CONFLITOS, INTEGRAÇAO E MUDANÇAS SOCIAIS O PAPEL DA NORMAS JURÍDICAS ANA LUCIA SABADELL I – INTRODUÇÃO II -TEORIAS FUNCIONALISTAS E DO CONFLITO SOCIAL III -ANOMIA E REGRAS SOCIAIS IV -O DIREITO COMO PROPULSOR E OBSTÁCULO DA MUDANÇA I – INTRODUÇÃO 1. DIREITO: tem como objetivo principal estabelecer regras explícitas e coerentes que visam a regular o comportamento social, regras susceptíveis de mudança. 2. SOCIOLOGIA: estuda o comportamento humano no âmbito social, a partir de modelos que são o resultado de um processo de construção social da realidade e acabam padronizando as relações que se estabelecem entre os indivíduos por meio de regras sociais.O estudo das relações sociais requer a analise das regras da organização social dos conflitos e das mudanças. Os grupos de poder ao impor uma ordem social criam conflitos que podem levar a uma mudança social 3. SOCIOLOGIA JURÍDICA: ANALISA OS FENÔMENOS DO CONFLITO, DA INTEGRAÇÃO SOCIAL DAS MUDANÇAS SOCIAIS QUE SE EXPRESSAM ATRAVÉS DO SISTEMA JURÍDICO. II -TEORIAS FUNCIONALISTAS E TEORIAS DO CONFLITO 1. Macro-sociologia: examina a sociedade como um todo, ou seja, como um complexo sistema social. Micro-sociologia: examina a interação entre os indivíduos e entre os pequenos grupos. As principais teorias de sociologia moderna são do tipo macrosociológico: as teorias funcionalistas e as teorias do conflito social. 2. Teorias Funcionalistas 2.1. São teorias de integração social. Partem de uma visão única: a sociedade funciona como uma máquina. 2.2. Características: - A sociedade distribui papeis e recursos (dinheiro, poder, prestigio, educação) aos seus membros que são peças da máquina. - A sua finalidade é a sua reprodução através do funcionamento perfeito de seus vários componentes. - Os seus membros estão integrados num sistema de valores, compartilham os mesmos objetivos, aceitam as regras vigentes e se comportam de forma adequada às mesmas. - Há mecanismos de reajustes, e redistribuição de recursos e funções, pequenas mudanças dentro de limites estabelecidos pela própria sociedade, sem afetar o equilíbrio social. - Em situação de crise e de conflito existe uma disfunção: ou os elementos de contestação são controlados e neutralizados (repressão) ou a maquina social será destruída. - As disfunções se opõem ao funcionamento do sistema social. São falhas do sistema, não possibilitando a integração das finalidades e valores sociais. 2.3. Suas falhas - Consideram a sociedade como um sistema harmônico: qualquer conflito é manifestação de patologia social - Adotam um modelo de equilíbrio social com pouco espaço aos processos de ruptura, conflito e mudança radical. - São teorias estáticas, limitando-se a descrições superficiais da sociedade. 3. Teorias do Conflito Social 3.1. São teorias que consideram a sociedade como constituída de grupos com interesses estruturalmente opostos que se encontram em luta pelo poder. 3.2. Características - Afirmam que a coação e o condicionamento ideológico são pontos fundamentais que os grupos de poder exercem sobre os demais. - As crises e as mudanças são consideradas fenômenos normais na sociedade: luta de interesses e poder. - A estabilidade é considerada como uma situação de exceção - Fundamentam-se na tese marxista : “ A história de todas as sociedades até hoje é a história da luta de classes” - Explicam o funcionamento da sociedade pela estratificação social: a sociedade é constituída de vários estratus, resultado de uma desigualdade social no acesso ao poder e aos meios econômicos. - Os marxistas afirmam a existência só de duas classes; os liberais analisam a atuação de vários estratos e elites sociais. - Para todos, o conflito e a ruptura constituem a lei principal da historia da sociedade. III -ANOMIA E REGRAS SOCIAIS 1. Significados - Situação de transgressão das normas. Ex. delinqüência. É uma ilegalidade. - Situação de conflitos de normas. Ex. serviço militar x consciência religiosa. - Situação de falta de normas num contexto social. Exemplos: o movimento da contracultura dos anos 60, a mudança de papeis da mulher na sociedade moderna, o iluminismo jurídico, uma situação de guerra. Em todas estas situações, anomia significa ausência de referências sociais. É uma crise social de caráter amplo: “não se sabe o que fazer” Este terceiro significado é o mais indicativo. Significa uma mudança social, crise de valores (contestação de regras de comportamento) e crise de legitimidade do poder político e do sistema jurídico. 