8 Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho BFB 738 - ELETRICIDADE E ELETRÔNICA APLICADAS À BIOLOGIA Prof.: Geraldo Cidade Capítulo 2 Circuitos DC com Elementos Dissipativos 2. Introdução Neste capítulo, através da revisão dos conceitos básicos vistos no capítulo 1, chegaremos a métodos que facilitam a análise de circuitos reais. O elemento dissipativo, por excelência, é o resistor, que transforma em calor grande parte da energia para ele transferida. Os componentes existentes no mercado trazem especificado em seu corpo o valor da taxa de energia (potência elétrica) máxima que podem dissipar sem que sofram quaisquer danos. Trazem impressas também informações sobre seu valor nominal e a tolerância (porcentagem máxima de variação ohmica) que lhes foram impostas durante sua fabricação; salvo alguns casos especiais, esta tolerância é de, normalmente, ± 1%, ± 5% ou ± 10%. 2.1. Circuito Elétrico Elementar Qualquer circuito elétrico real, por mais simples que seja, deverá conter em sua configuração pelo menos uma resistência elétrica física (resistor), ou mesmo sua manifestação através de outros elementos, dado seu caráter dissipativo. Ao conectar um gerador de tensão DC com E volts nos terminais de um resistor de R ohms (Fig. 2.1a) , por este fluirá uma corrente elétrica de I ampères. A relação entre estes dois valores é estabelecida pela lei de Ohm, da forma mais apropriada: I V R R ou V I V R. I ou (2.1) Ao ligar um gerador ideal de corrente DC, com I ampères, em um resistor de R ohms, sobre seus terminais será estabelecida uma ddp de V volts (Fig. 2.1b). (a) (b) a a + + E R I R I V _ _ b b Figura 2.1. Circuito elétrico elementar empregando fontes de tensão (a) e de corrente (b). 2.2. Resistências em Série 9 Na fig. 2.2a observa-se uma única corrente elétrica I, que flui através dos resistores R1 e R2. (a) (b) a + a I R1 + V _ + c _ R2 + Vac I1 I G1 I2 G2 V _ Vcb b _ b Figura 2.2. Circuitos em série (a) e em paralelo (b). Segundo a lei de Ohm: Vac = R1.I sobre R1 (2.2) Vcb = R2.I sobre R2 (2.3) Logo, a tensão entre os terminais a e b será: Vab = Vac + Vcb (2.4) e igual à V, pois estes também são os terminais da fonte geradora. Isto verifica a primeira lei de Kirchoff, que enuncia: “A soma das tensões em torno de uma malha fechada é nula”. A expressão (2.4) pode ser reescrita da seguinte maneira: Vac + Vcb - V = 0 (2.5) ou seja, todas as tensões medidas foram referenciadas segundo o sentido da corrente (convencional). Substituindo-se a expressões (2.2) e (2.3) em (2.4), obtém-se: Vab = R1.I + R2.I = (R1 + R2). I (2.6) Definindo como REQ a resistência equivalente da combinação série vista pelos terminais da fonte, tem-se: Vab = REQ . I (2.7) que, quando comparada à expressão (2.6), nos fornece: REQ = R1 + R2 (2.8) Tomando-se as expressões (2.2) e (2.3) em função de I, obtém-se: I Vac Vcb R1 R2 , ou seja, Vac R1 Vcb R2 (2.9) 10 que define a lei de divisão de tensão: “As tensões sobre resistores percorridos por uma mesma corrente são diretamente proporcionais aos valores das resistências envolvidas”. Com base nesta lei, existe um processo muito simples para determinar a tensão sobre um resistor de uma combinação série, em que: Vcb R R2 2 V REQ R1 R2 Vcb ou R2 V R1 R2 (2.10) 2.3. Resistências em Paralelo Na fig. 2.2b pode-se observar uma única tensão V, comum às resistências e aos terminais da fonte. Definamos como condutância a qualidade de um componente em permitir a passagem de corrente. Então: G 1 R R ou 1 G (2.11) Pela lei de Ohm: I1 = G1 .V (2.12) e I2 = G2 .V (2.13) logo, a corrente que entra pelo ponto (nó) a é: I = I1 + I2 = (G1 + G2).V = GEQ.V GEP = G1 + G2 (2.14) (2.15) e utilizando a relação (2.11), obtém-se: 1 1 1 REQ R1 R2 ou REQ R1 . R2 R1 R2 (2.16) Verifica-se daí a segunda lei de Kirchoff, ou, simplesmente, lei dos nós: “A soma das correntes em um nó é nula”. Por convenção, as correntes que entram são positivas e as que saem negativas. Partindo da expressão (2.14), tem-se: I - (I1 + I2) = 0 I1 + I2 - I = 0 para o nó a, e para o nó b. A expressão (2.15) mostra que “a condutância equivalente à combinação paralela de diversas condutâncias equivale à soma dos valores daquelas”, ou que “o inverso da resistência equivalente à combinação paralela de diversas resistências corresponde à soma dos inversos dos valores daquelas” (2.16). 