239 ABDOME AGUDO ISQUÊMICO Dr.Luiz Alberto Costa A oclusão de artérias ou veias principais do território mesentérico configura um evento de proporções potencialmente catastróficas. Essa oclusão, apesar de grave, é causa incomum de emergência abdominal em nosso meio. INCIDÊNCIA e PREVALÊNCIA É uma alteração que acomete de forma predominante os pacientes idosos. A rapidez do diagnóstico é fator essencial para o sucesso do tratamento. A mortalidade geral de 90% é atribuída ao diagnóstico tardio. ETIOLOGIA/FISIOPATOLOGIA A embolia arterial mesentérica ocorre em 30% dos casos graves. Os êmbolos se formam mais comumente na parede do ventrículo esquerdo infartado, ou são conseqüência de coágulos que se formam no átrio em um paciente com fibrilação atrial crônica ou estenose mitral A trombose da artéria mesentérica ou de seus ramos principais ocorre em 25% dos casos, como conseqüência de doenças da camada íntima dos vasos, como a aterosclerose. Esses pacientes costumam apresentar queixas pregressas sugestivas de angina mesentérica (dor abdominal pós-prandial, chamada de claudicação intestinal). Outras causas de oclusão arterial aguda, que representam 20% dos casos, são: -aneurisma dissecante de aorta e; -aneurisma aórtico fusiforme em progressão. Oclusão de artérias menores do território mesentérico está geralmente associada com doença do tecido conectivo ou alterações sistêmicas da coagulação. O uso crônico de cocaína também pode estar associado ao quadro. A trombose da veia mesentérica superior pode estar associada com hipertensão portal, “sépsis”/trauma abdominal e estados de hipercoagulabilidade sangüínea (uso de anticoncepcionais orais, síndromes antifosfolípide e 240 anticoagulante lúpico). Alguns quadros se instalam mais perifericamente ou de maneira insidiosa, causando isquemia segmentar, estenoses e obstrução intestinal. Outros são de instalação abrupta e causam isquemia progressiva. A conseqüência final depende fundamentalmente da existência de colaterais e outros fatores anatômicos locais. O dano tecidual começa por voltas de três horas após a oclusão e inicia-se pela isquemia das vilosidades, que ulceram e sangram. Ocorre proliferação bacteriana e a infecção contribui para a trombose de outros vasos. A toxemia resultante contribui para alterações sistêmicas, como a translocação bacteriana. Em cerca de 25% dos pacientes com isquemia intestinal, a oclusão arterial não envolve uma veia ou artéria principal (embora a estenose geralmente esteja presente). Na presença de arritmias ou sépsis, ocorre a vasoconstrição esplâncnica e o intestino torna-se isquêmico, devido a baixas pressões e baixo fluxo de perfusão. Essa isquemia afeta principalmente as vilosidades, que permanecem isquêmicas enquanto o quadro persiste. O quadro clínico de dor abdominal aguda é semelhante àquele da trombose arterial, sendo que o início geralmente é insidioso. A isquemia decorrente do comprometimento arterial leva ao infarto intestinal em um período de aproximadamente 6 horas. QUADRO CLÍNICO A dor abdominal de origem vascular geralmente reflete importante envolvimento intestinal e lesões que podem ser irreversíveis. Trata-se de dor severa, sem localização definida e que geralmente não responde a analgésicos potentes. Nessa fase, os achados físicos são desproporcionais à intensidade da dor, o que é característico da dor isquêmica. Náuseas, vômitos, diarréia e constipação são eventos de ocorrência variável. Eventualmente pode ocorrer isquemia intestinal severa com quadro de dor menos intensa. A real gravidade desses doentes será identificada quando ocorrer o desenvolvimento da sépsis secundária. Choque e peritonite generalizada são achados tardios, já em fase irreversível. Conteúdo de aspirado gástrico sanguinolento ou sangue nas fezes aparecem em 75% a 90% dos pacientes em fases mais tardias. A paracentese abdominal não auxilia no diagnóstico. 241 DIAGNÓSTICO Não existem exames específicos. As alterações laboratoriais mais freqüentes são leucocitose e aumento da amilase sérica em metade dos pacientes. EXAMES DE IMAGEM: RX simples de abdômen: Os achados podem variar de ausência de gás na luz intestinal a distensão de todo delgado, com presença de níveis hidro-aéreos. Um segmento intestinal distendido, liso, de paredes finas e que permanece inalterado por horas pode ser sugestivo de isquemia. Tardiamente podem ser identificados sinais de necrose, como presença de ar na parede intestinal e na veia porta (pileflebite). Ultra-som abdominal: pode ser útil para descartar outras causas de abdome agudo. A utilização do doppler é importante na detecção e quantificação dos fluxos arteriais e venosos abdominais. Tomografia abdominal (TC): proporciona informações importantes em 50% dos pacientes, principalmente quando se utilizam aparelhos espirais e com contraste arterial. É importante ter em mente que todo exame que utiliza contraste endovenoso deve ser precedido por uma avaliação da função renal. Na indicação do exame deverá ser considerada a gravidade da emergência cirúrgica e as conseqüências de um eventual retardo de diagnóstico. A TC é ainda é o exame de escolha para o diagnóstico das complicações de aneurismas de aorta em muitos locais. A utilização da angiorressonância magnética (um exame de alta precisão que não se utiliza de contrastes nefrotóxicos) é o procedimento de escolha em centros mais avançados. Arteriografia seletiva: permite diagnóstico do nível de oclusão e pode ser terapêutica, através da utilização de medicamentos trombolíticos ou colocação de “stents” arteriais. Angiorressonância de território mesentérico: Permite diagnóstico de oclusão arterial, substituindo a angiografia diagnóstica. Estuda principalmente troco celíaco e artéria mesentérica superior, com resultados menos evidentes no estudo da artéria mesentérica inferior, pelo menor volume do fluxo arterial nessa região. 