Brasil - Austeridade com mais investimento

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Brasil – Austeridade com mais investimento
Causou grande espécie, no debate econômico brasileiro, a sugestão de que os
investimentos do setor público fossem retirados do cálculo do superávit primário. A
proposta, inicialmente feita no governo FHC pelo então ministro do planejamento,
José Serra, foi imediatamente demonizada porque se considerou que seu objetivo
era relaxar o esforço fiscal. Discutida num momento de crise aguda, a proposta de
Serra morreu no nascedouro.
Nos anos seguintes, diante da queda vertiginosa dos investimentos do governo em
infra-estrutura, o assunto veio à baila e acabou resultando, já na gestão Lula, na
instituição do Projeto Piloto de Investimento (PPI). O PPI é justamente a retirada,
do cálculo do superávit primário, de um determinado bloco de investimentos
escolhidos de forma discricionária pelo governo - para este ano, foram R$ 3
bilhões. Não se conhece ainda uma avaliação detalhada da experiência, mas sabese que, concebida sob forte desconfiança da equipe econômica, ela não alavancou
os investimentos necessários para melhorar a infra-estrutura do país.
Eis que, agora, dois economistas do IPEA - Alexandre Manoel Angelo da Silva e
Manoel Carlos de Castro Pires - resolveram fazer um interessante e revelador
estudo sobre a possibilidade de o governo aumentar os investimentos públicos,
mantendo a austeridade fiscal e assegurando a sustentabilidade da relação entre
dívida pública e PIB. Trata-se de uma bela contribuição ao debate, especialmente,
em um ano eleitoral.
Numa rápida digressão, os dois economistas lembram que, nos anos de inflação
crônica, os governos mantinham a dívida pública sustentável graças às receitas que
apuravam com a senhoriagem. A perda de valor da moeda ajudava sobremaneira o
governo a reduzir suas despesas e compromissos. Com o Plano Real, houve uma
redução drástica nas receitas de senhoriagem. No início do Real, o governo
compensou isso com as receitas da privatização.
Com a perda de ímpeto do processo de desestatização - a rigor, a última grande
privatização ocorreu em julho de 1998, com a venda do Sistema Telebrás - e a
debacle do regime de câmbio fixo, a dívida pública explodiu, forçando o governo a
iniciar o ajuste fiscal, caracterizado pela geração de superávits primários nas contas
públicas. Desde então, o que se verificou foi o aumento da rigidez orçamentária,
além da contínua redução no volume de investimentos públicos.
Em 1997, segundo dados do ministério do planejamento, as despesas
discricionárias da União chegaram a 22% do orçamento. Em 2003, caíram para
11%. No caso dos investimentos do setor público consolidado, que incluem as
aplicações da União, Estados, Municípios e estatais, eles recuaram de 4,2% do PIB,
em 1998, para 3,5% do PIB em 2004 - a tragédia é maior nos investimentos do
governo federal (sem as estatais), que caíram de 0,93% do PIB em 2000 para
0,50% do PIB no ano passado.
Poupança em conta corrente ou superávit?
Simultaneamente ao corte dos investimentos, os governos FHC e Lula elevaram
fortemente a carga tributária. Esse modelo de ajuste fiscal, embora tenha
assegurado a sustentabilidade da relação dívida/PIB nos últimos anos, parece
próximo do esgotamento, pelo menos do ponto de vista político. Na gestão Lula, as
metas de superávit ainda foram elevadas, criando restrições para o crescimento do
PIB.
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No estudo intitulado "Dívida Pública, Poupança em Conta Corrente do Governo e
Superávit Primário: Uma Análise de Sustentabilidade", Angelo da Silva e Castro
Pires propõem que a política fiscal passe a perseguir, em vez de uma meta de
superávit primário, uma meta de poupança corrente do governo. Os dois
economistas fizeram a proposta após constatar, por meio de resultados empíricos
obtidos a partir da aplicação de mais de um modelo teórico, que é possível adotar o
novo conceito, mantendo a austeridade fiscal e, portanto, a sustentabilidade da
relação dívida/PIB.
A poupança em conta corrente seria calculada da seguinte maneira: o total de
tributos, subtraídos os gastos correntes (custeio, transferências correntes/capital e
inversões financeiras). "Esse conceito difere do resultado primário tão-somente
porque exclui o investimento público líquido de seu cálculo", explicam os
pesquisadores do IPEA. Considerando-se, por exemplo, que, de janeiro de 1999 a
junho de 2005, o investimento médio do setor público consolidado foi de 3,4% do
PIB ao ano, excluindo-se esses investimentos da meta de superávit, a poupança em
conta corrente do governo seria de 7,65% do PIB.
As simulações feitas por Angelo da Silva e Castro Pires mostram que, num cenário
em que a taxa de juros real é 12%, a trajetória da dívida pública é insustentável
tanto com a manutenção do atual superávit primário (4,25% do PIB), quanto com a
adoção da meta de poupança em conta corrente. Com taxas de juros abaixo disso o juro real hoje está em torno de 10,3% -, o efeito dos dois instrumentos sobre a
trajetória dívida pública é muito parecido.
A vantagem da meta de poupança corrente é que ela permite reduzir de forma mais
acelerada a taxa de juros real e elevar a taxa de expansão da economia, na medida
em que contribuiria para aumentar dos investimentos da economia. "Em virtude de
não penalizar a elevação do estoque de capital - um dos determinantes do
crescimento econômico -, o conceito de poupança em conta corrente do governo
mostra-se economicamente mais adequado que o de superávit primário", defendem
os dois economistas do IPEA. "Os resultados apresentados (nas simulações)
sugerem que a implementação de uma meta fiscal embasada na poupança em
conta corrente, com sucessivas elevações no investimento público, não tornaria a
política fiscal irresponsável nem colocaria a relação dívida/PIB em uma trajetória
explosiva."
Angelo da Silva e Castro Pires reconhecem que há riscos na execução da proposta.
Um exemplo: um governo mal-intencionado pode transformar gasto corrente em
investimento. Por isso, eles sugerem a inclusão de cláusula na Lei de
Responsabilidade Fiscal, instituindo punição exemplar para quem fizer isso.
Propõem também o monitoramento por parte dos tribunais de conta.
Fonte
ROMERO, Cristiano. Brasil – Austeridade com mais investimento. Valor Econômico,
[S.l.],
12
jul.
2006.
.
p.
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Disponível
em:
<http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=281884>. Acesso em:
21 ago. 2006.
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