1 FUNDOS DE COMBATE E ERRADICAÇÃO especificidades e generalizações DA POBREZA NO BRASIL: Cleonice Correia Araújo1 Maria Eunice Ferreira Damasceno Pereira2 Salviana de Maria Pastor Santos Sousa3 RESUMO: Discussão sobre os Fundos de Combate e Erradicação da Pobreza constituídos em estados brasileiros: sua formulação e particularidades dos processos de gestão de programas e ações implementados. É parte do esforço investigativo empreendido no âmbito do projeto “Avaliação das Políticas Relacionadas ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza no Brasil”, desenvolvido no contexto do Grupo de Avaliação e Estudos da Pobreza e das Políticas Direcionadas à Pobreza (GAEPP) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Utilizam-se como procedimentos metodológicos pesquisa bibliográfica, documental e empírica. Conclui-se, com base em resultados sistematizados, que as ações articuladas a esses Fundos, por razões estruturais e conjunturais, não agregam potencial para causar impactos de maior profundidade sobre a questão da pobreza que afeta, de forma aguda e persistente, grandes parcelas da população brasileira. PALAVRAS-CHAVE: participação. pobreza, fundo de combate à pobreza, FUNDS FOR COMBATING AND ERADICATION OF POVERTY IN BRAZIL: specificities and generalizations ABSTRACT:Discussion about the Funds for Combating and Eradication of Poverty made in Brazilian states: its formulation and particularities of the processes of program management and actions implemented. It is part of the investigative effort undertaken under the project "Evaluation of Policies Related to the Fund for Combating and Eradicating Poverty in Brazil", developed in the context of the Group أف 1 Cleonice Correia Araújo doutora em Políticas Públicas pela UFMA, professora do Departamento de Serviço Social da UFMA e membro do GAEPP (Grupo de Estudo e Avaliação da Pobreza e das Políticas Direcionadas à Pobreza) <cleo. [email protected]>. 2 Maria Eunice Ferreira Damasceno Pereira doutora em Economia Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas, professora do Departamento de Serviço Social da UFMA e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão, membro do GAEPP (Grupo de Estudo e Avaliação da Pobreza e das Políticas Direcionadas à Pobreza) <[email protected]> 3 Salviana de Maria Pastor Santos Sousa doutora em Políticas Públicas UFMA, professora do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão e membro do GAEPP (Grupo de Estudo e Avaliação da Pobreza e das Políticas Direcionadas à Pobreza) <[email protected]>. 2 Evaluation and Study of Poverty and Poverty Targeted Policy (GAEPP) of the Maranhão Federal University (UFMA). Bibliographical, documental and empirical researches are used as methodological procedures . Concludes, based on systematic results, that actions related to those funds, for structural and cyclical reasons, do not add potential to cause impacts in greater depth on the issue of poverty that affects, in so acute and persistent way, large portions of brazilian population. KEYWORDS: poverty, fund to combat poverty, participation. 1 INTRODUÇÃO O presente artigo resulta de investigação que vem sendo realizada no contexto do Grupo de Avaliação e Estudos da Pobreza e das Políticas Direcionadas à Pobreza (GAEPP) 4, sobre as medidas desenvolvidas no Brasil com base no Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza – FCEP. Este se constitui em uma das alternativas governamentais utilizadas nas últimas décadas para enfrentar o fenômeno da pobreza no país, expressando, portanto, uma das faces do atual Sistema de Proteção Social. O FCEP foi regulamentado através da Emenda Constitucional nº 31, de 14 de dezembro de 2000 e prorrogado, por tempo indeterminado, em votação na Câmara dos Deputados, em dezembro de 2010. Com a finalidade de congregar políticas estruturantes com ações de transferência de renda, seu artigo 79 preconiza que deve ser regulado por lei complementar estadual razão pela qual, a partir de sua implantação, os estados subnacionais foram constituindo fundos estaduais e criando estruturas combinadas com as diretrizes propugnadas em nível nacional. O eixo fundante do debate sobre a instauração das políticas configuradas no país com base no FCEP pode ser sintetizado em três