A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NO CONTEXTO

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A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NO CONTEXTO DAS
ATIVIDADES DE LINGUAGEM ORAL E ESCRITA Silvana Paulina de Souza, Cyntia
Graziella Gui zeli m Simões Girotto - Pós-Graduação em Educação – Doutorado – Unesp
– Marília/SP ([email protected]; [email protected])
Eixo temático:- 5: Pesquisa em Pós-Graduação em Educação, Linguagem e Mídias
Categoria: Comunicação
O texto apresenta resultados da pesquisa de Mestrado para estudo da influência do meio, com
organização de ações pedagógicas no desenvolvimento humano e ênfase à análise da capacidade
discursiva na infância. Objetivo: tratar da revisão do elemento componente de atividades
pedagógicas. Hipótese: sob o enfoque de Vigotsky, relação ocorrida em situação pedagógica,
organizada intencionalmente pode ser propulsora de aprendizagem humanizadora. No papel de
professora-pesquisadora, atentei à atividade da criança; à escola, o espaço de vivências e
mediações; ao professor, um criador de elos à apropriação da linguagem oral e escrita. Com
intuito das discussões recorrerem a suportes teóricos coadunados entre si, a Teoria históricocultural foi eleita a base às demais proposições e a garantia da coparticipação do aprendiz em
sua própria formação com aplicação de técnicas da pesquisa-ação. Análise dos dados: gerou
considerações sobre o ensino e a aprendizagem, mediados pela linguagem escrita em contextos
significativos e suas contribuições ao desenvolvimento humano. Conclusão: foi possível afirmar
que, com o homem como parâmetro; alunos e educadores como agentes ativos de transformação
e produtores de sua história, em ações mediadas pelo uso de prática cultural da linguagem oral e
escrita; esta é uma ação possível, comprometida com a formação do leitor/produtor de textos
autônomo.
Palavras-chave: Teoria histórico-cultural, Organização do trabalho pedagógico e Contexto de
aprendizagem
A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NO CONTEXTO DAS
ATIVIDADES DE LINGUAGEM ORAL E ESCRITA Silvana Paulina de Souza, Cyntia
Graziella Gui zeli m Simões Girotto - Pós-Graduação em Educação – Doutorado – Unesp
– Marília/SP ([email protected]; ; [email protected])
Eixo temático:- 5: Pesquisa em Pós-Graduação em Educação, Linguagem e Mídias
Categoria: Comunicação
INTRODUÇÃO
Se compreendermos que a apropriação do conhecimento ocorre por meio de um
processo educacional, é preciso ensinar. Ensinar objetivamente, “com foco”, com
intencionalidade, para que a relação da criança com o mundo seja potencializada. Por isso, o
estudo da contribuição da história e da cultura humana no processo de desenvolvimento do
homem mediado pela linguagem se tornou o suporte da pesquisa de Mestrado aqui apresentada
em recorte. Ao incumbir a escola desse dever, o documento organizativo que orienta a educação
nacional – Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL: vol. I 1997) – referenda a necessidade
de nos voltarmos para a compreensão e preparação das vivências dos alunos durante os
processos de ensino e de aprendizagem.
Compete à educação formal propiciar ao aluno possibilidades de vivências diferentes e
diversas formas de inserção sociopolítica e cultural. A escola deve se assumir como espaço
social de construção dos significados; utilizar metodologias que priorizem a construção de
estratégias de verificação e comprovação de hipóteses no processo de construção do
conhecimento; e deve, ainda, considerar dinâmicas de ensino que favoreçam o descobrimento
das potencialidades do trabalho individual e coletivo, interagindo de modo orgânico e capaz de
atuar em níveis de interlocução mais complexos e diferenciados. (BRASIL: vol. I, 1997).
O interesse em aprofundar os estudos, nesse sentido, surgiu de questões acerca da
prática educativa em diferentes séries e idades e da necessidade de compreender o que significa
a fala de muitos professores ao afirmarem que se deve ‘partir da realidade do aluno’ para
promover a aprendizagem. Estes elementos suscitaram questionamentos que levaram a proposta
de uma discussão sobre o papel do contexto organizado para a potencialização do trabalho
pedagógico no processo de apropriação da linguagem oral e escrita.