11 Ao comparar as expressões (2.12), (2.13) e a última parte de (2.14), em função de V: I1 I2 I G1 G2 G EQ (2.17) I1 G1 R2 I 2 G2 R1 (2.18) ou seja, a lei de divisão de corrente enuncia que: “as correntes que percorrem condutores submetidos à uma mesma tensão são diretamente proporcionais aos valores das respectivas condutâncias”, ou que “as correntes que percorrem resistores submetidos a uma mesma tensão são inversamente proporcionais aos valores das respectivas resistências”. De (2.17), a expressão de I1 (ou I2) poderá ser determinada: G1 I1 I I I1 I . G G G1 G1 G2 G EQ 1 2 (2.19) cujo formato é análogo ao da divisão de tensão em circuitos série (vide (2.10)) . Cabe ressaltar, que em circuitos paralelos é muito mais conveniente trabalhar com condutâncias ao invés de resistências. 2.4. Geradores Reais Na realidade física não existe fontes ideais. Suponha que num gerador de tensão com valor V, finito, seus terminais sejam colocados em curto-circuito. Para que o gerador mantivesse o mesmo valor de tensão de saída sobre o curto-circuito (resistência nula), ele deveria ser capaz de debitar corrente infinita, o que não é possível. Da mesma forma, para que um gerador de corrente fosse capaz de fornecer um valor I, finito, com seus terminais em aberto (circuito aberto), ou seja, sobre uma resistência infinita, teria que estabelecer entre eles uma tensão infinita, o que também não é possível. 2.4.1. Gerador Real de Tensão Nos geradores reais de tensão, na medida em que mais corrente é solicitada, a ddp entre os terminais tende a diminuir. Isto se deve às limitações do gerador, que retém parte da tensão de saída em uma resistência interna a ele, por onde passa a mesma corrente. Assim, representa-se um gerador real de tensão por um gerador ideal em série com uma resistência interna (Ri) ou de saída (fig. 2.3a). Um gerador ideal seria aquele com resistência nula. 12 2.4.2. Gerador Real de Corrente Num gerador real de corrente, na medida em que a resistência ligada em seus terminais aumenta, mais a corrente fornecida diminui. Tudo se passa como se houvesse uma divisão de corrente entre a resistência de carga (RL) e outra paralela (Ri), interna ao gerador, conforme mostrado pela fig. 2.3b; o gerador real é representado por um gerador ideal (resistência interna infinita) em paralelo com Ri. (a) Ri (b) a a + V RL _ Ri I RL b b Figura 2.3. Geradores reais de (a) tensão e de (b) corrente. 2.4.3. Transformação de Fontes Considerando uma fonte real de energia, sabe-se que, com os terminais abertos, a tensão de saída é máxima, já que: a) no gerador real de tensão, não havendo corrente, não haverá queda na carga RL; b) no gerador real de corrente, a tensão de saída equivale à Ri.I, uma vez que toda a corrente circulará através de Ri. Do contrário, colocando os terminais em curto-circuito, a corrente de saída será máxima, já que: a) no gerador real de tensão, o valor da corrente será limitada pelo valor de Ri, ou seja, V ; Ri b) no gerador real de corrente, toda a corrente circulará pelo curto-circuito, e será I. A fig. 2.4 mostra que um mesmo gerador poderá ser representado como de tensão ou de corrente, estabelecendo, portanto, uma dualidade entre estes dois tipos de representação. Ri a a + V I _ Ri b V = Ri . I b I = V / Ri Figura 2.4. Transformação entre fontes reais. 13 Para que os valores de tensão em aberto, e de corrente em curto-circuito, sejam os mesmos nas duas representações de uma mesma fonte de energia, torna-se necessário que ambas exibam uma mesma resistência interna, que relacione a tensão e a corrente das fontes ideais. Supondo o exemplo abaixo, se a resistência de carga RL for de 40 Ω, calculando no circuito do gerador de tensão: VL RL 40 .V .100 80V RL Ri 40 10 e IL VL 80 2A RL 40 Calculando pelo gerador de corrente: 1 GL 10 IL . I 40 .10 2A 1 1 Gi G L 5 10 40 10 + 100V a IL V L R L . I L 2 40 80V a 100V 10 RL _ e b 10A 10 RL IL b Com respeito aos terminais a e b, as duas representações conduziram ao mesmo resultado, que é válido para qualquer valor de RL. A escolha de uma representação ou outra é ditada pelas conveniências de cálculo do circuito. Na prática, quando a resistência de saída de um gerador for muito baixa, quando comparada à carga, de tal forma que as variações desta pouco influenciam a tensão entre os terminais de saída, costuma-se utilizar a representação do gerador de tensão. De forma análoga, se a resistência de saída for alta, quando comparada com a carga, convém utilizar a representação do gerador de corrente. 