indagações básicas que orientaram a pesquisa desenvolvida: qual o potencial desse Fundo para responder às demandas postas pela pobreza e pela desigualdade social no país? Como os estados 4 O GAEPP (www.gaepp.ufma.br), criado em 1996, é um Grupo interdisciplinar da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). É vinculado ao Departamento de Serviço Social e articulado ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e cadastrado no Diretório Nacional dos Grupos de Pesquisa no Brasil do CNPq. Desenvolve atividades de pesquisa, de consultoria, assessoria e capacitação de recursos humanos, privilegiando a temática pobreza, trabalho e políticas sociais, centrando-se na análise e avaliação de Políticas Públicas. 3 subnacionais vêm incorporando e traduzindo em ações concretas o que é preconizado na Emenda Constitucional que dá origem ao Fundo? E como os recursos desse Fundo vêm sendo administrados pelos governos dos estados subnacionais? Denominada “Avaliação das Políticas Relacionadas ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza no Brasil” 5, a pesquisa que dá suporte às reflexões desenvolvidas nesse texto é referenciada nas categorias teóricas pobreza, justiça social e proteção social que, articuladas, conformam um debate histórico, rico e tensionado. De fato, a ideia de justiça social, remete à sua articulação com as novas formas de solidariedade que se vêm construindo, a partir da crise do Welfare State (e das crises subseqüentes de regulação do sistema capitalista). De acordo com Rosanvallon (1995), a nova configuração societária gerada a partir da crise determina a ultrapassagem do caráter formal dos direitos sociais, com a articulação de novas formas de participação e contrapartidas individuais6. Como advoga Telles (2006), esse modelo expressa [...] a lógica de uma cidadania restrita em que os direitos não se universalizam. Pois, para além do que existem como regra formal, os direitos – desde que reconhecidos – estruturam a linguagem que torna a defesa de interesses audíveis na sociedade e dá forma reconhecível aos conflitos. As práticas regidas pelos direitos montam o cenário no qual a experiência da diversidade conflituosa dos interesses se faz como história na medida mesmo em que constrói as balizas por onde o conflito se faz legível e compreensível nos registros de seu acontecimento (TELLES, 2006, p. 105106). Para Robert Castel (1995), que também analisa as atuais formas de organização da solidariedade que estão na base da configuração dos sistemas contemporâneos de Proteção Social, a integração política deveria vir, necessariamente, acompanhada de possibilidades de ampliação do emprego estável. Como isso não acontece, o grande problema que se coloca para a gestão governamental, é o que fazer pelos desempregados, pelos mais fracos, pelos despossuídos, pelos mais pobres. É nesse âmbito que o FCEP é preconizado com o objetivo de viabilizar, a todos os brasileiros, acesso a níveis dignos de subsistência com recursos aplicados em ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda 5 A pesquisa foi aprovada pela UFMA (Resolução Nº 690 - CONSEPE); pelo CNPq (processo: 303116/2008-0; protocolo: 488931515119325 Chamada/Edital: produtividade em Pesquisa), pela FAPEMA (Edital Universal 2010) e pelo PIBIC para concessão de Bolsas de Iniciação Científica a seis alunas do Curso de Serviço Social da UFMA nos anos de 2010 e 2011. 6 Pereira (2003, p.3) chama a atenção para o uso corrente e enviesado dessa ideia de contrapartidas ou condicionalidades que “vem fazendo parte dos mecanismos de controle das políticas sociais focalizadas como se o alvo da proteção tivesse alguma falta pessoal a expiar”..(sic). Para ela, “esses e outros mecanismos não são e nunca foram veículos de inclusão social, pois têm como principal objetivo excluir e manter excluído o máximo possível de demandantes para aliviar as despesas governamentais com áreas improdutivas”. 