Composto por objetos, vivências, experiências emocionais organizada pelos
significados, pelos elementos e pelas relações físicas e psicológicas que envolvem o sujeito
durante seu desenvolvimento e sua aprendizagem, o contexto com enfoque na re-significação do
ambiente, foi escolhido motivado por estudos intencionados a fim de alicerçar a prática de sala
de aula da professora pesquisadora e buscar caminhos para a resolução de dificuldades
apresentadas na realização de “ações pedagógicas” (BASSAN, 2008) potencializadoras. Assim,
justifica-se a utilização dos instrumentos da pesquisa-ação para a coleta de dados durante a
investigação junto a uma turma de quinto ano do Ensino Fundamental em uma escola municipal
do interior paulista.
As ações propostas pela pesquisa se fundamentaram, ainda, nos conceitos de
apropriação, de internalização, de atividade, de mediação e de linguagem apresentados por
Vigotsky (2001), Leontiev (1978 a/b) e de atividade de estudo por Davidov (1988), vistos com
relevância científica e social, teórica e prática do estudo desenvolvido. Por consequência,
proporcionam a discussão sobre a necessidade de se pensarem os elementos que compõem a
organização das atividades pedagógicas no entorno, com o objetivo de desenvolver as funções
psicológicas superiores. No que se refere a esses elementos a “Metodologia de projetos”
anunciada por Jolibert (1994a/b; 2006), “Projetos de trabalho” por Hernandez (1998), e nas
“técnicas” de Freinet (1975; 1977), foram o suporte e se tornaram as ferramentas que
possibilitaram um trabalho de construção do conhecimento por meio de materiais e
experiências, propiciando o desenvolvimento de ações concretas e significativas, relacionadas às
situações práticas e às vivências dos alunos.
A unidade de análise da pesquisa centrou-se na relação: objetivação, apropriação e
internalização dos alunos em atividade mediada pela linguagem, pelo outro e pelo meio, ao visar
à relação que ocorre no processo interativo da sala de aula.
Para as análises dos dados se considerou os pressupostos da perspectiva histórico–
cultural que se assenta nos conceitos formulados por Vigotsky e colaboradores: a) formação do
indivíduo como resultado de um processo sócio-histórico-cultural, realizado por intermédio de
mediações entre o indivíduo e o gênero humano, sendo essas realizadas pelo outro mais
experiente e com o auxílio de instrumentos e da apropriação dos conhecimentos historicamente
produzidos que o tornam autônomo (VYGOTSKI, 1995) e b) ênfase no papel da linguagem, do
ensino, da aprendizagem e do desenvolvimento (VYGOTSKI, 1995).
O objetivo geral da pesquisa foi explicitar como se dá o processo de apropriação da
leitura e da escrita pelo aluno, por meio de uma organização adequada do ensino, enfocando a
aprendizagem e o desenvolvimento das capacidades discursivas na infância. Sendo assim,
propôs-se a: a) criar e analisar contextos e modos colaborativos significativos e motivadores
para a aprendizagem da leitura e da escrita; b) analisar como o processo de mediação feito pelo
professor contribui para a apropriação, pelos alunos, da leitura e da escrita.
Diante dessas proposições, confirmou-se a hipótese de que um ambiente organizado
intencionalmente pode ser propulsor de aprendizagens humanizadoras, quando se considera a
atividade da criança e sua capacidade de aprendizado; a escola como espaço de vivências, de
escolhas, de mediações; e o professor como criador de mediações no processo de aquisição do
conhecimento, no caso, a linguagem oral e escrita.
Neste sentido, a pesquisa teórica e prática visou contribuir para a reflexão sobre as
implicações pedagógicas da organização de um ambiente de aprendizagem intencionalmente
voltado à valorização do meio como fonte de desenvolvimento e potencializador do processo de
apropriação da linguagem escrita na infância. Dependendo das vivências promovidas pelas
relações do indivíduo com o entorno pedagógico, mediado pelo professor ou pelo companheiro
mais experiente, haverá o favorecimento do desenvolvimento do aluno.
