A ESCOLA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO DOCENTE: FUNÇÕES E PRÁTICAS DA EQUIPE TÉCNICO-PEDAGÓGICA Márcia Maria e Silva Fundação Municipal de Educação de Niterói (FME) Este trabalho é um relato de experiências do cotidiano de uma escola da rede municipal de Niterói. Destaco desse universo a ação do supervisor educacional em parceria com diretor, orientador educacional e professores. Para que o caminho de reflexão a ser apresentado aqui faça sentido é importante destacar que procuro fazer com que as ações na escola sejam um movimento de pesquisa. Da mesma forma, faço da escolha por pesquisar educação uma permanente relação com as práticas na escola. Essa opção se justifica no compromisso de redimensionar práticas educacionais que ainda se mostram presas a uma racionalidade que deve ser ultrapassada por não mais corresponder às demandas da contemporaneidade: Apoiada em teorias que fortalecem uma perspectiva de pesquisa que assume a dúvida como método, que rejeita a neutralidade como condição para se chegar a verdade, que rejeita a própria noção de verdade absoluta, questiono uma objetividade que não se assume submetida a critérios de aceitação do observador: (...) quando o observador não se pergunta pela origem de suas habilidades cognitivas e as aceita como propriedades constitutivas suas, ele atua como se aquilo que ele distingue preexistisse à sua distinçao, na suposição implícita de poder fazer referência a essa existência para validar seu explicar. A este caminho explicativo dou o nome de caminho explicativo da objetividadesem-parênteses. (...) afirmamos que somos objetivos porque dizemos que o que falamos é válido independente de nós. Ao mesmo tempo, neste caminho explicativo toda verdade objetiva é universal, ou seja, válida para qualquer obsevador, porque é independente do que ele faz. ( MATURANA ,2002: 45,47) Na busca de um outro caminho de observação, o da objetividade-entreparênteses, venho procurando compreender as diferentes “coerências” identificadas na escola não como erros, mas como diferentes modos de compreender a realidade a partir de distintos caminhos de construção da vida. Sendo assim, a ação do educador exige pesquisa, atenção, reflexão. Avançar do lugar que pressupunha uma intervenção coercitiva, justificada na obediência para um lugar fundado na cooperação, na 2 compreensão do outro como legítimo outro na convivência (2002) é a expressão de um compromisso. Na tentativa de captar o fluxo da escola com um olhar pesquisador, assumo não poder ser esse relato uma resposta acabada, pronta e aplicável a todas as situações semelhantes vividas em outros espaços escolares. Trata-se de uma experiência compartilhada. Pode provocar instigações que enriquecem o movimento de mudança dos que se identificarem com as questões aqui tratadas. Posso afirmar que esse compartilhamento é uma oportunidade de redimensionar o trabalho, de rever questões, de perceber novas possibilidades, de olhar de outras perspectivas os mesmos fatos. Isso tem sido um caminho de aperfeiçoamento do meu ser professora, educadora, humana. Expor-me ao diálogo com outras pessoas, de municípios e estados diferentes, muito favorece esse crescimento. O contexto em que essas questões se apresentam é da rede municipal de educação de Niterói, onde desde 1999, o sistema de ciclos está em processo de implementação. Desde de fevereiro deste ano, após ser convocada para assumir a função de supervisora educacional, exonerei-me da função de professora de língua portuguesa que já há seis anos assumia na mesma rede. Acrescento que venho atuando na rede pública estadual do Rio de Janeiro, em diferentes municípios, há pelo menos quinze anos. Escolho ser educadora reflexiva de minha própria prática. Considero importante que o lugar de onde falo seja definido de modo que sirva de suporte para a compreensão do caminho de construção dos argumentos que serão aqui apresentados. Este novo exercício muito me instiga por conseguir identificar nele uma grande possibilidade de fortalecimento do trabalho pedagógico da escola. Ao dizer assim, refiro-me às interações potencializadoras dos envolvidos no cotidiano escolar, em especial, professores, alunos e equipe técnico-pedagógica. Acredito que a escola possa cumprir seu papel de formadora não somente dos alunos, considerados público-alvo de toda a ação pedagógica, mas também dos professores, que embora não reconhecidos na escola a partir dessa perspectiva, podem e devem, do meu ponto de vista, ser ao mesmo tempo geradores e também alvo de nossas ações formadoras? Nesse sentido, a escola pode ser compreendida como um espaço de formação onde interagem diferentes culturas e diferentes gerações: A educação deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar a assumir a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar cidadão..(MORIN,2000: p.65) 3 A função do professor teoricamente compreende conhecimentos específicos, conhecimentos da realidade da escola pública, em especial da escola pública de Niterói; compreende ainda a necessidade de conhecimentos de práticas compatíveis à realidade na qual passa a interagir. Sabemos que, embora essa possa ser uma expectativa, na prática, existem mais dúvidas do que certezas. Sabemos, na prática, que determinadas certezas tendem a cristalizar ações e gerar dificuldades não só de relacionamento entre as partes envolvidas mas também um risco para as possibilidades de aprendizagem emancipatória. Por que não pensarmos na escola como um espaço de cooperação em que as potencialidades individuais sejam compartilhadas ? Por que não buscar construir um espaço de convivência onde se possa assumir, sem medo, um não saber que abra possibilidades de novos conhecimentos? Por mais que acumulemos experiências em diferentes espaços, o novo é sempre um desafio. Em cada escola, há um outro público. Cada escola é um local diferente, onde circulam histórias diferentes, que geram