NOÇÕES DE ANESTESIA GERAL Angelo Antônio Gomes de Carvalho Horácio Tamada Sandra Regina S. Cabral 1- Definição A anestesia geral é o estado no qual ocorre perda da consciência (hipnose) total, abolição da dor (analgesia/anestesia) e relaxamento da musculatura do paciente, possibilitando a realização do ato cirúrgico. 2- Fases da Anestesia Geral A anestesia geral é constituída de três fases. São elas: indução anestésica, manutenção da anestesia e recuperação. A indução anestésica é o período de transição inicial do paciente que se encontra acordado para o estado de perda parcial da consciência. Compreende todos os procedimentos, incluindo a medicação pré-anestésica. A manutenção da anestesia começa quando o estado de anestesia é o ideal para que se inicie o procedimento cirúrgico. A manutenção deve ser realizada conforme as necessidades individuais de cada paciente e as características do procedimento cirúrgico a ser realizado. A recuperação vai desde a finalização do ato cirúrgico até o momento em que o paciente recupere a consciência e estabilize os sinais vitais. Todas as fases da anestesia são de responsabilidade do anestesiologista, que deve ter realizado uma minuciosa avaliação préanestésica e estabelecido qual a medicação pré-anestésica a ser utilizada quando necessário. Em conjunto com o cirurgião responsável pelo procedimento, o anestesiologista deve definir qual e a melhor droga e a melhor via de administração para induzir o paciente ao estado de anestesia geral. Durante o ato cirúrgico é necessário a monitoração do paciente, sendo a mesma de extrema importância para o sucesso do ato operatório. Os recursos técnicos avançados disponíveis atualmente, aliados a experiência do anestesiologista permitem a avaliação da profundidade da anestesia com segurança. Com a ajuda dos aparelhos (fluxometros de boa qualidade), o anestesista consegue fazer chegar ao paciente quantidades bem dosadas de gases e oxigênio. Com o aperfeiçoamento dos vaporizadores, torna-se possível o uso de misturas de oxigênio e gás anestésico em concentrações seguras, suficientes e em fluxo constante. Outros aparelhos com os estetoscópios précordial e esofágico, oxímetro de pulso, esfignomamômetro, capnógrafo e cardioscópio são tem extrema importância pois fornecem dados vitais do paciente e auxiliam na monitoração do mesmo durante o ato operatório. Medidas da pressão venosa central (PVC), pressão intra-arterial (PIA) e gasometria também auxiliam na monitoração do paciente, permitindo que o ato anestésico seja conduzido com segurança quase total para o paciente. Após o procedimento cirúrgico, o anestesiologista é responsável por acompanhar o paciente até que o mesmo recupere o estado de consciência e estabilize os sinais vitais. 3- Classificação A anestesia geral pode ser classificada quanto a sua via de administração. As principais vias de administração utilizadas são a inalatória e endovenosa. As vias como a intramuscular, oral e retal raramente são utilizadas para se obter um estado de anestesia geral. A escolha da via de administração adequada baseia-se na eficácia e segurança do método escolhido. As vias inalatórias e endovenosas permitem ao anestesiologista um maior grau de segurança e uma boa eficácia, sendo por isso, as vias mais amplamente utilizadas nos procedimentos cirúrgicos que exigem o uso de anestésicos gerais. As vias muscular, oral e retal apresentam um grau de controle mais limitado, o que justifica seu uso mais comum na introdução de medicamentos pré-anestésicos. Os anestésicos inalatórios encontram se na forma de gás, vapor ou líquido. Nesta via de administração o agente é conduzido até os pulmões pela árvore traqueobrônquica. Ao chegar aos pulmões o agente anestésico é absorvido pelos alvéolos pulmonares e desses passam para a corrente sanguínea através da membrana alveolar. Essa passagem do anestésico para a corrente sanguínea depende da relação entre a concentração do anestésico no alvéolo e no sangue. Quando a concentração é maior nos alvéolos ocorre o intercâmbio do alvéolo para o sangue, caso a relação seja contrária, a ordem de passagem é inversa. Os anestésicos inalatórios apresentam vantagens em relação aos endovenosos devido ao fato de o grau de anestesia poder ser modificado rapidamente alterando-se a concentração do anestésico inalado e ser fácil a manutenção de uma concentração sanguínea constante. Os principais anestésicos inalatórios são o óxido nitroso, halotano (Fluothane ®, Halothane®), enflurano (Enfluran®, Etrane®), isoflurano (Forane®, Isoforine ®), sevoflurano (Sevorane®, Sevocris®) e o metoxifluorano. A