As situações de aprendizagem apresentadas neste texto são recortes da pesquisa que
ilustram como a mediação pelo contexto, considerando os instrumentos materiais e psicológicos
e o outro mais experiente, permite a formação de conceitos ligados à linguagem escrita e à
formação de um educando que se assuma como sujeito do processo.
CONTEXTOS DE APRENDIZAGENS E AÇÕES PEDAGÓGICAS
A Teoria histórico-cultural parte do princípio de que a consciência e sua natureza
complexa não podem ser tratadas como algo inerente ao homem e nem explicadas a partir da
teoria dos reflexos condicionados. Fundamenta-se na concepção materialista dialética de Marx
que trata as mudanças históricas e materiais na sociedade como produtores das modificações na
natureza humana, ou seja, a formação e o desenvolvimento da inteligência e da personalidade
dos seres humanos dependem de suas condições materiais de vida e da sua atividade (MARX e
ENGELS, 2006).
Ao considerar a lei geral de desenvolvimento, que traz o conceito de apropriação como
resultado dos processos interpsíquicos que se convertem em intrapsíquicos e do papel da
mediação na aprendizagem (LIBÂNEO, 2007; VYGOTSKY, 1995), a ambientação admite um
sistema complexo e unitário dos elementos do entorno pedagógico, estruturado de forma que
todos os elementos estejam carregados de significado. Composta por fatores ambientais, físicos
e sociais que envolvem ação, experiência emocional e desenvolvimento, por meio da construção
dos significados, ao permitir a interação com a forma ideal torna-se o “outro”, parceiro mais
avançado, estimulador do aluno nas ações educativas. Depreende-se da Teoria histórico-cultural
que não somente o professor constitui-se como o outro, mas também o seu grupo, o coletivo
escolar, os meios técnicos interativos e mesmo o próprio indivíduo em uma fase posterior de
desenvolvimento. A dinâmica da lei se aplica na compreensão de que os conteúdos são
primeiramente formados na relação com o social para depois serem internalizados promovendo
o desenvolvimento.
A compreensão do processo de apropriação do conhecimento, sua composição e a
estratégia de produção fazem parte das preocupações dos professores das séries iniciais e
motivador deste trabalho. A intenção é suscitar a discussão sobre a importância dos
conhecimentos sobre a formação do homem por meio da linguagem e da influência do entorno,
a fim de se tornar um potencializador do desenvolvimento humano.
Sustentando esta compreensão, na apresentação da lei geral do desenvolvimento,
Vigotsky (1988), afirma que:
“ todas as funções psicointelectuais superiores
aparecem duas vezes no
decurso do desenvolvimento da criança: uma primeira vez, nas atividades
coletivas, nas atividades sociais, ou seja, como função interpsíquica: a
segunda, nas atividades individuais, como propriedades internas do
pensamento da criança, ou seja, como funções intrapsíquicas”. (p.114).
A área de mediação e de ação do outro se encontra na zona de desenvolvimento
potencial, aquele momento em que a pessoa consegue fazer algo com ajuda, em referência a um
conhecimento anterior. No entorno, fonte de desenvolvimento do indivíduo, as interações
constantes entre as pessoas possibilitam essa intermediação, porém há que se considerar a
capacidade de cada um, incluindo o seu desenvolvimento biológico. Para Beáton (2005), a
mediação potencializadora que atua com diferentes “níveis de ajuda”, propicia o avanço para
uma nova etapa de desenvolvimento. Nesta dinâmica, a criação da relação dialética pautada no
conceito de mediação e o professor mediador como potencializador das ações dos alunos,
integram um ciclo dinâmico de desenvolvimento.
O instrumento por excelência para mediar a relação do sujeito com seu entorno é a
linguagem, sistema de representação da realidade pelo qual a criança desde cedo terá contato e
utilizará para se comunicar.
