ESTADOS E TRANSFORMAÇÃO INDUSTRIAL O autor traz uma ideia muito difundida sobre o papel do Estado, principalmente em países de terceiro mundo, de que o Estado não desempenha um papel muito eficaz e por vezes sua extrema burocracia apenas atrapalha a vida das pessoas. No entanto, para o autor, o Estado tem papel central nas soluções dos problemas da vida coletiva. O Estado é uma necessária reflexão organizacional concreta, que age em prol dos bens coletivos, como esgoto, estradas e escolas, por exemplo. O autor, em sua análise, foca apenas em uma das funções do Estado, a de fomentar o crescimento industrial, com uma discussão empírica ainda mais específica: o desenvolvimento industrial local de tecnologias de informação (TI). Além disso, o foco da pesquisa é em Estados recentemente industrializados, analisando as experiências do Brasil, Índia e Coréia do Sul, durante os anos 1970 e 1980. “O objetivo fundamental é compreender as estruturas e o papel do Estado, as relações entre o Estado e a sociedade, e como os Estado contribuem para o desenvolvimento.” (EVANS, p. 29) Estados e Transformação Econômica O Estado, dentre os estudos clássicos, tem as funções de guerrear e assegurar a ordem interna. No mundo contemporâneo, a essas funções adiciona-se que o Estado fomente a transformação econômica e garanta níveis mínimos de bem-estar social. Na medida em que a sobrevivência política e a paz interna dependem cada vez mais da economia, os Estados se tornaram responsáveis pela transformação econômica. O desempenho econômico é em si mesmo uma fonte de legitimidade, além de ser um meio de cumprir os objetivos clássicos de garantir a sobrevivência militar e a ordem interna. O envolvimento do Estado com o processo de transformação econômica significa duas coisas: 1. Participar no processo de acumulação de capital, na qual a capacidade de gerar bens não é mais considerada função exclusiva da natureza e do mercado; 2. Promover a capacidade empresarial e facilitar a criação de novas forças produtivas que requer um envolvimento mais complexo do Estado na vida do cidadão papel transformador. O êxito da transformação econômica depende da forma de inserção do país na divisão internacional do trabalho. A transformação é inevitavelmente definida em termos globais. O contexto global As nações devem se ajustar a um contexto de divisão global do trabalho. Essa divisão pode ser vista como um primeiro passo para uma melhora do bem-estar, baseado no argumento das vantagens comparativas, em que as nações prosperarão, desde que façam o que sabem fazer melhor, e também pode ser vista como uma espécie de hierarquia entre os países dentro do sistema internacional. A argumentação de alguns estudiosos, dentre eles, Friedrich List e Raul Prebisch, é a de que a posição de um país na divisão internacional do trabalho era uma das causas do desenvolvimento de cada país e não apenas uma consequência. Os teóricos contemporâneos também argumentam que buscar entrar em setores mais desejáveis do mercado é parte da própria busca pelo bem-estar. Evans cita o trabalho de Albert Hirschman que, em 1977, argumenta que preencher um setor dentro da divisão internacional do trabalho tem implicações “dinâmicas” e “estáticas”. Alguns nichos, como são chamados, induzem uma “conspiração multidimensional” que influencia no desenvolvimento, com externalidades positivas, criando interesses nos grupos políticos, em busca deste desenvolvimento. Porém essa “conspiração multidimensional” de uma época pode retardar o desenvolvimento de outra, como por exemplo, o que indústria têxtil significou para a Inglaterra no século XVIII e o que ela significa para a Índia, ou o que a indústria automobilística significou para os Estados Unidos na primeira metade do século XX e o que ela representou para o Brasil na segunda metade do século. A partir desta visão, tem-se que o desenvolvimento não representa apenas uma trajetória de transformações, mas sim a união entre a capacidade de produção e a ordem global dos setores da indústria. A nação que preencher o setor mais dinâmico e lucrativo será a nação desenvolvida. Evans introduz um questionamento para reflexão: um país pode mudar sua posição na divisão internacional do trabalho? A interpretação tradicional, que se baseia na teoria das vantagens comparativas, fica do lado da estrutura. Os países devem se fixar no que sabem fazer melhor, agir contrariamente a isso pode ser autodestrutivo. Esses argumentos de interpretações tradicionais não funcionam em uma economia globalizada, na qual a decisão do que produzir e do que vender não pode se basear apenas na disponibilidade de recursos naturais, portanto, a divisão internacional do trabalho se apresenta como uma oportunidade para o desenvolvimento industrial. A disponibilidade ou escassez de um recurso natural não deve ditar quem terá vantagens competitivas em certa indústria. As instituições políticas e sociais devem entrar na análise. “Em um mundo onde as vantagens comparativas são construídas, as instituições sociais e políticas – entre elas o Estado – definem a especialização internacional”. (EVANS, p. 35). Os Estados buscam participar dos nichos líderes, que geram mais lucros e estruturas relacionadas à indústria de tecnologia. No entanto, segundo Gilpin, o desejo de mudar de posição na divisão internacional do trabalho difere da capacidade para tal. A vontade sem a capacidade pode levar a destruição de bases comparativas já consolidadas por determinado país. “Considerando que as dotações institucionais e o exercício de políticas industriais podem redefinir a gama de produtos que um país produz, e que produzir topos diferentes de mercadorias sem amplas implicações no desenvolvimento, a discussão sobre as formas adotadas pelos Estados para facilitar a entrada da indústria local em novos setores assume uma importância central para compreender os Estados, o desenvolvimento nacional e a própria divisão internacional