displasia broncopulmonar e ventilação mecânica

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DISPLASIA BRONCOPULMONAR E
VENTILAÇÃO MECÂNICA
Jaques Belik (Canadá)
XX Congresso Brasileiro de Perinatologia, 22-24 de novembro de 2010, Rio de Janeiro
Realizado por Paulo R. Margotto, Prof. do Curso de Medicina da Escola Superior de
Ciências da Saúde/SES/DF
www.paulomargotto.com.br
[email protected]
Inicio com um caso ilustrativo: Recém-nascido (RN) de 32 semanas, sem
nenhum distúrbio respiratório ao nascer, não foi intubado. Com 3dias de idade
desenvolveu enterocolite necrosante. Com 1 mês, apresentou RX com alterações
compatíveis com displasia broncopulmonar (DBP), havendo piora aos 3 meses. Foi
ventilado com 4 respiradores diferentes, incluindo ventilação de alta frequência e
ventilação não invasiva. Esta é a realidade do RN com DBP.
A etiologia continua sendo um mistério. Está claro que a doença é multifatorial.
Existe uma predisposição genética, explicando porque alguns RN com menor suporte
respiratório acabam desenvolvendo a doença e outros não. Os fatores pré-natais
constituem áreas importantes de investigação, como a infecção pré ou mesmo pós-natal,
o uso de corticosteróide. Uma coisa está clara: o biotrauma causa DBP. O biotrauma
tem um conceito amplo.
A patogênese da DBP é complexa, sendo importantes os fatores próinflamatórios e antiinflamatórios. A inflamação é um grande contribuidor na patogênese
da DBP: frequentemente iniciada em resposta a inflamação pulmonar fetal, a inflamação
pulmonar é exarcebada pela ventilação mecânica (VM) e a exposição ao oxigênio
suplementar (Bronchopulmonary dysplasia and inflammatory biomarkers in the
premature neonate. Bose CL, Dammann CE, Laughon MM. Arch Dis Child Fetal
Neonatal Ed. 2008 Nov;93(6):F455-61. Epub 2008 Aug 1. Review. Artigo integral.
Como o tópico é discutir VM com relação à DBP, vou focalizar este tema.
Respiração é um fenômeno caracterizado por pressões negativas desenvolvidas ao nível
das vias aéreas que promovem a entrada de ar nos pulmões. A VM controlada é
basicamente um pistão que ao se retrair corresponde à expiração e a cada bombada
positiva promove a entrada de ar aos pulmões (inspiração). À medida que os
respiradores foram evoluindo, descobriram que este tipo de ventilação controlada é por
demais simplista e não atendia as necessidades do paciente. Desde 1950 procura-se uma
maneira de se ventilar de forma negativa.
Curva de complacência de pulmão com relação à doença da membrana
hialina (DMH): a curva de complacência é uma curva que mostra as alterações de
volume ligadas as pressões. Na DMH, a curva de complacência é achatada. O
reconhecimento da alteração da curva é importante do ponto de vista prático para que
possamos entender o que está ocorrendo no pulmão com relação aos vários parâmetros
ventilatórios. A manutenção de parâmetros iniciais pode levar a barotrauma ou
volutrauma após o uso do surfactante, pois este altera a curva de complacência. As
coisas mudam muito rápido.
Barotrauma é um dano causado por pressão. Este termo deveria ser eliminado.
Na verdade existe uma constelação de fatores que a literatura agora se refere como
Biotrauma, ou seja, um dano produzido pelo volume corrente excessivo. Então não é a
pressão inspiratória máxima de 25cmH2O que estava causando trauma no pulmão e sim
o volume corrente excessivo após o uso do surfactante (se você der surfactante, a
complacência melhora muito rapidamente e mantendo a mesma pressão, o volume
corrente (VC) será muito maior): aquela pressão de 25 cmH20 agora passou a
superestender os pulmões. Então, não foi a pressão que causou o trauma e sim o
volume. O Atelectrauma é um fenômeno de colabamento e reexpansão (repetido
colapso e re-abertura do alvéolo). Este fenômeno ocasiona liberação de fatores que
podem levar a DBP.
