Violações de Garantias e Princípios através das

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Violações de Garantias e Princípios através das Medidas de Segurança
Aplicadas aos Inimputáveis por Doenças Mentais
Caroline Aparecida Mendes
Graduanda em Direito no 5º período
da Universidade Federal de Uberlândia.
[email protected]
RESUMO
O artigo ora apresentado tem por objetivo analisar criticamente os fundamentos
das medidas de segurança no ordenamento jurídico brasileiro atual, abordando as
garantias e os direitos fundamentais que podem ser atingidos através da
percepção de que as medidas de segurança, ao contrário de recuperar
mentalmente o indivíduo, possuem um caráter segregador e desumano. Além de
se constatar o seu caráter de perpetuidade na indeterminação temporal, através da
precária avaliação de cessação de periculosidade do infrator, fato que traz a tona
uma incoerência constitucional, uma vez que fere alguns princípios como o da
legalidade, proporcionalidade, razoabilidade e a dignidade da pessoa humana.
Sendo assim, propõe-se avaliar os relatórios de visitas realizadas em Casas de
Detenção e Hospitais Psiquiátricos dos inimputáveis acometidos por doenças
mentais. Outra problemática é ressaltada sobre as penas e as medidas de
segurança, em relação a aparente diferenciação entre uma e outra consequência
jurídico-penal, uma vez que ambas possuem a cassação da liberdade do indivíduo
com a diferença de que as medidas de segurança são terapêuticas, realizadas em
estabelecimentos disfarçados com nomes sofisticados, mas que refletem a
realidade dos antigos manicômios judiciários, violando gravemente os direitos e
garantias fundamentais do ser humano, pois como ver-se-á posteriormente, os
maus tratos nesses estabelecimentos são constantes e cada vez mais recorrentes.
Diante dessa crítica, tem-se o objetivo de investigar como são tratados os doentes
mentais que têm que passar por alguma consequência jurídico-penal, através de
pesquisas em, principalmente, materiais bibliográficos e jurisprudenciais.
Palavras-chave: Direito Penal. Medidas de segurança. Doentes mentais.
Garantias Fundamentais.
Breach of Guarantees and Principles through the Safety Measures Applied
to Nonimputable People by Mental Diseases
ABSTRACT
The article presented herein aims to critically analyze the fundamentals of
security measures in the current Brazilian legal system, approaching of the
fundamental guarantees and rights which can be affected through the realization
that the security measures, instead of recovering mentally the person, have a
segregating characteristic and a inhuman character. In addition to observe its
character of perpetuity in temporal indeterminacy, through the precarious
assessment of the offender dangerousness, fact that brings up a constitucional
inconsistency, since it violates some Law principles like the legality,
proportionality, reasonableness and the dignity of the human person. Therefore, it
is proposed to evaluate the visits in detention houses and psychiatric hospitals
reports of the non-imputable inmates by mental diseases. Another problem is
highlighted about the penalties and security measures, in relation to that apparent
distinction between one and another criminal legal consequence, since both have
individual forfeiture of freedom, only being differents in the way that safety
measures are therapeutic conducted in disguised buildings with sophisticated
names, but have been reflecting the reality of the old forensic psychiatric
hospitals, which have violated the fundamental rights and guarantees of mentally
ill citizens, because as will see subsequently, ill-treatment in these establishments
are constant and increasingly recurrent. Faced this criticism, it has the goal of
investigating how mentally ill people who commit crimes are treated, through
researchs in mainly bibliographical and jurisprudencial materials.
Key words: Criminal Law. Security Measures. Mentally Ill. Fundamental
Guarantees.
Sumário
Introdução; 1. Os Inimputáveis por doenças mentais; 2. Medidas de segurança;
2.1. A Indeterminação Temporal das Medidas de Segurança e os Princípios e
Garantias Fundamentais Atingidas; 3. Considerações Finais; Referências.
Introdução
A Constituição Federal estabelece que o Estado seja designado a assegurar
o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, o bem-estar, a
segurança, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos,
para garantir a proteção da dignidade humana.