do trabalho” (EVANS, p. 35) O argumento Aqui o autor expõe os principais pontos de seu argumento. A princípio, ele assume que a questão não é se o Estado deve ou não intervir na economia, já que a intervenção é um fato. A questão é o tipo de intervenção. A sua análise é feita a partir do exame histórico de casos particulares de países recentemente industrializados focando no Brasil, Índia e Coréia. Sendo a análise realizada em uma área especifica, ou seja, de tecnologia da informação. Ele justifica essa escolha por considerar que o setor oferece uma maior possibilidade de catalisar uma conspiração a favor do desenvolvimento, e, portanto, pode testar a hipótese da possibilidade do Estado mudar a posição do país na divisão internacional do trabalho. Desta forma, ele parte da premissa de que o potencial de intervenção do Estado depende de sua forma, ou seja, de sua estrutura e de sua relação com a sociedade. Então, para conseguir caracterizar as diferentes formas de Estado, ele começa pela construção de dois tipos historicamente idealizados de Estados: os Estados predadores e desenvolvimentistas. De acordo com ele, “Os Estados predadores conseguem, à custa da sociedade, refrear o processo de desenvolvimento. (...) Os Estados predadores não têm como impedir que aqueles beneficiados por altos cargos busquem realizar seus próprios objetivos. As relações pessoais se tornam o único elo de coesão e maximização do interesse individual tem precedentes sobre a busca dos interesses coletivos. As relações com a sociedade são relações entre indivíduos em cargos de poder a não de conexões entre o povo e o Estado como organização.” (EVANS, p.37) Já na organização interna dos Estados desenvolvimentistas, o “(...) recrutamento é por mérito, altamente seletivo, e compensações ao longo de carreiras de longo prazo criam uma situação de compromisso e um sentido de coerência corporativa, dando a ele um certo tipo de autonomia.” (EVANS, p.37). Contudo, “(...) estão inseridos em um conjunto concreto de alianças sociais que ligam o Estado à sociedade e provem canais institucionalizados para negociação continua de objetivos e planos de ação” (EVANS, p.38). Essa combinação dos interesses coletivos e a autonomia do Estado, que ele chama de “autonomia e parceria”, é o que forneceria a base estrutural para uma intervenção favorável do Estado na transformação industrial. Enquanto ele considera a Coréia do Sul uma versão deste tipo de Estado, Brasil e Índia são apenas tipos intermediários. Depois disso, ele passa a caracterizar os padrões de intervenção do Estado em termos de “papéis” desempenhados. Ele identifica quatro termos. O primeiro papel é o de “custódio”, que seria o de formular e implementar leis, sendo algumas essencialmente promocionais, para fornecer estimulo e incentivo, e outras, ainda, para restringir ou prevenir iniciativa de atores privados. O segundo papel é o de “demiurgo” no qual ele assume a responsabilidade direta na produção de alguns bens e serviços. O terceiro é o de “parteiro”, no qual o Estado ao invés de substituir os produtores privados o Estado tenta promover o aparecimento de novos grupos empresariais ou induzir grupos já existentes a entrar em áreas mais complexas da indústria. Finalmente, o quarto ele chama de “pastoreio”, que consiste em promover e ajudar grupos empresariais privados a terem esperança de vencerem os desafios da dinâmica de competição global. Desta forma, os resultados setoriais dependem tanto da forma do Estado como de seus papéis e da combinação dos mesmos. A diferença principal encontrada foi entre a Coréia do Sul e os outros dois países. O país foi capaz de se desenvolver com base em empresas diversificadas, produzindo uma ampla gama de produtos afins promovidos por partos combinando com estímulos do Estado no papel de pastoreio. Já o Brasil e Índia se concentraram nas estratégias de custódio e demiurgo, fazendo menos uso dos partos, ou seja, eles se utilizaram mais de regras restritivas e investiram intensamente na produção de equipamentos de TI a partir de empresas estatais, o que era muito dispendioso e acabou gerando dificuldade de atuar no papel de pastoreio. Nos três países, neste período, o cenário desta indústria se transformou, porém, a da Coréia do Sul era a maior e mais robusta, mostrando uma maior eficiência de seu Estado e de seu papel. Contudo no final dos anos 80, novas tendências alteraram o rumo da indústria, com um novo tipo de internacionalização, com uma nova ênfase na conexão com a economia global. Sendo que o crescimento da globalização ocorreu crescentemente com base em alianças com empresas locais que haviam adquirido maior capacidade organizacional e capital humano devido às políticas dos Estados em desenvolvimento. Assim, com alianças com empresas transnacionais, essas novas empresas trocaram os ativos derivados da proteção do mercado local por tecnologia e poder no mercado global de seus aliados. No entanto estas novas alianças tendiam a tornar estas novas empresas locais em empresas subsidiárias. Com essa inclinação, a viabilidade política do envolvimento estatal passou a ser questionada. Mostrando, assim, que a atuação do Estado pode ter minado as próprias estruturas políticas, mudando a natureza da parceria, tornando um futuro envolvimento estatal dependente da reconstrução dos laços entre Estado e sociedade. Estratégia de pesquisa Evans classifica o estudo como uma “abordagem institucional comparativa”. O Estado é uma instituição com raízes históricas e não apenas indivíduos, é uma instituição complexa e com influências internas e externas. O autor finaliza afirmando que o seu intuito é tanto convencer, quanto provocar, alimentando, portanto, uma reflexão sobre as estruturas e papéis do Estado. Referência Bibliográfica: EVANS, Peter. Estados e Transformação Industrial. In: EVANS, Peter. Autonomia e Parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004. Cap. 1. p. 27-47