IE/UNICAMP – Pós-Graduação – Disciplina: Economia Brasileira Contemporânea Aluna: Júlia Vidal Bellinetti (RA 115557) Questão-síntese: Parte I – A crise da Dívida: Dinâmica e Implicações Ricardo Carneiro em “Desenvolvimento em crise. A Economia brasileira no último quarto de século XX” trata, entre outras coisas, da crise da dívida da década de 1980, que levou a desorganização da economia brasileira, com estagnação e hiperinflação. No capítulo terceiro, no qual discute a ruptura do financiamento externo, afirma que nesse período houve uma piora dos termos de troca e um racionalmente violento do financiamento para os países latinos americanos. O capítulo objetiva traçar a trajetória do financiamento externo. Inicia-se a discussão reforçando a ideia que esse racionamento começou com a reafirmação da hegemonia norte- americana depois da fragilidade da posição desse país na década de 1970. Para isso os Estados Unidos elevaram a taxa de juros, obrigando os demais países a obterem superávits comerciais para financiar seus déficits na conta de capital, além de terem de adotar políticas monetárias e fiscais restritivas para reduzir a absorção doméstica. Tirou-se assim o dinamismo do crescimento da idade do ouro. No Brasil, a situação não é diferente. O período é marcado pela transferência de recursos para o exterior pelo pagamento de serviços e amortização da dívida externa. Carneiro indica distinção clara entre dois períodos, delineados especialmente pela ruptura do mercado internacional de crédito em 1983, com a moratória do México. O período de 1979-1982 é caracterizado pela contração da liquidez internacional, que tem inicio com o racionamento de crédito por parte das instituições bancárias. Só a absorção de recursos reais pela transferência de recursos financeiros via perda de reservas acumuladas. O motivo é que há um maior crescimento da dívida líquida diante da dívida bruta, o que demostra insuficiência de endividamento adicional para cobrir déficits em transações correntes. O déficit em transações correntes ocorre devido à carga de juros, tornando-se seu principal componente. O segundo choque do petróleo em 1979 tem impactos maiores do que o primeiro choque teve, pois além da elevação da taxa de juros já há um elevado estoque da dívida e maior participação dos financiamentos a taxas flutuantes. Outro ponto importante de destaque do período é o esgotamento temporário do processo convencional de estatização da dívida. No entanto, como aponta Carneiro há grande expansão de operações de repasse dado à limitação de crédito. Em suas palavras “rompe-se, assim, a divisão tradicional entre captação direta pelo setor público, empresas estatais e grandes empresas, notadamente multinacionais, e utilização de recursos de repasses pelas empresas privadas nacionais” (pág. 125). O período seguinte de 1983-1989 é marcado pela transferência de recursos para o exterior, o autor ainda divide esses anos em três subperíodos. (1) De 1983 a 1984, com transferências de recursos reais maiores que os recursos financeiros. Isso leva a acumulação de reservas, uma vez que há obtenção de superávits em transações reais. (2) De 1985 a 1986, com transferências de recursos reais menores a de recursos financeiros. Há assim perda das reservas, já que a recuperação da absorção doméstica diminui o superávit comercial, ao mesmo tempo em que há redução dos financiamentos externos. (3) A partir de 1987, novamente há transferências de recursos reais maiores que os recursos financeiros. Houve elevadas transferências aos credores externos, o que resultou em pequena acumulação de reservas internacionais. Mesmo com a moratória brasileira o acúmulo de reservas foi baixo, pois havia ainda elevada absorção doméstica. Já entre 1988 e 1989, as transferências para o exterior foram elevadas, sem precedentes, pois houve pagamento dos atrasados aos bancos comerciais e amortização de parcela da dívida. Na tabela 23 (pág. 130) Carneiro mostra dados que sustenta que o país não apenas pagou a maior parte dos juros da dívida, como também uma parcela do principal. Assim, houve redução real do endividamento. Pra o período 1982-1983 a renegociação da dívida externa brasileira com o FMI levou a uma centralização no Banco Central, com um duplo movimento de estatização