Por último é o estresse oxidativo: causado por quantidades excessivas de
oxigênio e explica porque a DBP pode ocorrer sem ventilação mecânica. A DBP não é
somente VM: envolve cuidados respiratórios e exposição ao oxigênio.
O biotrauma acontece rapidamente e precoce. Estudos animais evidenciaram que
em 40 minutos após o início da VM, há aumento da interleucina 1-beta (IL-1ß) e em 90
minutos está estaticamente maior em comparação com os valores anteriores (veja figura
a seguir). Seguradamente, a cascata começa muito antes de 90 minutos. Neste estudo o
que se pretendeu avaliar são genes que respondem rapidamente a alterações biológicas
(com 30 minutos de ventilação com alto volume corrente os autores relataram
significante diminuição de 10 genes e supressão de 12 genes). A mensagem é que com
15 minutos de VM excessiva desencadeia uma cascata que talvez seja difícil de
interromper: os efeitos são acumulativos, padrões específicos de ativação de gene e
supressão precede a lesão, a alteração da expressão gênica após o estiramento é
patogênico (Early changes in lung gene expression due to high tidal volume. Copland
IB, Kavanagh BP, Engelberts D, McKerlie C, Belik J, Post M. Am J Respir Crit Care
Med. 2003 Nov 1;168(9):1051-9. Artigo integral.
Este fenômeno pode ocorrer a nível sistêmico, com liberação de certos fatores a
nível do pulmão que pode induz a trombose. Por que certas crianças com 24 semanas
ventiladas que morrem com DBP apresentam vários trombos a nível de vários vasos
pulmonares e trombos a nível de aorta? Especulamos que a distensão do pulmão libera o
fator tecidual pulmonar, resultando em ativação da cascata de coagulação. Para testar
esta hipótese, resolvemos ventilar ratinhos recém-nascidos de 5-8 dias com volumes
altos (30ml/kg) versus (10ml/kg). Observamos que 60 minutos após, o tempo de
coagulação destes ratinhos ventilados com alto volume corrente caiu pela metade. O
conteúdo plasmático do fator tecidual dobrou nos ratinhos ventilados com alto volume
corrente, além do aumento plasmático do fator X e de trombina, com redução
significativa da antitrombina. A próxima pergunta: quanto tempo leva para ocorrer esta
alteração? Ventilando com volume baixo isto não ocorreria. Observamos que com 15
minutos de ventilação excessiva foi suficiente para significativa redução do tempo
para a formação do coágulo. Assim, ventilando com alto volume corrente por 15
minutos, documentamos diminuição do tempo de coagulação, sugerindo ativação da via
extrínseca da coagulação. O mecanismo deste fato não está claro, mas está
provavelmente relacionada a magnitude do estiramento do parênquima pulmonar.
Assim este fenômeno é rápido e precoce. O significado clinico deste achado é que
pequena duração de ventilação excessiva, como ocorre na Sala de Parto, onde não se
mede o volume corrente, pode ativar a cascata da coagulação. Este fenômeno pode
predispor a formação de trombos e depósito de fibrina no alvéolo (Volutrauma activates
the clotting cascade in the newborn but not adult rat. Chan A, Jayasuriya K, Berry L,
Roth-Kleiner M, Post M, Belik J. Am J Physiol Lung Cell Mol Physiol. 2006
Apr;290(4):L754-L760. Artigo Integral.
Em teoria os novos ventiladores, como aqueles que propiciam ventilação
intermitente sincronizada, ventilação com suporte (o ventilador ajudaria a respiração
espontânea fazendo com que o volume corrente gerado fosse melhor do que a criança
geraria sozinha), volume garantido (à medida que a complacência do pulmão muda, o
ventilador seria limitado a volume, estabelecendo o volume ideal e o ventilador iria
reduzir a pressão à medida que a complacência vai melhorando para manter o volume
corrente adequado e como este, se excessivo, causa a lesão pulmonar, então, manter o
volume corrente constante faz muito sentido e outros detalhes, cheios de botões com
telas interessantes, pois mostra muita coisa, deveriam fazer a diferença. A literatura
mostra até agora que nenhuma destas formas de ventilação mostrou benefícios.