4 familiar e outros programas de relevante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida. Nesse sentido, constitui-se como o que Honorato (2008, p.9) chama de a outra face da solução capitalista criada com o Fundo Público7, isto é, “a implementação de algumas ações sociais como a aprovação da Social Security Acts (Lei de Seguridade Social), em 1935, que garantiu uma pensão para os aposentados e um salário desemprego, embora de baixíssimo valor” 1.2. Sobre a dinâmica da pesquisa O pressuposto teórico que dá suporte ao processo de investigação é que, para além de ações pontuais ou articuladas, a pobreza, enquanto parte estrutural do sistema capitalista só pode ser eliminada mediante uma ruptura com esse modo de produção. Pode, no entanto, ser enfrentada e reduzida com a utilização de políticas públicas distributivas e redistributivas. Nesse sentido, os fundos públicos destinados a minorar a situação de pobreza têm certa relevância, particularmente, considerando-se a configuração da questão social de países como o Brasil. Para tal, não basta que a gestão governamental seja compartilhada e que se envolvam diferentes sujeitos sociais interessados na implementação das políticas públicas. É fundamental que sejam garantidos recursos, socializadas informações, respeitada a autonomia dos três entes governativos e afiançado o respeito à cultura e à situação particular das regiões envolvidas. Considerando-se a natureza pública dos recursos empregados, portanto, é importante que o controle social e a avaliação sejam incorporados como ferramentas essenciais ao processo de gestão. Na construção do objeto de estudo foram considerados quatro movimentos básicos substantivados por meio de pesquisa avaliativa:- levantamento, sistematização e disponibilização de dados secundários e de estudos desenvolvidos; mapeamento da situação de pobreza e das propostas governamentais desenvolvidas em consonância com a configuração do Fundo; identificação das concepções de justiça, pobreza e proteção social que fundamentam e justificam as propostas elaboradas em estados previamente selecionados; análise da pertinência das propostas desenvolvidas nos estados selecionados em relação à realidade a ser modificada, identificando-se: os sujeitos envolvidos, as prioridades definidas, os critérios de elegibilidade do público, os modelos de gestão e de avaliação propostos, o 7 Ferramenta para a superação da crise e ampliação do lucro do capital, sem com ele se confundir por não gerar valor, mas, “antivalor” (HONORATO, 2008, p.9) 5 volume de recursos em relação aos públicos eleitos e a relação das ações relacionadas ao Fundo com a Política de Assistência Social e com as ações do Plano Brasil Sem Miséria. Em termos da sua organização, o presente texto está estruturado em dois itens, além desta introdução: o item 2 trata sobre particularidades dos fundos de combate e erradicação da pobreza em estados subnacionais e o item 3 apresenta síntese das principais conclusões sistematizadas. 2. PARTICULARIDADES DOS FUNDOS DE COMBATE E ERRADICAÇÃO DA POBREZA EM ESTADOS SUBNACIONAIS Com base no mapeamento de Estados subnacionais, feito pela internet em sites diversificados identificou-se a existência de Fundos de Combate e Erradicação da Pobreza em todos os estados das regiões Nordeste e Centro-Oeste, em 75% dos estados da região Sudeste, em apenas um estado da Região Sul (Santa Catarina), sendo que não foi encontrado registro na região Norte. Os três estados analisados nessa fase da pesquisa de campo apresentam dados diferentes, em termos da configuração atual da pobreza, como pode ser atestado pelo Estudo da Situação Social nos Estados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 20128). No Estado de Goiás situado na Região Centro-Oeste, a extrema pobreza é a nona menor no País. Enquanto em 2001, o índice nacional era de 10,5% e, em 2009, foi reduzido para 5,2%, em Goiás, no começo dos anos 2000, 6,5% da população vivia em pobreza extrema e em 2009, o indicador teve redução para 3,2%. As desigualdades de renda média também diminuíram entre na relação urbano - rural, pois o incremento na renda domiciliar per capita da zona rural (52,8%) foi superior ao observado na urbana (33,3%). Na área rural, ela passou de R$ 287,1 em 2001, para R$ 438,8, em 2009. Na Região Nordeste, o Estado do Ceará, embora tenha observado, na última década, uma redução acelerada no número de pessoas abaixo da linha da extrema pobreza (R$ 70 per capita), os percentuais de extremamente pobres do estado caíram em relação a 2001 (cerca de 22 %), mas ainda eram de 11% em 2009. Enquanto isso, no