Organizações em Aprendizagem – Alguns Pontos a Considerar

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Gestão do Conhecimento Empresarial – Alguns Pontos a Considerar
Apresentado para:
Mestrado em Administração da Pontifícia Universidade Católica do Paraná,
disciplina de Modelos de Gestão, Professor Francisco Gabriel Heidemann
Curitiba, julho de 2002
Luciane Neves Beppler
[email protected]
Resumo
Mesmo não sendo uma novidade, a gestão do conhecimento tem merecido
crescente atenção, especialmente em seu aspecto de relacionamento com a
estratégia organizacional. Visto como competência essencial e vantagem
sustentável da organização, o conhecimento empresarial e sua gestão têm
alterado os paradigmas gerenciais e demandado uma postura gerencial mais
preocupada com este ativo intangível.
Este artigo considerará os principais aspectos da gestão do conhecimento
empresarial e descreverá alguns pontos levantados durante um debate sobre este
modelo de gestão, visando traçar uma visão crítica que auxilie aos gestores.
Palavras-chave: Modelos de gestão, gestão do conhecimento, conhecimento
empresarial
Abstract
Even not being a new concept, the knowledge management has deserved
increasing attention, specially in it´s relationship with organizational strategy.
Recognized as organization´s essential competency and sustentable advantage,
the business knowledge and it´s management have changed the managerial
paradigms and required a managerial attitude more concerned about this intagible
value.
This paper will consider the main aspects of business knowledge management and
will describe some points that were rised during a debate about this managerial
model, in order to provide a critical overview of this subject that may help the
managers.
Key words: Managerial
knowledgment.
models,
knowledge
management,
business
1
Introdução
A gestão do conhecimento não é, como conceito, uma idéia nova nas
organizações. Para sobreviver qualquer organização precisa saber qual
conhecimento tem disponível e quem são as pessoas de referência para cada
uma das áreas de conhecimento em que atua. (HANSEN, NOHRIA e TIERNEY,
1999).
Segundo DAVENPORT e PRUSAK (1998), o que uma empresa
coletivamente sabe, a eficiência com que ela usa estes conhecimento e a
prontidão com que ela adquire e usa novos conhecimentos, caracterizam a única
vantagem sustentável que a empresa possui.
Mesmo fazendo parte do que, tacitamente1 a empresa sabe ser necessário,
só recentemente a Gestão do Conhecimento ganhou o status de disciplina e
passou a ser estudada mais detidamente, e não como apenas um dos
componentes do estudo da estratégia organizacional. Ou seja, o destaque dado à
Gestão do Conhecimento tem se intensificado.
Tendo sido alvo de um debate conduzido durante uma das aulas da
disciplina de Modelos de Gestão, a Gestão do Conhecimento Empresarial será
abordada no presente artigo, com destaque para as questões gerenciais e às
críticas ao modelo que foram formadas durante o debate. Para tal, pretende-se
relatar um breve resumo dos principais conceitos da Gestão do Conhecimento
conforme abordado pelos relatores, e na seqüência descrever as críticas trazidas
pelos debatedores. Com esta abordagem pretende-se reforçar o entendimento
sobre o assunto, com ênfase na postura do gestor frente ao modelo apresentado,
traçando uma visão crítica que auxilie aos gestores e desenvolvendo um quadro
teórico que possa ser útil em pesquisas futuras.
Gestão do Conhecimento Empresarial
O processo histórico tem levado ao surgimento de uma classe de
trabalhadores conceituadas por Drucker como sendo os trabalhadores do
2
conhecimento (DRUCKER, 1994). Segundo Drucker, estes trabalhadores se
diferenciam pelas seguintes características:
▪
Educação formal – É requerida educação formal deste trabalhador, como um
fator da complexidade das tarefas que irá desempenhar;
▪
Aplicação de conhecimento teórico e analítico – Além do conhecimento teórico,
demanda-se deste trabalhador a capacidade de análise e decisão;
▪
Aprendizado contínuo – O trabalhador do conhecimento precisa acompanhar a
velocidade das mudanças e da produção de conhecimento da sociedade atual,
estando em processo de contínuo aprendizado;
▪
Especialista – O trabalhador do conhecimento é perito no domínio em que
atua;
▪
Trabalho em equipe – A capacidade de trabalhar em equipe é necessária à
transferência e aproveitamento do conhecimento do grupo. A idéia sistêmica,
em que o todo é maior do que a soma das partes está presente neste modelo
(Mintzberg, 2001);
Para entender o que vem a ser a gestão do conhecimento empresarial, serão
apresentados os diversos conceitos envolvidos. Inicialmente serão apresentados
os conceitos relacionados com o conhecimento, conforme pesquisa bibliográfica
realizada.