2.4.4. Teoremas de Thèvenin e Norton A generalização dos conceitos vistos anteriormente leva a dois teoremas de grande aplicação no cálculo de circuitos elétricos, que são: o teorema de Norton (fonte de corrente) e o de Thèvenin (fonte de tensão). 2.4.4.1. Teorema de Thèvenin “Qualquer par de terminais de um circuito ativo poderá ser representado por um gerador ideal de tensão E, com uma resistência de saída em série R”. O valor de E corresponde à tensão 14 medida com os terminais em aberto, e o de R a partir da divisão de E pela corrente produzida com os mesmos terminais em curto-circuito (fig. 2.5a). 2.4.4.2. Teorema de Norton “Qualquer par de terminais de um circuito ativo poderá ser representado por um gerador ideal de corrente I, com uma condutância de saída, paralela, Gi”. O valor de I é calculado a partir da corrente que flui entre os terminais a e b, na condição de curto-circuito, e o de Gi dividindo-se I pelo valor da tensão entre a e b, com os terminais em aberto (fig 2.5b). De um teorema pode-se chegar ao outro através do método da transformação de fontes. (a) (b) Ri a a + E I G i= I _ 1 Ri b b Figura 2.5. Teoremas de (a) Thèvenin e de (b) Norton. Vamos ilustar a aplicação dos teoremas com um exemplo simples. A partir do circuito ilustrado a seguir, vamos determinar os equivalentes de Thèvenin e Norton. 50 c 50 a + 50 100V _ b 1) Cálculo da tensão em aberto: Vab 50 .100 50V . Para calcular a corrente de curto50 50 circuito (ISC), os pontos a e b deverão ser conectados. 50 c 50 a + 50 100V ISC _ b 2) Cálculo da corrente de curto-circuito (ISC): 15 a) determinar o valor de REQ entre c e b: REQ 50 25 ; 2 b) calcular o valor da tensão entre c e b: Vcb 25 100 .100 V; 50 25 3 c) calcular a corrente de curto circuito: 3) Cálculo da resistência de saída: R 75 I SC Vcb 100 2 A. 50 3 50 3 Vab 50 75 I SC 2 / 3 a a + 2 A 3 50V _ 75 b b 2.5. Anulação e Superposição de Fontes 2.5.1. Anulação de Fontes Para anular uma fonte de tensão basta substituí-la por um curto-circuito. Para uma fonte real de tensão ser anulada, deverá ser substituída pela sua resistência interna. Por outro lado, uma fonte ideal de corrente possui uma resistência de saída infinita, e para anulá-la basta substituí-la por um circuito aberto. Para que uma fonte real de corrente seja anulada, deverá ser substituída por sua resistência interna. Representações de tensão e corrente de uma fonte Ri a a + E Ri I _ b b Anulação de Fontes Ri a a Ri b b 16 Se desejarmos apenas saber qual o valor da resistência de saída entre os terminais a e b do exemplo dado no subítem 2.4.4.2, empregando o método de anulação de fontes, esta poderá ser facilmente obtida a partir da seqüência abaixo. 50 50 a 50 50 a a 25 75 b b b 2.5.2. Superposição de Fontes A propriedade de linearidade dos componentes ativos pemite simplificar o cálculo de circuitos elétricos com mais de um gerador através da anulação seletiva de fontes. O método consiste em anular todas as fontes menos uma, repetindo-o para todas as demais. Por exemplo, dado o circuito: 10 a + + 10V _ 10 1A 10 Vab= ? _ b 1) anular, seletivamente, a fonte de tensão e calcular a tensão entre os terminais a e b, parte da contribuição da fonte de corrente: 10 a 1A 10 a 10 10 1A b 10 10 b Vab' 1 3,33 3,33V 2) anular a fonte de corrente e calcular a contribuição da fonte de tensão entre os terminais a e b : 10 a 10 + 10V 10 10 _ a + 5 10V _ b b 17 Vab" 5 .10 3,33V 5 10 Vab Vab' Vab'' 0 3) Valor da tensão total equivale à contribuição de Vab' e Vab'' : 2.6. Métodos para o Cálculo de Circuitos Para calcular circuitos, todos os métodos baseiam-se nos mesmos princípios, ou seja, na lei de Ohm e nas duas leis de Kirchoff (lei dos nós de das malhas). Os conceitos apresentados neste capítulo abrange os princípios básicos, simplificando os cálculos e reduzindo a possibilidade de erros. 