O constituinte de 1988 garantiu uma gama de direitos fundamentais, e no
âmbito das liberdades, além de ampliar os direitos protegidos, prepararam
diversas garantias para assegurar sua inviolabilidade.
As liberdades integram a primeira geração de direitos fundamentais,
estabelecidas nas declarações de direitos das revoluções liberais do
século XVIII [...], é com a defesa da liberdade religiosa, na época
moderna, que se dá a afirmação do direito de liberdade. (HERINGER
JÚNIOR, Bruno, 2004, p. 3, 4).
À vista disso, “a atividade legislativa que interfira no âmbito do direito
geral de liberdade, bem como no das liberdades específicas, necessita, portanto,
de justificação constitucional suficiente”, (HERINGER JÚNIOR, Bruno, 2004,
p.6), assim como nas hipóteses de ingerência do Direito Penal na liberdade do
indivíduo, a partir de uma sentença transitada em julgado conforme os ditames da
lei penal.
No Direito penal, o princípio da subsidiariedade funciona como uma
forma de limitação do poder punitivo estatal, uma vez que o Direito Penal atua
como ultima ratio, isto é, somente quando a questão demandada não puder ser
resolvida pelas demais áreas do ordenamento jurídico. Ocorre desta maneira, pois
sendo a liberdade um direito fundamental assegurado na Carta Magna Brasileira,
ter-se-á esse direito tolhido em virtude de uma reclusão penal, por exemplo, uma
vez que a hierarquia de garantias fundamentais é relativa e, nessa colisão,
percebe-se a segurança e o sentimento de paz da sociedade em contraste com o
tolhimento da liberdade do indivíduo que cometeu um ato ilícito, antijurídico e
culpável, ambos configurados como bens jurídicos.
Nesta senda, a liberdade é um direito que se caracteriza pela imposição de
defesa contra a possibilidade de interferência e arbitrariedade do Estado, mas que
entra em conflito quando se trata da pena privativa de liberdade ou das medidas
de segurança no Direito Penal. No entanto, o direito geral de liberdade tem
algumas
limitações
fundadas
nas
determinações
constitucionais,
com
observações do princípio da proporcionalidade, percebendo-se assim que o
sujeito é livre para agir de acordo com o que a lei não proibir, mas o que não
deva ser proibido. (HERINGER JÚNIOR, Bruno, 2004, p. 5).
O princípio da proporcionalidade, implícito na Constituição Federal age
como forma de garantir a dignidade humana, que por sua vez assegura a proteção
daqueles que por motivo de deficiência física ou doença mental, surgem como
carecedores especiais de proteção, além da proteção da integridade de todo
indivíduo. (SARLET, Ingo Wolfgand, 2001).
Como se verá adiante, os doentes mentais que carecem de atenção especial
perante o princípio da dignidade humana, podem ter motivos tanto ambientais
quanto genéticos para possuir condutas desviantes da normalidade, e essa
deficiência comportamental evidencia a vulnerabilidade dessas pessoas frente à
sociedade, podendo surgir riscos de lesões a direitos e garantias fundamentais na
esfera individual, principalmente quando cometido algum ato ilícito, a partir de
quando precisam ser encaminhadas para complexos médico-penais para
segregação e tratamento.
Neste aspecto, da vulnerabilidade dos doentes mentais que necessitam de
tratamento ambulatorial ou internamento, enfrenta-se atualmente um problema
pouco discutido, que é o caráter de perpetuidade das medidas de seguranças
devido à falta de limite temporal dessas, pois existe positivado somente o tempo
mínimo, problemática essa que será discutida posteriormente, uma vez que, com
isso, encontra-se violada uma série de princípios do ordenamento, garantias e
direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana, ao segregar os
doentes mentais em ambientes insalubres.
1. Os Inimputáveis por Doenças Mentais
Para o Direito Penal, considera-se doente mental o indivíduo que não goza
de suas capacidades cognitivas ao tempo da ação e omissão, e não tem
discernimento para entender o caráter ilícito do fato ou não tem condições de se
autodeterminar.
