mulher e pornografia

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MULHER E PORNOGRAFIA. ALGUMAS
REFLEXÕES.
De algum tempo a esta parte A Batalha
decidiu, e com um carácter regular, dedicar uma
das suas páginas especificadamente a questões
relacionadas directa ou indirectamente com a
mulher.
Nesse sentido, parece-nos oportuno
apresentar aqui e agora, uma breve reflexão sobre
uma questão que indiscutivelmente tem a ver
com uma certa maneira de olhar para a mulher: a
pornografia. Apesar desta problemática não ter só
a ver com a mulher, mas fundamentalmente com
o homem.
A pornografia moderna é um fenómeno
ligado à permissividade repressiva das sociedades
industriais avançadas. Para o homem comum,
está estreitamente ligada ao mito da emancipação
escandinava. Não existem, com efeito, na
Dinamarca, restrições ao comércio e ao consumo
de produtos pornográficos. E também na Suécia,
onde ainda existem algumas restrições, o
comércio é praticamente livre. Das tentativas
interessantes de análise da pornografia ressalta a
que foi feita por Romano Giachetti na obra
Pornografia e Sociedade Capitalista. Sustenta-se
aí, que os temas típicos da pornografia são, na
realidade, uma violação da vida sexual
.
Publicado n' A Batalha, nr.131, Jan-Mar, 1991
monogâmica, mas em todo o mecanismo das
estruturas burguesas. A pornografia, segundo o
mesmo autor, se parece conduzir o homem ao
casamento, talvez com uma maior potência
sexual, fá-lo, no entanto, protagonista de um
protesto insconsciente contra essa instituição.
Mas a mesma coisa se poderia dizer da
prostituição.
Também esta tem um valor social ao
exprimir uma contradição do sistema: mas o seu
carácter permanece apenas contraditório e não
possui certamente força de ruptura. Na realidade,
se admite que a pornografia pode ser, em certo
sentido, libertadora para o homem, o mesmo não
se pode afirmar para a mulher. O que significa
que o facto pornográfico não constitui um
elemento de protesto, mas é, pelo contrário,
expressão da fraqueza e recuperabilidade de tal
protesto. O próprio Giachetti afirma: "A
pornografia, que é habitualmente produzida por
homens, descreve sempre a mulher imaginada
pelo homem: isto é, a mulher como o homem a
sonharia. A mulher é como que a sacerdotisa do
culto fálico: despersonalizada ao máximo,
arquétipo ideal de todas as mulheres, quimera dos
sonhos sexuais do homem..."
Tal como acontece no mundo da
publicidade, em que o corpo da mulher é
transformado em suporte do produto, (basta ter
presente os diversos concursos com que a R.T.P.
premeia os telespectadores quando se anunciam
os prémios) em sua função, assim na pornografia,
a mulher se transforma em suporte da
sexualidade masculina.
Isto é evidente se pensarmos como na
pornografia o acto da sedução é central. "Na
sociedade capitalista do século XX, não obstante
a presença de outros "apetites" mais ou menos
reprimidos, a sedução da mulher pelo homem é
ainda o facto fundamental."
O macho da pornografia é sempre um
super-homem de atributos sexuais fantásticos. O
culto do pénis é o centro da acção pornográfica,
mesmo quando o macho parece colocado um
pouco à margem e a objectiva se fixa no corpo da
mulher. As representações fálicas são, pois, um
hino à fantástica superioridade do macho e à sua
força procriadora.
No entanto e segundo o mesmo autor em
quem temos vindo a basear a nossa reflexão,
verificam-se algumas situações pornográficas em
que o papel da mulher sofreu algumas
modificações em sentido positivo, emancipador.
Em apoio desta tese, transcreve-se um exemplo
que parece propor uma inversão de papéis.
" Duas mulheres casadas de um subúrbio
americano, cujos maridos estão for por uma
semana, em viagem, começam por se entreter
uma à outra e depois obrigam um jovem
boletineiro a submeter-se às suas vontades
durante uma noite inteira. Na manhã seguinte
dão-lhe dinheiro."
A inversão dos papéis nada significa, na
realidade: a agressividade da mulher na relação
sexual, caso raro, de resto, na pornografia não
modifica numa vírgula a realidade de uma
situação social subalterna. A agressividade da
mulher é um caso previsto e insere-se
perfeitamente na sexualidade patriarcal. Seria,
além disso, ingénuo pretender valorizar como
símbolo de transformação uma situação
particular, abstraindo-a do contexto no qual se
enrola. A situação acima descrita é perfeitamente
funcional par a um gozo voyeurista masculino e
satisfaz certas tendências particulares que nada
têm a ver com qualquer inversão de papéis (no
caso narrado, um sabor de perversão sexual).