2. Anomia em Durkheim - Aparece na análise que Durkheim faz do suicídio: as causas do suicídio seriam sociais, dependendo do maior ou menor grau de coesão social. - Três tipos de suicídio: egoísta, altruísta e anômico: Egoísta: falta de integração Altruísta: excesso de integração Anômico: falta de limites e regras - Anomia significa “estado de desregramento”, situação na qual a sociedade não desempenha o seu papel moderador, não consegue orientar e limitar a atividade do individuo. - Quando se criam na sociedade “espaços anômicos” - (perda de referências normativas) enfraquece a solidariedade social, destruindo o equilíbrio entre as necessidades e os meios para a sua satisfação. O individuo sente-se “livre” de vínculos sociais, levando-o a auto-destruição. 3. A anomia em Merton 3.1. Em todo contexto sócio-cultural desenvolve-se metas culturais que expressam valores e para atingi-las a sociedade estabelece determinados meios. 3.2. Estes meios são recursos institucionalizados ou legítimos que são socialmente prescritos. A utilização de outros meios, rejeitados pela sociedade, é considerada como violação das regras sociais em vigor. Ex. a meta cultural mais importante nos EUA é o sucesso, abraçando riqueza e prestigio.Como ele não pode ser atingido por todos pelos meios institucionalizados, resulta um desajuste entre meios e fins,aparecendo condutas que vão desde a indiferença até a tentativa de alcançar as metas por outros meios. 3.2. O insucesso em atingir as metas culturais devido à insuficiência dos meios institucionalizados pode produzir anomia : manifestação de um comportamento no qual as “regras do jogo “ social” são abandonadas ou contornadas. O individuo não respeita as regras de comportamento que indicam os meios de ação socialmente aceitos. Surge então o desvio, ou seja , o comportam desviante.Exemplo típico : a criminalidade e outros comportamentos não convencionais. 3.3. Merton, ao examinar a situação conflitiva entre as aspirações culturalmente prescritas( metas culturais) e o caminho socialmente indicado para atingi-las( meios institucionalizados) faz uma classificação dos tipos de comportamento, o que ele chama de modos de adaptação que exprime o posicionamento de cada individuo em face das regras sociais. Modos de adaptação Metas Culturais Meios Institucionalizados: Conformidade + + Inovação + - Ritualismo _ + Evasão _ - Rebelião +/- +/- 1. Conformidade: o individuo busca atingir as metas culturais através dos meios estabelecidos na sociedade 2. Inovação: a conduta do individuo é condizente com as metas culturais, mas existe uma ruptura com os meios institucionalizados. É inovação porque o emprego de meios socialmente reprováveis pode em certos momentos ajudar a mudança da sociedade. 3. Ritualismo: o individuo demonstra um desinteresse em atingir as metas culturais. O medo do insucesso e do fracasso produz desencanto e desestimulo. Continua respeitando as regras como um ritual. 4. Evasão: o abandono das metas e dos meios institucionalizados. Indica falta de identificação com os valores e as regras sociais. Ex. mendigos.É um comportamento tipicamente anômico. A conduta mais extrema é o suicídio. 5. Rebelião: caracterizada pelo inconformismo e pela revolta. O individuo é negativo em relação às metas e aos meios. É diferente da conduta evasiva porque propõe novas metas e novos meios. Através da combinação destes modos de comportamento, Merton propõe uma definição de sociedade anômica: é uma situação de anomia generalizada, quando a sociedade acentua a importância de determinadas metas, sem oferecer à maioria a possibilidade de atingi-las através dos meios institucionalizados. Esta discrepância favorece o comportamento inovador e leva ao crescimento dos casos de desvio: os membros da sociedade são pressionados a atingir determinadas metas, sem que seja possível para a maioria atingir este objetivo de uma forma que sejam respeitados os meios institucionalizados. 