Sendo assim, em doenças mentais pode-se envolver, neste aspecto, psicose
com características de esquizofrenia, que atinge 38% dos presos do Complexo
Médico Penal de Pinhais1; déficit cognitivo/ retardo mental abrange 8,6%;
transtornos de humor, epilepsia, psicopatia, e outros compreendem 14,4% e
dependência química abrange 39% dos internados, todas situações cujo resultado
influencia diretamente nas condutas típicas do autor.
A essas pessoas sucederá uma sentença penal que, ao transitar em julgado,
declarará absolvição ou internação em hospital de custódia, caso for uma medida
de reclusão, ou tratamento ambulatorial nas hipóteses que caberia detenção.
Assim como ressalta Priscilla Placha Sá (2014, p. 217), propõe-se, por um
lado,
Olhar as causas do crime e de outro pelas consequências jurídicopenais; sobretudo, pelas possíveis diferenças de tratamento que
delineiam a partir da constatação de que o autor do fato tenha a
motivação do seu delito atribuível a uma causa físico-biológica
(cerebral) ou quando o fato possa estar ligado à perversão.
Devido aos fatores de risco que levam um indivíduo a ser acometido como
doente mental, como a predisposição genética, as influências externas advindas
de um ambiente hostil ou lesões cerebrais no decorrer do desenvolvimento, podese ter um desequilíbrio moral ou comportamental, variando no grau de acordo
com as formações de conexões neurais. (DAVOGLIO, T. R., GAUER, G. J. C.,
JAEGER, J. V. H., TOLOTTI, M. D., 2012, p. 453, 454).
Em consequência a essa disfunção comportamental, existem os que
transgridem as normas de um ordenamento, porém, sem a capacidade de controle
Banco de dados disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/doencamental-afeta-61-dos-presos-do-complexo-medico-penal-de-pinhaisefethiwd1kqa1ahtxu3ysrwwe>. Acesso em: 03. Fev. 2016.
1
de conduta necessário para entender a ilicitude do fato ou conter seus impulsos
comportamentais, diferentemente de algum outro criminoso comum, que teria
capacidade de distinguir sua conduta conforme à da contrária ao Direito.
Quando uma pessoa possui um normal funcionamento do intelecto, para
usar seus movimentos corpóreos adequadamente de acordo com a sua vontade,
ela possui aptidão para evitar o constrangimento das leis que podem trazer a
ameaça de uma punição futura. Ao ter consciência da sanção, a pessoa com
adequado desenvolvimento cerebral, sentirá medo de ser punida e raiva por ter
que se conter de uma eventual ação que poderia trazer um prazer imediato.
Porém, um desvalor do resultado, equiparando a possibilidade do prazer imediato
da ação com desprazer no futuro, por ter a perspectiva de acarretar privações
como a de ir e vir, por exemplo. Para tanto, é necessário um córtex pré-frontal
bem desenvolvido, para não agir com impulsividade e ter capacidade no controle
das emoções.
Porém, nem todos possuem essa região do cérebro (dentre outras) bem
desenvolvida. Sendo assim, aqueles que são portadores de alguma doença
mental, geralmente, são pessoas que se desagregam da sociedade em geral em
termos de comportamento e conduta moral e ética, como ressalta Ballone (2008),
A personalidade inclui, em meio a todos seus traços, a cognição e a
percepção. Essas atividades representam uma operação complexa
baseada em redes neuronais intrincadas e perfeitamente integradas,
[...]. A sobrevivência exige funcionamento adequado, muitas vezes
automático e inconsciente, de uma quantidade de módulos que tratam
muitos fatores simultaneamente: a motivação, a percepção do
ambiente, noção do que é necessário para sobreviver, regulação dos
impulsos agressivos e sexuais, formação das relações com outros
indivíduos, regulação dos comportamentos intencionais e inibição dos
inapropriados.
A partir disso, constata-se que a eficiência desses módulos é essencial para
a manutenção de um adequado controle comportamental, por exemplo. Porém,
esse processo pode não ser linear, interferindo em “atitudes adaptativas, tais
como o autocontrole, a iniciativa, a regulação do afeto, do juízo, a destrutividade,
o planejamento da fuga ou do ataque.” (BALLONE, 2008), alcançando-se assim,
os transtornos de personalidade e doenças mentais, isto é, perturbações no
funcionamento da integração desses módulos neuronais, causados tanto por
processos biológicos quanto por influências ambientais.
