Teorias da Estrutura Social defeituosa – Anomia Juliane Nogueira Carvalho 1 A teoria da anomia está inserida nas chamadas teorias da estrutura social defeituosa segundo as quais o delinqüente não é participe ativo de interação social, mas um produto de um meio, de uma sociedade que estipula metas, todavia não fornece estrutura para que o indivíduo as alcance. Os principais representantes dessa teoria são Émile Durkheim e Roberto Merton. Após o período da Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos obtiverem um fortalecimento econômico frente a uma Europa enfraquecida pela guerra. O capitalismo competitivo impulsionou o ”american dream” fazendo com que as pessoas trabalhassem cada vez mais para alcançar o padrão de vida desejado. Aos poucos esse estilo de vida estipulado por metas padronizadas afeta a sociedade em todas as suas classes de modo que as pessoas perseguem objetivos sem a garantia de desfrutarem dos meios necessários para obtê-los. Foi Durkheim quem desenvolveu a teoria da anomia em sua obra sobre suicídio, objetivando explicar o vazio normativo (o qual ele denominou de anomos – em grego – sem norma) que afetava o individuo ao encontrar-se em uma sociedade que definia padrões de felicidade, porém, que não propiciava condições para que esses fossem alcançados. Frente a esse vazio, o individuo recorre muitas vezes ao suicídio ao constatar sua incapacidade para as metas propostas pela meio social em que vive. Em sua obra sobre o suicídio Durkheim aponta o suícidio anomico como sempre próprio das sociedades modernas justamente por estabelecer uma correlação estatística entre a freqüência do suicídio e as fases do ciclo econômico. Dessa forma, nos momentos de crise econômica o individuo se projeta numa situação inferior a que vivia anteriormente, enquanto que na fase 1 Acadêmica do Curso de Direito da FURG de prosperidade econômica ocorre um aumento instantâneo de riqueza que desestabiliza o meio social e em conseqüência perde-se a noção de valores sociais. A situação descrita por Durkheim que leva ao suicídio pode também direcionar o individuo para outra opção que seria a criminalidade. Essa seria a forma de alcançar um nível de satisfação social recorrendo a meios ilegítimos uma vez que os meios legítimos são escassos na sociedade. Afetado pela situação anômica, o individuo passa a burlar as normas visando de restabelecer frente a uma sociedade que teve seus valores desestabilizados e desvalorados. Ribeiro afirma que “a sociedade é, na visão de Durkhein, um fato social, visto que se constitui enquanto algo externo e maior que os indivíduos que a compõem, o que a dota de um poder imperativo e coercitivo. Isso porque nas hipóteses da ausência total de constrangimentos o indivíduo irá nortear suas ações de maneira egoísta, o que levará a desordem social.” A teoria da anomia foi inovadora ao abranger não apenas os grupos socias de jovens ou adultos marginais como mais inclinados para a criminalidade, como fazem as demais teorias, mas demonstrou que toda pessoa de qualquer idade ou classe social esta propicia aos efeitos de uma sociedade anomica aproximando a relação entre o individuo desviado e as condições sociais. Já Merton foi o principal representante da moderna sociologia ao desenvolvê-la tendo como base Durkheim adaptando sua teoria da anomia. Primeiramente, Merton restringiu-se ao plano sociológico analisando os efeitos da estrutura social no indivíduo. A partir dessa teoria ocorre a distinção entre estrutura social e estrutura cultural. A estrutura cultural pode ser definida pelo conjunto de metas consolidadas em uma sociedade as quais representam o ápice da satisfação pessoal. Atingindo essas metas, o individuo considera-se plenamente aceito na sociedade. No conceito de estrutura social podemos dizer que seriam os meios utilizados pelos indivíduos pelos quais as metas da estrutura cultural podem ser alcançadas. Esses meios podem ser tanto legítimos (trabalho) como também ilegítimos (criminalidade), assim como pode haver normas jurídicas e normas sociais. Na sociedade em que há certo nível de equiparação entre a estrutura cultural e a estrutura social está em harmonia. Merton (apud RIBEIRO) afirma que: “A anomia se refere a ausência de regulamentação entre o imposto normativamente e o verificado na prática. Assim, há um corpo de leis que não se materializa na medida em que a coletividade não foi capaz de desenvolver laços de solidariedade suficientemente fortes que levem o indivíduo a distinguir o que é ou não transgressão.” Cabe ressaltar que, em síntese, o que difere a teoria da anomia das teorias biológicas e das teorias da socialização deficiente é justamente o fato de não se fixar apenas no individuo em seu meio, mas desloca sua óptica para a estrutura social em que está inserido esse individuo direcionando-o a uma conduta desviada. Merton difere as diversas condutas que um indivíduo pode desenvolver em uma sociedade anômica objetivando adequar-se a ela são elas: a conformidade, a inovação, o ritualismo, a apatia e por fim a rebelião. CLASSES DE METAS CULTURAIS ADAPTAÇÃO MEIOS INSTITUCIONAIS Conformidade + + Inovação + - Ritualismo - + Apatia - - Rebelião (+ -) (+ -) Conformidade é a conduta que visa atingir as metas sociais através dos meios institucionalizados. Os adeptos desse comportamento estão de acordo com os meios e as metas sociais, respeitando assim as normas fixadas pela sociedade, podendo-se dizer a respeito deles que são positivos (+) quanto aos meios e também quanto às metas. Os conformistas são os únicos que realmente se adaptam ao sistema social da forma como ele se apresenta utilizando apenas os meios legítimos para isso. Inovacão é a conduta que está de adequada com as metas sociais, todavia, percebendo que os meios são insuficientes e não estão ao seu alcance, inova, buscando realizar as metas através de outros meios ilegais. Em síntese, o inovacionista está de acordo com as metas sociais, sendo positivo (+) quanto a elas, mas está contra os meios, sendo, portanto, negativo (-) neste ponto. Os inovacionistas adotam a teoria de que os fins justificam os meios, ainda que não sejam socialmente aprovados buscando atingir seus objetivos de uma forma mais fácil e cômoda. Ritualismo se refere ao indivíduo que se conduz de forma justamente inversa ao inovacionista. Percebendo que as metas sociais são muito elevadas e os meios existentes insuficientes para atingi-las, o ritualista abdica das metas, apegando-se aos meios com tal importância que os transforma em fins. Há aqui uma verdadeira inversão de valores, pois as metas perdem a sua importância passando os meios para o primeiro plano. As normas de comportamento social são cumpridas pelo ritualista a todo preço e em qualquer circunstância, porque encontram nelas uma forma de realização pessoal, ainda que já estejam totalmente vazias de sentido, significado ou interesse social. O que importa ao ritualista é, na realidade, saber que embora não possa alcançar as metas cultuais, pode cumprir com os meios institucionais como as demais pessoas e faz disso a sua realização pessoal. A apatia demonstra a situação de abandono das metas e dos meios sociais e, assim como o ritualismo é uma forma de retração relativa ao sistema cultural. É negativo (-) quanto às metas e negativo (-) quanto aos meios. Percebendo que as metas sociais são muito elevadas e os meios, escassos, foge da sociedade, renunciando a tudo que ela oferece ou determina. Como acentuou Merton, os adeptos deste comportamento estão na sociedade, mas não são dela, vivem no meio social, mas a ele não aderem pelo simples fato de desprezarem as normas. Como exemplos de apatia Merton indica os psicopatas, autistas, vagabundos, alcoólicos crônicos e dependentes de drogas. A rebelião também está contra as metas e os meios sociais, podendo ser caracterizado como sendo negativo (-) quanto aos meios e negativo (-) quanto às metas. Não pára, porém, aí a inconformidade do comportamento de rebelião. Ao mesmo tempo que se opõe às metas e aos meios sociais por julgá-los excessivamente elevados e insuficientes, propõe estabelecimento de novas metas com a institucionalização de novos meios, razão pela qual ao mesmo tempo que é negativo (-) quanto às metas e meios, é também positivo (+). O propósito do comportamento de rebelião, portanto, é a derrubada dos meios e metas existentes, e o estabelecimento de novas metas, mais simples e ao alcance de todos, bem como de novos meios, mais abundantes e melhor distribuídos na sociedade. Objetiva, resumidamente, uma nova estrutura social. É interessante a classificação estabelecida pro Merton pra descrever as reações em sociedade frente à anomia. Enquanto alguns indivíduos tentam conviver com o desajuste social, outros buscam meios diversos aos oferecidos legitimamente pelo Estado. É nessa óptica que se operam as criticas oferecidas à teoria da anomia, pois questionam acerca da reação do indivíduos que não alcançam as metas e dos que alcançam. As críticas direcionadas a teoria da anomia questionam a respeito da desigualdade de oportunidades e a resignação social. A teoria peca ao não considerar os indivíduos que sofrem com a pressão anômica por não possuírem meios institucionais para atingirem as metas culturais, entretanto, não optam por reagirem com um desvio de conduta preferindo utilizar os meios institucionais legítimos que dispõe mesmo esses sendo escassos. Se a teoria inova ao se formular analisando a estrutura social do individuo, ela deixa a desejar nas respostas pertinentes a justificar a conduta não criminosa de quem não alcança as metas, porem não adere ao crime e de quem mesmo alcançando as metas acaba por apresentar condutas criminalizadas. Referências CONDE, Francisco Muñoz. HASSEMER, Winfried. Introdução à Criminologia. Durkheim, Émile.O Suicídio – Estudo Sociológico. Editora Presença. Merton, Robert King. Teoria e Estrutura Social. NETO, João Lopes de A. Anomia. Acessado em 08/05/2010. Disponível em <http://www.webartigos.com/articles/3730/1/Anomia/pagina1.html> RIBEIRO, Ludmila Mendonça Lopes. O papel do conflito, da coerção e do consenso na estruturação da sociedade. Acessado em 07/05/2010. Disponível em <http://www.datavenia.net/artigos/papeldoconflitooercaoeconsensona estruturacaodasoci.htm>