UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA EDUCAÇÃO PARA A DIVERSIDADE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM ÊNFASE EM GÊNERO E RELAÇÕES ETNORRACIAIS Marcelo Bahia Cantella SOCIEDADE CIVIL E O PROTAGONISMO NÃO ESTATAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS: O CASO DA ASPROMIG OURO PRETO 2014 1 Marcelo Bahia Cantella MOVIMENTOS SOCIAIS: O PROTAGONISMO NÃO ESTATAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS: O CASO DA ASPROMIG Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora do curso de Especialização em Gestão de Políticas Públicas com Ênfase em Gênero e Relações Etnorraciais, como exigência parcial para obtenção do grau de Especialista, sob orientação da professora Luana Melo. OURO PRETO 2014 2 CANTELLA, Marcelo Bahia. Sociedade Civil e o Protagonismo não estatal nas políticas públicas: o caso da ASPROMIG . Ouro Preto: UFOP, 2014. 51p. (Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Programa de Especialização em Gestão de Políticas Públicas da Universidade Federal de Ouro Preto). Palavras-Chaves: Direitos Humanos– Sociedade Civil – Políticas Públicas – Terceiro Setor 3 À minha família. 4 AGRADECIMENTOS Inerente à vida, caminhar em campos antes nunca explorados permite ao indivíduo estabelecer contato com conhecimentos e situações novas. As reflexões realizadas neste percurso permitem o engrandecimento pessoal e o aprimoramento profissional. Para tanto pessoas e instituições foram fundamentais para viabilizar toda esta trajetória. Deixo aqui meus sinceros agradecimentos e respeito a todos que de alguma forma contribuíram para a conclusão deste curso de especialização. Em especial a orientadora Luana Melo por todo o empenho durante o percurso acadêmico desta especialização e por dar forças para prosseguir até o fim. À tutora Rita Verona pelo empenho e constante presença. Aos meus queridos pais que tanto me enchem de orgulho, combustível vital para esta caminhada da vida. A Rosani Bobadilho, pela paciência em discutir os meandros deste texto, do imaginário à concepção final. Ao grande Chico Bento, por ensinar o caminho certo. Ao Danilo Rossi pelo companheirismo durante todo o curso. Aos colegas e professores do curso de especialização em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça-Etnia. Frutuosas discussões e saberes compartilhados à Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) que mais uma vez acreditou no meu trabalho cedendo espaço para o conhecimento, através do seu ensino gratuito e de qualidade. à Cátedra UNESCO “Águas, Mulheres e Desenvolvimento” pela oportunidade oferecida. 5 A todos vocês, muito obrigado! 6 “Liberdade, liberdade! Abra as asas sobre nós e que a voz da igualdade Seja sempre a nossa voz.” Composição: Niltinho Tristeza/Preto Jóia/Vicentinho/Jurandir.G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense RESUMO A existência de indivíduos marginalizados em uma sociedade é um indicativo da incapacidade do poder público, através do aparelho estatal, de oferecer serviços públicos condizentes com as necessidades emanadas pelos cidadãos. De forma 7 sistêmica, os problemas sociais afetam a todos. A desigualdade imputa à comunidade conviver com vulnerabilidades de todas as ordens, devido à socialização de fenômenos sociais nos campos da segurança pública educação e saúde. Erradicar as mazelas sociais e buscar a isonomia social é dever de todos. A discussão acerca da responsabilização do Estado e sociedade civil em zelar pelo setor social não é novidade. O Estado, sempre foi responsável por fomentar e desenvolver ações visando à igualdade. Entretanto, este quadro está em franca mudança uma vez que a sociedade civil, através de ações filantrópicas, adquiriu relevância ao reunir em seu escopo de atividades, meios para transformar a realidade dos marginalizados efetivando direitos antes negados. Tal papel foi chancelado através do Neoliberalismo, que retirou a exclusividade do Estado enquanto promotor do desenvolvimento social, transferindo tal ação para a sociedade civil. Desde então, a sociedade civil organizada vem desenvolvendo ações em prol das necessidades emanadas pelo grupo a qual a entidade busca atender. Este é o caso da Associação das Prostitutas de Minas Gerais, organização da sociedade civil, que vem desenvolvendo ações em prol dos profissionais do sexo, ações estas que constituem verdadeiras políticas públicas nascidas no seio da sociedade civil. Palavras-chave: Direitos Humanos– Sociedade Civil – Políticas Públicas – Terceiro Setor ABSTRACT The existence of marginalized individuals in a society is indicative of the inability of the government, through the state apparatus, to provide public services consistent with the requirements issued by the citizens. Systemically, social problems affect 8 everyone. Inequality imputes the community cope with vulnerabilities of all orders due to the socialization of social phenomena in the fields of education, public safety and health. Eradicate social ills and to seek social equality is everyone's duty. The discussion about the accountability of the state, civil society in ensuring that the social sector is not new. The state has always been responsible for promoting and developing actions in favor of equality. However, this framework is in frank change, since civil society through philanthropy, has acquired relevance to gather in their scope of activities, means to transform the reality of the marginalized and carry rights previously denied. This paper was endorsed by neoliberalism, which removed the uniqueness of the state as promoter of social development by transferring this action to the civil society. Since then, organized civil society, are developing actions in favor of the needs issued by the group to which the entity seeks to serve. This is the case of the Association of Prostitutes of Minas Gerais, civil society organization, they see developing actions in favor of sex workers, these actions constitute true born that public policies within civil society Key- Words: Human Right - Civil Society - Public Policy- Third Sector LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS ASPROMIG - Associação das Prostitutas de Minas Gerais 9 CBO - Classificação Brasileira de Ocupações CF – Constituição Federal CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica DH – Direitos Humanos DST – Doença Sexualmente Transmissível GAPA - Grupo de Apoio e Prevenção a AIDS LBA - Legião brasileira de Assistência SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SESC – Serviço Social do Comércio ONU – Organização das Nações Unidas SESI – Serviços Social da Indústria SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ..................................................................................... 11 PRIMEIRO CAPÍTULO: SOCIEDADE CIVIL E POLÍTICAS PÚBLICAS .. 15 10 1.1 A sociedade Civil ........................................................................... 16 1.2 Neoliberalismo e Terceiro Setor no Brasil ............................................ 18 1.3. Sociedade civil e políticas públicas .................................................. 23 SEGUNDO CAPÍTULO: PROSTITUIÇÃO: UMA PROFISSÃO ................... 27 2.1 Histórico ......................................................................................... 27 2.2 A prostituição sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro .......... 31 TERCEIRO CAPÍTULO: ASPROMIG .......................................................... 39 3.1 Estudo de caso: A Associação das Prostitutas de Minas Gerais ..... 39 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 42 2. 1. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................... 