1 Serviço Social e Saúde Mental: um estudo sobre a prática profissional Social Work and Mental Health : a study on professional practice Resumo: O Serviço Social, enquanto profissão que intervém nas expressões da questão social existentes na sociedade integra as equipes multiprofissionais dos serviços substitutivos de saúde mental. O trabalho em questão tem por objetivo: analisar a prática profissional do assistente social na saúde mental nos CAPS de um Distrito Sanitário da cidade do Recife. Tem como população de estudo 05 assistentes sociais atuantes nos serviços de CAPS. Baseia-se na abordagem metodológica da pesquisa qualitativa, através da utilização da técnica do grupo focal, guiado por um roteiro de entrevista. A análise dos dados utilizada foi a de análise de conteúdo. Como resultados, a pesquisa demonstra revelar a importância do profissional de Serviço Social na saúde mental, não só por este ser um profissional capaz de identificar e agir sobre as expressões da questão social e viabilizar direitos e benefícios aos usuários com transtornos mentais, mas também pela significância política da profissão, enquanto potencial articulador da Rede de Atenção Psicossocial. Palavras-chaves: Serviço Social. Saúde Mental. Interdisciplinaridade. Centro de Atenção Psicossocial. Prática Profissional. Abstract: Social work as profession intervening in terms of social issues existing in society integrates the multidisciplinary teams of substitutive mental health services. The work in question aims: to analyze the professional practice of social workers in mental health in the CAPS of a Sanitary District in the city of Recife. Its study population 05 social workers active in CAPS services. Is based on the methodological approach of qualitative research, through technical use of the focus group, guided by an interview script. Data analysis used was content analysis. As a result, research shows reveal the importance of professional social work in mental health, not only because it is a professional able to identify and act on the expressions of social issues and enable rights and benefits to users with mental disorders, but also for political significance of the profession as a potential articulator of Psychosocial Care Network. Keywords: Social Work. Mental Health. Professional Practice. Interdisciplinary. Psychosocial Care Center. 2 1. Introdução A Reforma Psiquiátrica é um movimento que desde a década de 1970 vem mobilizando uma série de atores na busca por usa efetivação. Alguns aspectos já foram conquistados, como o deslocamento do cuidado para o território, o progressivo fechamento de hospitais psiquiátricos, a quebra com o modelo hospitalocêntrico, que tendia a excluir e fragmentar o cuidado com os usuários com transtornos mentais. No entanto, mesmo com estas conquistas, ainda há no que se avançar para a efetivação da Rede de Atenção Psicossocial em todo o Brasil. Assim, a Reforma persiste na luta pelo avanço dos direitos das pessoas em sofrimento psíquico de diferentes ordens, e pela construção de uma sociedade mais justa em que a “doença mental” não seja alvo de preconceitos e diferenças, mas sim de possibilidades de conquistas na promoção da autonomia e inserção social de seus protagonistas, sejam eles trabalhadores, gestores ou usuários. Enquanto área da saúde e, portanto, campo de prática profissional, a saúde mental configura-se como uma área diversificada no que diz respeito ao campo de atuação de diversas profissões. Dentre as quais, é essencial que o trabalho efetivado compreenda uma atuação conjunta, dialogada entre os diversos saberes e, assim, interdisciplinar. O Serviço Social, profissão que intervém nas expressões da questão social existentes na sociedade, integra as equipes multiprofissionais dos serviços substitutivos de saúde mental, a exemplo dos Centros de Atenção Psicossocial - CAPS. Diante de tal lógica, o Serviço Social deve atuar numa perspectiva de fortalecimento da rede social e da coletividade dos sujeitos, assim, pode-se permitir uma otimização dos serviços a partir do oferecimento da assistência integral, não fragmentadora do usuário com transtorno mental apenas em suas queixas, mas sim da utilização da rede e dos serviços intersetoriais no qual o mesmo e sua família estão inseridos também como um recurso de tratamento (ROSA, 2008). O assistente social, valorizador de seu projeto ético político, tem em vista articular sua ações numa finalidade de permitir a cidadania. Compreende-se assim que este profissional deve atuar de acordo com o caráter de mobilização em direção à construção de uma nova ordem societária e também desenvolvendo seu ativismo 3 político, sua dinâmica de atuação e também utilizando de sua criatividade para sugerir alternativas, transpondo barreiras que possam vir a ser impostas. Nessa perspectiva não deixa de ser um desafio também que o assistente social consiga participar ativamente do movimento de controle social e planejamento das políticas, tendo em vista que a prática deve ser efetivada de modo a abranger todas as suas dimensões. No entanto, é visível que o processo de reestruturação produtiva do capital e de contrarreforma do Estado atinge diretamente os profissionais, fazendo-se extremamente necessário desenvolver o debate e a reflexão sobre as demandas institucionais que lhes são feitas, diante do quantitativo de usuários que devem ser atendidos diariamente, e como isso incide no processo de trabalho destes profissionais. Para além das demandas, vale refletir também sobre a produção teóricoacadêmica da atuação do Serviço Social na área de saúde mental, e aqui, mais especificamente, nos serviços CAPS. Uma vez que é visível que o avanço da inserção do assistente social nestes serviços não teve o mesmo incentivo que a produção científica dos profissionais atuantes na área. Em geral, a produção que se tem sobre o assunto é de origem acadêmica, a partir de professores e estudantes de pós-graduação (NICACIO & BISNETO, 2013). Sendo assim, este trabalho visa não somente analisar a atuação do Serviço Social na área de Saúde Mental, mas sim, a partir da percepção de profissionais da área, problematizar o trabalho, os desafios e o real papel do assistente social nos CAPS. Possibilitando assim, contribuir para oferecer uma reflexão mais aprofundada de uma problemática vigente, porém ainda pouco contemplada pela academia. 