A relação do indivíduo com o meio, mediado pelo outro e pela linguagem, e os reflexos
destes em sua consciência, em fases distintas, é objeto de estudo para o formador que se
preocupa em compreender como ocorre a apropriação do conhecimento, com o fim de formar o
sujeito autônomo e atuante no mundo. Para isso, a apropriação das relações e significações da
língua é indispensável.
No processo de apropriação da linguagem escrita as relações das crianças com as coisas
ao seu redor devem ser diferenciadas de forma que representem algum interesse para ela. A
criança deve ser capaz de controlar seu próprio comportamento por meio dos objetos que
manuseia ou com que brinca. (VIGOTSKII, LURIA & LEONTIEV, 1998).
Evento organizativo da sala de aula
A sala de aula é um local privilegiado no qual o processo discursivo é recheado de
discussões e embates que surgem perante o novo, apresentado de forma dialética. Em
consonância com os conceitos eleitos para este estudo, no qual os alunos mobilizaram os
conhecimentos prévios e novos conceitos na interação da sala de aula, com a finalidade de
reconstruir suas hipóteses, procuramos, pela, via “mediação do professor” e “outros”
instrumentos, contribuir na criação de um ambiente favorável à participação democrática e
autônoma dos participantes e ao diálogo colaborativo. Nesta interação houve a necessidade de
negociações para a consolidação do trabalho cooperativo, com a elaboração de meios que
facilitassem as interlocuções e a criação das normas de convivência do grupo.
A participação nestas atividades foi mediada pela linguagem oral e escrita e pela técnica
Freinet (1975) “Hora da Conversa”. Este era o momento em que os alunos contribuíam com a
organização da sala de aula nos aspectos materiais, de instrumentação das aulas e de
interlocuções para referendar argumentos, tomar posições, sugerir. Dava suporte a este
momento o “Jornal de parede” outra técnica Freinet (1996) em que os alunos registravam o que
gostaram das ações em sala de aula, o que não haviam aprovado e as novas propostas para as
aulas.
A pesquisa, ao alterar as relações convencionais ocorridas em sala de aula, local
privilegiado de vivências que favorecem a ampliação e apropriação do conhecimento elaborado,
buscou indicar novas relações baseadas na necessidade, na motivação e na vivência, para a
apropriação do espaço pela turma (BAJARD, 2002). Despertado o interesse, foi preciso
encontrar os instrumentos para a exploração (FREINET, 1975) e a construção (JOLIBERT,
1994 a/b) das generalizações (VYGOTSKI, 2001).
O evento organizativo apresentado para ilustrar os argumentos elaborados, deu-se na
terceira semana de trabalho e refere-se à saída dos alunos da sala de aula. Em um momento
intitulado “Hora da conversa” a professora argumentou que não seria necessário comunicar-lhe
quando necessitassem sair, desde que se tratasse de motivações importantes, o que não caberia a
ela julgar, cada aluno avaliaria sua necessidade. Por isto sugeriu que os alunos encontrassem
uma forma de sistematizar as saídas da sala. Durante a conversa foram apresentadas diversas
sugestões: colocar crachás na mesa da professora ou ao lado do papel higiênico e do sabonete
próximo à porta da sala; anotar o nome na lousa; fazer um varal para colocação dos crachás.
Esta última sugestão foi a escolhida e a partir dela a dinâmica de saída da sala de aula
consistiria em que sairia um aluno por vez, dois quando o segundo sentisse grande necessidade.
Porém, o sistema funcionaria a partir do dia seguinte à discussão, porque os crachás seriam
confeccionados e o varal armado.
A programação do dia seguiu com a construção de um cartaz de pregas para cada
criança que funcionaria como um ábaco. O cartaz de pregas era um instrumento para a retomada
do conceito de sistema de numeração decimal. Os alunos confeccionaram os cartazes para uso
individual e utilizavam fitas de cartolinas para a realização das operações de trocas. Durante as
ações com o cartaz, o aluno Carlos1 sugeriu que fosse utilizado o mesmo instrumento para as
saídas da sala. A sugestão tomou forma rapidamente quando Carlos disse:
Carlos - Professora, por que você não faz um cartaz ?