Dado é definido como sendo o “conjunto de fatos distintos e objetivos, relativos
a eventos” (DAVENPORT e PRUSAK: 1998). Segundo Drucker, informação “é o
dado revestido de relevância e propósito” (Peter Drucker: 1999). O Conhecimento,
segundo DRUCKER (1999) é o requisito necessário para a transformação de
dados em informação.
NONAKA e TAKEUSHI (1997)
defendem que o conhecimento refere-se a
crenças e informações, podendo ser explícito, o transmitido facilmente de forma
formal, ou tácito, o conhecimento dinâmico e armazenado nas cabeças das
pessoas que é difícil de ser articulado.
1
Conhecimento tácito foi definido por POLANYI (1966) a partir da frase we can know more than
we can tell. Com isto ele quer dizer que muito do que sabemos não pode ser verbalizado ou
escrito.
3
Os autores apresentam a espiral do conhecimento, que representa as formas
de compartilhamento de conhecimento de acordo com o tipo a que ele pertence.
Socialização
(compartilhamento de
experiências)
tácito para tácito
Internalização
(incorporação do
conhecimento explícito no
conhecimento tácito)
Externalização
(conversão do conhecimento tácito
em explícito)
Combinação
(sistematização de conceitos)
explícito para explícito
Fonte: Nonaka e Takeushi (1997)
Segundo pesquisadores sociais (Bell, 1973; Toffler, 1990; Drucker, 1993;
Quinn, 1992; dentre outros) o conhecimento desempenhará um papel cada vez
mais relevante nos próximos anos nas organizações e na sociedade em geral.
A Gestão do Conhecimento é definida como sendo o “processo
coorporativo focado na estratégia empresarial e que envolve a gestão de
competências, do capital intelectual, a aprendizagem organizacional, a inteligência
empresarial e a educação corporativa”. (SANTOS, PACHECO, PEREIRA e
BASTOS Jr: 2001).
Sveiby (1999) posiciona a gestão do conhecimento de duas formas. A
primeira trata conhecimento como objetos que podem ser identificados e tratados
através de sistemas de informação. A segunda vertente identifica gestão do
conhecimento com gestão de pessoas, sendo o conhecimento entendido como
processo que levam ao aprendizado organizacional e criação de competências.
Para DAVENPORT e PRUSAK (1998) a gestão do conhecimento
empresarial envolve a geração, a codificação e coordenação e a transferência do
conhecimento que está disponível tanto de forma explícita, quanto de forma tácita
na organização. Para MORAN (1994), a gestão do conhecimento empresarial é
um conjunto de processos que governa a criação, a disseminação e a utilização
de conhecimento no âmbito das organizações.
4
As empresas investem hoje na criação de um ambiente onde o empregado
é tratado como cliente preferencial, de modo a estimular um sentimento de
cumplicidade. Neste sentido algumas práticas são identificadas, modificando
posturas gerenciais e objetivos empresariais:
▪
Alta direção voltada para trabalho orientado, ao cliente e valorização dos
empregados;
▪
Gerência comprometida com esta visão e com capacidade de liderança,
transmitindo responsabilidade, vontade de participação e capacidade de
iniciativa;
▪
Conhecimento disseminado por todos os setores da empresa a fim de integrálos e estimular o potencial do indivíduo;
▪
Empregados conhecem suas tarefas, sentem-se motivados e envolvidos em
um trabalho de equipe que dá margem à iniciativa pessoal;
▪
Treinamentos realizados constantemente, tanto em relação a aspectos teóricos
quanto ao reforço dos valores e atitudes;
▪
Empregados conhecem os objetivos da empresa e conhecem suas
responsabilidades dentro desta linha de atuação;
▪
Processos de avaliação transparentemente;
▪
Permanente processo de informação e comunicação;
▪
Processo de comunicação em modelo mão dupla empregados passam a
revelar necessidades e expectativas;
▪
Atendimento à estas necessidades e expectativas dentro dos objetivos claros
da empresa, gera confiança mútua e eficiência.
Questionamentos ao Modelo
Teorias da empresa são conceitualizações e modelos de negócios que
explicam e buscam prever sua estrutura e comportamento. Cada teoria é uma
abstração do mundo real que busca determinar um conjunto particular de
características e comportamentos possíveis para a empresa (GRANT, 1996).
5
As críticas e comentários que se seguem não são dirigidas, portanto, ao
modelo de gestão baseada em conhecimento, mas a disfunções gerenciais que
podem ocorrer em decorrência do modelo. Também são comentados assuntos
correlacionados com a Gestão do Conhecimento que não haviam sido explorados
pelos relatores, como por exemplo, o perigo de se enxergar o conhecimento como
um fim, a pragmática da gestão do conhecimento e a questão de como reter o
conhecimento. As críticas e comentários foram separadas de acordo com o item a
que se referem para facilitar o entendimento.