2. Serviço Social, Interdisciplinaridade e Saúde Mental O Serviço Social é uma especialização do trabalho da sociedade, inscrita na divisão social do trabalho, situa-se no processo de reprodução das relações sociais e, portanto, tem como objeto de intervenção as múltiplas expressões da questão social (IAMAMOTO; CARVALHO, 2008). Tais expressões se estabelecem na sociedade capitalista madura a partir das contradições inerentes à dinâmica de tal modo de 4 produção, uma vez que são perpassadas por lutas e forças sociais em conflito, próprias das lutas de classes entre capital e trabalho. Para Yazbek (2009, p. 126, 127): [...] o significado social da profissão só pode ser desvendado em sua inserção na sociedade, ou seja, a análise da profissão, de suas demandas, tarefas e atribuições em si mesmas, não permitem desvendar a lógica no interior da qual essas demandas, tarefas e atribuições ganham sentido. Assim sendo é preciso ultrapassar a análise do Serviço Social em si mesmo para situá-lo no contexto de relações mais amplas que consistem a sociedade capitalista, particularmente no âmbito das respostas que esta sociedade e o Estado constroem, frente à questão social e suas manifestações, em múltiplas dimensões. Essas dimensões constituem a sociabilidade humana e estão presentes no cotidiano da prática profissional, condicionando-a e atribuindo-lhe características particulares. Assim, o exercício profissional dos assistentes sociais evidencia competências teóricas e práticas, ético-políticas, técnico-operativas para serem executadas em seu campo de trabalho, suas qualificações e funções profissionais. Dessa forma, reflete-se para além do cotidiano, das rotinas institucionais, procurando, através desse movimento da realidade, identificar possibilidades possíveis de serem executadas. Na saúde, a intervenção da profissão se define a partir das condições históricas do próprio desenvolvimento da saúde no Brasil e acompanha a mesma de forma gradativa. Inclusive com o surgimento do Projeto da Reforma Sanitária, o Serviço Social estabelece um paralelo entre tal projeto e o estabelecimento do Projeto hegemônico da profissão, o Projeto Ético Político (COSTA, 2006). Para além da Reforma Sanitária no Brasil, na saúde mental, existe o Movimento de Reforma Psiquiátrica, que no Brasil surgiu influenciado pelo movimento que vinha ocorrendo na Itália com a implantação de novos modelos de atenção à saúde mental. A Reforma Psiquiátrica brasileira surgiu juntamente com inúmeras discussões, encontros de trabalhadores em saúde mental e a organização de Congressos de níveis locais até nacionais, que deram início à organização de lutas sociais a fim de se pensar na “desconstrução” do “modelo psiquiátrico asilar”, e na criação de novos serviços substitutivos em saúde mental. A inserção da profissão de Serviço Social na área da saúde mental se deu de forma gradativa e paralela ao movimento de Reforma Psiquiátrica. No pós-ditadura militar no Brasil, a Reforma Psiquiátrica passou a conviver com o pensamento único do 5 neoliberalismo e até hoje perdura entre suas correntes teóricas que entendem a loucura enquanto fenômeno social, político e histórico pela perspectiva dialética. Em comum com o projeto da referida Reforma, o Serviço Social é provocado nos seguintes pontos: o debate acerca da transformação da assistência psiquiátrica e de assistência social; bem como a ênfase no aspecto político de tais tipos de assistência; a necessidade de realizar uma prática interdisciplinar; e de democratizar as relações de poder entre trabalhadores e usuários nos serviços (BISNETO, 2007). Como fruto da aprovação do Projeto de Lei de 1989 do deputado Paulo Delgado, que tratava da progressiva substituição das instituições asilares e manicomiais por serviços substitutivos a tal modelo hospitalocêntrico e diante da necessidade de expansão de tais serviços, surgiram os Cetros de Atenção Psicossocial - CAPS, criados para oferecer assistência em saúde mental. Estes são entendidos como potencializadores do cuidado no território e foram regulados, no âmbito do Sistema Único de Saúde, pela Portaria nº. 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002. O CAPS é permeado por aspectos políticos, na medida em que atua num modelo de gestão participativa e de controle social e enquanto instância de efetivação de um projeto terapêutico que visa à humanização da saúde. É então desde os anos 1990, com um grande número de contratação de profissionais, que o assistente social então começa a se integrar nas equipes multiprofissionais dos CAPS, embasado principalmente por sua formação de base social e política, com enfoque para a ação no território a fim de privilegiar a reinserção na sociedade das pessoas com transtornos mentais que historicamente foram excluídas (BISNETO, 2007). No entanto, o profissional iniciante na área esbarrava neste momento com o fato de não ter sido capacitado em sua formação acadêmica para atuação na saúde mental, entendendo a loucura enquanto fenômeno social e historicamente determinado, com aspectos políticos e também de interesses econômicos e ainda o embate entre saberes, pois mesmo com a psiquiatria querendo abrir espaço para o campo “social”, detinha hegemonia e um mandato social estabelecido na área. Tais “restrições” dificultam até os dias de hoje a atuação de assistentes sociais na área (BISNETO, 2007). 6 Além disto, de forma geral na área de saúde, a prática profissional hoje sofre com tensionamentos constantes que dificultam o agir sobre o direcionamento dos ideais presentes no Projeto Ético Político Profissional, pois esbarra em condicionantes políticos-institucionais que limitam as escolhas dos profissionais (VASCONCELOS, 2006). Bisneto (2007), acerca da prática profissional do assistente social, enfatiza que se faz necessária à compreensão das relações sociais contraditórias presentes nas instituições. Será a partir desta compreensão da análise institucional que o assistente social poderá orientar sua atuação, conhecendo a que finalidade se destina sua prática em determinado estabelecimento. Mas a descoberta de tais fins não é tarefa fácil, exige um desprendimento dos fatos imediatistas postos pela realidade e uma análise crítica das demandas que se apresentam no cotidiano. Se as demandas com as quais trabalhamos são totalidades saturadas de determinações (econômicas, políticas, culturais, ideológicas) então elas exigem mais do que ações imediatas, instrumentais, manipulatórias. Elas implicam intervenções que emanem de escolhas, que passem pelos condutos da razão crítica e da vontade dos sujeitos, que se inscrevam no campo dos valores universais (éticos, morais e políticos). Mais ainda, ações que estejam conectadas a projetos profissionais aos quais subjazem referenciais teórico-metodológicos e princípios ético-políticos (GUERRA, 2000, p. 11). Ainda segundo Bisneto (2007), é necessário que o profissional seja capaz de ir além das aparências e conheça os usuários, a equipe multiprofissional, a história da instituição para qual trabalha, o fluxo de atendimento e os serviços prestados pela mesma, a fim de direcionar-se e estabelecer relações de trabalho. Uma forma de operacionalizar os processos de trabalho é através da prática interdisciplinar. A interdisciplinaridade consiste em uma tentativa