Maranhão, também situado na Região Nordeste, estado considerado pelo estudo do IPEA, um dos mais pobres do país, entre 2004 e 2009 houve uma redução do índice de pobreza extrema em 47%, mas a proporção da 8 IPEA, Relatório da Situação Social dos Estados. Disponível em http://agencia.ipea.gov.br/images/stories/PDFs/situacao_social/120118_relatorio_situacaosocial _es.pdf. Acesso em 05 de abril de 2012 6 população maranhense abaixo da linha da miséria (renda de R$ 70 por pessoa) ainda é muito superior à média nacional (13%). Na relação urbano/rural, 63% dos maranhenses mais pobres moram na zona rural de pequenos municípios e 78% não têm acesso ao saneamento básico. Os elementos sintetizados do estudo de campo, expostos a seguir, indicam que no processo de gestão dos Fundos Estaduais, as ações desenvolvidas não têm sido capazes de qualificar decisões estatais historicamente engendradas a ponto de mudar a realidade das populações beneficiadas. 2.1 O PROTEGE no Estado de Goiás9 No Estado de Goiás, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza denomina-se PROTEGE - Fundo de Proteção Social do Estado de Goiás. Foi criado através da Lei no 14.469, de 16 de julho de 2003, regulamentada pelo Decreto nº 5.832 de 30.09.2003 e sempre esteve alocado na Secretaria da Fazenda. Inicialmente era uma superintendência dessa Secretaria (isto de 2003 até 2007), mas partir de 2008 passou a ser uma gerência, denominada de Gerência do Fundo Protege. Em termos de recursos o PROTEGE conta com 2% de adicional sobre o ICMS de produtos supérfluos (cigarro, bebidas, armas e munições, perfumarias e cosméticos, telecomunicações, energia elétrica e gasolina) e 5% de um benefício fiscal que é concedido às empresas pelo Estado (em torno de sete milhões/mês). Afora estas duas estratégias, para composição do Fundo é, também, previsto o recebimento de doação. O objetivo precípuo do PROTEGE é o combate à pobreza. No momento da pesquisa, os gestores do PROTEGE referiram que as áreas privilegiadas no planejamento de aplicação dos recursos do Fundo eram educação, saúde, assistência social e transporte. No que diz respeito ao processo de gestão, o Estado tem sistema de planejamento, avaliação e monitoramento que é denominado de SIGEPLAN. Nele os gestores cadastram as atividades, projetos e também definem metas e indicadores, embora, não se verifique ainda um processo substantivo de monitoramento. Quanto à avaliação, é desenvolvida com base nos dois critérios (finalidade em relação ao 9 As entrevistas feitas em Goiás os gestores do PROTEGE foram desenvolvidas sob a coordenação da Profª Dra. Maria Eunice Ferreira Damasceno Pereira com a participação da aluna de Iniciação Científica Ivanara Lima. 7 combate à pobreza e forma de aplicação dos recursos) aos quais se alia um terceiro critério relacionado ao impacto financeiro desse projeto nas reservas do Fundo. Seguindo a estrutura do processo de gestão conformada a partir da Constituição de 1988, o PROTEGE tem suporte em um Conselho Diretor, composto por políticas que se situam em três eixos: políticas vinculadas ao campo da Saúde, ao campo da Educação e ao campo da Assistência Social que inclui agricultura familiar e habitação popular. Porém, como em outras unidades da federação e outras políticas, o processo de controle social não se consolidou como previsto na legislação. 2.2. O FECOP no Estado do Ceará10 No Ceará, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza tem a sigla FECOP (Fundo Estadual de Combate à Pobreza). Foi instituído através da Lei Complementar nº 37, de 26 de novembro de 2003 a qual foi regulamentada pelo Decreto nº 27.379 de 1º de março de 2004. Tal Fundo passou a vigorar desde 1º de janeiro de 2004 e tinha prazo de finalização estipulado para 31 de dezembro de 2010. Esse prazo, porém foi prorrogado seguindo a orientação definida em nível federal. O FECOP foi instituído com base em dois macro-objetivos: promover transformações estruturais para combater a pobreza e assistir às populações abaixo da linha de pobreza. Utiliza como fonte de recursos um adicional de 2% na alíquota do ICMS (ou do imposto que vier substituí-lo), incidente sobre os seguintes produtos e serviços: bebidas alcoólicas, armas e munições, embarcações esportivas, fumo, cigarros, energia elétrica, gasolina, serviços de comunicação. Além disso, pode ainda contar com outras receitas que vierem a ser destinadas a ele (SEPLAG11, 2010). De início, o FECOP, formulou alguns critérios para a alocação e distribuição dos seus recursos visando o atendimento dos 20 municípios com menor Índice de Desenvolvimento Municipal (IDH-M)12 no ano 2000. Posteriormente, definiuse o atendimento das populações pobres situadas no meio urbano de Fortaleza, tomando-se como referência o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal por Bairro (IDHM-B). 