Os doentes mentais, considerados em menor ou maior grau no aspecto da
imputabilidade, são dirigidos a estabelecimentos diferentes de complexos penais
comuns, uma vez que essas pessoas possuem dificuldade de modelamento de
comportamento, por fatores alheios à sua vontade própria, consequentemente
caracterizando a incapacidade de modificação desses indivíduos através da
punição, assim como prega a prevenção especial, a qual consiste na atuação
sobre a pessoa do delinquente, para evitar que volte a delinquir no futuro.
Destarte, percebe-se a vulnerabilidade dessas pessoas frente à sociedade,
principalmente na própria defesa daqueles que cometem delitos penais, que
precisam ser encaminhados para complexos médico-penais. Ocorre que muitas
vezes, esses estabelecimentos não têm estrutura e profissionais que respeitam os
direitos e garantias fundamentais dos doentes mentais que possuem a liberdade
tolhida em virtude de uma consequência penal.
2. Medidas de Segurança
Uma das garantias dos indivíduos inimputáveis que sofrem de alguma
doença mental é a medida de segurança, para segregação e tratamento. Uma vez
que em um Estado Democrático de Direito, como afirma Eduardo Reale Ferrari,
“a sanção penal está vedada a estados de para-delinquência, infrações
exclusivamente políticas ou de marginalismo, já que ausentes estarão as práticas
dos ilícitos-típicos criminais.” (FERRARI, Eduardo Reale, 2001, p. 135). Sendo
assim, o conteúdo do ilícito-típico penal no doente mental é um dos pressupostos
de aplicação da medida de segurança.
Colocando-se a ação, assim como ressaltado por Eduardo Reale (2001, p.
138),
como uma opção valorativa ou intrincada ao desvalor – que
fundamenta e anima o agente -, imprescindível o reconhecimento de
que o delinquente doente-mental não age criminalmente, vez que não
elabora juízo íntimo axiológico.
Justificando-se, mais uma vez, a implementação da medida de segurança
com tratamentos dignos e livres de lesões aos direitos humanos, destinados aos
doentes mentais segregados em virtude de consequências penais.
A medida de segurança foi instituída no Brasil, pela primeira vez, em
1903. Atualmente, é considerada uma sanção jurídico-penal fixada para quem, ao
tempo do crime, era incapaz parcialmente ou totalmente de compreender o
caráter ilícito do fato típico. Seu escopo primordial consiste em afastar o
indivíduo incapaz que transgrediu a norma, atuando no controle social,
fornecendo tratamento àquele que apresentou a conduta desviante, com o intuito
de reintegrá-lo socialmente. (LEBRE, Marcelo, 2012, p. 273, 274).
Para a medida de segurança ser aplicada é necessário seguir seus
requisitos como somente ser aplicada pelo juiz, após a prática de um injusto
penal e a conseguinte constatação de inimputabilidade ou semi-imputabilidade
por desenvolvimento mental incompleto ou doença mental que pode danificar a
estrutura comportamental, constatação esta que se dá por meio de perícia,
baseando-se na periculosidade do agente ao atuar no fato típico.
Ao verificar-se o requisito de grau de periculosidade, enfrenta-se uma
série de problemáticas tanto teóricas quanto práticas, como uma busca pelo o que
se chama de indivíduo perigoso, tomando o devido cuidado para não se chegar ao
inimigo no direito penal (GÜNTHER, Jakobs, 2007); como também lugares e
tratamentos adequados aos que conseguem atestados de sanidade mental, como
dificuldades semelhantes às da Casa de Detenção - CADET, em São Luiz/MA,
onde os doentes mentais eram mantidos presos, sem tratamento, sofrendo abusos
físicos e psicológicos.