Profª - Como assim Carlos?
Carlos - Igual esse que nós fizemos pra Matemática.
Profª - Sei, e como funcionaria?
Carlos - Cada aluno faz uma fita e escreve seu nome e coloca no cartaz
quando quiser ir ao banheiro. Quando voltar tira a fitinha.
Após a classe referendar a ideia, a professora sugeriu que utilizassem palitos
de sorvete no lugar das fitinhas por serem mais resistentes e que cada aluno
poderia escrever o nome, fazer um desenho ou utilizar outra forma de
identificação do seu palito. (Diário de bordo – dia -05/03/08)
A situação apresentada fora discutida, preparada e aplicada em um dia. O diálogo com a
turma permitiu que se apresentassem diferentes proposições, além disso, a possibilidade de sair
da sala sem pedir à professora motivou o grupo a encontrar uma forma de concretizá-la. A
retomada do assunto pelo aluno revela que este realizou conexões com os temas em discussão
levando-o a fazer uma proposta que organizou a saída da sala de aula durante todo o ano letivo.
Ao fazer uso da linguagem oral como instrumento mediador foi possível estabelecer,
com os alunos, os critérios de organização da dinâmica da sala de aula, espaço de interações e
vivências dos alunos.
1
Na transcrição os nomes dos alunos foram substituídos por nomes fictícios, para garantir o anonimato.
É preciso lembrar que o instrumento tem sua eficácia efetivada somente quando o outro
mais experiente possibilita, sugere, orienta, pergunta, provoca, proporciona o desenvolvimento
do processo de organização do pensamento. Nesta compreensão o professor é o facilitador das
interações entre os alunos e deles com os objetos de conhecimento. Estabelece uma relação
dialética em sintonia com o corpo discente propiciando um diálogo entre o individual e o
coletivo.
A situação a seguir retrata como a organização do contexto para a interlocução em
grupo permite aos alunos apropriar-se de conceitos referentes ao conhecimento socialmente
construído. Analisaremos um momento de sistematização dos conhecimentos, propostos pela
professora à turma pesquisada, após o desenvolvimento de uma atividade de identificação e
separação de parágrafos de um conto. Esta sugestão de atividade foi retirada da tese de
doutorado de Miller (1995) e tem sua fundamentação nos trabalhos com projetos de Jolibert
(1994 b).
Como de costume o momento de reflexão ocorreu durante a “Hora da conversa2” com
objetivo de levantar informações sobre o que as crianças compreendiam por parágrafo, como
elas o definiam e construir um registro para a turma que pudesse retratar o conceito para quando
necessitassem, pudessem recorrer a “caixinha da sabedoria”. Esta era uma caixa em que os
alunos registravam os conceitos construídos individualmente ou pela sala para futuras
pesquisas. Segue o diálogo:
Professora: O que é parágrafo, Mariana? (A professora interpela alunos
especificamente)
Mariana: Espaço de uma linha.
Professora: Leandro?
2
Trata-se de uma técnica Freinet, que vai além de estabelecer simplesmente um momento de batepapo com a turma, no início do período de aula, é um momento de incentivo ao exercício da
cidadania, da democracia, do exercício e ouvir e ser ouvido também, pois pode se constituir como:
(1) um instrumento fundamental na gestão de conflitos, pois estimula se o tempo todo o diálogo, a
troca de experiências e saberes; (2) meio de estruturação de narração (com perguntas como: quem fez
isto? Ou, com quem você estava?) que ajudam a criança no auxílio da sua aquisição de orientação de
tempo, na aquisição de notícias temporais-ontem , hoje, amanhã etc; (3) ocasião de realizar uma
certa seleção dos assuntos da roda para os projetos de aprendizagem; jornal da turma, etc; (4) é,
ainda, momento fundamental na relação afetiva entre a professora e as crianças e das crianças entre
si, momento de partilha em que as crianças contam suas novidades, trazem elementos de sua rotina e
vida fora da escola, para a turma, expressando livremente pensamentos, desejos, interesses e
sentimentos; (5) além disso, pode haver a Roda de conversa no final do dia como avaliação do
trabalho em que as crianças contam e mostram para o grupo o que realizaram, exibem suas
conquistas, seus sucessos.
