ATKINSON, M. Uma transição rápida demais, OESP, 1-9-98 The Guardian LONDRES - A origem da crise atual da Rússia é de confiança e liquidez - falta de dinheiro para pagar suas contas, e as mágicas que o governo teve de fazer por causa disso - mas suas origens estão na dolorosa transição do país para uma economia de mercado depois do colapso do comunismo. Ao contrário da Polônia ou da República Checa, que sofreram quedas vertiginosas de produção e emprego seguidas de recuperações igualmente rápidas, o processo de reforma econômica da Rússia tem sido lento e doloroso. Também tem sido muito relutante. Relutante demais, segundo os que acreditam que apenas um tratamento de choque de mercado livre pode transformar a Rússia de uma economia planificada em um Estado moderno e competitivo. Os defensores dessa idéia afirmam que, apesar da produção trôpega depois da queda do Muro de Berlim, as empresas não despediram seus empregados apenas por considerações sociais inapropriadas, e o programa de privatização foi, em alguns casos, puramente nominal. A opinião contrária é a de que o processo de reforma foi excessivo e adotado cedo demais. Ao contrário de seus vizinhos na Europa Central e Ocidental, a Rússia não tem nenhuma herança de capitalismo de mercado e as tentativas de encurtar o processo de transição ignoram o fato de o Ocidente ter levado dois séculos para desenvolver sua infra-estrutura econômica moderna. Além dos problemas básicos de infra-estrutura, como as deficiências em telecomunicações, o capitalismo russo ressente-se duramente de uma escassez de regulamentação, legislação e cumprimento das regras. Mais: além da ausência de leis, a economia russa atravessa uma aguda falta de empresários. "A mentalidade empresarial russa é muito deficiente em itens como desejo do consumidor, estudos de mercado e orientação de produto", disse um analista. Qualquer que seja a interpretação, a tentativa de espremer o equivalente a 200 anos de industrialização em apenas uma década teve seu preço. O crescimento estagnou-se e as finanças públicas sofreram uma escassez de arrecadação de impostos, forçando o governo de Boris Yeltsin a contar com investidores estrangeiros para obter capital emitindo GKOs, títulos do governo que são, de fato, apenas promissórias assinadas pelo governo. Logo depois da crise asiática, no entanto, os investidores se tornaram mais avessos ao risco, exigindo taxas de juros exorbitantes para emprestar dinheiro a países financeiramente suspeitos. Com suas reservas de ouro e moeda estrangeira esgotadas pelas tentativas de segurar o rublo, o governo da Rússia, sem dinheiro para pagar suas dívidas, teve simplesmente de pedir moratória da dívida interna e externa e lançar mão de um programa que, na prática, representa um calote parcial de boa parte dos recursos que os bancos ocidentais, especialmente alemães, despejaram na Rússia ao longo dos últimos 18 meses. Inicialmente, parecia que a injeção de dinheiro do FMI cobriria ao menos todos os custos de serviço da dívida pelo menos até o fim do ano. Mas o alívio foi mais breve que o esperado. Os investidores continuaram a retirar fundos da Rússia, colocando uma pressão para baixo sobre a moeda e tornando mais difícil o pagamento da dívida externa. Depois, o pedido de George Soros por uma desvalorização, em uma carta publicada no Financial Times na semana passada, provocou uma falta total de confiança. As autoridades russas tinham poucas opções além de desvalorizar o rublo e reestruturar o pagamento das dívidas. Essa reestruturação só poderia ter sido compulsória. No lado positivo, a desvalorização restaurará a competitividade internacional do país ao tornar seus produtos de exportação mais baratos, o que aumentaria sua conta de capital. Companhias petrolíferas em particular, responsáveis por grande parte do PIB, devem ser beneficiadas. Se os lucros das companhias de petróleo aumentarem, as autoridades públicas devem conseguir arrecadar mais impostos, o que ajudará a restaurar a saúde das finanças públicas. Mas há sérias dúvidas a respeito da habilidade da economia russa de superar o desafio de resolver os seus problemas principais por meio da exportação, como fizeram alguns países asiáticos depois de desvalorizações. Há temores de uma volta à hiperinflação conforme as importações tornarem-se cada vez mais caras. O professor Brian Henry, da London Business School, disse que a única grande realização da Rússia nos últimos anos foi a diminuição da inflação, que é de apenas 5%. "O perigo é que a jóia da coroa econômica perca-se se os preços dispararem agora", disse. "Nesse caso, estamos falando de problemas sociais realmente sérios - um cenário de pesadelo."