A ventilação de alta freqüência (VAF) seguiu o mesmo caminho: do ponto de
vista teórico mostrou vantagem, porém ao de comparar a VAF com ventilação
convencional, as diferenças foram mínimas (p de 0,04). O fato da VAF não ser tão boa
quanto era é porque nós melhoramos a nossa habilidade de ventilar de forma
convencional.
Qual é a problemática numa análise critica porque não se promoveu um avanço
na DBP? Reconhecer quais são as características das patologistas pulmonares e qual
seria a melhor maneira de se ventilar para evitar a DBP representam as melhores
estratégias. A patologia pulmonar não é fixa. Escutei de um dos nossos residentes: “o
ventilador existe para atrapalhar a vida do neonatologista atarefado”
Um estudo de 2010 comparou CPAP nasal ou intubação para surfactante e extubação. A
ocorrência de DBP foi igual nos dois grupos. Uma pergunta: Por que as crianças que
foram intubadas receberam mais epinefrina neste estudo (13/653-2% no grupo do CPAP
x 27/653- 4,1% no grupo Intubação- p=0.02)? Minha hipótese: crianças intubadas
para receber surfactante têm muito mais chance de fazer uma parada
cardiorrespiratória. Será que realmente o CPAP nasal é igual ao surfactante? Será que
os efeitos técnicos relacionadas à intubação e ventilação ao nascer diminuíram os efeitos
benéficos superiores do surfactante? Se os melhores neonatologistas tivessem intubados
estes RN para administrar o surfactante, ao invés de outros profissionais menos
experientes, os resultados não seriam melhores com o surfactante? Isto é para
demonstrar como as vezes a impressão clínica é perturbada pelos aspectos técnicos que
não são levados em consideração (Early CPAP versus surfactant in extremely preterm
infants.SUPPORT Study Group of the Eunice Kennedy Shriver NICHD Neonatal
Research Network, Finer NN, Carlo WA, Walsh MC, Rich W, Gantz MG et al.N Engl J
Med. 2010 May 27;362(21):1970-9. Epub 2010 May 16. Erratum in: N Engl J Med.
2010 Jun 10;362(23):2235. Artigo Integral
Por último, a hipercapnia permissiva: levantamos a hipótese que o benefício da
hipercapnia é devido ao CO2. A hipercapnia permissiva é uma estratégia comum no
tratamento da doença respiratória neonatal, caracterizando por alterações nos
parâmetros do ventilador para manter a PaCO2 mais alta que os valores fisiológicos.
Esta estratégia tem reduzido a severidade da doença pulmonar crônica nos recémnascidos. Os mecanismos envolvidos no benefício da hipercapnia não estão claros.
Especulamos que a exposição ao CO2 tem um efeito benéfico no pulmão, reduzindo a
expressão e /ou atividade da arginase tecidual (a arginase compete com a sintetase do
óxido nítrico para a L-arginase como susbstrato). Assim, a hipercapnia reduz a
resistência vascular pulmonar pelo aumento da geração de óxido nítrico. Dados de ratos
mostraram que quando o CO2 triplica a quantidade de óxido nítrico (Chronic
hypercapnia downregulates arginase expression and activity and increases pulmonary
arterial smooth muscle relaxation in the newborn rat. Belik J, Stevens D, Pan J, Shehnaz
D, Ibrahim C, Kantores C, Ivanovska J, Grasemann H, Jankov RP. Am J Physiol Lung
Cell Mol Physiol. 2009 Oct;297(4):L777-84. Artigo Integral
Certamente, a melhor estratégia para a redução da DBP é a prevenção
-hipercapnia permissiva
-FiO2 adequada
-intubar para surfactante: questionável
-CPAP nasal
-Ventilação não invasiva
-PEEP adequada para evitar atelectrauma
-Evitar pressões excessivas para evitar o barotrauma
-Promover melhor volume corrente usando a ventilação volume garantido, quando
possível
-questionável uso de várias modalidades de ventilação disponíveis, uso de ventilação de
alta freqüência, novas formas de ventilação (NAVA-ventilação neural assistida)
Voltando ao nosso RN inicial, o que deveria ter sido feito para prevenir a
DBP?Prevenir a enterocolite necrosante? Talvez.