47 INTRODUÇÃO A consolidação do acesso igualitário aos serviços públicos básicos e a erradicação da desigualdade social e descriminação é fundamental para o 11 exercício da democracia em um País. A existência de indivíduos que sobrevivem à margem de uma sociedade, implica a mesma uma desordem sistêmica em diversos setores sociais, diminuindo a qualidade de vida de todos. A existência de organizações sociais permite legitimar as minorias que muitas vezes não possuem representatividade nas esferas legislativas e executivas, e acabam marginalizadas por não terem suas demandas atendidas ou não tratadas com a especificidade exigida. As organizações sociais hoje têm contribuído, não só, através de ações pontuais, como também, tem-se demonstrado um importante difusor de Políticas Públicas. Conforme Teixeira (2002) as Políticas Públicas têm a função de suprir demandas sociais, principalmente dos setores marginalizados da sociedade. Algumas ações nascidas através do trabalho destas organizações passaram a constituir planos de governo ou serviram como base para a criação de Políticas Públicas. De acordo com Teixeira (2002) "a sociedade civil, articulada em suas organizações representativas em espaços públicos, passa a exercer um papel político amplo de construir alternativas nos vários campos de atuação do Estado e de oferecê-las ao debate público, co-participando, inclusive, na sua implementação e gestão" (TEIXEIRA,2002, p.6). As atuações indiretas destas organizações, através de ações sociais, devem permitir a diminuição dos problemas encontrados, sendo assim uma importante vertente de combate às mazelas sociais e promotor da justiça social. Um dos movimentos sociais que vem chamando atenção no Estado de Minas Gerais e a Associação das Prostitutas de Minas Gerais – APROMIG. A organização foi fundada em 1993, por sua atual presidente, Aparecida Vieira. Sua existência é justificada pela necessidade de uma entidade que busque, junto ao Estado, a profissionalização e reconhecimento das profissionais do sexo, constituindo um facilitador para acesso a direitos, sobretudo, profissionais. Este trabalho tem como objetivo discutir como a sociedade civil organizada pode legitimar suas reivindicações, atuando em prol do desenvolvimento de 12 soluções que possam impactar positivamente as demandas emergidas pelo grupo. Para tanto será apresentado um estudo de caso da ASPROMIG, entidade da sociedade civil em atuação e em franca expansão, que ilustra o papel do Terceiro Setor na consecução de ações públicas, longe da ação direta do Estado. A realidade vivenciada marcada pela negação de direitos humanos básicos instiga o desenvolvimento desta produção acadêmica, expondo as formas de enfrentamento desenvolvidas pela associação, diante da ineficiência do poder público em solucionar os problemas sociais enfrentados pelos grupo. A Administração Pública contemporânea, apesar dos esforços empreendidos tem se mostrado incapaz de solucionar as demandas emanadas pela população. A estrutura de defesa social e serviços básicos públicos cada vez mais perdem sua capacidade de interferir positivamente sobre a realidade dos cidadãos brasileiros. Prova disso é o caos vivenciado nos setores da segurança púbica, saúde e educação. Em um espaço de incertezas sociais multiplicam ações exercidas por indivíduos mobilizados e grupos constituídos pela sociedade civil organizada que permitem atuar em prol de melhorias á atual situação sem retorno financeiro e função mercantil, apenas de forma filantrópica. O fenômeno da participação da sociedade civil brasileira na consecução de ações públicas apresenta-se com uma esperança aos marginalizados. Frente o cenário de incertezas e a realidade repleta de desigualdades sociais e impossibilidade de acesso pleno a cidadania, um parcela significativa da população apresenta-se a mercê da sorte. Neste contexto entender e explicitar os desafios e possibilidades da sociedade civil organizada permite valorar o importante papel desenvolvido. Além disto, possibilita discutir novos meios de interlocução e consecução de ações, que até então não faziam parte do escopo de atuação dos grupos pesquisados. A forte tendência imputada para o futuro, é de um aumento expressivo do papel da sociedade civil, enquanto promotor do desenvolvimento social nacional. 13 Ações desenvolvidas através da sociedade civil organizada cada vez mais adquirem relevância no cenário social buscando impactar a realidade dos cidadãos brasileiros e promovendo ideais de igualdade e cidadania. Entretanto, como os movimentos sociais podem fomentar políticas públicas que atendam suas demandas específicas? Versando sobre como desenvolver um trabalho acadêmico que explicite a relação entre sociedade civil organizada e a consecução de políticas públicas é necessário obter informações que rechacem os apontamentos desenvolvidos e fundamentados, possibilitando assim sanar os questionamentos existentes respondendo à problemática deste trabalho. Para o sucesso desta etapa do trabalho é necessário a escolha de um percurso metodológico eficaz com a estrutura acadêmica aqui desenvolvida. O método de pesquisa adotado será o estudo de caso “modalidade de pesquisa que consiste no estudo profundo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento.” (BRASIL, 2012, p.15). Para o desenvolvimento da metodologia científica, foi adotada a pesquisa com objetivo exploratório. A escolha por uma pesquisa exploratória foi em função desta modalidade de pesquisa, segundo Turrioni (2008), possibilita ao pesquisador a familiaridade com o objeto de estudo proporcionando explicitá-lo ou obter hipóteses sobre ele. Este tipo de pesquisa é composta por levantamento bibliográfico, entrevistas e análises, com indivíduos que vivenciam o problema estimulando assim sua compreensão. Para atingir os objetivos da pesquisa exploratória, se faz necessário uma pesquisa bibliográfica complementar ao estudo de caso, proporcionando obter maior familiaridade com o problema (RODRIGUES, 2007). A fonte de dados será obtida através de trabalhos de campo, com visitas a sede da organização ASPROMIG. 14 Como etapa final para a coleta de dados, será realizada um entrevista com a presidente da Associação das Prostitutas de Belo Horizonte, Maria Aparecida Vieira. Tal contato visa buscar respostas efetivas e levantar informações complementares que possam reforçar as conclusões deste trabalho. PRIMEIRO CAPÍTULO: SOCIEDADE CIVIL E POLÍTICAS PÚBLICAS 15 1.1 A sociedade Civil A mobilização da sociedade civil em prol do desenvolvimento de ações de cunho assistencialista não é um fenômeno contemporâneo. Há diversos momentos históricos em que indivíduos, longe da ação exclusiva do Estado estruturaram ações visando unicamente ajudar outros membros ou setores sociais que enfrentavam dificuldades das mais distintas ordens. A ajuda mútua enquanto prática social surgiu na idade média, dentro da estrutura de classes denominados feudos. Nesta época, o atendimento as famílias de baixa renda constituía um dos alicerces de atuação da igreja católica. No período colonial, esta conduta se generalizou na Europa e posteriormente na América. As associações católicas foram responsável pela fundação das primeiras organizações filantrópicas tais como orfanatos, hospitais e asilos. (GRAEF; SALGADO, 2012). No Brasil, as ações assistencialistas se desenvolveram apoiadas na caridade e associadas a entidades religiosas. A primeira instituição de caridade formalizada no Brasil é a Santa Casa de Misericórdia. Localizada na cidade de Santos, no estado de São Paulo, a instituição foi criada no ano de 1543 (GRAEF; SALGADO, 2012). Inicialmente, apenas igrejas, orfanatos, escolas religiosas e hospitais eram vistos como organizações sem fins lucrativos e com função benevolente (MURARO; SOUZA LIMA, 2003, p. 82). A Igreja, como instituição, assumiu o pioneirismo de realizar ações sociais que minimizavam os sofrimentos da população mais pobre. Esse contexto se estendeu até os idos de 1920, quando iniciaram-se os movimentos organizados, os sindicatos em especial, que vieram apresentar propostas mudancistas para a situação vigente. Por ocasião da República Nova, o governo de Getúlio Vargas, reconhece a formação dos sindicatos, como representante que pleiteiam reivindicações populares e estabelecem direitos mínimos para os trabalhadores. Surgem, 16 então, as Leis trabalhistas, a carteira de trabalho, o voto universal, o sistema de ensino público e com ele as escolas de aprendizagem profissional (SESI, SENAI, SESC) e a LBA. A Igreja se mantém atuante, sempre numa ação de “caridade”, substituindo as responsabilidades que deveriam ser do Estado. (SOUZA,2003, P.19) As organizações sociais de cunho assistencialista começaram a adquirir relevância no contexto brasileiro somente em meados de 1960, quando os sindicatos se estruturam e passaram a organizar grandes atos e reivindicações junto às empresas privadas. Tal fato despertou e mobilizou as camadas sociais, principalmente o operariado, a lutar por melhorias salariais e o ambiente de trabalho. (SOUZA, 2003) “Outros momentos ainda foram importantes para o desenvolvimento da sociedade civil, como a instauração do regime militar e a crise econômica. No Brasil, além das características históricas de pouca cultura democrática, o país viveu ditaduras, sendo que a última, o golpe militar iniciado em 1964 que perdurou até 1985. Os anos 1980 foram marcados por um processo de abertura política, com grande participação popular e de organização da sociedade na luta pelos seus direitos” (PIRES; PERONI, 2013, p.2). As organizações sociais fazem parte da historia da constituição das sociedades. Estas organizações sempre se desenvolveram através do financiamento e dedicação da associação de pessoas visando constituir uma estrutural formal de prestação de serviços filantrópicos e sem percepção de lucro. Estas organizações, formais ou não, constituídas pela sociedade civil, com intuito único de desenvolver iniciativas assistencialistas pertence a um grupo narrado na bibliografia como pertencentes ao “Terceiro Setor”. Para entendimento desta expressão é preciso entender a divisão setorial proposta. 