10 As entrevistas feitas no Ceará com os gestores do FECOP foram desenvolvidas sob a coordenação da Profª Dra. Maria Eunice Ferreira Damasceno Pereira com a participação das alunas de Iniciação Científica Ivanara Lima, Ellen Suenne Ferreira Bandeira; Abinoã Cunha da Silva. 11 Secretaria de Planejamento e Gestão – SEPLAG. Gerência Executiva do FECOP – GEF. Relatório de Desempenho do Fundo Estadual de Combate à Pobreza: FECOP - Ano 2010 12 De acordo com informações contidas na Cartilha do FECOP, os municípios cearenses com menor IDHM no ano 2000 eram: Salitre, Aiuaba, Catarina, Quiterianópolis, Granja, Moraújo, Tarrafas, Parambu, Cariús, Irauçuba, Caririaçu, Ibaretama, Graça, Itatira, Choró, Potengi, Ipaporanga, Arneiróz, Alcântaras e Ocara. 8 No momento da pesquisa, a gestão do FECOP encontrava-se na Secretaria Estadual de Planejamento (SEPLAG), particularmente na Gerência Executiva Financeira (GEF), constituindo-se uma Unidade da Coordenadoria de Planejamento Orçamento e Gestão - CPLOG. As ações do FECOP, compostas de Políticas Estruturantes e de Transferência de Renda, são desenvolvidas pelas Secretarias Estaduais, Municipais, ONGs, OSCIPS ou entidades comunitárias, todos os projetos apresentados são analisados pela Gerência Executiva com base em critérios técnicos e de viabilidade econômica, posteriormente são submetidos à aprovação do Conselho Consultivo de políticas de Inclusão Social – CCPIS13. Dentre as políticas estruturantes têm sido priorizados programas da Agricultura Familiar, da Política de Assistência Social e de Infraestrutura, sobretudo as ações relacionadas à construção ou melhoria de habitações, onde se concentram mais de 60% dos recursos do FECOP. Outros programas atendidos estão relacionados às áreas de esportes, cultura e educação. A Sociedade Civil participa do FECOP propondo projetos para as secretarias setoriais, que avaliam as propostas, elaboram orçamento e submetem ao Conselho Consultivo de Políticas de Inclusão Social. Esse Conselho também conta com a participação da sociedade civil, pois entre os seus membros há representantes do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente, Conselho Estadual da Saúde e Conselho Estadual de Educação. Em 2011 houve esforços com vistas à elaboração de um Plano para a Erradicação da Extrema Pobreza, análogo à proposta do Governo Federal. 2.3 O FUMACOP no Estado do Maranhão14 No Maranhão, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza é conhecido como FUMACOP15·. Foi instituído pela Lei 8.205, de 22 de dezembro de 13 De acordo com o Relatório de Gestão 2010. As entrevistas com os gestores do FUMACOP e de projetos desenvolvidos no Maranhão foram realizadas pelas alunas de Iniciação Científica Alzira Ericeira; Caroline Chaves Pinto; Abinoã Cunha da Silva e Aneilde dos Santos Araujo 15 Marco Legal: ESTADO DO MARANHÃO. Lei 8.205, de 22 de dezembro de 2004; Decreto nº 21.725, de 29 de novembro de 2005; Decreto nº 22.149, de 31 de maio de 2006, que aprova o Regulamento do Fundo Maranhense de Combate à Pobreza e do Comitê de Políticas de Inclusão Social; Lei nº 8.409 de 15 de maio de 2006, autoriza o Poder Executivo a abrir ao FUMACOP crédito especial onde foi estabelecido o primeiro programa de trabalho para o Fundo no exercício de 2006; Lei nº 8.697, de 30 de outubro de 2007 - modifica a Lei que instituiu o FUMACOP, redefinindo o Conselho de Políticas de Inclusão Social e criando a Superintendência de Planejamento e Gestão do FUMACOP na estrutura da Secretaria de Estado do Planejamento e Orçamento – SEPLAN; LEI Nº 8.840, de 15 de julho de 2008, altera a Lei 8.205, de 22 de dezembro de 2004; Decreto nº 24.513, de 04 de setembro de 2008, - altera e aprova o 14 9 2004 e regulamentado