▪
O Especialista: Tanto DRUCKER(1994) quanto PORTER (1986) criticam a
idéia de generalização. Porter alerta para o perigo de acabar ficando sem
estratégia ao tentar englobar mais de uma estratégia genérica. Drucker mostra
a necessidade de especialização por parte do trabalhador do conhecimento
para desempenhar satisfatoriamente suas tarefas. No entanto, nos parece que,
ao tornar-se especialista em um único assunto, a pessoa torna-se dependente
daquele conhecimento, o que pode ser estrategicamente ruim. Por exemplo, na
área de software um especialista em uma linguagem, pode tornar-se obsoleto
em menos de 2 anos. Portanto é necessário ter critério ao escolher qual será a
especialidade. Deve-se buscar a competência essencial, aquela que diferencia
a qualidade do trabalho desenvolvido por alguém de forma inimitável. No
exemplo do programador, ele não deve ser especialista na linguagem X, mas
sim em lógica de programação. Ou seja, seja especialista em competências e
não em técnicas;
▪
Responsabilidade sobre o conhecimento: de todos ou de alguns? Enquanto
DAVENPORT e PRUSAK (1998) defendem a criação de um setor e de novos
cargos relacionados à gestão do conhecimento, NONAKA e TAKEUSHI (1997)
apontam para o estilo oriental de gestão do conhecimento. Para estes autores,
a gestão do conhecimento deve estar presente na cultura da organização,
sendo responsabilidade de todos e deve ser estimulada através de processos
que gerem redundância como rodízio de pessoal e fóruns. Preocupados com
os custos destes procedimentos e também com perfis que não se adaptem ao
6
do compartilhador do conhecimento, DAVENPORT e PRUSAK optam pela
solução de criação de uma estrutura paralela;
▪
Racionalidade e intuição: O enfoque da tomada de decisão, iniciado por
Herbert SIMON (1968) afirma que as organizações nunca podem ser
perfeitamente racionais, porque os seus membros têm habilidades limitadas de
processamento de informações. Segundo Simon as pessoas só conseguem
chegar a formas limitadas de racionalidade porque têm de agir com base em
informações incompletas, explorando um número limitado de alternativas e são
incapazes de dar valores acurados aos resultados. Ou seja, indivíduos e
organizações resolvem por uma “racionalidade limitada” e por decisões
“satisfatórias”, baseadas em simples regras empíricas, bem como em
pesquisas e informações limitadas. Também as preferências pessoais e
experiências anteriores dos envolvidos no processo de tomada de decisão
influem no processo. (JONES, 2001). O planejamento parece, portanto,
assumir o papel de mapa, conforme descrito por Mintzberg, servindo mais
como um suporte para iniciar a ação, do que como um objetivo que deve ser
buscado, como no exemplo dos soldados que perdidos nos Alpes,
conseguiram voltar ao acampamento baseados em um mapa dos Pirineus. O
mapa foi o catalisador da ação, proporcionando a noção de segurança e rotina,
tão necessárias aos seres humanos. Ou seja, se planejar não garante a
previsão e resolução de todos os problemas, pelo menos ajuda a se iniciar a
ação (MINTZBERG, 2000). Esta visão parece vir de encontro com a idéia de
conhecimento tácito, ou seja, nem todas as decisões se baseiam em
informação e análise, algumas são fruto da intuição e do conhecimento
armazenado dos decisores;
▪
Conhecimento como fim: É importante ressaltar que, apesar de necessitar de
conhecimento para sobreviver, a finalidade da empresa não é acumular
conhecimento, mas sim, gerar lucro através da otimização da eficácia e da
eficiência na produção.