17 O Primeiro Setor de forma consensual na literatura é entendido como “aquele no qual a origem e a destinação dos recursos são públicas, corresponde às ações do Estado” (BNDS,2001, p.4). Em linhas gerais, o Primeiro Setor é representado pelo Estado- setor público. Já o Segundo Setor “correspondente ao capital privado, sendo a aplicação dos recursos revertida em benefício próprio” (BNDS,2001, p.4). O Segundo Setor é representado pelo Mercado – setor privado. “O Terceiro Setor constitui-se na esfera de atuação pública nãoestatal, formado a partir de iniciativas privadas, voluntárias, sem fins lucrativos, no sentido do bem comum.Nesta definição, agregam-se, estatística e conceitualmente, um conjunto altamente diversificado de instituições, no qual incluem-se organizações não governamentais, fundações e institutos empresariais, associações comunitárias, entidades assistenciais e filantrópicas, assim como várias outras instituições sem fins lucrativos” (BNDS,2001, p.4). Para Ruth Cardoso, citada por Muraro e Souza Lima (2003) o Terceiro Setor é uma nova esfera pública, não necessariamente governamental, constituída de iniciativas privadas em benefício do interesse comum, compreendendo um conjunto de ações particulares com o foco no bem-estar público. Já para Oliveira e Haddad (2001) o Terceiro Setor situa-se na interseção entre o setor público e o Setor privado, “reunindo virtudes de ambos para a promoção do bem comum”. Cabe ao Estado fomentar o desenvolvimento social e econômico do País através de políticas púbicas, mantendo a isonomia social e garantindo o cumprimento das leis. 1.2 Neoliberalismo e Terceiro Setor no Brasil Apesar das organizações hoje intituladas como Terceiro Setor existirem desde o começo das atividades do catolicismo no Brasil, estas somente tiveram crescimento representativo a partir da década de 1990, seguindo forte tendência ao que ocorria em outras nações. “Pode-se afirmar que a década de 1990 é o 18 período da expansão e consolidação do terceiro setor em diversos países do mundo” (MURARO; SOUZA LIMA, 2003, p. 80). Mas este movimento de desenvolvimento intensificou-se em meados dos anos 90, quando o chamado Neoliberalismo se constituía. Para entender fenômeno do Terceiro Setor no Brasil, é necessário entender o contexto histórico que culminou em um ambiente fértil para a sua disseminação. O País apresenta singularidades sociais que exigem um maior esforço do Estado para proporcionar um desenvolvimento de toda a sociedade de forma igualitária. Estas singularidades, frutos dos fatores históricos que culminaram na constituição do Brasil, revelam traços de desigualdades e obstáculos em diversas áreas sociais. Cita-se a extensão territorial, a miscigenação de povos e a disparidade no desenvolvimento dos diferentes territórios que compõem o País. Os arranjos políticos e sociais que se desenharam, nestes cinco primeiros séculos, demonstraram enormes conflitos entre classes e etnias que aqui coexistiam (CANTELLA, 2013). A nação brasileira atravessou na segunda metade do século 20 um período conturbado em sua história política e econômica. Neste cenário histórico ocorre transições de governos democráticos e repressivos, crises econômicas e afloramento da desigualdade social. Estes fatores propiciaram mudanças de paradigmas sociais. Com o término da Segunda Guerra mundial, em 1945, o Estado governado pelo então Presidente Getúlio Vargas, entra em crise e os conflitos se evidenciam quando, de um lado os setores de produção buscam capital no exterior, e do outro lado os cidadãos desamparados exigem ações mais atuantes do governo (SOUZA, 2003). A partir de 1964, com a instauração do Regime Militar, o Estado brasileiro passa a assumir a exclusividade na execução das políticas públicas. Neste período são organizadas um conjunto de políticas sociais compensatórias, tais como o INPS (previdência social); BNH (habitação); COBAL (alimentação), MOBRAL (alfabetização de adultos), entre outros (SOUZA, 2003). 19 A famosa década perdida dos anos 80 assistiu aos ajustes estruturais e viu crescerem os índices de pobreza. A deterioração dos serviços públicos e o abandono à própria sorte de contingentes crescentes da população levaram ao descrédito o governo, a classe política e um inoperante sistema judicial. O ambiente de crise institucional estimulava as iniciativas de autoajuda, solidariedade e soluções alternativas para carências que o Estado deixara de suprir. Ao mesmo tempo em que pipocam as associações comunitárias, no enfrentamento de problemas locais, fortalecem-se as entidades intermediárias que lhes oferecem assessoria e capacitação. (OLIVEIRA; HADDAD, 2001, p. 69) Paralelamente a isso, no planeta ocorria em grande escala a disseminação de ideias de cunho neoliberal ocorrida inicialmente pelos estudos desenvolvidos por Alexander Rustow e opondo ao liberalismo clássico. As políticas neoliberais adquiriram relevância em um cenário mundial repleto de incertezas sociais e econômicas em vários Países do globo. A década de setenta e início de oitenta foram fundamentais para a constituição e implementação do neoliberalismo. “A partir da década de setenta, o mundo começou a sofrer um processo de reestruturação capitalista. Neste contexto, diversos teóricos começaram a discutir o papel do Estado neste processo. O Terceiro Setor surgiu assim como uma forma de responder as necessidades colocadas pela reorganização do capitalismo e o Estado frente a esta nova realidade “(SOUZA,2003, p. 9). Segundo Pires e Peroni (2013) a teoria neoliberal preconizava que o Estado entrou em crise, pois realizou gastos exacerbados, além do que poderia, com o intuito de se legitimar enquanto promotor do desenvolvimento social e para atentar às demandas da população por políticas sociais. Tal ação causou uma crise fiscal uma vez que ao tentar regulamentar a economia, o Estado atrapalha o livre funcionamento do mercado. Além disso, houve aumento da arrecadação de tributos para financiar políticas sociais. “Portanto, a estratégia é racionalizar 20 recursos e diminuir os gastos estatais com as políticas sociais e diminuir o papel das Instituições públicas (PIRES E PERONI,2013, p.3). O Neoliberalismo preconizava o afastamento do Estado em detrimento do fortalecimento da sociedade civil como promotora do bem estar social. Neste aspecto, Cardozo (2003) ensina que a proposta do neoliberalismo ocorre na esfera produtiva e na esfera estatal, ou seja, a minimização do Estado. A redução dos gastos públicos, se dá através de reformas e ajustes nas áreas administrativas, econômicas e políticas do Estado. Cardozo ainda completa “E com todas essas alterações nas funções do Estado, há uma desresponsabilização deste com a sociedade, refletida na diminuição dos recursos destinados às políticas sociais e na transferência das áreas sociais para a esfera da sociedade civil” (CARDOZO, 2003, p.21). Para Pires e Peroni (2013) o Neoliberalismo propõe como estratégia a parceria com o Terceiro Setor, retirando das instituições públicas estatais a coordenação e em alguns casos a execução das políticas sociais. A política neoliberal contextualiza que o Terceiro Setor fundamentado em uma lógica solidária e corresponsável, tem mais condições de assumir responsabilidade antes dever do Estado (MORAES; SANTANA, 2012). A estratégia neoliberal tende a instrumentalizar o chamado Terceiro Setor, os valores altruístas de solidariedade individual e do voluntarismo e as instituições e organizações que em torno deles se movimentam, em favorecimento à acumulação e reprodução do capital. Com isto, a relação Estado/sociedade civil tende a ser convertida em um meio para alterar as lutas sociais dirigidas contra a reforma do Estado, contra a reestruturação produtiva, contra a globalização, ao mesmo tempo em que o Estado realiza parcerias com o Terceiro Setor e abre-se espaço a uma articulação com a filantropia empresarial, na procura de melhores condições de vida à população. Assim, numa forma ideologizadora, as lutas de classes, desenvolvidas na sociedade 21 civil, passam a atividades de ajuda mútua em parceria com o Estado e o empresariado (CARDOZO, 2003, p.24). Neste contexto, o papel do Estado e sociedade civil sofreram mudanças significativas na forma de ação, condução de políticas e limites de atuação. “O neoliberalismo visa à reconstituição do mercado, reduzindo ou até eliminando a intervenção social do Estado em diversas áreas e atividades.” (MONTANO, 2005, p.2). Conforme Souza (2003) o modelo do Neoliberalismo começa a ser adotado é a partir da década de 80, nos países ocidentais. Sua característica primordial é o afastamento do Estado em relação à gestão de diversos setores da economia. Entretanto, somente em 1990, o governo brasileiro, através do poder executivo federal, passou a implementar ou a aprofundar, em todos os níveis, as políticas neoliberais (AZEVEDO, 2010). “Devido à crise econômica mundial, à nossa crescente dívida externa, e ao déficit interno do país, o Brasil se obriga a compactuar com as propostas do capital, agora reformuladas e ampliadas sob a forma de postulados e propostas discutidas em 1989 no Consenso de Washington. Tais propostas, de cunho neoliberal, visam a redução do Estado na economia, não intervindo nas relações trabalhistas, não controlando os preços dos produtos e nem regulando os salários, deixando de estabelecer barreiras alfandegárias para importações, etc. Esta não-intervenção estatal no mercado se fundamenta pela perda de autonomia e na diminuição da legitimidade democrática, referenciadas pela aparente “inviabilidade financeira” do Estado frente às funções essenciais de proteção e manutenção da nação, bem como no risco a perda da “liberdade” defendida pelos neoliberais, expressa pela ausência de debates e confronto de interesses (CARDOZO, 2003, p.25). No caso do Brasil, é consenso na literatura que o Neoliberalismo é operacionalizado, com maior nitidez, na década de 90, no governo de Fernando Henrique Cardoso (MORAES; SANTANA,2012, p.56). 