escolha do anestésico inalatório depende do estado de saúde de cada paciente, do procedimento a ser realizado, da experiência do anestesiologista, da disponibilidade do medicamento no serviço de saúde, entre outros fatores. O óxido nitroso é freqüentemente utilizado em associação ao oxigênio (30% a 50%). O efeito máximo ocorre após sete minutos e a recuperação entre 20 e 30 minutos. Em concentrações maiores de 50% pode causar náuseas, vômitos, tonturas, torpor e sonolência. A sedação excessiva pode resultar em perda dos reflexos das vias aéreas. O halotano (Halothane®) proporciona perda da consciência rápida e suave, com anestesia progressiva e recuperação rápida. Cerca de 20% da dose captada pelo organismo é metabolizada pelo fígado e o restante é expelido. O halotano é um hipotensor, uma vez que provoca redução da pressão arterial durante a indução anestésica. Esse efeito, no entanto, é favorável ao cirurgião, uma vez que propicia um campo operatório com menor sangramento. O sevoflurano (Sevorane®) apresenta uma rápida indução e recuperação em função do menor coeficiente de partição sangue/gás e odor mais agradável, não irritando as vias aéreas, sendo de grande aceitação pelas crianças, nas quais a indução da sedação inalatória é preferida. O decréscimo no tempo para o despertar resulta em menor comprometimento das funções cognitivas no período pós-operatório e permite um rápido ajuste na profundidade anestésica. A técnica de anestesia geral endovenosa surgiu com o aparecimento dos hipnóticos (principalmente o propafenol e o midazolan) e dos opióides alfentanil e sufentanil. A anestesia endovenosa é realizada com a associação de vários fármacos e isto torna fácil de entender pela inexistência do anestésico ideal capaz de produzir, simultaneamente, hipnose, analgesia e relaxamento muscular. Atualmente dispõe-se de anestésicos endovenosos da classe dos opióides, barbitúricos, benzodiazepínicos e outros como a cetamina (Ketamin®), etomidato (Hypnomidate®) e propofol (Diprivan®). A anestesia endovenosa tem sido muito utilizada como técnica de anestesia geral. Isto é motivado pela introdução de novos fármacos, cujas características farmacocinéticas permitem administração contínua, assemelhando-se a técnica inaltória. A anestesia endovenosa pode ser realizada em de forma contínua ou em bolus e repetida quantas vezes forem necessárias segundo os critérios do anestesiologista. As vantagens da via de administração endovenosa em relação a inalatória, consiste no fato de evitar a poluição ambiental da sala de cirurgia causada pelos agentes inalatórios, com todas as conseqüências que esta acarreta para a equipe anestésico-cirúrgica. É indicada em pacientes ou cirurgias que apresentam grande probabilidade de náuseas e vômitos e em paciente com suspeitas de terem o gene capaz de desencadear o quadro de hipertemia maligna. As principais desvantagens da via endovenosa consistem em um maior prolongamento do tempo de recuperação e a variabilidade individual dos pacientes em relação à farmacocinética e farmacodinâmica das drogas venosas. Entre as várias associações de fármacos anestésicos endovenosos a mais popular é do opióide-propofol, tais como: sufentanil-propofol, o alfentanilpropofol e o remifentanil-propofol. Enquanto o opióide produz analgesia e redução dos estímulos neuro-humorais com estabilidade hemodinâmica, o propofol determina hipnose e amnésia. Deve ser destacado também o sinergismo desta associação. O propofol (Diprivan®) devido às suas características farmacocinética e farmacodinâmicas passou a ser o hipnótico de escolha para a indução ou manutenção das anestesias venosas totais. As suas propriedades antieméticas, antipruriginosas e sedativas fizeram dessa droga o parceiro ideal para ser usado em associação com os novos opióides. O sufentanil (Sufenta®) é um opióide com grande efeito sedativo e a maior capacidade em reduzir os estímulos neuro-humorais causados pelo estresse. Esta ação sedativa é bastante desejável, pela possibilidade de o paciente ficar consciente durante o ato anestésico-cirúrgico. O alfentanil (Rapifen®) é um opióide com rápido início de ação e curta duração de efeito. Por causa disto, é muito utilizado tanto na anestesia endovenosa balanceada quanta na total. O remifentanil (Ultiva®) é o mais novo opióide a ser empregado clinicamente. Tem como características o fato de possuir uma rápida absorção e rápida recuperação devido a curta meia-vida. Com esta última propriedade, torna-se uma droga de fácil manuseio, tanto em anestesias de curta duração, mas que requerem intensa analgesia, quanto para procedimentos prolongados sem o anestesiologista preocupar-se com a recuperação prolongada. 