Componente curricular: Direito Administrativo I Professor: Diego Guimarães APOSTILA 02 Princípios da administração pública Princípio da legalidade: a lei representa uma autolimitação imposta pelo povo às liberdades individuais. Assim, a regularidade da atividade administrativa está condicionada à observância das normas legais, só podendo o administrador fazer o que a lei permitir (restritividade). O gestor público está proibido de agir contra legem ou extra legem. No direito público há uma norma geral proibitiva implícita, de modo que na ausência de previsão legal, o comportamento administrativo será vedado. Doutrina moderna tem feito referência à necessidade de observância de um “bloco de juridicidade” ou “bloco de legalidade”, de modo que a administração pública deverá ter uma atuação conforme a lei e o direito (art. 2º. LPA) É ilegal a cobrança de multa prevista apenas em resolução sem que haja a previsão em texto de lei, pois só a lei é meio hábil para impor sanção. Igualmente, o STF também já se pronunciou sobre a ilegalidade de sanção instituída em portaria pelo Ibama. (2005. STJ. 2ª T. Inf. 268) Princípio da impessoalidade: possui duplo aspecto. De um lado, somente há um fim a ser perseguido pela administração, sempre na busca da satisfação do interesse público. A finalidade pública afasta as práticas que visem a interesse do agente ou de terceiros, devendo-se ater à vontade da lei. Espraia-se pelos dispositivos que exigem concurso público, licitações etc. A teoria do órgão, através da qual a atuação do agente público é imputada ao Estado, é expressão deste princípio. O art. 2º da LPA menciona a “objetividade no atendimento do interesse público”. Sob outro aspecto, há a vedação expressa de que se faça vinculações entre a atividade da Administração à pessoa dos administradores (art. 37, §1º, CF: não se pode utilizar propaganda oficial para promoção pessoal do gestor). O STF deferiu mandado de segurança impetrado contra decisão do Conselho Nacional de Justiça que determinara anulação de concurso público para juiz do estado de Rondônia. O STF entendeu que a simples participação dos desembargadores na comissão de concurso no qual suas assessoras eram candidatas não se apresentaria como uma afronta ao princípio da impessoalidade e sua exigência de imparcialidade, não havendo qualquer tipo de constrangimento aos outros candidatos. Ademais, havendo identificação dos candidatos apenas após a correção das provas subjetivas, não pode haver presunção de má-fé. (2008. STF. Pleno. Inf. 507) O art. 37, caput, e seu § 1º, da CF, impedem que haja qualquer tipo de identificação entre a publicidade e os titulares dos cargos alcançando os partidos políticos a que pertençam. Com base nesse entendimento, a Turma negou provimento a recurso extraordinário interposto pelo Município de Porto Alegre contra acórdão do tribunal de justiça local que o condenara a abster-se da inclusão de determinado slogan na publicidade de seus atos, programas, obras, serviços e campanhas. Considerou-se que a referida regra constitucional objetiva assegurar a impessoalidade da divulgação dos atos governamentais, que devem voltar-se exclusivamente para o interesse social, sendo incompatível com a menção de nomes, símbolos ou imagens, aí incluídos slogans que caracterizem a promoção pessoal ou de servidores públicos. Asseverou-se que a possibilidade de vinculação do conteúdo da divulgação com o partido político a que pertença o titular do cargo público ofende o princípio da impessoalidade e desnatura o caráter educativo, informativo ou de orientação que constam do comando imposto na Constituição. (2008. STF. 1ª T. Inf. 502) - Em interessante julgamento, o STJ reconheceu que o ato do chefe do executivo que denomina prédio público em homenagem ao seu genitor fere o princípio da impessoalidade: (...) 7. Assim, não há como negar que a atribuição do nome do genitor do recorrente a prédio público, em evidente desobediência ao determinado pelo legislativo municipal, que havia anteriormente recusado projeto de lei com o mesmo conteúdo, fere princípios constitucionais da moralidade administrativa, impessoalidade e legalidade, o que se subsume-se ao disposto no artigo 11, caput, da Lei 8.429/92. (...) (RESP 200901223380, BENEDITO GONÇALVES, STJ - PRIMEIRA TURMA, 11/05/2010) Princípio da moralidade: é o dever de atuação administrativa com ética, probidade, retidão e honestidade(art. 2º, LPA). É um plus da atuação administrativa, que não se contenta, apenas, com a atuação conforme a lei, mas também com a moral exigida, sem se aproveitar dos poderes ou facilidades que a função pública pode proporcionar. A ação popular (art. 5º, LXXIII, CF: “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”) é um instrumento de democracia direta à disposição do cidadão para a fiscalização dos atos administrativos violadores do princípio da moralidade. Súmula Vinculante 13 - A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. Reportando-se ao que decidido no RE 579951/RN (DJE de 12.9.2008), asseverou-se que a nomeação de parentes para cargos políticos não