2.6.1. Leis de Kirchoff Através da aplicação das duas leis de Kirchoff à todas as malhas e nós do circuito em questão, estabelece-se um sistema de equações que será resolvido em função da variável desejada. Maxwell metodizou a aplicação das leis com correntes e tensões auxiliares, o que facilta o cálculo de circuitos através do emprego de matrizes e determinates. 2.6.2. Método da Composição de Elementos Procura-se fazer, sucessivamente, a composição de resistências em série e em paralelo, obtendo-se circuitos mais simplificados. Os geradores também podem ser compostos, isto é, somando-se algebricamente as fontes de corrente em paralelo e as de tensão em série. 50 _ 10 + + a 60 a + 10V 10 50V 40V _ 10 _ b b a 5A 20 2A 20 a 50 3A b 2.6.3. Método de Divisão de Tensão e de Corrente 10 50 b 18 Este método aplica os conceitos da divisão de tensão e de corrente para os cálculos rápidos de circuitos. 2.6.4. Transformação de Fontes Muitas vezes, um circuito pode parecer complexo e de cálculo trabalhoso. Até mesmo a forma de desenhá-lo pode facilitar ou dificultar sua interpretação. Através do emprego da transformação de fontes (tensão corrente) sua simplicação torna-se evidente. a 30 1A 60 30 60 1A + 20 Vab= ? + 30V + 60V _ _ b _ a 30 + 60 30V _ 60 1A 20 60 60 + 30 60V 1A _ + 30V + + _ _ 60V _ 60 20 60V b b a 1A 60 1A 60 1A 60 20 3A b 20 20 b 2.6.5. Superposição de Fontes É muito útil quando mais de um gerador encontra-se no circuito. Um bom exemplo seria calcular o exemplo dado no subítem anterior através deste método. 19 2.6.6. Teoremas de Norton e Thèvenin Levam diretamente à simplificação mais drástica do circuito, exatamente sobre os terminais onde se deseja determinar os valores das variáveis. Impõem, a priori, o cálculo da corrente de curtocircuito e da tensão de circuito aberto, que poderão ser determinadas utlizando qualquer um dos outros métodos. 2.7. Potência Elétrica Se um resistor, onde se estabeleceu uma ddp, é percorrido por uma corrente I, relacionadas entre si pela lei de Ohm, a quantidade de carga elétrica que flui num tempo t, é: Q = x I t (2.20) (Coulombs) (Ampères) (segundos) A taxa de energia dissipada na resistência denomina-se potência elétrica, dada pelas relações: P = V x I (Watt) P = R x I2 ou ou 2 (Volt)(Ampère) (Watt) (Ohm)(Ampère ) P = V2 / R (Watt) (Volt2) / (Ohm) A energia dissipada em um tempo t é dada por: W = P x t (Joule) (Watt)(segundo) 2.7.1. Potência Fornecida e Dissipada Nas convenções impostas ao circuito elétrico abaixo, consideramos o produto tensão x corrente sobre a resistência como positivo, ou seja, a corrente fluindo do polo positivo para o negativo. + + V I _ I V _ A lei da conservação de energia nos leva a concluir que a potência dissipada na resistência é igual à fornecida pela fonte. O produto tensão x corrente sobre a fonte exibe o mesmo valor numérico, mas é negativo, uma vez que a corrente flui para o polo negativo. Daí, esta mudança de sinal significa a geração, ou fornecimento, de energia. Conforme os sentidos convencionais, tal produto poderia ser positivo ou negativo, e a resistência positiva ou negativa. O conceito de resistência negativa, como representativa de geradores, é muito útil na análise de circuitos. 20 2.7.2. Máxima Transferência de Potência Deseja-se determinar qual o valor do resistor de carga que absorve o máximo de potência fornecida por um gerador real. Na figura mostrada abaixo, define-se a potência dissipada pela carga R. r a + E I R I _ b P R. I 2 ou P E2 R (r R)2 Considerando-se uma carga ajustável, derivamos a expressão da potência, e determinamos o valor de R, igualando a derivada à zero, o que corresponde ao máximo valor de potência transferida. Assim: 2 dP 2 (R r ) 2R (r R ) 2 rR E E 4 dR (r R) (r R)3 Igualando o numerador à zero: E 2 ( r R) 0 temos que: Rr Então, para que a transferência de potência seja máxima, o resistência de carga R deverá ser igual àquela interna ao gerador. Neste caso, diz-se que a carga encontra-se casada (“matched”) com o gerador.