6. Conclusões sobre a anomia 6.1. A teoria da anomia de Merton significou um grande avanço por ter desenvolvido o conceito de anomia em consonância com a problemática da sociedade moderna. 6.2. Merton apresenta a cilada na qual se encontram as sociedades modernas: elas prescrevem aos indivíduos um determinado projeto de vida e ao mesmo tempo impossibilitam a concretização deste projeto Ex. ser rico, famoso e ter sucesso. Em tal situação os conflitos e violações de regras são inevitáveis. 6.3. Esta teoria explica porque os membros das classes menos favorecidas cometem a maior parte das infrações penais: sendo excluídos dos circuito dos meios institucionalizados para atingir a riqueza, recorrem à delinqüência para realizar os objetivos que a sociedade difunde .O mesmo se pode dizer dos crimes de motivação política e também comportamentos desviantes autodestrutivos como o alcoolismo e a tóxico-dependência. 6.4. A teoria de Merton não pode , no entanto, explicar todas as formas de desvio social ( homicídio passional, estupro, crueldades contra os animais). Também não explica as diferenças no comportamento de determinadas categorias sociais, ex. baixíssima criminalidade feminina. 6.5. A principal critica a esta teoria é que o autor entende as condutas de inovação, ritualismo, evasão e rebelião como manifestação de uma disfunção dentro do sistema social. Há um equilíbrio social e o desvio é uma manifestação patológica. 6.6. Também podemos dizer que nem todos os indivíduos encontram-se em perpetua competição para atingir as mesmas metas sociais e nem todos aceitam a meta do sucesso individual como finalidade suprema da vida. É uma meta típica da ideologia da classe media numa sociedade capitalista. 6.7. Outra critica: o centro de atenção é o comportamento do individuo desviante. A anomia é analisada como uma forma de desvio de determinados individuo, limitando o problema a escolhas pessoais sem examinar a dimensão social. Mais adequado seria pesquisar a possível falta de orientação da própria sociedade. A anomia deveria ser considerada como a ausência de normas e valores sociais e não como problema de adaptação do individuo. IV -O DIREITO COMO PROPULSOR OU OBSTÁCULO DA MUDANÇA SOCIAL 1. O conceito de mudança social A existência da anomia nos indica que o processo de integração social dos indivíduos não se realiza sem que surjam problemas e conflitos. Isto significa a existência de mudança social. Para entender as mudanças sociais é preciso levar em conta as formas de mudança (total ou parcial, lenta ou rápida, contínua ou descontínua) e as suas causas (fatores geográficos, ideológicos, econômicos, demográficos). Os Clássicos partem de uma análise geral Durkheim: as formas de solidariedade social Weber: maior ou menor racionalidade na sociedade. Marx: o papel da luta de classes Outros sociólogos rejeitam a possibilidade der se fazer uma análise geral: há processos específicos e complexos em determinadas áreas da vida social. Ex. mudanças nos valores sociais, nas relações dentro da família, na organização do trabalho. A mudança social relaciona-se com o direito, ou seja, com a modificação das normas legais e sua aplicação no seio da sociedade. Daí é importante situar o debate acerca do papel do direito na sociedade. 2. Relações entre Direito e Sociedade Questão básica: O contexto social (sistema de produção, cultura, interesses, ideologias) determina o direito ou é o direito que determina a evolução social? 2.1. Posição realista . Alguns entendem que o direito, como manifestação social, é determinado pelo contexto sócio-cultural: há imposição de interesses por parte dos grupos que exercem o poder que impõem aos mais fracos as regras de conduta necessárias para a sua dominação. 2.2. Posição idealista . Outros entendem que o direito é um fator determinante dos processos sociais, porque, dizem, o direito possui a capacidade de determinar o contexto social, de atuar sobre a realidade e mudá-la. 2.3. Uma terceira posição tenta conciliar as duas primeiras.O direito é configurado por interesses e necessidades sociais, mas isto não impede que possa influir sobre a situação social, assumindo um papel dinâmico. Atua como um fator determinante da realidade social e, ao mesmo tempo, como um elemento determinado por esta realidade. 