da dívida, relativo ao principal e aos juros. A dívida vincenda seria refinanciada automaticamente, setor particular optou por pré pagamento do principal. E o Bacen pode remanejar seus recursos para pagamentos de juros do setor público. Em 1985-1987 houve ampliação da estatização da dívida pelo refinanciamento dos juros juntos aos credores oficiais. Gerou-se um aumento da dívida de longo prazo de responsabilidade do governo federal e Bacen. Nos últimos anos da década, 1988-1989, a estatização foi apenas em termos relativos, pois a dívida privada foi reduzida com maior velocidade que a pública. Sobre essas discussões fica a pergunta: vale destacar que as desvalorizações cambiais ocorridas na década de 1980 levaram a um aumento do custo fiscal da dívida externa e tiveram impacto inflacionário, correto? No capítulo seguinte da obra de Carneiro discute-se como a estatização da dívida externa afetou a capacidade de crescimento da economia brasileira. As razões para o fraco desempenho econômico pode ser dividido em três intepretações diferentes. A primeira tese, defendida pelos economistas da escola da Unicamp, apontava uma restrição absoluta ao crescimento. Havia uma incapacidade de se gerar elevados superávits comerciais para fazer face ao serviço da dívida. O crescimento só seria possível na fase de recuperação do ciclo, em que haveria utilização da capacidade produtiva ociosa. A segunda tese era defendida por Delfim Netto, então ministro, é se caracteriza pela possibilidade de crescimento com uma restrição relativa. Segundo Delfim, era preciso que o coeficiente de exportação fosse maior que o de importação. Para isso, adotou-se uma política cambial ativa, com maxi e minidesvalorizações. Buscava-se a alteração dos preços relativos. A crítica de Carneiro sobre essa tese é de que não havia uma estrutura produtiva que sustentasse a proposta. A terceira tese, defendida por Castro & Souza, é a de que não haveria restrição ao crescimento. Segundo essa abordagem, não há limitação ao crescimento, pois a superação da crise cambial era o resultado das mudanças estruturais resultantes da implantação do II PND e não da política de ajustamento. Neste ponto, vale recorrer ao texto original de Castro & Souza “A Economia Brasileira em Marcha Forçada”. No trabalho ao qual apresentam sua tese, fica mais claro em suas próprias palavras “ninguém ignora que as ‘ políticas recessivas contribuíram para a contenção do déficit de transações correntes ao longo dos anos 80’. O grave é não perceber que os resultados alcançados nos mais recentes anos dependem primordialmente da substituição dos grandes programas setoriais, para o aumento das exportações” (pág. 73). Nesse capítulo quarto o economista assegura que todas as variáveis econômicas apresentaram elevado grau de instabilidade, dado os breves períodos que se alternavam entre expansão e recessão. O investimento teve um fraco desempenho, pois houve uma dissociação entre investimentos privados e públicos. O padrão de ajustamento da década utilizou-se de cortes no investimento para realizar o ajuste fiscal. Isso levou a um decréscimo dos investimentos do setor produtivo estatal, a insustentabilidade dos gastos público e baixo investimentos privados. O consumo que, em média, na década teve queda oscilou bastante. De 19811983 há contração elevada de bens duráveis devido ao momento recessivo. De 1984a1986 há aceleração do crescimento do consumo depois do período recessivo, especialmente dos bens duráveis. A inserção da estrutura produtiva brasileira no mercado internacional deu-se somente porque houve incentivos e subsídios, deterioração da relação cambio/ salários, defasagem de preços e de tarifas públicas e possibilidade de subfaturamento das exportações. Portanto, nem sempre essa inserção foi realizada em bases competitivas. Por fim, o texto de Carneiro nos leva a conclusão de que o esgotamento da capacidade produtiva brasileira deu-se em especial na indústria de bens intermediários e alguns segmentos de bens de consumo, exatamente os que possuíam elevado grau de exportação. Essa afirmação invalida a argumentação de Castro de Souza. Os setores exportadores não tinham mais capacidade ociosa, não sendo possível manter o volume exportado sem ampliar a capacidade de produção.