Nesse estabelecimento, os pacientes comiam insetos e ratos que passavam
pelo local, agrediam-se uns aos outros, alguns ficavam presos à cama e muitos
eram colocados para ajudar nos trabalhos e limpeza do estabelecimento com
equipamentos perigosos, sem a proteção devida. Houve relatos de pessoas que
fugiram e foram encontradas mortas nas redondezas do território, por não
conseguir encontrar direções do lado de fora.2
Outro estabelecimento em Pedrinhas/MA se encontra em situação de
abandono familiar, falta de acompanhamento médico-psiquiátrico e assistência
social aos presos com transtornos mentais ou psíquicos. Os detentos que lá
cumprem medidas de segurança sofrem com a falta de medicamentos, sendo
medicados esporadicamente sofrendo irregularidades em seus tratamentos.3
O Hospital Penitenciário de Manaus possui um espaço físico incompatível
com a realização de atividades Médico-sociais, pobre distribuição de
profissionais especializados, falta de fundos mensais para cobrir medicamentos
além da ausência de equipamentos técnicos para facilitar o atendimento da saúde
do paciente.4
O Presidente da CNDH (Comissão Nacional de Direitos Humanos), Edísio
Simões Souto, afirma que o quadro em que se encontra os doentes mentais
internados é de grave apreensão, uma vez que segundo os relatórios
foram encontrados pacientes nús em regiões frias, hospitais tratando
doentes mentais como presidiários, em enfermarias fechadas com
grades e cadeados, hospitais sem plantões médicos no fim de semana,
alguns sem terapeutas ocupacionais, e hospitais sem medicamentos
indispensáveis aos tratamentos. ‘Faz-se de conta que se trata, quando
na verdade, sem esses profissionais e sem medicamentos não se está
tratando ninguém’, afirma Souto.5
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 5º consagra
que “ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel,
desumano ou degradante”6, não é porque alguém praticou um ato ilícito na
condição de doente mental que será privado dos direitos fundamentais inerentes
ao ser humano.
Informações disponíveis em: < http://oglobo.globo.com/brasil/brasil-mantem-doentes-mentaispresos-ilegalmente-7599855>. Acesso em: 20. Jan. 2016.
3
Informes presentes no sítio: <http://www.cnj.jus.br/noticias/judiciario/73747-inspecao-empresidios-avalia-situacao-de-presos-com-doencas-mentais>. Acesso em 20. Jan. 2016.
4
Dados presentes em: <http://www.nossacasa.net/recomeco/0076.htm>. Acesso em 20. Jan.
2016.
5
Considerações contidas em: <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2004-0816/oab-apresenta-balanco-sobre-vistorias-em-manicomios>. Acesso em: 02. Mar. 2016.
6
A DUDH pode ser acessada em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm>. Acesso em: 02. Mar. 2016.
2
2.1 A Indeterminação Temporal das Medidas de Segurança e os
Princípios e Garantias Fundamentais Atingidas
As medidas de seguranças diferenciam-se das penas em virtude de sua
natureza, objetivo e fundamentos. Enquanto aplicam-se as penas baseadas na
culpabilidade do infrator, as medidas de seguranças estão alicerçadas à
periculosidade do delinquente-doente, sob os fundamentos teóricos de tratamento
e recuperação do indivíduo com base no discurso humanitário de prevenção de
delitos futuros.
A legislação penal não prevê prazo máximo de cumprimento para as
medidas de segurança, situação cuja indeterminação pode resultar em uma
incompatibilidade com efetivação dos direitos e garantias fundamentais do ser
humano. Essas pessoas que devem cumprir medidas de seguranças acabam que
não são curadas nem ressocializadas, ficando à mercê do Estado, numa
segregação sem data de término.
Assim como evidencia Eduardo Reale (2001, p. 178),
Segurança jurídica exige que toda a sanção aflitiva tenha duração
predeterminada, representando característica fundamental do Estado
Democrático de Direito que a intervenção estatal na liberdade do
cidadão seja regulamentada e limitada, não podendo furtar-se dessa
situação a medida de segurança criminal.
O Inimputável será internado por um período mínimo de um a três anos,
sendo que sua liberação do estabelecimento será determinada pela constatação da
cessação de sua periculosidade. Essa percepção de que o indivíduo está pronto
para o retorno do convívio em sociedade, dependerá de perícia médica.