A libertação da mulher não significa, em
caso algum, liberdade de mercantilizar o
"partner". A igualdade de direitos que algumas
situações parecem sugerir (a mulher toma a
iniciativa, etc) não possui qualquer significado
emancipador como é, de resto, confirmado por
algumas características gerais que sobressaem da
narração pornográfica.
"O acto oral praticado pelo homem sobre
a mulher apenas numa medida irrisória contém o
prazer da própria mulher; a acto tende, pelo
contrário, a satisfazer as exigências "técnicas" e
"viris" do próprio homem. Quando a narração se
detém na reacção física da mulher, gemidos e
lamentos, fá-lo sempre como demonstração da
supremacia amorosa do homem. A mulher que
satisfaz o homem não reclama o mesmo para si.
No acto oral colectivo é o tempo que conta, não p
prazer da mulher..."
Giachetti encerra o seu capítulo sobre a
mulher como objecto de prazer com estas
palavras: "Mas trata-se de um facto certo: antes
de se dar na cama, a libertação sexual tem de se
dar alhures."
Com o que até se está de acordo, desde
que não se esqueça que é necessário ter presente
que a cama não é só o lugar onde se dá o rito
masculino do prazer e do orgasmo, mas também
um lugar de produção: precisamente da produção
da espécie.
Assim, a gravidez ou o simples modo
desta nunca surgem na acção pornográfica: muito
raramente a mulher grávida é objecto sexual. O
que não me parece ser, obviamente, algo de
irrelevante.
A pornografia está intimamente ligada à
prostituição. Segundo a definição sociológica e
legal, entende-se por prostituta uma pessoa que
se entrega indiscriminadamente às relações
sexuais contra retribuição. A interpretação prática
do termo sublinha o facto da prostituta aceitar
relações sexuais quase com qualquer um,
estranho ou conhecido, que se propõe pagar-lhe e
quando o pagamento é em dinheiro, mais do que
em natureza ou em favores.
Não se pode limitar este termo àquelas
que extraem os seus ganhos ou parte deles da
prostituição, porque um enormíssimo número de
mulheres que se entregam a tal actividade, fazemno como pequeno suplemento às suas ocupações
regulares. A pessoa que é paga especificamente
por única relação sexual é, nessa particular
ocasião, uma prostituta.
A definição exige que o pagamento por
uma relação sexual seja em dinheiro e seja feito
por cada um dos contactos. Se devessem aplicar o
termo de prostituição a todos os actos sexuais
pelos quais um dos participantes recebe uma
qualquer remuneração, seria impossível traçar
uma linha demarcatória entre a categoria mais
notória de prostituição comercializada e as
relações entre marido e mulher. A rapariga que
quer ser levada a cear ou a qualquer espectáculo
antes de aceitar relações sexuais com o amigo ou
com o noivo, encontra-se empenhada numa
realização bastante mais comercial do que
desejaria admitir. Os presentes que os machos de
todas as classes sociais fazem às raparigas com
quem acompanham, podem estar recobertos de
nobres sentimentos, mas são em grande parte o
pagamento das relações sexuais a que se
propõem.
Na realidade compreende-se que é
necessário acabar com as reservas impostas ao
amor, quer ser trate de tabus, conveniências, de a
procriação, de constrangimento, de ciúme, de
libertinagem, de violação, de todas as formas de
troca que, do escandinavismo à prostituição,
transformam a arte de amar em relações entre
coisas.
Na realidade quem está de acordo com
isto está também farto das paixões sufocadas,
recalcadas, que destroem a energia que
empregaria a realizar-se numa sociedade que
favorecesse a sua harmonização.
Na realidade o que se mostra ser
necessário é a luta por uma sociedade em que o
máximo de possibilidades será socialmente
ajustado para multiplicar os agrupamentos livre e
variáveis entre pessoas atraídas pelas mesmas
actividades, pelos mesmos prazeres, em que as
atracções fundadas no gosto da variedade, do
entusiasmo dos jogos, reconhecerão tanto o
acordo como o desacordo e a separação.
Na realidade é imperioso lutar
conscientemente pelo direito à autenticidade,
pelo termo das dissimulações e ilusões impostas,
pelo direito de afirmação da especifidade de cada
um sem o julgar nem condenar mas antes pelo
contrário permitindo-lhe dar livre curso aos seus
desejos e paixões, por mais singulares que eles
sejam.
É urgente lutar por uma sociedade onde a
verdade estará na prática e em todos os
momentos.
Autoria: Francisco Trindade
www.franciscotrindade.com
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