22 A crise social e econômica que ocorria no Brasil em 1986, ocorreu pela falta de uma postura ativa, por parte do governo federal, no que tange às políticas públicas. Esta ausência do poder público demonstrava a necessidade de uma solução para uma infinidade de problemas. (SOUZA, 2003). “Realizando uma forte crítica ao modelo estatal em curso no Brasil nos anos 80, FHC formula um processo de Reforma do Estado brasileiro, consubstanciado no Plano Diretor da Reforma do Estado. Bresser Pereira, à frente do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado” (MORAES; SANTANA,2012, p. 58) Segundo (MORAES E SANTANA, 2012), ente outros aspectos, o plano defendia a que as respostas as “sequelas da questão social” do país deveria ser transferida para o Terceiro Setor. Assim, inicia-se um processo de terceirização das políticas públicas. O Neoliberalismo imputava à sociedade civil a responsabilidade de zelar pelo desenvolvimento social do País. A sociedade civil organizada passa a representar um importante segmento que deveria buscar iniciativas e ações intervencionistas para a promoção da igualdade. Acompanhando a tendência global fundamentada, sobretudo, pelos preceitos do Neoliberalismo, estas organizações adquiriram relevância por constituir uma via para o desenvolvimento social e atendimento aos indivíduos marginalizados pelo capitalismo. 1.3. Sociedade civil e políticas públicas A possibilidade de implementação de ações que convergem na promoção da democracia nacional referenciou a sociedade civil como setor fundamental para o desenvolvimento social. 23 Tradicionalmente, ações públicas de desenvolvimento social são imputadas pelo Estado em forma de políticas públicas. Estas, são entendidas como a reunião de ações e decisões exercidas por um governo visando solucionar demandas sociais existentes e promover a igualdade social e bem estar dos cidadãos. “Políticas Públicas são a totalidade de ações, metas e planos que os governos (nacionais, estaduais ou municipais) traçam para alcançar o bem-estar da sociedade e o interesse público"(LOPES; AMARAL, 2008). Nessa seara de atuação evidencia-se um novo protagonista no desenvolvimento social: A sociedade civil organizada. Agindo em prol do desenvolvimento social em campos outrora de exclusividade do Estado, suas ações constituem políticas públicas formais. Segundo Azevedo (2010) a trajetória histórica da sociedade civil no Brasil, nas três últimas décadas do século XX, acentuaram o fortalecimento da categoria no movimento de redemocratização do País. O Estado, por sua vez tem a oportunidade de buscar novos atores sociais como colaboradores. Tal conduta permite o contato com novas políticas, posturas, culturas e experiências que podem mudar o seu paradigma existente de atuação. Deve-se valorizar novas formas de experimentação e fortalecimento visando aprimorar a atuação do poder público. “É na originalidade das novas formas de experimentação institucional que podem estar os potenciais emancipatórios ainda presentes nas sociedades contemporâneas” (AZEVEDO,2010, p. 219). Os movimentos sociais refletem mais do que reações às privações materiais, pois vislumbram o potencial político que pode ser construído a partir da criação pela sociedade civil de espaços públicos de discussão que aumentam a capacidade de controle do poder institucionalizado. Sua importância mostra-se cada vez maior nas sociedades democráticas que sofrem com a crise da representatividade sem, no entanto, promoverem a criação de novas esferas públicas de participação (AZEVEDO,2010, p. 222). 24 Outra questão importante se tratando se sociedade civil, é o poder de mobilização social. O poder de convocar interessados e colaboradores para atuarem alinhados com o mesmo propósito permite reunir recursos humanos, com competências e experiências distintas, agregando valor e capacidade técnica a ação em desenvolvimento. “Em face disso, explicita-se a capacidade de mobilização, participação e conscientização política da sociedade civil, configurada numa importante referência ao aprimoramento e reafirmação do Estado Democrático de Direito” (AZEVEDO,2010, p. 218). "Quanto mais forte for a influência da luta por reconhecimento de um determinado grupo, ou quanto maior for o número de exigências sociais em função de uma mudança específica, mais haverá de surgir, por consequência, uma espécie de horizonte de interpretação subcultural que explicará a relação motivacional entre sentimento individual de injustiça e luta coletiva por reconhecimento (SAAVEDRA; SOBOTTKA, p.16, 2008) Conforme AZEVEDO (2010) a sociedade civil organizada atua em temas relevantes e latentes na sociedade, que carecem visivelmente de atenção em prol de sua solução. As contribuições desenvolvidas permitem não só impactar positivamente o problema existente, como produz pressão na sociedade política. O processo de participação público desenvolvido permite o compartilhamento de necessidades, adoção de decisões e estabelecimento de mecanismo para atende-los obedecendo o interesse coletivo e proporcionando a almejada transformação social. A legitimação alcançado pelo setor público e opinião pública imputa ao Terceiro Setor a possibilidade de se consolidar enquanto importante ator na sociedade. “O Terceiro Setor tem a sua importância política, econômica e social no âmbito da sociedade, que apesar da sua aparente desestrutura inicial, está caminhando na busca de sua legitimação enquanto instrumento de acesso a bens e serviços básicos à população carente”. (CARDOZO, pág. 25, 2003) É evidente que o terceiro setor não pode ser apreendido como a panacéia, a solução final para todos os problemas humanos. Se 25 aceitarmos a crença de que o terceiro setor resolve tudo, estaremos retirando a responsabilidade dos governos e da sociedade mais ampla de apresentar respostas aos anseios das populações. (MURARO; SOUZA LIMA, 2003, p. 87) Tradicionalmente ligado à filantropia, com ações de doação, caridade e ajuda mútua, a sociedade civil evoluiu com o passar dos anos. A profissionalização dos indivíduos atuantes neste campo e a atração de técnicos e acadêmicos possibilitou a sociedade civil organizada, desenvolver ações técnicas e relevantes. As atividades desenvolvidas tornaram-se mais complexas, abrangentes e contextualizadas com a realidade vivenciada. Isto permite atuar de forma sistêmica, buscando não só minimizar os efeitos das mazelas sociais, como ocorria antigamente. Agora, é possível buscar impactar a origem dos problemas sociais implementando ações em múltiplos níveis e esferas sociais. Esta nova ordem de trabalho aproxima-se da conceituação de uma política pública. Conforme Mattos e Drummond (2005), a sociedade civil vem gradativamente assumindo um papel de protagonista, uma vez que o Estado reduziu sua presença, tornando-se cada vez mais orientador e normatizador. “São as ONGs que se dispõem a vigiar criticamente o Estado, lutando para se fazer ouvir na formulação de políticas públicas e prontas a oferecer propostas inovadoras de atuação a partir de seus próprios projetos experimentais” (OLIVEIRA; HADDAD, 2001, p.69). Assim, sobra à sociedade civil espaço para executar ações e alcançar um nível de domínio e competências que o Estado não consegue ter. 26 SEGUNDO CAPÍTULO: PROSTITUIÇÃO: UMA PROFISSÃO 2.1 Histórico A existência de indivíduos marginalizados em uma sociedade, sem dúvida nenhuma é um imperativo para a existência de problemas sociais. Ao cidadão que se desenvolve longe do amparo concedido pelos aparelhos públicos do estado resta apenas viver diante de um quadro social desproporcional aos demais. A igualdade social tão almejada e pronunciada na história da humanidade não é contemplada por todos os cidadãos brasileiros. A prostituição, sem dúvida nenhuma tem seu lugar na história. Conhecida popularmente como “a profissão mais antiga do mundo”, a prática da prostituição remonta a séculos. De acordo com Roberts (1998) há registros da existência da profissão há cerca de 25.000 anos. “Sob o aspecto histórico, a prostituição é atividade que nos remete há cerca de 25.000 anos atrás, onde cultos de fertilidade eram feitos e oferecidos a “Grande Deusa”, na expectativa de que esta trouxesse fertilidade aos povos. Nesta remota época, a prostituição era até que vista com bons olhos dentro de uma sociedade matriarcal sendo que