A gestão do conhecimento representa a atenção
7
deslocada ao foco interno da organização, a gerência de seus recursos
internos. Deve-se estar atento para que não se perca de vista o foco externo,
concorrentes, inovações tecnológicas, políticas de restrição, entre outros. O
conhecimento deve ser um meio para alcance dos objetivos organizacionais, e
não o contrário;
▪
Pragmática da Gestão do Conhecimento: Este é um dos capítulos do livro de
DAVENPORT e PRUSAK, no qual os autores abordam questões de ordem
prática com respeito à implantação da gestão do conhecimento. O principal
requisito para o sucesso da implantação, segundo os autores, é a aplicação do
bom senso. Definição de responsabilidades, comprometimento da gerência,
projetos piloto e feiras de conhecimento são outros requisitos/mecanismos
citados pelos autores;
▪
Arquitetura do conhecimento: PRAHALAD e HAMEL(1998) propõem a criação
de uma arquitetura estratégica, na qual as competências essenciais e seus
possuidores sejam identificados e suas habilidades aplicadas em projetos do
interesse da empresa, sem que as fronteiras de departamentos e setores
sejam barreiras ao compartilhamento de recursos. Para tal, eles sugerem
mecanismos que favoreçam o compartilhamento de recursos e recompensem
as iniciativas neste sentido;
▪
Como reter o conhecimento? Através da discussão, e tendo como base o
modelo japonês de gestão, a estrutura organizacional foi apontada como uma
possível forma de se reter conhecimento, uma vez que motivação, política de
recompensa e outros mecanismos não parecem ser eficientes. Uma estrutura
matricial e multidisciplinar incentivaria o compartilhamento e a disseminação do
conhecimento organizacional. Um problema com esta estrutura é o custo, e
portanto sua aplicação deve levar em conta as verdadeiras necessidades da
organização e sua necessidade por inovação e compartilhamento de
conhecimento.
8
A Postura do Gestor frente ao Modelo de Gestão do Conhecimento
Neste modelo, o gestor passa a atuar mais como um facilitador,
disponibilizando recursos e resolvendo situações que extrapolarem a autoridade
dos seus subordinados. Demanda-se do gestor uma postura “parentética”, na
qual opiniões sejam suspensas para que seja possível ouvir e entender
imparcialmente outras opiniões.(GUERREIRO RAMOS, 1984 )
O gestor tem que considerar a organização como um todo, compartilhando
recursos de todos os tipos e buscando o bem geral e não o do seu setor ou
departamento exclusivamente. Portanto, se um recurso humano congrega os
atributos necessários para um determinado projeto ou tarefa em outro setor, ele
deve ser aproveitado, para o bem da organização.
Identificar competências essenciais da organização e quem são as
pessoas-chave para este processo também passa a ser atribuição do gestor.
Conhecer seus recursos que são, além de geradores de produtos e serviços, os
responsáveis pela agregação de valor é vital para a política de recursos humanos
da empresa, através do gestor.
Mesmo com toda a ênfase que vem sendo dada à Gestão do
Conhecimento, o gestor não deve perder de vista que o objetivo principal da
empresa é ser eficaz e eficiente, e que o a gestão do conhecimento deve ser um
meio para obter os objetivos estratégicos da organização e não um fim em si
mesma.
A resistência ao processo de transferência de conhecimento pode
acontecer, já que envolve perda de poder. O gestor deve levar isso em conta ao
tentar aplicar um modelo ou políticas derivadas dela. Os fatores cultura, poder e
identidade costumam interferir em qualquer processo de mudança (BLAU, 1977)
(BERGER e LUCKMAN, 1989). A estrutura organizacional pode ser aplicada como
ferramenta de retenção e compartilhamento do conhecimento disponível
explicitamente na empresa e tacitamente na mente dos seus colaboradores.
9
Conclusão
Mesmo não sendo novidade, a atenção
prestada
à Gestão do
Conhecimento Empresarial se justifica, dada a relevância desta iniciativa.
Conforme
apontado
por
DRUCKER
(1994),
DAVENPORT
(1998)
e
NONAKA(2001), o conhecimento deverá desempenhar um papel cada vez mais
relevante nos próximos anos nas organizações e na sociedade em geral, sua
gestão, portanto, deverá interessar cada vez mais gerentes preocupados em
aplicar o conhecimento disponível na empresa, quer tácito, quer explícito, na
obtenção dos resultados estratégicos da organização.
Cada organização tem um conjunto de atributos que a tornam única
(ANDREWS, 1991) e portanto, não existe uma receita pronta para a aplicação da
gestão do conhecimento. O importante é verificar se e quanto este modelo está
aderente aos objetivos estratégicos da organização e como a cultura, valores,
mercado, estágio do ciclo de vida e estrutura organizacional, entre outros fatores,
justificam a implantação de um modelo de gestão como este.
Os fatores cultura, poder e identidade costumam interferir em qualquer
processo de troca de conhecimento. A estrutura organizacional pode ser aplicada
como ferramenta de retenção e compartilhamento do conhecimento disponível
explicitamente na empresa e tacitamente na mente dos seus colaboradores.
O gestor passa a desempenhar um papel de apoio, facilitando as situações
e centralizando o conhecimento sobre quem são as pessoas de referência em
cada uma das áreas de atuação chave da empresa. Cabe ao gestor ainda
identificar as competências essenciais da organização e das pessoas com quem
convive, divulgando e compartilhando recursos sempre que isso se fizer
necessário. O foco deve ser desviado de setores ou pedaços da organização para
o todo.
10
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