em novembro de 2005, como unidade destinada a captar, canalizar e gerenciar recursos estaduais com vistas a desenvolver políticas de combate à pobreza no Maranhão. Sua proposta original foi baseada em diagnóstico realizado pelo IPEA sobre a realidade estadual. Em 2010, a Assembleia Legislativa, por meio da Medida Provisória 84, de 21 de dezembro, aprovou a prorrogação do FUMACOP para 31 de dezembro de 2021, mantendo o acréscimo de dois pontos percentuais sobre as alíquotas do ICMS nas operações internas e de importação com produtos e serviços como combustíveis, telefonia, energia, cigarros, bebidas, entre outros. Os princípios sobre os quais se assenta o FUMACOP, de acordo com sua Cartilha de Procedimentos16 (2010) são: transparência, regionalização, descentralização, participação, focalização e controle. Com base em tais princípios, o governo afirma que pretende desenvolver um processo de gestão moderna e próxima das demandas estaduais com maior aproveitamento dos recursos disponíveis. A atual versão do FUMACOP corresponde à prorrogação do Fundo até 31 de dezembro de 2021 e expressa um refluxo em termos da participação da sociedade no processo de gestão, já que as decisões passaram a ser tomadas de forma verticalizada. Da mesma forma, expressa uma dificuldade: a disseminação das ações para todo o Estado, considerando os níveis de pobreza estadual pode ser uma decisão adequada, porém, a inclusão de todos os 217 municípios como alvos das ações, sem um aumento relativo dos recursos, inclusive de pessoal, aponta para uma redução da capacidade de enfrentamento da pobreza. Outro ponto problemático são os critérios definidos para focalização dos usuários, particularmente de algumas ações como o Viva Luz17 e Viva Água18, uma vez Regulamento do Fundo Maranhense de Combate à Pobreza e do Conselho de Políticas de Inclusão Social; Resolução CPIS-FUMACOP Nº 01 / 2009 – 14 de dezembro de 2009 - Altera Dispositivos Da Cartilha de Procedimentos do Fundo Maranhense de Combate à Pobreza - FUMACOP, versão 2009, define nova estratégia de ação e autoriza sua inclusão nos exercícios de 2009 e 2010; Medida Provisória Nº 063, de 25 de novembro de 2009, dá nova redação ao art. 14 e acrescenta os arts. 14-A 14-H à Lei nº 8.205/2004. Tal medida foi transformada na, Lei Nº 9.085 de 2009 de 16 DE dezembro publicadas no DOE de 22 de dezembro de 2009. 16 Disponível em www.seplan.ma.gov.br/fumacop O Viva Luz objetiva a “isenção do pagamento da fatura de energia elétrica de unidades consumidoras residenciais de famílias com consumo médio de até 50kwh/mês” (Maranhão, 2010). Nesse universo, pode contemplar pessoas e famílias com alto poder aquisitivo e baixo consumo que possuem imóveis fechados,). Nesse universo, pode contemplar pessoas e famílias com alto poder aquisitivo e baixo consumo que possuem imóveis fechados, como casas de veraneio. Embora a CEMAR desenvolva um esforço de filtrar unidades consumidoras nesse nível, considerando fora dessa isenção aquelas situadas 17 10 que tais critérios ainda não conseguem incluir de fato os de menor poder aquisitivo e nem excluem totalmente aqueles de maior padrão de renda. Quanto ao atendimento das metas propostas para o ano de 2010, a análise desenvolvida pela própria Secretaria de Planejamento e Gestão (2011) aponta que, das 265 ações programadas no PPA para aquele ano, no contexto das quais se encontra as financiadas pelo FUMACOP, apenas 17% atingiram as metas, sendo que 42% atenderam de forma moderada e 41% ou não atenderam ou tiveram atendimentos pouco significativos. Entendem os analistas do governo que tais dados demonstram, sobretudo, a necessidade de aperfeiçoamento dos instrumentos de planejamento de modo a possibilitar melhor execução das políticas públicas e uma análise mais fidedigna, sistemática e metodológica dos programas. 