diferentes fluxos. A própria escola torna-se um outro lugar a partir de diferentes tempos-espaços vividos por diferentes pessoas que por ela passam ou que nela permanecem. A partir disso, os encontros na escola entre professores não devem pressupor uma prontidão. A equipe técnico-pedagógica pode gerar situações em que os professores e ela mesma aprendam a inventar uma outra escola. É essa compreensão que me mobiliza a mais esta experiência compartilhada. Compreendo ter um professor uma função de pedagogo, da mesma forma que considero a função do pedagogo uma ação docente. Não no sentido de que seus papéis sejam substituíveis entre si na escola, mas por ser o pedagogo um educador também responsável pela formação docente em serviço, uma vez que cabe a ele articular reflexões-ações em espaço de coletividade. Esse movimento gera uma reformulação no sentido de ser-educador. As ações de ensino-aprendizagem por diferentes meios deve irradiar para a comunidade escolar, indo para além dos professores, tocando todos os profissionais de educação que atuam na escola, e também os pais. Trataremos, neste recorte, especificamente da relação entre equipe técnicopedagógica, professores e alunos. Ao chegar a escola, olhei-a com a dúvida. Como atuar sem conhecer a escola? O que a escola esperava de mim? Entendia que deveria me pôr à disposição do grupo numa perspectiva de aprendizagem. 4 Nós ( diretora, supervisora, orientadora) nos encontramos, num tempo-espaço tenso, como três pedagogas voltadas para interesses semelhantes, embora formadas em épocas diferentes, com percursos de formação também relativamente distintos e com uma visível disponibilidade de, na medida possível para o momento, abrir as portas para o diálogo capaz de flexibilizar as barreiras que se impõem nas habilitações específicas de cada função. Isso nos faz vivenciar, na prática, um movimento de ruptura, de um processo de formação de pedagogos especialistas. Maria Felisberta Baptista da Trindade, no artigo em que recupera a história da reformulação do currículo do curso de graduação em Pedagogia na Universidade Federal Fluminense em 1992, diz que, nesse processo, “alguns defendiam que as habilitações dos especialistas em educação deveriam ser proporcionadas em nível de pós-graduação latu-sensu. A partir dos estudos e discussões realizados pelos professores do curso nesse período, supera-se o modelo anterior de currículo ao qual, após um período de disciplinas consideradas básicas, se sobrepunha o período profissionalizante. Instala-se assim um currículo em rede. Já não há um primeiro momento onde se trata da teoria para, em seguida, se tratar da prática. Agora desde o primeiro período, os alunos têm a pesquisa como eixo articulador dos diversos componentes curriculares. (1999: p.91) Entendo que sejamos fruto dessa tensão. A formação inicial da orientadora educacional precede a reformulação mencionada, uma vez que ela foi aluna da UFF antes de 1992. Eu ingressei nesse curso em Angra dos Reis, na época que lecionava lá pelo Estado do Rio de Janeiro e pela rede particular. A UFF vivia esse período de transição. Em caráter experimental o novo currículo era implementado no município de Angra dos Reis. Embora morasse no município do Rio de Janeiro, prestei vestibular em Angra dos Reis, passando a fazer parte da primeira turma de Pedagogia nesse novo currículo. A diretora, por sua vez, tem sua formação pedagógica em outro espaço e também em outro época. Isso demonstra uma disponibilidade. Apesar de formações diferentes, de concepções também diferentes, a urgência do acontecimento das aprendizagens na escola forçam a flexibilidade. Aqui todos trabalham por todos, diz a diretora, no compromisso de mais um pouco me fazer compreender o fluxo já instaurado na escola e, de certa forma alertando para a necessidade de uma ação conjunta, quero chamar de participativa. Fomos identificando juntas as demandas do momento: problemas ortográficos nas escritas das crianças; a necessidade de continuar abrindo espaços para a formação 5 do leitor-escritor; número significativo de crianças portadoras de necessidades educacionais especiais, sinalizando para a importância de uma interlocução pedagógica mais fundamentada entre professores da sala inclusiva e professor da sala de recursos( específicas para o atendimento às crianças especiais); alguns ainda não alfabetizados cursando o 5° ano de escolaridade; professores de educação infantil sem formação específica e sem prática efetiva nessa área; índice gritante de preconceito de todo tipo entre crianças e adultos, chamando os professores à reflexão sobre as ações possíveis para transformar preconceito em reflexão e respeito; o desafio para a reconfiguração do conselho de classe, tornando-o um espaço-tempo de reflexão e organização de ações pedagógicas efetivas. Muitas são as frentes de trabalho. Cada uma dessas questões vem sendo desdobrada em práticas pensadas coletivamente. Entendo que, por essas e tantas outras razões, é importante conceber o pedagogo da perspectiva de sua função formadora de si enquanto tal e dos demais atores das instituições educacionais, em permanente diálogo com as universidades, gerando uma dinâmica de diálogo pertinente e atualizado. Assim, os processos formativos vão se configurando na vivência das experiências cotidianas, levando os envolvidos no processo a caminhos de aprofundamento no conhecimento das questões pedagógicas. A escola, então, se mostra como um importante espaço de pesquisa, de ação pedagógica, de formação para todos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte:UFMG, 2002. MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. TRINDADE, Maria Felisberta Baptista da. A reformulação do curso de pedagogia da UFF: uma construção democrática. In: SOUZA, D. B. de; CARINO, J.(orgs.). Pedagogo ou professor?: o processo de reestruturação dos Cursos de Educação no Rio de janeiro. Rio de Janeiro: Quartet,1999.