Leandro: Dividindo as falas. Quando acaba um pedaço começa outro
pedaço.
Professora: Júlio?
Júlio:
(silêncio) Não sei não professora. (Diário de bordo – dia –
21/05/08)
A partir deste momento, os colegas não resistiram e começaram a fazer contribuições. A
professora deixa de chamá-los nominalmente e coordena para que todos os interessados possam
emitir seu parecer.
Edgar: Quando você está escrevendo uma palavra e vai pra outro assunto.
Professora: Palavra? E você vai pra outro assunto?
Alex: Quando você está falando um assunto e você vai pra outro assunto. A
professora que disse.
Professora: Que professora?
Alex: A professora... (Cita o nome da professora da terceira série do ano
anterior).
Professora: Você concorda com o que a Mariana disse, Lara? (a professora
volta a chamar os alunos nominalmente).
Lara: Muda de assunto.
Professora: Não é o espaço?
Lara: Não
Professora: Lúcio, você concorda com o Leandro?
Lúcio: Não.
Professora: Você se lembra o que ele disse?
Lúcio: Não.
Professora: Pode repetir, por favor, Leandro?
Leandro: É a separação das falas em pedaço. Separação de situações em
pedaço. (Diário de bordo – dia – 21/05/08)
Vale lembrar que os alunos têm como referência uma narrativa com diálogos.
Lúcio: Concordo.
Professora: Dario, você concorda com o Alex?
Dario: Concordo.
Professora: Por quê?
Dario: Porque sim.
Professora: Carlos você pode dizer o que você está pensando?
Lúcio: Do Nicolau, né professora?
Professora: Isso mesmo Lúcio, vamos partilhar nossos pensamentos. (Diário
de bordo – dia – 21/05/08)
O aluno Lúcio se recorda da discussão sobre o livro “Nicolau tinha uma ideia”, de Ruth
Rocha. Tiraram como mensagem do livro a necessidade de partilhar as ideias para que todos
ficassem com várias ideias na cabeça.
Professora: Carlos?
Carlos: É assim, um parágrafo que apresenta uma ação do começo, uma do
meio e um fim que desenrola a história. (Diário de bordo – dia – 21/05/08)
Sua contribuição revela o conhecimento da estrutura da narrativa já trabalhada.
Edgar: Separa a fala de um personagem do outro.
Marco: O Carlos falou que tem que ter uma regra para escrever um
parágrafo. Começo meio e fim. (Diário de bordo – dia – 21/05/08)
Este aluno apresentou outra estrutura.
Lílian: Espaço para começar um texto. (primeira vez que este aluno faz
contribuições na aula espontaneamente).
Professora: Começar um texto, como uma marca?
Lílian: Os textos.
Professora: Alberto? (o aluno havia se manifestado, seguido por outros).
Alberto: Quando você ta fazendo um texto, quando você quer falar de outro
assunto você vai para outra linha, dá um espaço. Para não ficar tudo grudado
quando você muda de assunto.
Nice: Por exemplo: quando num parágrafo apresenta um problema, como na
história da Chapeuzinho, e em outro resolve o problema.
Dulce: Eu acho que é assim: Para não ficar aquela coisa grande, cheio de
pontos, aí você tem que ver direitinho onde tem que fazer o outro parágrafo.
O assunto muda.
Professora: O assunto você muda?
Dulce: Depende do tipo de texto que você vai escrever. (Diário de bordo –
dia – 21/05/08)
A criança percebeu que os textos apresentam características distintas e, portanto, devem
ser organizados de acordo com as regras, como disseram, do texto determinado. Na ficha de
sistematização que foi para a “Caixinha da sabedoria”, o conceito de parágrafos se firmou como
um “bloco” do texto em que se concentra uma ideia, chamado pelas crianças de assunto. Os
parágrafos unidos dão o sentido geral do texto.