de “unidade do Saber”. Um ideal de complementaridade de diversas disciplinas, que integradas podem chegar a um objetivo em comum. Sua necessidade se torna mais evidente no campo das Ciências Humanas. É preciso, pois, no âmbito dos esforços com vistas ao conhecimento da realidade humana, praticar, intencional ou sistematicamente, uma dialética 7 entre as partes e o todo, o conhecimento das partes fornecendo elementos para a construção de um sentido total, enquanto o conhecimento da totalidade elucidará o próprio sentido que as partes, autonomamente, poderiam ter (SEVERINO, 2010, p. 17). A prática interdisciplinar exige que cada especialista possa abrir-se para contribuições de outras disciplinas, que possa atuar numa relação de troca, com recíproca, a fim de tomar o sujeito como integral e não fragmentado, excluindo-se de sua totalidade. A interdisciplinaridade consiste num trabalho em comum, onde se consideram a interação das disciplinas científicas, de seus conceitos, diretrizes, de sua metodologia e de seus procedimentos (SAMPAIO ET AL, 2010, p. 82). Vasconcelos (2000, p. 46) define a interdisciplinaridade como uma: [...] axiomática comum a um grupo de disciplinas conexas, definida no nível hierarquicamente superior, introduzindo a noção de finalidade, tendendo (mas não necessariamente) para a criação de um campo de saber “autônomo”. A identificação de uma problemática em comum para a atuação interdisciplinar compreende a necessidade de fundamentação teórica básica e diretrizes de trabalho em conjunto, que compreenderá todos os conceitos e especificidades das especialidades envolvidas a fim de que seja possível a apreensão das mesmas, com todas suas discrepâncias para realizar uma intersecção de saberes (VASCONCELOS, 2000). É assim que, pela via da prática interdisciplinar, pode-se chegar à criação de campos de saberes. Como é o caso da psicossociologia, que compreende a área da saúde mental, na articulação da rede de cuidado às pessoas com transtornos mentais e comportamentais. Estes, por sua vez, são definidos pela Organização Mundial da Saúde como: [...] condições clinicamente significativas caracterizadas por alterações do modo de pensar e do humor (emoções) ou por comportamentos associados com angústia pessoal e/ou deterioração do funcionamento. Os transtornos mentais e comportamentais não constituem apenas variações dentro da escala do “normal”, sendo antes fenômenos claramente anormais ou patológicos (OMS, 2001, p. 18). 8 No entanto definir o conceito de transtornos mentais não é fácil, pois não representa uma categoria unitária, mas sim de uma série de transtornos com alguns aspectos em comum. Há um intenso debate acerca de quais condições são ou devem ser incluídas na definição de transtornos mentais. Isso pode trazer implicações importantes quando, por exemplo, uma sociedade está decidindo sobre os tipos e a gravidade de transtornos mentais potencialmente qualificados para tratamento e serviços involuntários (OMS, 2005, p.27). Os transtornos mentais resultam de fatores biológicos, psicológicos e sociais e sua definição se dá nas sociedades também levando em consideração as determinações culturais, sociais e econômicas das mesmas. Assim, existe atualmente um movimento conceitual, que parte até mesmo dos próprios usuários do Sistema de Saúde, como também de trabalhadores da área de saúde mental, de utilizar o termo transtorno mental ao invés de “doença mental”, pela carga de estigma e de patoligização da pessoa, que acaba por ser reduzida ao sintoma que apresenta. Nesse contexto, “o ICD-10 afirma que o termo “transtorno” é usado para evitar os problemas ainda maiores inerentes ao uso de termos como “enfermidade” e “doença””. A pessoa com transtorno mental deve ser cuidada em seu território, espaço potencial de criação da vida e da reprodução social, é na vida cotidiana no território que se estabelecem as relações familiares e sociais dos sujeitos sociais. Neste sentido, deve-se pensar a pessoa com transtorno enquanto um ser social e, portanto capaz de exercer sua cidadania, sendo necessário lutar pela garantia de sua autonomia e liberdade. Essas são as bases preconizadas pela Reforma Psiquiátrica, influenciada no Brasil pela figura de Franco Basaglia na Itália. Para Basaglia (1985, p. 34), “os transtornos mentais estão ligados aos fatores sócio-ambientais a níveis de resistência e impacto em uma sociedade que não leva em conta o homem e suas exigências”. Entende-se, portanto que no contexto de vulnerabilade social, a questão social é um dos fatores que potencializam o surgimento dos transtornos mentais e é diante de tal lógica de adoecimento que o Serviço Social tem como desafio atuar numa perspectiva de fortalecimento da rede social e da coletividade dos sujeitos. 9 3. Caracterização da Pesquisa O trabalho aqui exposto diz respeito à pesquisa realizada com assistentes sociais de um distrito sanitário da cidade do Recife, no ano de 2014. Teve como metodologia para compreensão das questões que perpassam a problemática da prática profissional do Serviço Social na Saúde Mental a abordagem qualitativa, na qual, segundo Minayo (2000), os instrumentos de trabalho de campo têm por finalidade realizar a mediação entre a realidade empírica e os marcos teórico-metodológicos. A autora ainda acrescenta que o processo de investigação qualitativa requer conhecimento e capacidade de observação e de interação dos investigadores com os atores sociais envolvidos. Seus instrumentos costumam ser corrigidos e readaptados durante o processo de trabalho de campo, visando às finalidades da investigação (MINAYO, 2000). A técnica de grupo focal foi escolhida por entender que o mesmo é viável no sentido de que possibilita a reunião do quantitativo de profissionais necessários que constituem o público-alvo da pesquisa, com o acréscimo de que com o diálogo, que será facilitado com e entre os pesquisados, permita-se coletar as informações acerca do tema em questão (NETO, MOREIRA & SUCENA, 2002). Ainda para Minayo (2000, p. 129), o grupo focal é significante, pois se configura como: uma técnica de inegável importância, para se tratar das questões da saúde sob o ângulo social, porque se presta ao estudo de representações e relações dos diferenciados grupos de profissionais da área, dos vários processos de trabalho e também da população. Foi realizado 1 (um) grupo focal que durou aproximadamente 1 hora e 30 minutos, com 5 (cinco) assistentes sociais de serviços de CAPS de 1(um) Distrito Sanitário da cidade do Recife, sendo 1(um) CAPSi - infantojuvenil, que atende crianças e adolescentes de 0 a 15 anos incompletos, 1(um) CAPS tipo II – que atende adultos com transtornos mentais e 1(um) CAPSad – álcool e drogas, que atende usuários com transtornos mentais decorrentes do uso de substâncias psicoativas. Como critério de inclusão para