4- Indicações Em termos gerais, a anestesia geral esta indicada em situações nas quais é necessário que o paciente se mantenha inconsciente, com relaxamento da musculatura esquelética, com abolição da dor e lapso de memória durante o procedimento cirúrgico a ser realizado. A anestesia geral também esta indicada quando não é possível realizar um bloqueio anestésico regional. 5- Contra-indicações As contra-indicações da anestesia geral dependem de uma série de fatores como o estado de saúde do paciente, os fármacos as serem utilizados, o risco de choque anafilático, entre outros. Algumas das principais contra-indicações da anestesia geral são situações em que o paciente apresente risco de broncoaspiração, dificuldade respiratória e hipertensão arterial no momento da cirurgia. 6- Complicações Entre os fatores de risco ligados ao ato anestésico geral, há os decorrentes da atividade do anestesiologista e os inerentes à anestesia em si. Assim, a sedação inadequada de técnica e/ou de agentes pode aumentar o risco. A duração da anestesia também contribui não só pela agressão farmacológica continuada como pela fadiga que se apossa de toda a equipe cirúrgica, levando à desatenção e a erros. A associação de cardiopatia com hipercolesterolemia, tabagismo, inatividade física, pneumopatia, diabetes, nefropatia, distúrbios hematológicos etc, só aumenta o risco anestésico-cirúrgico. Por isso o paciente deve ser preparado da melhor forma possível antes de atos cirúrgico que exige o uso de anestésicos gerais. Complicações como perda do controle das vias respiratórias, problemas cognitivos e de memória depois anestesia geral podem surgir devido a ação que os agentes anestésicos atuais exercem sobre o sistema nervoso central. A hipertemia maligna é complicação rara, porém fatal, decorrente do uso de anestesia geral. Possui susceptibilidade genética e ocorre devido ao desencadeamento de reações hipermetabólicas. A incidência da hipertermia maligna não é definida, porém estima-se que possa variar de 1:14.000 a 1:200.000 pacientes submetidos à anestesia geral. Esta grande variação é explicada parcialmente pela falta de critérios uniformes para o diagnóstico clínico, pela variação dos tipos de anestesia e pelo critério de classificação clínica de hipertermia maligna. É sabido que há maior incidência de hipertermia maligna em pacientes pediátricos do que entre adultos de meia idade e idosos. As manifestações clínicas da síndrome de hipertermia não seguem nenhuma ordem cronológica. O sinal mais freqüente é o aumento do gás carbônico no final da expiração causado pelo aumento do metabolismo da célula muscular esquelética. Outros sinais precoces como aumento da freqüência cardíaca, arritmias diversas podem levar a pensar em plano de anestesia inadequado. Pode ocorrer cianose e rigidez do músculo masseter e de outros grupos musculares. O aumento da temperatura corporal não é o primeiro sinal a aparecer, porém quando inicia tem ascensão rápida com aumento médio de 1-2 °C a cada 5 minutos. Após o diagnóstico, se possível, suspender o ato cirúrgico. De imediato é feita a suspensão da administração do agente desencadeante (anestésico inalatório), trocando-se o sistema de anestesia com absorvedor de gás carbônico, se este estiver em uso, por sistema sem reinalação, ventilar o paciente em controlada com FIO2=1, monitorar a temperatura, iniciar a administração de dantrolene venoso (dose inicial 2,5-3,0 mg/Kg por via venosa, até completar 10,0 mg/Kg). Na fase aguda, para um paciente de 70 Kg, é necessário que haja no mínimo 36 (trinta e seis) frascos (01 "kit"), já que poderão ser utilizados até 700 mg (cada frasco contém 20 mg). Hidratar generosamente o paciente. Iniciar o processo de resfriamento: utilizar soluções parenterais geladas (não usar solução de Ringer com lactado que contém cálcio), lavar cavidades (gástrica, vesical, intestinal, peritonial) com soluções geladas, usar manta térmica para resfriamento da superfície corporal e instalar circulação extracorpórea, se necessário. Porém estas medidas devem ser monitoradas e observadas rigorosamente, para que o paciente não tenha hipotermia. O paciente é encaminhado à Unidade de Terapia Intensiva, sendo mantido em prótese ventilatória, se necessário, recebendo dantrolene por 2472 horas, se persistirem os sintomas, na dose de 1 mg/Kg/dia por via venosa. Referências Bibliográficas Barash, Paul G.; Cullen, Bruce F.; Stoelting, Robert. Anestesia Clínica. 4.ª edição. 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