os cultos religiosos se confundiam com os cultos sexuais” (GALVÃO; BERTIOGA,2012, p.3). Um dos primeiros relatos da mercancia do sexo ocorre por volta de 3.000 ac, nas primeiras sociedades civilizadas que se desenvolveram na Mesopotâmia e Egito. As prostitutas ocupavam posição central na sociedade, sendo consideradas sagradas. Cabia aos reis buscar junto às prostitutas a benção das ditas “deusas” e sacerdotisas para que o poder real fosse legitimado. Para tanto era necessário a realização de rituais sexuais, que só ocorriam mediante o pagamento (ROBERTS,1998). A prostituição pode ser entendida como o oferecimento de favores de cunho sexual praticado por homens e mulheres visando à obtenção de vantagem econômica. “A prostituição pode ser definida como a comercialização da prática 27 sexual, geralmente em troca de favores ou vantagens monetárias” (AQUINO; XIMENES E PINHEIRO, 2010, p.19). Sua existência fomenta o imaginário popular, que reveste as profissionais de simbolismo, associações, curiosidades. Sua existência é revestida de preconceitos históricos e culturais e injustiças. Associada a imoralidade, tal prática sempre encontrou resistência empregada pela moral católica dominante. Mas “foi basicamente no final do século XIX, que a prostituição passou a ser considerada como ofensa à moralidade, sendo que neste período tínhamos uma sociedade essencialmente patriarcal que passa a exercer certo controle puritano com relação à sexualidade.” (BARBOSA, 2011 APUD GALVÃO; BERTIOGA, 2012) A questão da prostituição sempre esteve muito ligada à ótica religiosa, influenciada sob viés reprodutivo. Um pensamento dominante imperou durante muitos séculos associando a prostituição e imoralidade, o que acabou por marginalizar as prostitutas. A grande força quanto à marginalização da atividade, sempre esteve intimamente ligada aos ditames da religião de uma forma geral, uma vez que esta dita as tendências éticas e morais a serem seguidas pela sociedade. Exemplificando, a Igreja católica trouxe a colocação do sexo fora do casamento como um pecado e as prostitutas como figuras destinadas a padecer no inferno e na marginalidade, por venderem seu corpo em troca de remuneração. (GALVÃO; BERTIOGA, 2012, p.9). Lutando contra costumes e dogmas religiosos, a prostituição passou a se sub desenvolver à margem da moral dominante, ficando exposta a preconceitos de distintas ordens dos indivíduos que se diziam contra a prática. “A moral e a ética desempenham papel importante na formação do caráter do indivíduo e da sociedade como um todo, todavia é com base nestes preceitos que as discriminações se fundamentam.” (GALVÃO E BERTIOGA, 2012, p.2) A prostituição é uma realidade incontestável, marginalizada, mas incontestável. Incontestável também é a ausência de sua regulamentação, mas esta é remediável. Com esta, advém a 28 possibilidade de reestruturação da profissão mais antiga do mundo, bem como o nascimento da dignidade daquelas jogadas a margem da sociedade por tantos séculos. (GALVÃO; BERTIOGA, 2012, p.13) Não cabe aos cidadãos, fruto de determinismos sociais, excluir outro indivíduo semelhante impondo a ele humilhação e negação de valores e direitos, afastando-o do convívio social tradicional e segregando-o. “Fugir a regras préestabelecidas por padrões culturais gera conflitos e trazem consequências, muitas vezes, estigmatizantes e segregadoras para os desviantes dessas normas”. (Aquino, Ximenes e Pinheiro, 2010, p.18). “Uma maior ênfase ao combate contra a exploração sexual de mulheres toma maior corpo a partir do final do século XIX, inclusive com participação efetiva da Organização das Nações Unidas (ONU) com adoção de convenção a fim de erradicar a prostituição. A situação tornou-se ainda mais aguda com o advento das doenças sexualmente transmissíveis, principalmente a AIDS na década de 1980. O Estado foi obrigado a intervir com necessidade de medidas profiláticas de higiene, não havendo mais espaço para ignorar o comércio marginal de sexo, o que como consequência implicou em uma reorganização dos valores e costumes da sociedade.” (GALVÃO; BERTIOGA, 2012, p.5) Com a alteração da conjuntura social, e influenciado pelos crescentes movimentos no âmbito mundial visando direitos, as prostitutas iniciaram sua jornada de lutas, tais como fim da marginalização e discriminação e pelo livre exercício legal da profissão. “Diante de tantas injustiças cometidas contra as prostitutas, elas começam a ganhar destaque na sociedade e passam a lutar por seus direitos como trabalhadoras já no início do século XX” (REBOLHO, 2010, p. 90). Ainda versando sobre o tema, Afonso e Scopinho (2013) completa “na década de 1980, no Brasil e em outros países, algumas profissionais do sexo começaram a se organizar em defesa de seus direitos” (AFONSO; SCOPINHO, 2013, p.1) 29 No Brasil, de acordo com Rebolho (2010), a prostituição passou ocupar as agendas do governo apenas no final do século XX. Com o avanço da AIDS, tráfico de mulheres, e a exploração sexual contra crianças e adolescentes, o poder público passou a destinar ações com a finalidade de alterar as perspectivas negativas ligas à prostituição, que começavam a chamar a atenção da sociedade em geral. No Brasil, a primeira mobilização relevante, envolvendo reivindicação por direitos de pessoas que se prostituem ocorreu no ano de 1979, na cidade de São Paulo. Na ocasião, manifestantes e a polícia entraram em confronto, fato que resultou na morte de três manifestantes, sendo uma mulher grávida. (AFONSO; SCOPINHO, 2013). Este movimento por sua vez orientou novas passeatas e movimentos contra a repressão sofrida pela polícia no contexto de trabalho das prostitutas. Em 1987, dissidentes da primeira manifestação, organizaram no Brasil o evento denominado “I Encontro Nacional de Prostitutas. Sobre o lema “Mulher da Vida, é preciso falar”. O evento ainda foi um marco para as prostitutas, uma vez que foi constituído a Rede Brasileira de Prostitutas. A data constituiu um marco histórico e fomentou a criação de associações regionais (AFONSO; SCOPINHO, 2013). Atualmente, o Brasil possui diversas associações e entidades que lutam em defesa dos direitos de prostitutas; estas, têm procurado ainda construir alianças com outros setores da sociedade com vistas a alcançar o reconhecimento de seus direitos e de sua condição de cidadãs. Ao incluir seus questionamentos e reivindicações na agenda pública, tais movimentos lograram, particularmente a partir da década de 1990, trazer outros setores da sociedade para a discussão de propostas relacionadas ao campo da prostituição (RODRIGUES, 2004, p.12). Negar aos indivíduos que se prostituem, direitos e deveres enquanto cidadãos, os marginaliza afastando de si políticas públicas de segurança, saúde, previdência social e educação, atraindo ao seu convívio práticas de ilicitudes e os destinando, sobretudo, espaços ocupados por outros indivíduos excluídos 30 socialmente. A exposição e interação entre estes indivíduos permite a socialização de mazelas e consequentemente a degradação do estágio social inicial. Desta forma, cabe ao arcabouço legal do país efetivar direitos, e proporcionar a legalidade na questão da prostituição, devolvendo a elas o seu papel social, que até então é cerceado e cercado de hipocrisia de uma sociedade que moralmente se diz contra a prática, mas na verdade financia tal mercado informalmente, fazendo uso dos serviços prestados e sujeitando pessoas e ambientes a riscos e vulnerabilidades sociais, que não existiriam caso houvesse a regulamentação legal. 2.2 A prostituição sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro A doutrina legal de um País deve evoluir de tal forma que possa legislar sobre as matérias conflituosas, fomentando direitos com base no desenvolvimento atingido pela sociedade. A necessidade se expressa devido a mudanças sociais, culturais e políticas no âmbito da comunidade. Tais mudanças exigem que novos campos sejam abrangidos pelo conhecimento jurídico. As necessidades são emanadas pelas dinâmicas sociais existentes. “O direito então deve ser geral o suficiente para levar em consideração todos interesses de todos os participantes da comunidade” (SAAVEDRA; SOBOTTKA ,2008, p.11). Cabe ao ordenamento jurídico de um país legislar sobre matérias políticosociais do Estado, compreendendo direitos individuais e públicos, a exemplo dos direitos humanos nacionais em consonância com os direitos humanos internacionais. Outra função inerente ao arcabouço legal é preceituar matérias que compreendem a organização do Estado, regulando a coletividade através de normas, jurisdições, dentre outras matérias judiciais e legislativas que concernem à garantia de direitos e deveres. Isto possibilita a manutenção da ordem social, o que nos remete à ideia do contrato social. 