participação na pesquisa, a profissional deveria estar lotado em serviço de Centro de Atenção Psicossocial há pelo menos 2 anos. 10 Como critério de exclusão, não pôde participar do grupo focal, assistentes sociais de outros serviços de saúde que não os de CAPS, mesmo que da área de saúde mental. Pelo fato do trabalho realizado em CAPS ser considerado específico e repleto de particularidades. A análise dos dados utilizada compreende o bojo da análise de conteúdo, que, segundo Franco (2003, p. 20), “permite ao pesquisador fazer inferências sobre qualquer um dos elementos de comunicação”. Este tipo de análise tem como partida a “mensagem”, assim, foi possível estabelecer uma relação entre os dados obtidos com a realização do grupo focal, entendendo que as falas dos profissionais transmitem a mensagem a respeito do problema de pesquisa em questão. O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética do Complexo Hospitalar HUOC/ PROCAPE da Faculdade de Ciências Medicas de Pernambuco (FCM) da Universidade de Pernambuco (UPE) em 18 de setembro de 2014, com parecer CEP nº 812.541, sob CAAE: 36395914.6.0000.5192, aprovado em reunião de 28 de outubro de 2014 e homologado em 30 de outubro do mesmo ano. 4. A prática do Serviço Social em Serviços de Saúde Mental em um Distrito Sanitário de Recife: problematizando saberes e desafios 4.1. Concepção sobre a atuação do Serviço Social nos Centros de Atenção Psicossocial: desafios da prática interdisciplinar O grupo focal foi iniciado com a discussão acerca da compreensão sobre a intervenção do Serviço Social na Saúde Mental. Foi pedido que as participantes do grupo ficassem bem à vontade para expressar suas opiniões e esclarecido que o objetivo maior seria a troca de saberes e experiências, para que assim a pesquisa pudesse atingir não somente o seu objetivo em si, mas também possibilitar um espaço de debate entre profissionais de uma mesma área de atuação. Para uma profissional presente, a saúde mental: [...] é mais um campo de atuação, a presença do assistente social na saúde mental, principalmente trabalhando nos CAPS (...) os CAPS são modelos 11 substitutivos, então é uma nova proposta e o Serviço Social integrando as equipes ele também vem dentro destas ações né, eu acho importante porque eu acho que tem pouca coisa do Serviço Social mesmo na área de saúde mental. (Participante 01) Quando se trata da discussão sobre a prática profissional do assistente social na saúde mental, percebe-se até mesmo um desconhecimento por parte de alguns profissionais sobre o papel do Serviço Social diante da lógica psicossocial que perpassa as intervenções no CAPS. Como podemos ver na seguinte fala: [...] a discussão maior do Serviço Social no CAPS, na prática né, como é que é focada a nossa prática no CAPS? Será que a gente não tá se perdendo dentro do CAPS, da nossa prática? Que quando eu cheguei e comecei a trabalhar, eu achei, assim, muito levada para área psicológica. Como nos nossos estudos sobre a área diz que é uma prática psicologizante do assistente social, aí eu vejo a gente, pelo menos na minha prática, um pouco perdida dentro dessa lógica psicologizante, o trabalho do assistente social um pouco perdido. (Participante 02) A incerteza quanto à atuação profissional, presente no relato acima exposto, representa a complexidade de um campo de atuação que fortalece os saberes voltados para a atuação clínica. Robaina (2010) refere que, no Brasil, diante dos processos societários que culminaram na Reforma Psiquiátrica e na lógica de desinstitucionalização das pessoas com transtornos mentais, antes enclausuradas em hospitais psiquiátricos e agora tratadas em serviços de bases territoriais, terminou-se por repercutir uma hegemonia dos saberes “psi”, presentes nas nomenclaturas e na lógica de tratamento nos CAPS1. As discussões abaixo, acerca da requisição de participação de assistentes sociais em Grupos Operativos também exemplificam tal hegemonia: Quando eu cheguei, pediram que eu fizesse grupo operativo, o que o Serviço Social faz dentro do grupo operativo? No primeiro momento seria eu só com uma ARD, um agente redutor de danos, mas deu trabalho para fazer a coordenação entender que não seria uma prática do serviço social, e assim, e foi porque eu e outra assistente social colocamos isso em questão, entendeu, e até o momento estava se fazendo e ninguém questionava nada, mas aí a gente disse que não era uma prática do serviço social, essa foi uma requisição que foi da gente. (Participante 02) [...] uma vez, eles me pediram para entrar no grupo operativo com uma residente de psicologia, apesar de saber que a residente é um profissional. 1 Algumas nomenclaturas que remetem aos saberes psi, segundo Robaina (2010): Centro de Atenção Psicossocial, Projeto Terapêutico Singular, grupos terapêuticos, oficinas terapêuticas. 12 Mas eu seria a profissional do Caps que estaria junto com a residente e aí eu disse que não entrava, não é por desmerecimento da residente, mas eu sei que o grupo operativo, ele pode sair por uma linha e eu sou a profissional do Caps né, então eu disse que não entraria, e sem nenhum estresse, a residente não ficou com raiva de mim, a psicóloga entrou junto com a residente e eu entrei também e foi um grupo muito tranquilo. (Participante 03) Diante deste contexto, ainda segundo Robaina (2010), existem duas matrizes de atuação do assistente social na saúde mental. A primeira é voltada para o serviço social e a atividade “clínica”, na qual o Serviço Social acaba por se subordinar pela força hegemônica dos saberes “psi” e, assim, acaba por trair o mandato social da profissão, o Projeto Ético Político Profissional e, ainda, deixa uma lacuna na Reforma Psiquiátrica, na medida em que priva o campo da saúde mental das contribuições que a profissão poderia oferecer na perspectiva de fortalecimento dos sujeitos. Por outro lado, a segunda matriz é pautada na atuação que prioriza a identidade profissional e a autonomia técnica do Serviço Social, e possibilita contribuir ao identificar os determinantes sociais que perpassam as expressões da questão social na saúde mental, sem negar a interdisciplinaridade (ROBAINA, 2010). [...] eu vim para cá ouvindo muito dessa história do CAPS ser psicologizante no Serviço Social, mas assim, uma coisa que eu procurei ampliar a visão é o seguinte, para qualquer lugar que você for trabalhar, eu vou procurar conhecer, então eu tenho que me situar onde eu estou e eu acho que se isso vale para qualquer outro serviço, eu tenho que ter um mínimo de conhecimento. (Participante 5). Durante o debate, as profissionais destacaram a importância de apreender as demandas e determinantes sociais postos no cotidiano profissional do Serviço Social e, ainda, necessidade de se conhecer minimamente o objeto de intervenção de cada profissão para que, assim, quando uma