EUA precisam promover a estabilidade cambial

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MALPASS, D. EUA precisam promover a estabilidade cambial. OESP, 4-998
A desvalorização do rublo mergulhou a Rússia num tumulto político e econômico. Os
reflexos financeiros já ultrapassaram suas fronteiras, contribuindo para cortar US$ 1
trilhão do valor das ações ordinárias nos Estados Unidos e agravando a crise
monetária, agora global. Expressa em dólares americanos, a produção mundial vai
cair mais de 2% em 1998, pressionando devedores e afetando os ganhos das empresas
em escala mundial. Ao entrarmos no segundo ano da crise "asiática", o risco fica
evidente: em toda parte, os países que tomaram dólares de empréstimo ou produziram
bens podem desabar.
Os EUA tiveram condições de interromper a propagação da crise e iniciar a
recuperação, mas não as usaram. O Fundo Monetário Internacional (FMI) apenas
agravou o problema. Atuando em conjunto, os EUA e o FMI vão de um plano ruim
para outro, sem visão, sem ao menos parecer que entendem a gravidade da crise.
O tratamento inicial que eles deram à crise da Tailândia no ano passado foi promover
uma desvalorização limitada, aconselhar o governo de Bangcoc a elevar os impostos
e esperar pelo melhor - uma estratégia que teve resultados desastrosos no México em
1994. A renda per capita da Tailândia caiu de US$ 3 mil em 1996 para US$ 1.800
este ano, e o país está agora em sua quinta revisão do programa do FMI.
Durante a crise da Coréia do Sul em dezembro, o programa resultou num maciço
socorro dos EUA, do FMI e de bancos internacionais que haviam emprestado muito
dinheiro à Coréia. O tratamento dado à Coréia incluiu uma desvalorização, uma taxa
de câmbio flutuante apoiada por taxas de juros incrivelmente altas, previsões
econômicas otimistas do FMI, a falsa esperança de crescimento impulsionado pelas
exportações e enorme dose de paciência. O resultado: a economia sul-coreana vai
retrair-se dos US$ 485 bilhões em 1996 para US$ 280 bilhões este ano - contração de
42%. O FMI revisou sua previsão para o crescimento da Coréia em 1998, reduzindo-a
dos 2,5% positivos em janeiro para 4% negativos em julho. Esses números mostram o
fracasso da política de austeridade baseada na taxa de câmbio flutuante. A Rússia que
se acautele.
No momento em que o facão da desvalorização apontou para a Rússia, em junho
deste ano, surgiu um terceiro programa nos EUA. Em conversa telefônica no dia 10
de julho, os presidentes Boris Yeltsin e Bill Clinton chegaram a um acordo quanto ao
plano para salvar a Rússia, desta vez antes da desvalorização. Mas não foram tomadas
medidas para ancorar o rublo. Tudo o que a Rússia obteve foi outro programa de
austeridade ditado pelo FMI - o compromisso dos russos de retrair ainda mais a
economia sugando mais impostos das companhias energéticas, a força vital do país. O
resultado: evasão de capital e perspectiva de um frio inverno para os russos, pois as
companhias energéticas preparam-se para cortar o fornecimento a cidades e
províncias que não conseguem pagar as contas.
Durante todo esse período, os EUA não adotaram nenhuma política capaz de
enfrentar o cerne do problema monetário global: um dólar forte e um ciclo de
desvalorizações. O atual tratamento paliativo inclui os seguintes elementos: até
segunda ordem, todos os países em desenvolvimento precisam manter as taxas de
juros num nível tremendamente acima do que eles podem aguentar, propagando a
recessão por todo o mundo em desenvolvimento. Economias que atrelam suas moedas
ao dólar americano - algumas importantes como a da Argentina, Brasil, China e Hong
Kong - não recebem orientação clara sobre o valor futuro das verdinhas. Para não
assumir responsabilidades, os EUA mantêm a impressão de que o FMI está lidando
com a crise e o Japão é o responsável por grande parte dela. Os EUA incentivam
países a adotar "reformas" vagas e penosas, nunca citando ou forçando a adoção da
reforma que mais interessa: a política da estabilidade monetária.