31 No modelo de Estado, que vigora atualmente, a luz do contrato social, proposto por teóricos contratualistas tais com Thomas Hobbes (1651), John Locke (1689) e Jean-Jacques Rousseau (1762) explicita a noção de organização do Estado, onde as pessoas ao abrir mão de parte dos seus direitos individuais, legitimavam a atuação unitária do Estado como garantidor da paz social. É importante, a respeito do ordenamento jurídico de um país, destacar a Constituição como lei suprema, tipificada no Direito Público fundamental, que regula a organização e funcionamento do Estado, seus elementos primários, e a regulação das bases da estrutura política, como forma de direcionar o direito do país a noção de objetivos e princípios comuns. Sob o aspecto do sistema jurídico-político de enquadramento da prostituição, a doutrina apresenta três sistemas principais que vigoram na comunidade internacional. “Os serviços sexuais prestados pelas prostitutas também foram objeto de regulação pelo ordenamento jurídico, através de sistemas normativos. Estes se agrupam, basicamente, em três modelos: o sistema de proibição; o sistema de descriminalização; e o sistema de legalização” (ROMFELD,2013, p.36). O sistema denominado proibicionista é aquele que nega de todas as formas a existência da prostituição, criminalizando todos os indivíduos envolvidos com a prática. Tal sistema considera a prostituição um mal a ser erradicado. Este sistema “criminaliza praticamente todas as manifestações da prostituição: a prostituta, o “cafetão” (tecnicamente chamado de proxeneta) e o cliente” (ROMFELD, 2013, p.36). Já o sistema regulamentista, considera a prostituição como fenômeno social, integrado à sociedade e devido sua condição, não é possível exclui-la. Assim, deve-se regulamentar a profissão, evitando a clandestinidade e os males impostos por esta condição. Este sistema “encara a prostituição como um fenômeno social não erradicável; a prostituta, nesta perspectiva, é vista como 32 uma prestadora de serviços (ROMFELD,2013, p.49). São exemplos de países regulamentarista a Holanda e Bélgica. O sistema abolicionista “é aquele em que a prestação de serviços sexuais não é objeto de sanção pelo direito penal. No entanto, são criminalizados tanto o cliente como aquele que vive da prostituição alheia, com o intuito de atacar a demanda existente pelo serviço sexual.” (ROMFELD, 2013, p.42). A punição é orientada para aquele, contribui para o exercício da profissão . Países como a Alemanha, Áustria, Reino Unido, Irlanda, Austrália, Suíça e a Nova Zelândia, Portugal, Espanha, Itália, França, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Luxemburgo e Suécia, adotam o sistema abolicionista. Estes países são signatários da Convenção das Nações Unidas de 1949. Esta convenção considerou a prostituição incompatível à dignidade humana (AFONSO; SCOPINHO, 2013). O Brasil, seguindo tendência da maioria dos países adota o abolicionismo. Esta opção é fundamentada na noção de que os profissionais do sexo são vítimas de condições sociais que os impõe como única opção de trabalho a prostituição. O exercício da profissão seria muitas vezes sob exploração ou coação proporcionado por terceiros (AFONSO; SCOPINHO,2013, pg.7). “Enquanto alguns países visam regulamentar e dispor em seus ordenamentos jurídicos sobre o meretrício, outros, como é o caso do Brasil, fecham os olhos perante a realidade, visando não adentrar uma seara repudiada pela sociedade do ponto de vista moral” (GALVÃO; BERTIOGA, 2012, p.2). Conforme explicita Galvão e Bertioga (2012) o regulamentarismo da profissão se desenvolve junto com a evolução dos direitos fundamentais na sociedade. Assim como forma de combater a exploração sexual o Estado adota regras, que possibilitam transformar a prostituição em uma atividade como qualquer outra. A questão moral cercou a evolução do direito. " com o surgimento de uma moral ou de uma sociedade pós-tradicional, houve também uma separação da 33 função do direito e daquela do juízo de valor" (SAAVEDRA; SOBOTTKA, 2008, p. 12) “E direito de toda pessoa adulta livre dispor de seu corpo como melhor lhe aprouver, porque, embora tenhamos o direito de ser preconceituosos – e todos o somos, mais ou menos – não temos o direito de fazer do nosso preconceito um direito, sobretudo quando isso implique marginalização social do outro e negação da sua liberdade de decidir sobre seu próprio destino” (QUEIROZ, 2007, p.8). A prostituição, enquanto prática social, conforme já mencionado, remonta a milênios. Entretanto tal matéria ainda hoje e ausente de legislação específica no Brasil. Diversos projetos de lei já foram apresentados, entretanto nenhum chegou a ser de fato aprovado. O tipo de reconhecimento característico das sociedades tradicionais é aquele ancorado na concepção de status: em sociedades desse tipo, um sujeito só consegue obter reconhecimento jurídico quando ele é reconhecido como membro ativo da comunidade e apenas em função da posição que ele ocupa nesta sociedade (SAAVEDRA; SOBOTTKA, 2008, p.11). A Constituição Federal (CF) institui a lei máxima no Brasil. O texto constitucional imprime normas governamentais básicas e soberanas, definindo políticas, direitos e princípios básicos a serem seguidos no âmbito da república federativa, além de estruturar poderes e deveres do governo. A constituição promulgada em 1988 ainda está em vigor no Brasil. Seu texto correspondeu aos anseios sociais, uma vez que fundamenta-se em princípios sociais e atenção aos direitos humanos. Entretanto, os constituintes não fizeram menção no texto constitucional de aspectos legais ligado a prostituição. “A Constituição Federal de 1988 não faz qualquer menção à defesa dos costumes e da moralidade pública, todavia, na 34 medida em que essa questão continua associada à ordem pública” (RODRIGUES, 2004, p.15). As matérias e dispositivos legais ligados à prostituição somente obtém respaldo em legislações infraconstitucionais ou leis que tratam de temas gerais que permeiam o assunto. Assim não existe uma lei especifica que versa sobre a temática. O código penal brasileiro, no capítulo 5, intitulado “Do lenocínio e do tráfico de pessoas para fim de Prostituição ou outra forma de exploração sexual”, apenas criminaliza os indivíduos que obtém vantagens advindas do favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual. O artigo 228 explicita como crime “Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone” prevendo penas de reclusão entre dois e cinco anos, além de multa. Subsequente ao artigo 228, o artigo 229 prevê como crime “Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente”. Há ainda o artigo 230 que prevê o crime conhecido como rufianismo, com a seguinte descrição “Art. 230 - Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça, Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa” (BRASIL, 1940). Há ainda o Artigo 231 que expressa: “Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009). Os quatro artigos do código penal classifica a ilicitude apenas do ato condicionado de obter vantagens da pessoa que se prostitui. Neste aspecto estão descritos os indivíduos conhecidos popularmente como “cafetões”, “cafetinas” dentre outros, que obtém vantagem econômica dos que se prostituem, pelo fato de facilitar ou viabilizar a prostituição. “A legislação penal que orienta o sistema de justiça criminal criminaliza somente atividades que impliquem em fomentar, tirar 35 proveito ou impedir que alguém abandone a prostituição” (RODRIGUES, 2004, p.1). A legislação penal apenas abrange atos que ocorrem em torno da prática, não inferindo como crime a prostituição em si. Atualmente, no ordenamento jurídico brasileiro há uma série de dispositivos legais que preconizam a igualdade e liberdade aos cidadãos. O Artigo 1º nos incisos II, que trata da cidadania, e o III que trata da dignidade da pessoa humana. O artigo 3º ao constituir os objetivos que fundamentam a República Federativa do Brasil, cita no inciso III “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e ainda completa no inciso IV " promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (Brasil, 1988). Entretanto, o caput do artigo 5, detém uma expressiva declamação de liberdade plena: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: intolerância contra um grupo negando dignidade e personalidade jurídica e social (Brasil, 1988). No primeiro capitulo, que trata dos princípios fundamentais que regem a republica federativa do Brasil, estão elencados os seguintes incisos: II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. No Artigo 5º inciso XIII “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Partindo do princípio da dignidade da pessoa humana, e para se tratar a prostituta como pessoa humana, é necessário respeitar a autonomia da vontade (QUEIROZ, 2007). É notória a expressão dos constituintes quanto à função da República federativa do Brasil em zelar pela igualdade e fim da marginalização. 