demanda seja solicitada, possa-se identificar e encaminhar aos demais profissionais que lhe competem. Como é possível perceber nos relatos abaixo: [...] porque a gente escuta o usuário, mas eu acho que a gente chega um certo momento que a gente tem que direcionar pra psicóloga, pra enfermeira, pro médico, o que é de cada um como os outros, as outras profissões direcionam pra o serviço social o que é dentro de um CAPS que seja uma função do assistente social [...] Mas eu acho que a gente tem a obrigação de dar esse limite mesmo dentro do serviço: eu não sou psicóloga, eu não sou enfermeira, eu não sou T.O., eu não sou médica, eu sou assistente social então tem algumas coisas que o assistente social faz e 13 tem algumas coisas que o assistente social não faz, como o enfermeiro não faz, como o T.O. não faz, como o psicólogo não faz (Participante 3) Mas o marco, que é feito em relação ao núcleo do saber do serviço social, que assim, eu acho muito claro, e na medida em que é claro pra a gente, a gente compõe um grupo e é respeitado pelo grupo, é uma das coisas que me chama atenção aqui, então, por exemplo, se até o próprio médico faz assim: essa é uma questão social, então: uma das meninas do serviço social. (Participante 5). O fato de, na saúde mental, a prática ser aliada à lógica da interdisciplinaridade não exclui as responsabilidades e intervenções específicas de cada profissão, tal como preconiza a Lei de Regulamentação da Profissão, que especifica competências e atribuições privativas do Serviço Social. Conforme aponta Machado (2009, p. 244): O trabalho “interprofissional” exige que os profissionais trabalhem na lógica de interdependência, da integralidade e com plasticidade, o que significa reconhecer que seus conhecimentos específicos e suas práticas correspondem a uma parte da totalidade. Esta perspectiva rompe com posturas “unidisciplinares” onipotentes, cedendo espaço para estabelecimento de relações mais horizontais e democráticas entre os saberes e intervenções das diversas profissões. Desta forma, atuar de forma interdisciplinar não remete à obrigação da aceitação de que a prática seja reduzida à polivalência, flexibilizada e diluída entre os diversos saberes e especificidades, e se isso ocorre, alcança-se o objetivo do projeto neoliberal que avança na lógica da reestruturação produtiva aos serviços (MACHADO, 2009). Sobre a interdisciplinaridade no trabalho desenvolvido nos Centros de Atenção Psicossocial, destacam-se as seguintes falas das participantes do grupo focal: Dentro do CAPS essa interdisciplinaridade é mais clara do que em um ambiente hospitalar, assim, do profissional, um considerar o saber do outro, é mais claro no CAPS, quando eu cheguei, eu achei lindo isso! (Participante 2) Eu acho que a gente não pode negar que tem o meu núcleo de saber, que tem questões que me competem e que tem o núcleo de saber do outro, e dentro da saúde mental acho que tem um campo do saber que é de todos, por exemplo, eu que trabalho campo da saúde mental eu não posso deixar de compreender o que é que é esquizofrenia, como é que ela se manifesta, o que é que é um bipolar, enfim... compreender um pouco destas questões que envolvem o transtorno, eu acho que eu tenho! (Participante 4) 14 Para Bisneto (2005), apesar da valorização do “social” pela Reforma Psiquiátrica, as categorias “psi”, detentoras da hegemonia na Saúde Mental, não desejam abrir mão de seu espaço corporativo e assim, tomam o “social” como fruto de eventos desencadeantes e não como fruto da reprodução das relações sociais na sociedade capitalista, produtora de luta de classes. Neste sentido, faz-se necessário que o Serviço Social busque a construção de alianças com categorias profissionais e/ou pessoas progressistas, a fim de oferecer uma melhor assistência. O Serviço Social, com seu saber interventivo nas expressões da questão social se depara, muitas vezes, com situações de extrema vulnerabilidade. E no campo de intervenção da saúde mental, mais especificamente nos CAPS, as decisões são tomadas pela equipe de profissionais, chamada de equipe técnica, percebe-se uma disputa política-ideológica entre os diversos saberes que repercutem na operacionalização das ações desenvolvidas na instituição. Como discutido anteriormente, o modelo médico é ainda hegemônico no SUS e o Serviço Social tem o papel de problematizar as discussões com vistas às garantias de direitos sociais aos usuários, como podemos ver nos relatos abaixo: [...] quando a gente vai discutir assim, por exemplo, algum usuário está com uma demanda de um beneficio, aí, tem os motivos secundários, será que isso vai ser bom? Será que não vai? Aí o médico começa assim meio resistente, porque é ele quem vai dar o atestado, e aí quando a gente entra, a gente vai fundamentar o que é que a gente acha, por que é que teria, porque mesmo que tenha o ganho secundário, a gente tem que olhar na perspectiva do direito, aí a gente percebe assim como é que a gente consegue ampliar um pouco esse horizonte daí, essa é uma das situações, são varias situações, por exemplo, em que a gente faz a visita e que a gente traz o conteúdo dessa dinâmica familiar, é muito interessante, porque a equipe assim, ela revê um pouco, porque antes ela estava com um posicionamento e na hora em que a gente traz, muda. A gente vai lá pra dialética né e sai da aparência. A gente amplia, a gente aprofunda. (Participante 5) [...] a gente tem uma grande responsabilidade, enquanto assistente social, que é de ampliar a clínica mesmo, a clínica ampliada que se fala tanto, eu acho que a gente tem isso na nossa essência de formação, é para trazer a discussão para a ampliação dessa clínica. (Participante 4) A pesquisa mostrou que, no CAPS, o termo “ganhos secundários” é comumente ouvido e reproduzido por profissionais quando se percebe que um usuário busca o serviço com vistas à obtenção de laudo médico ou parecer para aquisição de 15 benefícios da previdência ou assistência social. Assim, estes “ganhos” passam a ser entendidos como “interesses” que alguns usuários apresentam nos serviços das diversas políticas sociais a fim de benefícios próprios. Tal ocorrência se dá com frequência nos serviços pelo foco nas dimensões subjetivas da vida social, quando diante da complexidade da vida humana, segundo Sousa (2008), deve-se buscar compreender as particularidades de determinadas situações através da relação entre as dimensões subjetivas e universais. Esta intervenção é possível graças à formação crítica do profissional de Serviço Social, que permite ir além da aparência e da imediaticidade posta pela possível existência dos mencionados “ganhos secundários”. 