Os alunos tiveram a vivência social e coletiva, nelas as participações apresentam os
diferentes níveis de desenvolvimento e as áreas potenciais para interferência do professor, não
há uma homogeneidade. Um aluno externalizou, em sua fala, a necessidade de se conhecer os
diferentes tipos de textos e suas respectivas funções para que haja coerência, a discussão os
ajudou a organizar as informações e construir um conceito.
As situações relatadas ilustraram como as interações possibilitam o desenvolvimento da
autonomia, da capacidade discursiva e da generalização, num processo contínuo de objetivação,
apropriação e internalização. É preciso que as situações das quais os alunos participem façam
sentido de fato e tenham uma função dentro das situações de aprendizagem. O envolvimento em
contextos formais em eventos que exijam do aluno a participação oral e a escuta o levará a
compreender e a aprender a participar de tais eventos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ensino da fala não forma pessoas que emitem opiniões, intervêm, questionam,
elaboram textos orais em toda e qualquer situação discursiva. É preciso oportunizar a
aprendizagem em vivências que proporcionem momentos de troca, de colaboração de reflexão.
As ações pedagógicas realizadas por meio de um processo dialógico e não mecânico permitem
ao educando tornar-se responsável pelo rumo que toma a busca de novos saberes.
O ambiente da sala de aula que proporciona ao aluno o contato com os conteúdos
produzidos pela humanidade proporciona sua participação nas atividades de uso da linguagem
oral e escrita, levando para sua construção de sentido o mínimo necessário a sua compreensão.
Ou seja, o contexto instrumentaliza o aluno para que consiga realizar ações que se utiliza da
linguagem oral e escrita, com o mínimo de conhecimento sobre o conteúdo do texto, por meio
de atividades organizadas.
O documento introdutório dos chamados PARÂMETROS CURRICULARES
NACIONAIS concebe que é “papel do Estado democrático investir na escola, a fim de que ela
prepare e instrumentalize crianças e jovens para o processo democrático, forçando o acesso à
educação de qualidade para todos e às possibilidades de participação social” (BRASIL: vol. I,
1997, p.33). Orienta para uma prática educativa adequada às necessidades sociais, políticas,
econômicas e culturais da realidade brasileira, de forma a considerar interesses e motivações dos
alunos e garantir aprendizagens fundamentais para o cidadão tornar-se autônomo, crítico,
participante e atuante, de maneira competente, digna e responsável na sociedade (BRASIL: vol.
I, 1997).
Essas declarações apontam a relevância das discussões sobre a valorização do ser
humano em sua singularidade. A valorização das suas vivências e a necessidade de preparação
para utilização das ferramentas construídas pela história do homem. Neste contexto a
linguagem.
O aluno capacitado a utilizar a linguagem oral e escrita adequará o seu discurso em uma
atividade de produção de sentido, em uma situação discursiva, considerada sua função e
funcionamento. A exploração dessa capacidade e dos conhecimentos trazidos pelos alunos,
permite o seu desenvolvimento a partir de algo que já está estabelecido, motivado pela
necessidade da aplicação em um contexto determinado socialmente.
A apropriação do espaço pelos alunos contribui para o desenvolvimento de seus
conhecimentos de mundo a fim de atribuir sentido (BAJARD, 2002), construir significados e ter
na escola um espaço de aprendizagem da língua escrita. Daí a necessidade de se ter um entorno
significativo e estimulador para ensinar e aprender. Para o aluno perceber esta dinâmica, é
importante que o professor saiba conduzir as diferentes situações apresentadas para a construção
do conhecimento.
A preocupação com a ambientação é para que se propicie ao aluno condições de
aprendizagem e construção de conhecimentos discursivos e linguísticos, em um ambiente
motivador, envolvente e significativo, que ocorra de forma agradável e entusiasta, levando-o a
reconhecer outras fontes de informações. Nesse sentido a importância de se criarem lugar e
momentos adequados que permitam reflexão e operação com a linguagem em situação de
comunicação, oriunda de práticas sociais, visando à aquisição das capacidades enunciativas, de
modo que garanta a aprendizagem com a preocupação em desenvolver as capacidades
discursivas.
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