242 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Pancreatite aguda e hérnia interna estrangulada podem ser difíceis de diferenciar de um quadro de oclusão vascular mesentérica. A primeira pode ser diagnosticada pelos níveis elevados de amilase ou por achados na TC. A segunda é patologia de tratamento eminentemente cirúrgico. CONDUTA DO SERVIÇO O diagnóstico e o tratamento cirúrgico nas 12 primeiras horas de evolução é essencial. É importante lembrar que a grande maioria dos óbitos ocorre como conseqüência da demora no diagnóstico. O diagnóstico deve ser considerado em qualquer paciente idoso com dor abdominal que seja e portador de fatores de risco como: fibrilação arterial, história de infarto do miocárdio (com comprometimento de função cardíaca) ou portadores de doença arterial, como aterosclerose ou vasculites. Pacientes admitidos por dor abdominal intensa (necessitando medicação sintomática enquanto os exames são realizados) sem alterações ao exame físico abdominal, portadores de uma condição de risco, devem ser exaustivamente estudados, com objetivo de estabelecer o diagnóstico o mais rapidamente possível. Os períodos de observação devem ser curtos, com reavaliações constantes e minuciosas. A anamnese deve ser cuidadosa, destacando antecedentes mórbidos e medicação em uso. O exame físico deve ser completo, com ênfase na pesquisa de arritmias, sinais de arteriosclerose periférica e carotídea (palpação das artérias e ausculta de sopros), ausculta abdominal e toque retal. Deve sempre ser considerado que pacientes idosos demoram a evidenciar sinais de irritação peritonial. Deverá ser utilizado, com alguma liberalidade, todo o procedimento diagnóstico disponível para um estudo preciso da patologia. Métodos diagnósticos mais sofisticados como a angiorressonância magnética podem ser decisivos na indicação de conduta. A arteriografia seletiva que permite um diagnóstico preciso e eventualmente pode ser terapêutica. 243 INDICAÇÃO CIRÚRGICA A indicação de cirurgia em um paciente idoso deverá ser precisa e raramente deverá ser utilizada a laparotomia exploradora diagnóstica, salvo casos onde ocorra nítida deteriorização do estado geral, com descompensação hemodinâmica. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO Sem sinais de gangrena intestinal: deverá ser pesquisado pulso no Tronco Celíaco, artéria mesentérica superior (AMS) e artéria mesentérica inferior (AMI). Observar a existência de pulso no mesentério das alças de intestino delgado e congestão venosa local. O retroperitônio deverá ser observado em busca de sinais de hematomas ou de aneurismas. Ausência de pulso arterial em tronco celíaco ou AMS em pode indicar a existência de oclusão arterial aguda. Alguns serviços contam com a possibilidade da utilização de US-doppler intra-operatório, que deverá ser utilizado para confirmação diagnóstica. Procedimentos como embolectomia ou “by pass”, com utilização de próteses vasculares poderão ser necessários. As equipes de Cirurgia Vascular deverão ser acionadas. A utilização de anticoagulação sistêmica depende de cada caso. Sinais de gangrena intestinal segmentar: o segmento deverá ser ressecado e as opções de reconstrução imediata ou em segundo tempo serão analisadas caso a caso. A viabilidade do segmento remanescente poderá ser aferida observando sangramento arterial na margem de seção do intestino. Um “stoma” permite, além de prevenção de complicações decorrentes de fístulas, uma observação da viabilidade da margem de ressecção da alça. Se o diagnóstico for oclusão arterial com gangrena segmentar e apenas parte do intestino estiver viável, a conduta será a ressecção do segmento afetado, reconstrução primária e re-operação programada em 48 horas, para avaliar eventual progressão da isquemia. Se o achado cirúrgico for gangrena de todo o intestino delgado e parte do colo direito, será analisado o estado geral do paciente. Indica-se ressecção apenas nos pacientes hemodinamicamente estáveis, com reconstrução imediata do trânsito ou confecção de “estomas”. Uma reoperação será programada como no caso anterior. 244 Esses pacientes serão incluídos em programas de nutrição parenteral prolongada e referendados a centros de tratamento especializados para acompanhamento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Farber MA, et al. Distal thoracic aorta as inflow for the treatment of chronic mesenteric ischemia. J Vasc Surg 2001; 33:281 2. Leduc FJ, et al. Acute mesenteric ischaemia: minimal invasive management by combined laparoscopy and percutaneous transluminal angioplasty. Eur Surg 2000; 166:345 3. Vicente DC, et al. Acute mesenteric ischemia. Cuff Opin Cardiol 1999; 14:453 RESUMO ESQUEMÁTICO ADMISSÃO DO PACIENTE identificação de riscos; exame físico minucioso Avaliar Diagnósticos Diferenciais: Pancreatite Hérnia estrangulada Confirmação Causa não vascular Causa vascular Conduzir adequadamente Hemograma/enzimas específicas Urina I RX rotina de abdome agudo US abdominal com doppler CT abdome com contraste EV Angiorressonância Avaliar possibilidade de terapêutica endovascular Tratamento cirúrgico