Porém, o que se percebe é uma nítida violação dos Direitos Humanos pelo
fato de essas pessoas não ter um tratamento adequado ao ficarem segregadas da
sociedade em ambientes, em sua maioria, insalubres, sem tratamento
ambulatorial e acompanhamento médico-psiquiátrico, segundo aponta as visitas
realizadas pelo Conselho Nacional de Justiça, conforme relatos supracitados.
Priscilla Placha Sá (2014, p. 223), já ressaltava a condição dos
estabelecimentos de cumprimento de medidas de segurança, fazendo uma crítica
entre essas e as penas,
Rigorosamente, nada parece – em termos reais- diferenciar uma e
outra consequência jurídico-penal no aspecto de cassação de liberdade
do sujeito e poderia dizer-se também na forma de sua execução; dado
que apesar de a última estar mais disposta como medida terapêutica é
cumprida e estabelecimentos prisionais, com nomenclatura sofisticada
de ‘complexo médico-penal’ em substituição apenas nominal aos
antigos ‘ manicômios judiciários’. A coisa toda é tão complicada e
surreal em torno desses lugares que o Manicômio Judiciário do Estado
do Paraná, inaugurado em 31 de janeiro de 1969, tem o formato
arquitetônico de uma metralhadora.
Neste aspecto, verificam-se imprescindíveis limitações da intervenção
estatal na esfera da liberdade individual, em razão dos princípios que norteiam o
Estado Democrático de Direito. O princípio da legalidade assegura a prévia
descrição da espécie de medida de segurança, de modo que sua consequência “é a
proibição da restrição à liberdade, sem que se predetermine, tipicamente, o tempo
máximo das medidas de segurança criminais.” (PLACHA SÁ, 2014, p. 179).
Assim como a tipicidade, decorrente desse princípio, que prega a especificação
do tipo de ilícito-típico, proibindo analogias da norma incriminadora e
estabelecendo os limites da sanção.
Percebe-se, assim, que as medidas de seguranças sem determinação de
prazo de duração máximo, violam o princípio da legalidade, configurando-se
característica incabível em um Estado Democrático de Direito.
O Princípio da proporcionalidade “estabelece a exigência de uma
adequada relação entre as intervenções contra a liberdade individual e os perigos
que ameaçam a sociedade.” (PLACHA SÁ, 2014, p. 180). Constata-se assim,
mais uma vez, flagrante agressão aos princípios do Estado Democrático de
Direito, uma vez que não faz sentido o legislador colocar limites mínimos
obrigatórios ao ilícito-típico e não estabelecer um tempo máximo, porém
colocando a verificação de cessação da periculosidade como garantia jurídica.
O Princípio da Dignidade Humana vem estabelecido no artigo 1º da
Constituição Federal, que, devido o seu amplo sentido normativo-constitucional,
constitui valor supremo que atrai o conteúdo dos direitos fundamentais, desde os
direitos sociais aos pessoais. De acordo com essa premissa irrenunciável do
ordenamento jurídico brasileiro, nenhum cidadão pode ser sancionado
ilimitadamente, devendo haver limites máximos quanto à sua condenação, e
vedação as medidas que impeçam e lesionem o desenvolvimento físico-psíquico
dos infratores. Eduardo Reale (2001, p. 123), afirma que,
O princípio da dignidade da pessoa humana exige que as autoridades
administrativas confiram ao delinquente-doente condições mínimas a
tratamento, destacando-se, essencialmente, salubridade no ambiente
institucional, presença de profissionais habilitados laborando na
instituição, progressividade terapêutica [além de] individualização da
execução da medida de segurança criminal [...].
A dignidade humana segundo o pensamento de Kant é qualidade inerente
aos seres humanos enquanto entes morais, uma vez que são seres autônomos no
exercício da razão e constituem personalidades distintas e, assim, tratar uma
pessoa simplesmente como meio, sem seu consentimento, é impedir sua
autonomia, uma vez que não se deve usar o indivíduo como instrumento, mas
como fim em si mesmo. Neste aspecto, segregar o indivíduo sem prazo de
término com as medidas de segurança para garantir a sensação de segurança da
sociedade devido à periculosidade do mesmo, por exemplo, viola sua autonomia
e consequentemente sua dignidade. ( KANT, Immanuel, 2009).