Em resumo, ventilar ou não ventilar permanece uma grande questão, evitar o
biotrauma, por enquanto não existe um ventilador ideal (melhor que um ventilador de
última geração é entender o tratamento das doenças pulmonares e o manejo da
ventilação mecânica).
A DBP está relacionada com diversos fatores muitos ainda não conhecidos
Nota do Editor do site, Dr. Paulo R. Margotto
Consultem, aqui e agora: CTRL e clicar nas bolas verdes
XX Congresso Brasileiro de Perinatologia
(21 a 24/11/2010, Rio de Janeiro): CPAP
X Ventilação mecânica
Autor(es): Guilherme Sant`Anna (Canadá),
Miltom Miyoshi (SP), José Henrique Moura
(PE). Realizado por Paulo R. Margotto
Ventilação não invasiva: evidências e
dúvidas (XX Congresso Brasileiro de
Perinatologia, 22-24/11/2010, Rio de
Janeiro)
Autor(es): Guilherme Sant´Anna. Realizado
por Paulo R. Margotto
Controle automático da ventilação (7o
Simpósio Internacional de Neonatologia
do Rio de Janeiro, 24-26 de junho de
2010)
Autor(es): Eduaro Bancalari (EUA). Realizado
por Paulo R. Margotto
Surfactante profilático ou seletivo
precoce combinado com CPAPnasal nos
recém-nascidos pré-termos extremos
Autor(es): Fabrizio Sandri et al .
Apresentação:Anne Freitas Cardoso, Maurício
Carvalho Nieto, Paula Ribeiro Gontijo, Paulo
R.Margotto
7o Simpósio Internacional de
Neonatologia do Rio de Janeiro (2426/6/2010): CPAP - O Estado da Arte em
2010
Autor(es): Augusto Sola (EUA). Realizado por
Paulo R. Margotto
CPAP versus SURFACTANTE precoce nos
recém-nascidos extremamente prétermos
Autor(es): SUPPORT Study Group of the
Eunice Kennedy Shriver. Apresentação:Daniele
Muniz, Fabiana Santos, Hellen Oliveira, Paulo
R. Margotto
Corioamnionite altera a resposta ao
surfactante em lactentes pré-termos
(chorioamnionitis alters the response to
surfactant in preterm infants)
Autor(es): Jasper V. Been, Ingrid G. Rours,
Rene´F. Kornelisse, Femke Jonkers, Ronald R.
de Krijger, and Luc J. Zimmermann.
Apresentação: Eveline Rodrigues, Adriana De
Paula, Valéria Di Ferreira, Kelle Regina Ribeiro,
Paulo R. Margotto
Ventilação Mecânica de recém-nascidos
altera Citocinas Plasmáticas pró e
antiinflamatórias (Mechanical Ventilation
of Newborns Infant Changes in Plasma
Pro- and Anti-Inflammatory Cytokines)
Autor(es): Betani Bohrer, Rita C. Silveira,
Eurico C. Neto and Renato S. Procianoy.
Apresentação:Lúcio de Santa Ignêz, Luiz
Sarmanho, Marcelo Martins, Lucas Maciel,
Paulo R. Margotto
Curso de Pós-Graduação em Neonatologia
(Centro de Aperfeiçoamento ProfissionalCEAP, Recife)-Maceió, 11/9/2009:
Displasia broncopulmonar, o que há de
novo?
Autor(es): Paulo R. Margotto
Curso de Pós-Graduação em Neonatologia
(Centro de Aperfeiçoamento ProfissionalCEAP, Recife)-Maceió, 11/9/2009:
Ventilação mecânica protetora em
Neonatologia:prevenindo a displasia
broncopulmonar
Autor(es): Paulo R. Margotto
A genética dos distúrbios respiratórios
neonatais
Autor(es): Giselle Maria Araujo Felix Adjuto,
Paulo R. Margotto
Influência genética na determinação das doenças
respiratórias
Cleide Suguihara (EUA). Realizado por Paulo R.
Margotto
Paulo R. Margotto
Brasília, 8 de março de 2011
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