da renda das famílias, quatro pontos
percentuais acima dos 18% registrados no mesmo mês de 2008. Esse pequeno
aumento do endividamento não é suficiente como explicação. Talvez a satisfação
de necessidades imediatas, possibilitando o corte de consumo supérfluo face ao
temor de desemprego futuro, seja melhor explicação.
Na atual conjuntura, estímulos ao consumo não são suficientes para dinamizar a
oferta, inclusive porque o excedente de produção mundial ainda coloca os
importados em patamar competitivo, mesmo com o câmbio mais depreciado dos
últimos meses. Constata-se o papel dominante das importações no atendimento
do consumo doméstico de bens industriais. O Brasil está com um problema sério
de competitividade industrial.
Com consumo menos pujante e produção em queda, a saída para crescer mais
seria via investimentos. Alguns críticos alegam que eles se encontram
paralisados diante da incerteza elevada proveniente do ambiente externo.
Entretanto, as obras para a Copa do Mundo de 2012 estão tendo continuidade,
assim como o Programa Minha Casa, Minha Vida. Outros investimentos públicos
estão em ritmo menor, mas não por causa de “expectativa incerta”.
Após a crise de 2008, a confiança dos empresários não foi tão severamente
afetada, porque a autoridade monetária norte-americana salvou o mercado
bancário, depois de perceber que havia instituições financeiras grandes demais
para quebrar. Essa postura é o contrário da adotada pelo Banco Central Europeu
(BCE), que reluta há dois anos em atuar como emprestador de última instância. A
postura inflexível da Alemanha ainda pesa sobre as decisões da instituição. Sem
expectativa de solução para a situação europeia, a incerteza em relação à
economia global continua adiando decisões de investimento e segura o PIB do
Brasil. Entretanto, gastos públicos não se paralisam por causa de “expectativa
incerta”, mas dependem sim de decisões de política econômica.
Agora é comum se argumentar que a União Monetária Europeia começou errada.
Na hora da crise, espera-se um ajuste definitivo, mas poderá ocorrer algum
paliativo. O pior da crise ainda não passou. Partidários do “tudo ou nada”
apontam que só há duas soluções possíveis para a Europa: “amargar um longo
período depressivo ou desfazer o euro e recomeçar do zero”. Por essa solução
radical, ficam todos em compasso de espera, para verificar o resultado final, que
não tem data para ocorrer.
Outros afirmam que “a crise atual é muito menos intensa do que a de 2008,
embora seja, de fato, mais longa”. Não é desdobramento da mesma crise?! Nessa
visão, “as políticas anticíclicas também foram mais efetivas naquela época nos
países emergentes, especialmente na China”.
Há três anos, os preços das commodities se recuperaram rapidamente e os
termos de troca (relação entre preços de exportação e importação) continuaram
favoráveis ao Brasil. No episódio atual da crise, a queda da demanda chinesa,
devido à desaceleração mundial, contaminou o mercado de commodities. No país
asiático, há também o problema de excessiva alavancagem financeira,
principalmente no financiamento ao setor imobiliário. Por isso as autoridades
estão mais cautelosas na concessão de estímulos, embora tenham afrouxado a
política monetária recentemente.
Não são apenas as economias centrais e a China que impõem uma retomada mais
lenta da economia brasileira neste ano. A Argentina, principal mercado para
produtos manufaturados brasileiros, vinha crescendo em média de 8% entre
2003 e 2011, avanço que deve desacelerar para algo em torno de 3% este ano.
Enfim, o multiplicador de renda ocorre “com tudo para cima”, o divisor de renda
ocorre “com tudo para baixo”...
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