3. CONCLUSÃO Considerando-se a configuração histórica da sociedade brasileira, os programas estaduais analisados balizados pelo FCEP não parecem agregar potencial no sentido de causar impactos de maior profundidade sobre a questão da pobreza, que afeta de forma aguda e persistente grandes parcelas da população desse país. De fato, a análise dos Fundos de Combate à Pobreza, estruturados nos estados subnacionais, possibilitou identificar as tensões e ambiguidades que perpassam essa política pública, o que se mostra claro já nos conceitos e perspectivas teóricas e políticas que estão subjacentes no seu desenho. Em relação à concepção de pobreza, uma das balizas conceituais desses Fundos, embora em alguns documentos oficiais seja incorporada numa perspectiva ampla, multidimensional, é o enfoque conservador, restrito à relação renda e consumo e referido à perspectiva absoluta de pobreza que prevalece. Tal compreensão da pobreza se reflete na perspectiva de proteção social que subjaz na engenharia dos projetos desenvolvidos, os quais, apesar de proporem a agregação de ações estruturantes às de formato focalista, priorizam medidas pontuais, com as de transferência de renda. Um exemplo emblemático pode ser atestado pelos dados do Relatório do TCU (2005), referentes ao repasse de recursos federais destinados ao em bairros que concentram pessoas de classe média, esse método não se tem mostrado como solução adequada e definitiva, considerando os propósitos da ação. 18 O Viva Água menciona o critério de baixa renda para isentar unidades consumidoras residenciais que apresentem consumo mensal de até 25 m3. Contudo, não institui o que é baixa renda, que parâmetros são empregados para se considerar uma família pobre ou não, já que esse nível de consumo corresponde ao de usuários com poder aquisitivo situado fora dos padrões tradicionais de medição da pobreza. No caso dessa ação, outro ponto relevante a considerar é a exclusividade da CAEMA como parceira do governo, processo que exclui milhares de consumidores pobres do benefício, em municípios que possuem outras operadoras como prestadoras de serviços básicos de abastecimento de água. 11 Programa Bolsa Família, em 2004: dos R$ 5.360.453.081, 68,6% eram provenientes do FCEP19. Tal concepção se distancia daquela que configurou o modelo de Proteção Social desenhado na Constituição de 1988, o qual espelha ideais universalistas, vinculados a uma perspectiva de cidadania em que os direitos são inscritos num código de pertencimento dos indivíduos e dos grupos à nação. Nesse sentido, os dados de realidade indicam que as atuais políticas de enfrentamento à pobreza, no contexto das quais se situam os Fundos aqui analisados, não alteram substancialmente a condição de pobreza e de desigualdade de seus usuários. De fato, sabe-se que a redução da pobreza demanda a conformação de um projeto de desenvolvimento nacional capaz de apontar oportunidades de admissão de sujeitos sociais no espaço público para satisfação de suas necessidades e desenvolvimento de suas potencialidades, o que ainda não ocorre no Brasil. Isto porque, nesse país, do ponto de vista histórico, pobreza e desigualdade social sempre se aliaram à baixa densidade do processo de participação resultando no alijamento de significativos segmentos da população, sobretudo, do partilhamento da riqueza socialmente produzida e das decisões de cunho macrossocietário. Desconsiderando-se os aspectos de natureza substantiva, fundamentais para compreensão e combate à pobreza, há que se ponderar também que o próprio processo de gestão dos Fundos Estaduais ainda carece de melhor sistematização de modo a articular demandas concretas e respostas possíveis. Situa-se como parte desse descompasso, o planejamento desenvolvido, em geral, ainda de natureza incremental, embora haja gestor que entenda ser necessário “conhecer mais a realidade”, defendendo que devam existir critérios técnicos para a definição de inclusão dos programas a serem financiados. Do mesmo modo, o processo de operacionalização das ações ainda se faz desarticulado de um efetivo sistema de monitoramento e avaliação, o que poderia contribuir para um maior aprimoramento de tais ações. Outras dificuldades vinculadas ao processo de gestão também se verificam, tais como: divulgação insuficiente das ações, limitação de pessoal, processo de prestação de contas dificultado pelo burocratismo, persistência do primeirodamismo e do clientelismo político e indefinição de critérios para uma focalização das ações desenvolvidas. 19 Conferir art. 5º da Medida Provisória 132 de 20 de outubro de 2003 que cria o Bolsa Família e dá outras providências 12 REFERÊNCIAS ARAÚJO. 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