3. Considerações Finais
A Lei 10.216/2001 é resultado de 10 anos de luta social e instituiu a
Reforma Psiquiátrica no Brasil como política de Estado. Aborda a proteção e os
direitos das pessoas com transtorno mental e propõe a construção de uma rede de
cuidados em contraposição ao modelo dos manicômios judiciários, que excluíam
as políticas voltadas para a saúde mental. Porém, não é isso que se percebe
através das notícias supracitadas. A maioria dos doentes mentais no Brasil não é
tratada de acordo com a Lei voltada para eles, muito menos de acordo com os
Direitos Humanos.
De acordo com os incisos I, II e III do parágrafo único, artigo 2º, da
referida lei, a pessoa portadora de transtorno mental tem direito a ter acesso ao
melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades, além
de ser tratado com humanidade e respeito com intuito de beneficiar sua saúde e
sua recuperação, protegendo-a contra qualquer forma de abuso e exploração.
Não é devido ao fato desses doentes mentais estarem cumprindo medidas
de segurança, que não mereça a atenção e as garantias asseguradas na Lei
10.216/2001, pelo contrário, uma vez que prevê a substituição da abordagem
hospitalar por tratamento de base comunitária inclusive para quem cumpre
medida de segurança. Porém, percebe-se nas noticias o contrário, descaso com o
cuidado dos doentes mentais, falta de atendimento médico, abusos sexuais,
exploração de trabalho e internações em instituições com características asilares,
que vai contra o disposto no §3º, art. 4º, da Lei 10.216/2001.
Em alguns estabelecimentos citados, como o de Pedrinhas/ MA, foram
feitas propostas para amenizar esse problema da precariedade dos presos que
cumprem medidas de seguranças ou se encontram em tratamento em hospitais
psiquiátricos como, por exemplo, reuniões com os juízes das respectivas varas
processantes de cada preso, verificando cada um dos processos correspondentes,
além de conferências com os secretários da Saúde, da Justiça e da Administração
Penitenciária. Visitas mensais também foram sugeridas, tudo com o objetivo de
manter as instalações de detenções próprias para receber humanamente quem
precisa de prevenção especial.7
E é de fato o que deve se dar na prática, não só em um estabelecimento,
mas generalizar essa atenção a todos as casas de detenções, hospitais
psiquiátricos e similares, para assegurar as garantias e direitos fundamentais de
acordo com os Direitos Humanos dos doentes mentais que cumprem medidas de
segurança, seja compulsória ou não. Pois essas pessoas carecem de atenção
especial devido ao seu estado psicológico e também em razão de sua
periculosidade frente à sociedade em virtude da falta de formação íntima de juízo
axiológico das suas ações.
Portanto, considera-se uma afronta ao artigo 5º, XLVII, b, da Constituição
Federal a expressão “até que cesse sua periculosidade”, constante no artigo 97,
Informações disponíveis em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/judiciario/73747-inspecao-empresidios-avalia-situacao-de-presos-com-doencas-mentais>. Acesso em: 20. Jan. 2016.
7
§1º, incitando a indeterminação de prazo máximo das medidas de segurança
criminais.
Quanto ao caráter de perpetuidade das medidas de segurança, depois do
julgamento do habeas corpus 84.219-4 pelo Supremo Tribunal Federal, tiveramse significativas evoluções quanto às propostas de tentar solucionar esse
problema. O Informativo Jurisprudencial de número 369 do STF e algumas
correntes doutrinárias se posicionam no sentido de limitar a medida de segurança
em 30 anos, interditando civilmente a pessoa ao cessar essa custódia ou então
estabelecer os limites máximos das medidas de segurança de acordo com os da
pena correspondente ao ilícito-típico praticado.
Propostas estas aplicadas na medida do possível para proteger o
delinquente-doente e a sociedade, desde que recaia nas medidas de segurança
todos os princípios constitucionais, não submetendo o cidadão a tratamentos
terapêutico-penais que violem o princípio da dignidade humana e preceitos da
legalidade, razoabilidade e proporcionalidade.
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