implica ofensa aos princípios que regem a Administração Pública, em face de sua natureza eminentemente política, e que, nos termos da Súmula Vinculante 13, as nomeações para cargos políticos não estão compreendidas nas hipóteses nela elencadas. Dessa forma, não seria possível submeter o caso do reclamante — nomeação para o cargo de Secretário Estadual de Transporte, agente político — à vedação imposta pela referida Súmula Vinculante, por se tratar de cargo de natureza eminentemente política. (2008. STF. Pleno. Inf. 524) A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado. O princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais. (ADI 2.661-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23/08/02) Princípio da publicidade: apresenta dupla dimensão. A primeira se refere à publicação oficial dos atos administrativos, a fim de que possam produzir efeitos externos. Nas Leis 8666/93 e 8987/95 é necessária a divulgação dos respectivos editais licitatórios em jornal de grande circulação nos casos de concorrência e tomada de preços, concurso e leilão. Já a segundo dimensão se refere à exigência de transparência na atividade administrativa, permitindo o controle e a fiscalização por parte dos administrados (Art. 5º, XXXIII, CF: “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”). O princípio da publicidade administrativa, encampado no art. 37, caput, da CF, significaria o dever estatal de divulgação de atos públicos. Destacou-se, no ponto, que a gestão da coisa pública deveria ser realizada com o máximo de transparência, excetuadas hipóteses constitucionalmente previstas, cujo sigilo fosse imprescindível à segurança do Estado e da sociedade (CF, art. 5º, XXXIII). Frisou-se que todos teriam direito a receber, dos órgãos públicos, informações de interesse particular ou geral, tendo em vista a efetivação da cidadania, no que lhes competiria acompanhar criticamente os atos de poder. Aliás, o modo público de gerir a máquina estatal seria elemento conceitual da República. Aduziu-se que a divulgação dos vencimentos brutos de servidores, a ser realizada oficialmente (ainda que através de website), constituiria interesse coletivo, sem implicar violação à intimidade e à segurança deles, uma vez que esses dados diriam respeito a agentes públicos em exercício nessa qualidade. Afirmou-se, porém, que não seria permitida a divulgação do endereço residencial, CPF e RG de cada um, mas apenas de seu nome e matrícula funcional. (2011. STF. Pleno. Inf. 630. SS 3902) Princípio da eficiência: Já era previsto no direito brasileiro no Decreto-Lei 200/67 e já aparecia no art. 74, II da Constituição Federal, como critério a ser considerado no controle externo da administração pública. Contudo, foi introduzido como princípio da administração com a reforma administrativa (EC 19/98), refletindo a tentativa de implantar o modelo gerencial da administração (em contraposição ao modelo patrimonialista,no qual não há distinção do público e o privado e ao modelo burocrático ou weberiano, caracterizado por uma estrutura organizacional e departamentalizada). A atuação administrativa deve produzir resultados satisfatórios à população com o mínimo de gastos possível (binômio: menores custos e melhores técnicas), mediante a adoção de critérios de racionalidade, modernidade, qualidade, celeridade e regularidade na gestão pública. Maria Sylvia ainda leciona que a eficiência condiciona a forma de atuação do agente público, na busca da obtenção de melhores resultados. Inúmeros instrumentos previstos na CF-88 reforçam a eficiência, v.g. a implantação de programas de modernização (art. 37, §3º, I, in fine, CF) ou a obrigatoriedade de promoção de cursos e programas de aperfeiçoamento para os agentes públicos (art. 39, §2º). Princípio da proporcionalidade e p. razoabilidade: no âmbito do direito administrativo, o princípio da razoabilidade encontra especial aplicação no que concerne à prática de atos que impliquem restrição ou condicionamento a direitos dos administrados ou na imposição de sanções, exigindo que a atuação administrativa se mostre adequada, necessária e proporcional. A desproporcionalidade da medida adotada implica abuso de poder. O art. 2º da LPA menciona “adequação entre meios e fins”. Reconhece-se a desproporcionalidade no excesso na intensidade ou na extensão da medida restritiva ou sancionatória. Princípio da boa-fé: já se consolida o entendimento jurisprudencial que reconhece incidente o princípio da boa-fé objetiva no seio da relação jurídica administrativa. Significa impor aos partícipes da relação jurídica uma atuação que não frustre as expectativas legítimas da outra parte. No RMS 22770, o STJ reconheceu que “genérico à boa-fé objetiva atua no Direito Administrativo em duas vias: a) da Administração em face do súdito, sob as vestes da moralidade; b) do súdito ante a Administração, sob a forma de figuras parcelares da boa-fé objetiva. 4. Os partícipes dos atos-procedimentos administrativos devem pautar suas atuações pelos limites do princípio-dever de cooperação”. A violação a boa-fé objetiva pode ter o efeito de invalidar o comportamento administrativo ou propiciar a responsabilidade civil do Estado. [...] 