Que pode o governo americano fazer para evitar a propagação da crise? Em primeiro
lugar, se ele não quiser reduzir as taxas de juros, pode declarar inequivocamente que
Washington quer que o valor do dólar seja estável e considerará esta responsabilidade
altamente prioritária. A simples mudança da política atual do "dólar forte" para a do
"dólar estável" permitiria que os preços do ouro e das commodities se erguessem um
pouco acima de seus atuais níveis deflacionários e encerraria a conversa sobre
deflação mundial. Os EUA precisam, portanto, começar a adotar a política da moeda
estável para os países em desenvolvimento no Grupo dos Sete (G-7), no FMI, no
Banco Mundial e noutros organismos. Precisam dedicar atenção à transparência das
políticas monetárias que governam preços, às âncoras cambiais, dolarização, uniões
monetárias e outras técnicas que seguramente têm criado desenvolvimento. Bastaria
tal esforço para erguer os mercados financeiros em 30% ou mais em muitos países em
desenvolvimento, numa questão de dias. Declarações públicas e decisões concretas
sobre moedas têm grande importância. Na maior parte do mundo todo, os mercadores
financeiros estabilizaram-se em 17 de junho, no exato momento em que o governo
dos EUA interveio para interromper a queda livre do iene japonês. Nas quatro
semanas seguintes, os mercados acionários do mundo industrializado atingiram altas
recordes, acreditando que o governo americano se preocupava com as moedas e
queria que o iene, o yuan chinês e o rublo russo fossem estáveis.
A correção nos mercados financeiros mundiais começou em meados de julho, quando
ficou evidente que os EUA não pretendiam corresponder às expectativas. O governo
americano não deu sinal de que o dólar ia parar de subir, assim fazendo com que os
preços do ouro e do petróleo em dólares aumentassem ainda mais. Washington
também não fez comentários de apoio ao yuan ou ao iene, contribuindo para a venda
especulativa. Os EUA não quiseram fazer sequer uma simples declaração sobre o
óbvio - que uma desvalorização em Hong Kong destruiria Hong Kong como centro
financeiro mundial e era impensável. E, em 21 de julho, detalhes do programa do
FMI para a Rússia vieram à luz, mostrando apenas o fracasso de outro pacote de
austeridade.
Quanto à Rússia, agora que ela partiu para a desvalorização, Moscou precisa pensar
num meio de abrandar as conseqüências. Há três meios de fazê-lo.
Em primeiro lugar, a Rússia precisa anunciar um programa monetário que vise
claramente a limitar a desvalorização e dar estabilidade futura ao rublo. Também
deve usar sua influência junto ao governo americano para combater a preferência do
FMI pela oscilação livre das taxas de câmbio e pela austeridade do setor privado. A
declaração formal da Rússia em 17 de agosto foi uma receita do FMI para o desastre.
Ela prometeu uma política de equilíbrio orçamentário (que não faz sentido durante
uma recessão), altas taxas de juros para combater a inflação (a inflação é um
fenômeno monetário, não relacionado com taxas de juros) e um rublo flutuante com
valor definido pelos preços do mercado (significando dizer que ele afundará por
omissão). A declaração do FMI após a desvalorização não citou o rublo, elogiou a
Rússia por seu progresso econômico satisfatório e prometeu mais recursos se a Rússia
executasse o programa do FMI. Essas são as mesmas políticas que causaram a
depressão na Ásia e prolongaram a década perdida na América Latina nos anos 80.
Uma política monetária nova e confiável atrairia capitais de volta à Rússia e o país
poderia então começar a tratar a crise de sua dívida com crescimento econômico em
vez de inadimplência. A Rússia e o mundo precisam concordar que a flutuação livre
da taxa de câmbio é política inexequível para o rublo e levaria a Rússia pela via que a
Indonésia tomou.
Quando taxas de câmbio flutuam após uma desvalorização, as taxas de juros precisam
ficar incrivelmente altas para compensar a incerteza monetária. A Rússia devia adotar
um mecanismo de política monetária pelo qual o volume de liquidez na economia
fosse regulado pelo Banco Central com o objetivo básico de preservar a estabilidade
da moeda. A Rússia poderia atrelar o valor do rublo ao ouro, ao dólar ou ao euro,
podendo usar uma âncora monetária ou uma política monetária automática de
controle dos preços. Devia legalizar imediatamente o uso de moeda estrangeira,
conforme o economista Steve Hanke sugeriu na semana passada. A esta altura da
queda do rublo, o objetivo principal é adotar uma mudança marcante na política do
Banco Central para dar ao povo russo uma moeda estável enquanto o governo atua
para salvar a economia.
De vez em quando os EUA e o FMI subestimam a importância da estabilidade
monetária e os males causados por desvalorizações. A promessa dos partidários da
desvalorização, de que haveria rápida recuperação na Ásia, deu em nada, mas daí não
surgiu nenhum programa construtivo. A Rússia agora avança no mesmo rumo,
arrastando outros países consigo. O cinturão agrícola dos EUA sente as
conseqüências quando o dólar se valoriza e as populações da Ásia compram menos
trigo. Cidades americanas na fronteira com o Canadá sentem-nas quando os preços
dos estabelecimentos comerciais nos EUA afugentam os canadenses. Mas, 18 meses
após o início da crise monetária global, a maior potência econômica e militar do
mundo ainda não tem um mínimo de política para enfrentá-la.
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