4.2. Formação para atuação na área de Saúde Mental A produção teórica do Serviço Social sobre a área de Saúde Mental pode ser considerada incipiente. Patriota et al (2010), em pesquisa realizada na Universidade Estadual da Paraíba, constatou que a saúde mental é pouco discutida e não aparece nos componentes curriculares oferecidos aos estudantes de Serviço Social, e estes por sua vez, ao serem entrevistados, demonstraram um conhecimento superficial sobre o assunto, o que acaba por acarretar um arcabouço teórico insuficiente sobre saúde mental e reforma psiquiátrica para atuação na área. A fim de exemplo desta realidade, no grupo focal, quando indagadas se tiveram, durante a graduação, conteúdos teóricos que subsidiaram ou nortearam sobre a Política de Saúde Mental, todas as profissionais relataram a invisibilidade da temática durante a formação profissional. Destacam-se abaixo três depoimentos sobre tal questão: Hoje em dia tem uma eletiva que você discute saúde, saúde mental, no meu tempo não discutia saúde. Até porque hoje em dia eu recebo estagiário, né, o pessoal ainda chega muito verde em relação à saúde, muito verde, de achar que o SUS é a fila do hospital da restauração né, de a gente estar discutindo isso, porque a graduação ainda está deixando muito a desejar e na área de saúde mental, coitadinhos! (Participante 3) Se o curso de medicina o pessoal fica totalmente alheio à questão de psiquiatria, o serviço social então... (Participante 4) 16 A maioria das assistentes sociais entrevistadas desempenham orientação e supervisão de estágio, não só a alunos do curso de Serviço Social, como também a alunos de outros cursos da área de saúde, participantes do PET-Saúde e PET-Redes2, como também exercem atividade de preceptoria a residentes, e percebem o desconhecimento sobre a saúde mental, seja do entendimento da Política ou dos conceitos a respeito do tema. Ainda sobre a experiência de estágio: [...] em relação à formação, em relação ao curso, quando eu fiz, logicamente não tinha isso né, eu terminei no final da década de 80, aí a gente ainda estava nessa história da Constituinte, logicamente, toda essa legislação que a gente tem hoje, a gente não tinha na época, mas assim, tem uma coisa que eu destaco, muito positiva na minha formação, foi a exigência da dupla de supervisoras de estágio, porque assim, o nível de exigência era tão alto, tão alto, que eu acho que foi aquele nível de exigência que fez eu buscar. (Participante 5) Percebe-se no relato acima que o estágio aparece como um importante elemento de experiência, na medida em que ele possibilita ao estudante de Serviço Social uma apropriação maior na área específica a qual ele passa a intervir. Assim, as práticas desenvolvidas pelo estagiário devem possibilitar e exercitar a compreensão das dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa. De tal forma que o estudante em formação possa ser capaz de identificar as mediações, entre o singular e o universal, presentes na realidade (SILVA, HILLESHEIM, SOARES, 2009). Sobre a produção acadêmica, participação em Congressos e demais atividades científicas, foi destacado pelas assistentes sociais do grupo a dificuldade de participar de tais atividades. Na verdade há uma sobrecarga, essas atualizações, essas conferências, soam para a gente como uma sobrecarga ao trabalho. (Participante 2) [...] é uma quantidade muito grande de material para evoluir e a gente passa a ser engolida pela rotina mesmo. Eu acho que a gente trabalha muito, a gente trabalha bem, e às vezes sistematiza pouco, e não tem como utilizar o horário de trabalho (Participante 3) 2 Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) e Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) Redes de Atenção. 17 A sistematização é um recurso capaz de ressaltar a dimensão crítico-investigativa da profissão, que deriva do processo de trabalho coletivo efetivado nas diversas instituições das políticas sociais. É através da realização da sistematização que se pode exercitar uma ação contínua de reflexão acerca do trabalho profissional e das respostas sócio-institucionais frente às demandas advindas das relações sociais (ALMEIDA, 2009). [...] eu acho que para mim isso ainda é um desafio, porque eu acho que a gente tem material, eu acho que a gente tem uma prática, a gente teria o que mostrar, mas é aquela coisa, deixa passar, você faz uma prática, é uma prática que assim, na hora que você sistematiza, você está revendo algumas coisas, você está refletindo, você pode melhorar, você está contribuindo para a formação profissional e para a sua inclusive, porque você pode melhorar a sua prática, mas eu acho que assim a gente, não sei se a gente entra muito nessa questão de correria de dia-a-dia do sistema, assim, você se sente engolido (Participante 5) Sousa (2008) argumenta que, ao atuar de forma direta no cotidiano e com uma população em situação de vulnerabilidade, o assistente social passa a ocupar um lugar privilegiado, tendo possibilidade de problematizar tal realidade. E será este conhecimento que lhe dará base para atuação e será seu instrumento de trabalho, portanto é necessário que se exercite o processo de qualificação de forma sistemática. A atividade de estudo e pesquisa não deve ser um hábito somente da graduação e da academia como um todo, para não recair no erro de se acostumar com as rotinas institucionais, à reprodução mecânica das práticas, de tal forma que não gere mudanças na realidade social dos usuários, dos serviços, e também na própria inserção da profissão no mercado de trabalho (SOUSA, 2008). Eu acho também que é uma questão pessoal de cada um, porque tem pessoas que estão fazendo doutorado e mestrado, também é uma questão de escolha e de tempo singular de cada um. Se eu tivesse um trabalho só, um turno só, com certeza eu estaria em outra situação. (Participante 4) As participantes do grupo relataram que se sentem sobrecarregadas diante da demanda de trabalho grande aliada à precarização dos recursos e serviços, gera inclusive uma sobrecarga de atividades, nas quais muitas relatam não conseguir dar conta no espaço institucional, tendo que levar algumas atividades que desempenham no serviço para realizar em suas casas. 18 [...] são inúmeros e inúmeros relatórios! A gente aqui dá plantão no final de semana e, às vezes, eu acho que é bom dar plantão, porque você adianta um bocado de coisa. Eu nunca fiz um relatório ou um parecer social aqui dentro do CAPS que não fosse ao final de semana, ou eu pego tudo que eu quero e levo para minha casa ou trago meu computador para aqui nos finais de semana, que eu estou de plantão, e faço. (Participante 3) Além disto, a maioria das profissionais do grupo pesquisa possuía mais de um vínculo institucional, e, geralmente, este outro vínculo também na área de saúde. Assim, foi discutido que a precarização nos serviços de saúde tem repercussões diretas no trabalho das assistentes sociais. 