3. Relações entre o sistema jurídico e a mudança social 3.1. “A mudança contínua das regras do direito constitui uma hipótese teórica fundamental” (Papachristou). Isto se observa em - Marx sobre a determinação do direito pelas mudanças econômicas da sociedade. - Durkheim sobre a passagem do direito repressivo ao direito restitutivo. - Weber sobre a racionalidade do direito moderno hoje nas análises sobre a transformação do direito e do Estado na época da globalização 3.2. Questão: quais as formas e as modalidades de interação entre o sistema jurídico e outros campos de ação social no decorrer do tempo? Resposta: o direito muda na evolução histórica, seguindo as transformações da sociedade. Exemplos: 1. A formidável expansão da informática traz mudanças legislativas para conformar o sistema jurídico a novas situações (privação de privacidade, garantia de invenção. 2. No início do século XX, o conceito de propriedade para proibir o furto de eletricidade(a energia elétrica não gozava de proteção porque não era uma “coisa”) 3. A mudança de valores sociais no que se refere à questão de gênero: mudanças na área do direito constitucional, no direito de família, direito do trabalho, direito penal estabelecer igualdade de gênero. visando 4. Mudanças relativas “a desregulamentação da economia”(redução do poder fiscalizador e do papel do Estado) na era neo-liberal. B) O direito tem um papel ativo na mudança social 1. Papel conservador do direito. Alguns entendem que o direito é um freio às mudanças sociais, pois, sendo lento, funciona como fator negativo perante as necessidades sociais. Os mais e radicais, reivindicações de inspiração marxista, consideram o atual sistema jurídico como um instrumento que permite a manutenção do poder da classe dominante e reproduz as relações sociais de exploração. 2. Papel progressista do direito Outros identificam o direito como instrumento eficaz para a consecução de grandes mudanças sociais, por meio de reformas políticas. O desempenha uma função educadora. direito Esta concepção recebeu na Europa o nome de “socialismo jurídico” pois era a tentativa de formular as reivindicações socialistas em termos jurídicos. Propõe a possibilidade de realizar a justiça social através de uma reforma jurídica. Exemplo: as mudanças recentes propostas para o Código Penal. 3.3. Conclusões 1. A relação entre direito e mudança social se concretiza da seguinte forma: - O direito é uma variável dependente, ou seja, um fenômeno social que muda historicamente em função de outros fenômenos. É um produto de interesses sociais que depende das relações de dominação em cada sociedade.Mas, alem dos interesses econômicos, há também elementos de ordem física, valores éticoculturais e a tradição jurídica de cada país. - Apesar de ser uma variável dependente da estrutura sócio-cultural, o direito possui uma autonomia relativa e por isso pode induzir as mudanças sociais. - A influência do direito na mudança social pode ser de tipo direto (a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança) e de tipo indireto (reformas no programa da educação. 2. O direito, diante da mudança, pode adotar as seguintes posições: - de reconhecimento, declarando legitima a nova ordem social ou criando instrumentos jurídicos que consolidam a mudança. - de anulação ignorando-a o sistema jurídico opõe-se à mudança, ou mesmo aplicando sanções contra determinadas inovações - de canalização o direito tenta limitar o impacto de uma mudança ou alterar os seus efeitos, através de reformas que satisfazem parcialmente as reivindicações sociais. - de transformação o direito assume um papel particularmente ativo : tenta provocar uma mudança social através de reformas graduais e lentas(transição) ou mesmo radicais (revolução) 3. A história ensina que o direito não possui força suficiente para mudar a estrutura de classe social e os fundamentos do sistema econômico, que são suscetíveis somente através de um processo de transformação política.