1. Pagamento de verba remuneratória por força de erro da administração não sujeita à devolução do valor recebido ao erário. 2. "Em recentes julgados a Eg. Quinta Turma, revendo o posicionamento anterior, entendeu que diante da presunção de boa-fé no recebimento de valores pelo servidor, incabível é a restituição do pagamento efetuado erroneamente pela Administração. Precedentes" (STJ, AgRg no Ag 722105/RJ, Rel. Ministro Gilson Dipp). 3. Tendo em vista que não existe nenhuma demonstração de que o servidor tenha provocado ou, por qualquer outro modo, participado do erro da administração que ensejou o pagamento em duplicidade, há de se presumir que os valores foram recebidos de boa-fé, restando descaracterizada a necessidade de restituição ao erário dos valores indevidamente recebidos. 4. Apelação provida. (AC 200541000021800, JUIZ FEDERAL FRANCISCO HÉLIO CAMELO FERREIRA, TRF1 - 1ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 DATA:08/06/2012 PAGINA:493.) [...] 4. Sob a ótica do Direito Administrativo, em face do princípio da boa-fé e da segurança jurídica, veda-se a aplicação retroativa de determinada interpretação de lei pela Administração (art. 2º, § único, inciso XIII, Lei 9.784/99). [...] (AC 200538100020438, DESEMBARGADOR FEDERAL LEOMAR BARROS AMORIM DE SOUSA, TRF1 - OITAVA TURMA, e-DJF1 DATA:23/04/2010 PAGINA:497.) Princípio da autotutela: é considerado poder-dever, possibilitando a administração controlar os seus próprios atos, apreciando-os quanto ao mérito (conveniência e oportunidade, ensejando a revogação) e quanto à legalidade (aspectos de validade do ato, ensejando anulação). Independe de provocação. A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. (STF. SÚM. 346) A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. (STF. SÚM. 473) Princípio da segurança jurídica: a administração deve agir de forma a preservar a estabilidade nas relações administração-administrado (e, servidores públicos). Tem aplicação especial na fixação de limite ao poder-dever de autotutela, visando à proteção de atos consolidados pelo decurso do tempo. Incorporando a teoria do fato consumado, estabelece-se um prazo decadencial de cinco anos para a anulação de atos administrativos ilegais que gerem direitos a terceiros: o Lei nº 9784/99: Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. Princípio do devido processo legal: a doutrina e a jurisprudência recentes têm reconhecido a aplicação do devido processo legal em sede administrativa, no sentido de que os comportamentos administrativos que afetem a liberdade e o patrimônio dos administrados (e servidores) devem obedecer ao regramento específico previsto e, além disto, garantir ao administrado as faculdades de manifestação, informação, de contraditório, ampla defesa, de ver suas considerações apreciadas e de forma célere, bem como identificar a sua motivação. A Administração deve intimar pessoalmente o candidato quando, entre a data da homologação do resultado e a de sua nomeação, há razoável lapso de tempo. Esse dever é-lhe imposto mesmo que o edital não trate dessa intimação. É desarrazoada a exigência de que o candidato mantenha a leitura do diário oficial estadual por mais de um ano, quanto mais se, onde reside, sequer há circulação desse periódico. (2010. STJ. 5ª T. Inf. 456) [...] II - A Lei 9.784/99 é, certamente, um dos mais importantes instrumentos de controle do relacionamento entre Administração e Cidadania. Seus dispositivos trouxeram para nosso Direito Administrativo, o devido processo legal. Não é exagero dizer que a Lei 9.784/99 instaurou no Brasil, o verdadeiro Estado de Direito. III - A teor da Lei 9.784/99 (Art. 26), os atos administrativos devem ser objeto de intimação pessoal aos interessados. IV - Os atos administrativos, envolvendo anulação, revogação, suspensão ou convalidação devem ser motivados de forma "explícita, clara e congruente."(L. 9.784/99, Art. 50) V - A velha máxima de que a Administração pode nulificar ou revogar seus próprios atos continua verdadeira (Art. 53). Hoje, contudo, o exercício de tais poderes pressupõe devido processo legal administrativo, em que se observa em os princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência (L. 9784/99, Art. 2º). (MS 200300278884, HUMBERTO GOMES DE BARROS, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, 17/11/2003) ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - MAGISTRADO - PENA DE CENSURA - NULIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO - CERCEAMENTO DE DEFESA - INEXISTÊNCIA - ORDEM DENEGADA. Tendo sido assegurado ao impetrante, durante toda a instrução do procedimento administrativo, o direito de produzir provas, contraditar as provas produzidas, bem assim a apresentação de defesas oral e escrita, não há falar em nulidade do procedimento administrativo disciplinar, por ofensa o devido processo legal administrativo. Segurança denegada. (MS 200704000132634, OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, TRF4 - PLENÁRIO, 06/08/2008)