36 Conforme Rodrigues (2004) os padrões morais hegemônicos existentes em nossa sociedade impõe uma série de restrições à prostituição, especialmente em relação ao seu exercício público e aos indivíduos que exercem tal atividade como profissão. Entretanto, este estigma de informalidade atribuído à prostituição está mudando no Brasil. Cabe ressaltar que a prostituição de indivíduos menores de idade 18 é crime conforme artigo 244-A do Estatuto da criança e do adolescente “Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2o desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual” 1 (BRASIL,1990). A prática sexual com indivíduos menores de 14 é tratado pela legislação como estupro de vulnerável. Atualmente o trabalho de prostituta é reconhecido pelo Ministério do Trabalho, através da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO,2002). Codificado pelo número 5198 e intitulado “Profissionais do sexo” (CBO,2002), a profissão foi inserida na referida classificação no ano de 2002 na categoria “prestador de serviço”. Vale ressaltar que o CBO teve sua primeira edição em 1982. Somente no ano de 2002 foi editada e publicada uma nova classificação, que traz de fato mudanças significativas na metodologia e classificação. O conteúdo do novo documento é mais abrangente e condizente com o cenário profissional contemporâneo. A classificação realizada em 2002 ainda vigora em 2014. “Sua atualização e modernização se devem às profundas mudanças ocorridas no cenário cultural, econômico e social do País nos últimos anos, implicando alterações estruturais no mercado de trabalho.” (BRASIL, 2002). A Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, instituída por portaria ministerial nº. 397, de 9 de outubro de 2002, tem por finalidade a identificação das ocupações no mercado de trabalho, 1 Conforme artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade” (BRASIL,1990) Formate corretamente esta nota de rodapé. Tamanho 10, justificado, espaço simples. 37 para fins classificatórios junto aos registros administrativos e domiciliares. Os efeitos de uniformização pretendida pela Classificação Brasileira de Ocupações são de ordem administrativa e não se estendem as relações de trabalho. Já a regulamentação da profissão, diferentemente da CBO é realizada por meio de lei, cuja apreciação é feita pelo Congresso Nacional, por meio de seus Deputados e Senadores, e levada à sanção do Presidente da República (BRASIL, 2002). A CBO é o documento referência, a título de reconhecimento, nomeação e codificação das ocupações profissionais no mercado de trabalho brasileiro. Sua existência possibilita o acesso do profissional um rol de direitos básicos. Além disso, o profissional tem acesso a outros benefícios semelhante a outros profissionais liberais tais como possibilidade de cadastro junto ao INSS como autônomos. Com registro no INSS é possível a estes cidadãos, se tornarem segurados da Previdência Social. Outra importância da inscrição no CBO é o acesso a políticas públicas destinadas os profissionais. A ocupação já existe, agora falta regulamentar a profissão através da promulgação de um decreto de lei. A incerteza quanto o certo e o errado, se tratando de assuntos correlatos à prostituição, impedem a regulamentação total da profissão, expondo clientes e profissionais aos perigos do mercado paralelo do sexo. Tal ausência de regulamentação, fundamentado, sobretudo, pelo preconceito, impede a aproximação do poder público em questões que tangem saúde e segurança pública, setores estes que estão vulneráveis à prática ilegal da prostituição. Tais atividades laborativa contém em seu cerne, elementos que expõe as profissionais e clientes às vulnerabilidades sociais advindas da ausência de regulamentação, restando ao mercado o seu desenvolvimento à margem da legalidade. Esta condição é desastrosa, refletindo de forma sistêmica e generalizada. A marginalização e clandestinidade imposta pelo poder público afastam a atuação expressiva de serviços públicos básicos. 38 Considerando os riscos da ausência de ações públicas ficam os cidadãos atingidos pela existência da prostituição não regulamentada, expostos a riscos e vulnerabilidades sociais. Um exemplo o risco de contágio de moléstia sexualmente transmissível advindo do contato sexual inseguro. A suscetibilidade a integridade física, considerando a ausência expressiva de forças de segurança pública e a iminência de fatos ilícitos sem a devida resposta da polícia. Além disto, pode se citar a presença de criminosos tais como exploradores sexuais e traficantes que possam trazer violência para o meio. TERCEIRO CAPÍTULO: ASPROMIG 3.1 Estudo de caso: A Associação das Prostitutas de Minas Gerais Para a realização do estudo de caso foi escolhido como objeto A Associação das Prostitutas de Minas Gerais – APROSMIG. A escolha do objeto justifica-se pelo ineditismo representado pela organização e também pela relevância adquirida na mídia e junto a opinião pública, fruto dos resultados alcançadas com o trabalho desenvolvido. A ASPROMIG tem se destacado no cenário nacional, através do alcance de ações pontuais e resultados concretos em favor da classe defendida. Para que o estudo de caso tenha sucesso, é necessário explicitar o contexto de criação da associação, bem como sua organização e resultados alcançados. A ASPROMIG é uma organização sem fins lucrativos sediada em Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais. A sede do organização está presente na rua Guaicurus, área central de Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais. Este local é conhecido pela grande densidade de prostíbulos e polo fluxo de indivíduos buscando os serviços prestados por estes profissionais. Atualmente a entidade é presidida por Maria Aparecida Vieira, que também foi a fundadora da organização e trabalha como prostituta. As experiências e 39 vivências acumuladas no exercício da profissão proporcionaram a Cida acumular conhecimento e entender os desafios e possibilidades inerentes para a melhoria da classe. Personalidade ativa em prol da socialização de direitos e melhorias para as prostitutas em Minas Gerais, Cida começou a desenvolver sua militância no chamado “Grupo de Apoio à Prevenção- GAPA”. O grupo constituía uma reunião de cidadãos que agiam junto aos profissionais do sexo desenvolvendo orientações diversas sobre doenças sexualmente transmissíveis. O GAPA ainda desenvolvia atividades de atenção psicológica. Segundo Cida após dois anos de voluntariado surgiu a ideia de se criar a ASPROMIG. Atualmente a sede física da ASPROMIG funciona juntamente a sede do GAPA. O objetivo central da ASPOMIG é lutar por direitos e melhorias nas condições de trabalho para homens, mulheres, transexuais e travestis que se prostituem. O trabalho desenvolvido na associação ganhou notoriedade na mídia nacional após Cida Vieira receber uma homenagem na Câmara Municipal da cidade, em função das ações e conquistas alcançadas em prol das garotas de programa. Fruto do trabalho desenvolvido pela ASPROMIG, há uma gama de resultados alcançados buscando atingir a atividade finalística da organização, bem como oferecer ao seu público alvo alcance das demandas emergidas. Através de ações desenvolvidas é possível vislumbrar atividades que permitem a melhoria nas condições de trabalho e na qualidade de vida dos profissionais do sexo que trabalham na cidade de Belo Horizonte. Abaixo se apresentam os principais resultados: Desenvolvimento frequente de campanhas de conscientização e educação sexual e sobre a prática sexual protegida com meios contraceptivos e barreiras físicas e químicas evitando o risco de contágio com DST’s (ASPROMIG). Estas ações são periódicas junto aos profissionais e clientes dos pontos de prostituição presentes no centro de Belo Horizonte 40 Fornecimento diário e gratuito de preservativos na sede da organização e em ações educativas. (ASPROMIG) Oferecimento gratuito de aulas de idiomas para os profissionais o sexo. As aulas disponibilizadas são ministradas por professores voluntários e compreendem os seguintes idiomas: inglês, espanhol, francês e italiano. (ASPROMIG) Realização de cursos voltados para a capacitação das profissionais (ASPROMIG) Realização de uma parceria com a Caixa Econômica Federal que reconheceu os preceitos da CBO, considerando as prostitutas como profissionais autônomas. Assim, estas profissionais podem abrir conta bancária - modalidade de pessoa jurídica - como profissional autônoma. Isto possibilita as profissionais, receber máquinas para operações de paramento de cartões com função de débito e crédito. Tal benefício aumenta a segurança, prevenindo a vulnerabilidade a roubos, além de modernizar a modelo de transação financeira e consequentemente a profissão. A conta bancária jurídica é vinculada a um CNPJ e possibilitam ao titular a cobertura da previdência social, auxílio doença, aposentadoria por invalidez ou idade, pensão por morte, salário maternidade, auxilio reclusão e talões de cheques, empréstimos e cheque especial. (ASPROMIG) Organização em 28 de junho de 2013 do 1º Seminário sobre legalização da prostituição em Belo Horizonte. Sob o tema “Prostituição e Legalização: Trabalho, Direito e Cidadania”, o seminário permitiu o debate sobre temas que permeiam a prostituição, tais como: direitos humanos, violência, saúde pública, segurança pública e cidadania dos profissionais do sexo. O evento que contou com representantes