4.3. Ações realizadas pelo Serviço Social em Centros de Atenção Psicossocial Ao atuar na área de saúde, o Serviço Social atende demandas que lhes são postas advindas de uma série de fatores condicionantes, as quais exigem uma análise crítica da realidade e uma intervenção pautada na lógica do direito, do acesso à informação, na perspectiva da prevenção e promoção da saúde e não no atendimento à imediaticidade, à lógica curativa, tão amplamente priorizada pelo modelo biomédico (LANZA, CAMPANUCCI, BALDOW, 2012). Para Costa (2008), o SUS, ao passo que logrou se organizar de modo a atender às lutas históricas do movimento sanitarista, tais como a universalidade, a integralidade e a participação social, não conseguiu ainda superar contradições como: a lógica da burocratização, a precariedade dos recursos, a relação entre quantidade e qualidade da atenção, o que leva à questão da produtividade dos serviços, e a centralidade na assistência médica curativa e individual. A respeito das demandas solicitadas ao profissional de Serviço Social nos CAPS, as participantes do grupo focal sinalizaram a realização de atividades como: acolhimento, visitas domiciliares e institucionais, realização de grupos sobre direitos sociais e noções de cidadania com os usuários; o atendimento específico à família, que também pode ser feito em grupos, assembleias com usuários e a elaboração de relatórios e pareceres sociais. No entanto, a atividade que pareceu gerar maior divergência foi o acompanhamento de usuários na qualidade de Técnica de Referência (T.R.). 19 [...] querem que a gente fique com TR, tendo cuidado no usuário, e as nossas outras coisas que precisamos fazer como a gente vinha falando, mais focado na nossa prática, que horas é que eu vou fazer isso? Eu tenho que ter aquele horário para isso, já está muito, assim, apertado, tanto é que eu quase não consigo sair de lá. (Participante 02) [...] a gente aqui é TR também. Uma vez eu queria até fazer uma proposta de que assistente social não fosse TR, porque, além dos nossos, qualquer parecer social é feito pela assistente social, se tem uma questão de família, daquele TR de outra pessoa, chama o assistente social. Eu acho até que por causa das demandas paralelas, a gente devia ter um número de usuários menor. (Participante 03) Ainda bem que você não propôs, porque eu discordaria. (sobre a possibilidade de assistente social não ser TR) (Participante 04) Para Goldberg (2001, p.41), técnico de referência é “a pessoa da equipe que se ocupará do acompanhamento sem que participe diretamente de atividades de atendimento grupal ou individual”. E a atuação do assistente social em tal função gera certa discussão pelas dimensões que a perpassam, uma vez que o usuário deve ser atendido sistematicamente pelo seu TR, mas a superlotação dos serviços gera uma número desproporcional de usuários para cada profissional, e acrescenta-se que ao assistente social se aplicam também as ações que devem ser realizadas para fora dos muros do CAPS, nos territórios, tais como: visitas domiciliares e institucionais e, ainda, o desempenho de atividades que propiciem o controle social, articulação com movimentos sociais e entidades da sociedade civil. Deste modo, faz-se importante destacar que, nos Centros de Atenção Psicossocial, o Serviço Social desempenha importantes ações que dialogam com a base legal da profissão, na medida em que a atuação do assistente social é regida pela Lei de Regulamentação da Profissão de nº 8.662/1993, é também direcionada pelos preceitos éticos preconizados pelo Código de Ética Profissional, quanto pelo compromisso de emancipação legitimado pelo Projeto Ético Político e ainda, na saúde, deve seguir os Parâmetros pra Atuação do Assistente Social na Saúde. [...] eu acho que a gente constrói a ação em qualquer lugar, o Serviço Social sempre é questionado né, o que é do Serviço Social, a gente tem que centrar, assim, discutir e conhecer para definir qual vai ser a ação. (Participante 1) 20 Esta construção do processo interventivo, presente no relato acima, não ocorre de forma centrada apenas na prática do Serviço Social, é importante construir as ações diante das finalidades a que se objetivam, aos usuários que irão recebê-las e à instituição na qual será efetivada. Tais ações podem ser difíceis de serem apreendidas, na medida em que acabam por se revestir de características diversas (MIOTO E LIMA, 2009). É nesse sentido que Prates (2003, p. 2) destaca a importância de se refletir sobre a práxis profissional, pois “analisar, interpretar em conjunto com os sujeitos usuários a realidade da qual somos parte já constitui processo interventivo”. [...] o assistente social, partindo das demandas postas pelos sujeitos, sejam elas de caráter coletivo ou singular, da finalidade assumida como horizonte para suas ações e localizado no seu espaço sócio-ocupacional, define tanto o objetivo como o caráter da ação a ser empreendida; e para a sua realização, define formas de abordagem, instrumentos técnico-operativos e recursos. (MIOTO E NOGUEIRA, 2009, p. 236-237). Ao analisar as atividades, objetivos e instrumentos utilizados nas ações, percebese que elas se relacionam com o que preconiza a Lei de Regulamentação da Profissão e que nenhuma ação desempenhada pelo Serviço Social está na direção oposta do que preconiza a Lei. A pesquisa demonstrou que a visita domiciliar, por exemplo, é necessária para viabilizar a identificação da situação demandada pelo usuário e familiares à instituição e compreende o registro das informações, dos fatores socioeconômicos, bem como dos aspectos da dinâmica familiar, que possam dificultar a continuidade do tratamento dos usuários no CAPS. O conteúdo da visita é socializado em livros da equipe técnica bem como no prontuário do usuário, e assim, os profissionais passam a ter uma maior apropriação para atuar diante de determinado caso clínico. Tal atividade dialoga diretamente com a Lei 8.662, em seu artigo 4º, sobre as competências do assistente social, nos seguintes parágrafos: V - orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos; XI - realizar estudos sócio-econômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades. 21 A atividade em grupos, citadas pelas profissionais da pesquisa, sejam eles grupos direcionados para os usuários ou para familiares, como também os atendimentos individuais a estes mesmos sujeitos, tem em seu conteúdo: a oferta de orientação sobre Leis e benefícios da Seguridade Social; sobre os serviços ofertados no próprio CAPS, também a disseminação da informação sobre serviços oferecidos por outras instituições (e para tal é necessário o dialogo intersetorial e o conhecimento da Rede Socioassistencial, que pode ser feito através da atividade de visita institucional); a realização de encaminhamentos às instituições; e orientações sobre os procedimentos e trâmites institucionais aos usuários. Mais uma vez, tais atividades estão em consonância com a Lei 8.862, art. 4º - III: “encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população”. Bisneto (2005, p. 121) refere que: A busca da autonomia dos técnicos se dá em detrimento das forças homogeneizantes em Saúde Mental. Há que se buscar um consenso entre técnicos, dirigentes, donos, usuários, familiares e o contexto em que se atua. A pluralidade de interesses de poderes e de ideias em Saúde Mental propicia que o Serviço Social tenha seu espaço, o seu grau de autonomia, desde que saiba interpretar o mosaico institucional. As políticas sociais, quando impostas de cima, podem ser modificadas pelos técnicos quando eles têm um conselho profissional que zela pela profissão: um regulamento da categoria, um código de ética, uma profissão organizada. Assim, a partir do momento em que se reflete sobre a prática profissional e suas bases conceituais e legais, o profissional de Serviço Social se fortalece para atuação na Saúde Mental, não apenas em seu núcleo profissional, mas também no campo mais amplo na qualidade trabalhador da Saúde. 4.4. Desafios para atuação do Serviço Social na Saúde Mental Robaina (2010) destaca os desafios postos à profissão no trabalho com a atenção psicossocial. São eles: O trabalho com as famílias e a necessidade de que se promova um tensionamento no cotidiano dos serviços acerca do conceito de família; a atuação no território com a possibilidade de se realizar a articulação com as lideranças e equipamentos comunitários; a promoção da geração de renda e trabalho nos serviços, através de discussões sobre as relações de trabalho, do valor de uso e de 22 troca do produto das oficinas; a participação enquanto trabalhador social no Controle Social, nas Assembleias, Conselhos e Conferências; e a garantia de acesso aos direitos sociais. Para as profissionais entrevistadas, a saúde mental e o usuário com transtorno mental têm ficado invisíveis aos olhos do poder público. Para elas, foi identificado como desafio central o atual momento vivido pela saúde mental em Recife, na qual vem ocorrendo um desmonte e precarização dos serviços de saúde. Eu acho que a gente tem que pressionar, assim, a gente teve uma luta, uma mudança de gestão, porque quando eles vieram, preconizaram que em alguns Caps não ia haver coordenação, e assim, quando houve essa mudança de gestão, os CAPS da saúde mental do Recife, a gente se organizou e fez um documento de próprio punho para reivindicar algumas coisas e a gente tem que continuar fazendo esse movimento, e a luta do serviço social. (...)a gente está vendo a questão da precarização da saúde e que a área mental não tem muita visibilidade. (Participante 1) Eu acho que o desafio da assistente social dentro da saúde, eu acho que não diferencia do profissional de saúde, de qualquer que seja a categoria, eu acho que não diferencia, eu acho que a gente tem que continuar na aposta do trabalho interdisciplinar, eu acho que a gente tem uma responsabilidade muito grande. (...) eu acho que todos os profissionais da saúde mental estão sobrecarregados, eles estão desgastados, eles estão mal remunerados na saúde mental, porque eu acho que eles estão em uma dimensão do não reconhecimento, além disso, o usuário de transtorno, parece que é invisível. (Participante 4) A precarização do trabalho e o desemprego estrutural caracterizam o padrão da acumulação flexível, que incidem nas relações sociais e repercutem na gestão das forças de trabalho e no planejamento e organização das políticas sociais. Assim, os rebatimentos nas condições e relações de trabalho dos assistentes sociais são expressões da precariedade do trabalho (CEOLIN, 2014). A falta de recursos e de incentivo profissional por parte da gestão governamental foi destacada por todas as profissionais participantes da pesquisa como um fato dificultador para a operacionalização do trabalho. Assim como a invisibilidade do usuário com transtorno mental e da Política de Saúde Mental como um todo no estado de Pernambuco. Tais opiniões refletem o movimento atual da contrarreforma do Estado e seu avanço na saúde, diante da qual é necessário que se consolidem as lutas dos agentes 23 que fazem a Reforma Sanitária e Psiquiátrica, é preciso que os trabalhadores da saúde mental possam dialogar em conjunto e unir forças sociais frente ao avanço do Capital e da lógica neoliberal que avança de forma a privilegiar a burocratização dos serviços e a tolher direitos dos trabalhadores atuantes no campo. 5. Considerações Finais A saúde mental, no âmbito das políticas da saúde, vem sofrendo com o avanço neoliberal e o desmonte da seguridade social. No entanto, tem apresentado um avanço significante no campo da formulação da política, assim como outras políticas, como: SUAS; políticas de gênero; políticas para juventude, urbana etc., e, nesta medida, tem ampliado as demandas ao Serviço Social (MOTA, 2014). Estabelece-se, assim, como importante área de atuação, tendo em vista a significância que representa no escopo da Reforma Psiquiátrica. Os usuários com transtorno metal, historicamente, sofreram com o estigma da loucura, associando-se a este as precárias conduções de tratamento, e é neste contexto que os Centros de Atenção Psicossocial apresentam significância, na medida em pregam o cuidado humanizado no território do qual o usuário pertence e estabelece suas relações sociais. É necessário que o Serviço Social, atuante na área de saúde, possa problematizar as demandas e as intervenções que se fazem necessárias, a fim de viabilizar o acesso aos direitos dos usuários com transtorno mental. A prática deve tornar-se um exercício constante de análise crítica para que assim a profissão possa, além de garantir a qualidade no atendimento aos usuários, se fortalecer enquanto categoria profissional atuante na área de saúde mental, diante da hegemonia dos saberes “psi” na área. Entender a lógica do trabalho interdisciplinar, sem perder as diretrizes norteadoras da profissão, analisar os determinantes e a lógica institucional dos serviços substitutivos, não se submetendo a práticas burocráticas e rotineiras e atualizar a compreensão de conceitos legitimadores da Reforma Psquiátrica, tais como: clínica ampliada e reabilitação psicossocial, são preceitos essenciais para que o profissional exerça uma prática crítica e propositiva. 24 Portanto, é de extrema importância refletir sobre a atuação dos assistentes sociais nos serviços que compõem a Rede de Atenção Psicossocial - RAPS, uma vez que este profissional é capacitado para intervenção nas expressões da questão social e através do trabalho em articulação com a rede socioassistencial pode contribuir para a promoção da autonomia e reinserção da pessoa com transtorno mental em seu território e na sociedade como um todo. 7. Referências ALMEIDA, N. L. T. 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