da prefeitura de Belo Horizonte, ONGs e sociedade civil, aconteceu no Auditório da Secretaria Municipal de Políticas Sociais da PBH. 41 Organização de campanhas de saúde pública com as profissionais do sexo, com o oferecimento de mamografias e outros exames clínicos, tudo fornecido gratuitamente. Representatividade em audiências públicas e Comissão Parlamentar de Inquérito, tais como a CPI do “tráfico de pessoas no Brasil, suas causas, consequências e responsáveis no período de 2003 a 2011, compreendido na vigência da Convenção de Palermo”, onde a Presidente da ASPROMIG discutiu com outras ONG’s e parlamentares sobre a regulamentação da atividades dos profissionais do sexo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os preceitos sociais de igualdade, liberdade e não discriminação são inerentes a todos os seres humanos, sendo ainda inalienáveis e não renunciáveis. Partem do princípio dos Direitos Humanos, estes, coletivamente construídos ao longo da história e somente proclamados oficialmente, pelas Nações Unidas, em 1948, através da Declaração Universal dos Direitos Humanos. (ONU,1948) No Brasil após históricas lutas por direitos, as prostitutas veem conquistando uma série de direitos e reconhecimentos de demandas antes negadas ou oprimidas pelo Estado e a sociedade. Na teoria, à luz da Constituição Federal de 1988, "todos são iguais perante a lei" (BRASIL,1988) entretanto esta igualdade ainda baseia-se em dogmas religiosos e na noção que a maioria detêm sobre uma matéria. Logo, quem foge à regra social é marginalizado pela maioria que detêm o poder de influência. À margem da sociedade e distante do poder público brasileiro, a prostituição seguiu seu percurso histórico, se desenvolvendo e se reinventando, mas nunca se extinguindo. 42 Em Belo Horizonte-MG, uma organização social vem alcançado importantes conquistas e buscando reverter o determinismo existente, oferecendo as profissionais do sexo, melhorias de distintas ordens. O movimento legitimado pela ASPROMIG nos últimos anos aumentou e se intensificou, adquirindo organização e relevância. Por meio de uma mobilização social organizada pelo grupo, foi possível uma busca por reconhecimento de direitos básicos e suprimento do preconceito existente. O grupo social apresentado possui alto índice de vulnerabilidade social, com diversos registros de atos de violência física e moral. Destaca-se o preconceito, humilhação e violência física gratuita e sem motivos. Tais fatos apresentados são uma oposição aos DH, fundamentados na igualdade e liberdade. O Brasil enquanto signatário do tratado dos direitos humanos deve zelar por todo o rol de direitos apresentados na declaração universal. Assim, a violência é patrocinada pelo próprio Estado, ao violar a opção individual de opção sexual e violar a liberdade de expressão e profissão. A questão da profissionalização da prostituição ainda está sendo construída no País. O progresso é fruto de uma construção coletiva de todos os indivíduos. O desrespeito apresentado, não é só na figura do Estado, como detentor da capacidade de modificar o ordenamento jurídico em prol dos interesses individuais. Nasce do espírito de cidadania, respeito e tratamento igual a todos. A lei deve servir o cidadão. As relações sociais então sempre em constante mutação, gerando novos contextos que entram em confronto com a base jurídica existente. Assim é necessário promover mudanças e reformas buscando abranger todas as situações que venham a ocorrer. Entretanto, há um longo caminho a se percorrer no campo da igualdade de direitos dos profissionais do sexo. É necessário estabelecer uma base jurídica, a partir do reconhecimento profissional, proporcionando um rol legal que estabeleça outros direitos correlatos. 43 As reivindicações legitimadas e efetuadas permitiram que a sociedade passasse a se adaptar para acolher o novo segmento social. Não só a evolução da doutrina legal, como também a econômica, social e cultural. Cerca de 50 anos após a declaração dos DH, muitos grupos sociais ainda possuem tratamento desumano ou degradante, em função de sua posição ou condição perante o pensamento dominante da sociedade das quais participam. Apesar do Brasil já apresentar avanços, muito ainda há de ser feito. Mas uma vitória já foi alcançada, pois o Estado e o Direito saíram da inércia e estão buscando meios de garantir as demandas sociais evidentes. A isonomia social e o acesso aos direitos humanos que passaram a ser defendidos com intensidade e legitimidade após o Neoliberalismo, e a promulgação da declaração internacional dos direitos humanos veem proporcionando um avanço considerável. A igualdade e a liberdade só existem em uma sociedade democrática e soberana, em que todos residentes sejam cidadãos vivendo à luz de direitos sociais e tratados de forma fraterna. A superação de preconceitos sociais é ponto inicial para a discussão e fornecimento de uma base jurídica compatível com cada classe marginalizada existente no País. De nada adiante o cidadão gozar de direitos sociais, a medida que seu semelhante está exposto a desigualdades. Problemas sociais são sistêmicos e atingem a todos. Os movimentos sociais vêem realizando um importante trabalho frente as demandas sociais existentes no Brasil. Fruto de uma posição estratégica, entre mercado e estado, e com experiências e experimentações nascidas no seio da sociedade civil, sua atuação tem demonstrado resultados grandiosos. Seus programas se institucionalizando e constituindo políticas publicas sérias e importantes no enfrentamento das demandas latentes na sociedade brasileira. 44 A existência da ASPROMIG é provocadora, à medida que expõe a existência de uma movimentação popular buscando impactar positivamente sobre um setor da sociedade esquecido pelo poder público. O empoderamento institucional alcançado, permite à organização voz ativa, à medida que representa uma parcela da sociedade. O fortalecimento das lideranças da ASPROMIG traz visibilidade para a luta, convocando outras organizações e pessoas a unirem esforços que proporcionem benefícios para as profissionais. Fatores históricos, econômicos e políticos marginalizam socialmente o grupo em pauta. Excluídos socialmente, estes indivíduos encontram dificuldades de alcance da cidadania, uma vez que passam a ter dificuldade no acesso aos serviços públicos básicos, que constituem mecanismos de proteção social. O grupo pesquisado, possui demandas específicas, fruto da formação social e do quadro de exclusão. Estes indivíduos carecem de medidas que venham atender suas demandas naturais e as advindas pelo processo de marginalização. Isso ocorre pois a vulnerabilidade social expõe o grupo a outros problemas sociais existentes e que não eram inicialmente objeto constituinte do problemas social originário. Entretanto, a mobilização de pessoas afetadas pelo problema social, diretamente ou indiretamente, proporcionaram a organização e criação de uma entidade da social civil visando interferir positivamente sobre a realidade existente. Os indivíduos que vivenciam as mazelas sociais desenvolvem maneiras de enfrentar os fatores que os atingem. Como fruto do cotidiano, as adaptações frente às adversidades desencadeiam experiências novas e gradativas, que acabam por constituir um olhar diferenciado para auxiliar na formulação de soluções e intervenções aplicadas localmente. Além disso, aqueles indivíduos desenvolveram, inclusive, meios de socialização comunitário, através de trocas de experiências e de ações efetivas com vistas à solução ou minimização dos impactos sofridos. Tais ações aplicadas em pequena escala, têm maiores 45 chances de adesão local e, por isso, podem tornar-se mais eficientes. Através da própria organização constituída, o grupo consegue desenvolver ações que busquem minimizar ou solucionar as demandas que os afetam. O estágio final deste processo é o empoderamento que ocorre à medida que o grupo compreende os desafios e possibilidades para sua inclusão social total. Neste momento, a existência de uma estrutura formal de atuação e a existência de um grupo ativo e militante pela causa, obtém voz ativa, frente o poder público constituído, para exigir melhorias e apresentar soluções. Assim há interlocução entre a sociedade civil organizada e Estado, permitindo ao grupo, utilizar espaços formais e informais para não somente reivindicar, mas discutir e dar visibilidade a ações desenvolvidas. Estas ações, caso apropriadas pelo Estado podem fomentar políticas públicas estratégicas atendendo às demandas específicas existentes. 46 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 2. AFONSO, M.L.; SCOPINHO, R.A. Prostituição: uma história de invisibilidade, criminalização e exclusão. Seminário internacional fazendo gênero 10. Florianópolis, 2013 AZEVEDO, D. A. Movimentos Sociais, Sociedade Civil e transformação social no Brasil. Revista Multidisciplinar da Uniesp saber acadêmico. São Paulo, 2010. BNDS. Terceiro Setor e Desenvolvimento Social. Relato Setorial 3. 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