1 - Unifacs

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CONSIDERAÇÕES ACERCA DA CLASSIFICAÇÃO LEGAL DOS ATOS DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Cristóvão Éder Maia de Oliveira
Sumário: 1.Introdução. 2. A Improbidade Administrativa.
2.1
Generalidades.
2.2
Sujeitos
da
Improbidade
Administrativa. 2.2.1 Sujeito Ativo. 2.2.2 Sujeito Passivo.
3. Classificação legal dos atos de improbidade
administrativa. 3.1 Aspectos iniciais. 3.2 Atos de
improbidade
administrativa
enriquecimento
ilícito.
3.3
Atos
que
importam
de
improbidade
administrativa que causas prejuízo ao Erário. 3.4 Atos de
improbidade administrativa que atentam contra os
princípios da Administração Pública. 4. Conclusão. 5.
Bibliografia Consultada.
1. Introdução
Com a edição da Lei Complementar nº 101/2000, Lei de Responsabilidade Fiscal, muito
se falou sobre o combate à corrupção na política, principalmente, no âmbito municipal,
causando uma verdadeira romaria dos prefeitos brasileiros para Brasília, com o intuito
de adiar a edição do referido diploma legal. Porém, pouco tem haver, tal lei, com o
combate à corrupção. Na verdade, a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece normas
de finanças públicas, sendo uma verdadeira cartilha na disciplina da gestão financeira
dos administradores públicos. Vigorando desde de 1992, e já quase esquecida pela
Imprensa, a Lei 8.429/92, também conhecida como a Lei da Improbidade
Administrativa, é o diploma legal que disciplina especificamente as normas de combate
e saneamento da corrupção pública. Deste modo, um administrador público poderá ter
uma conduta impecável no âmbito da responsabilidade fiscal e ser completamente
corrupto e vice-versa, ou seja, poderá o administrador ser honesto e cometer deslizes

Advogado. Pós-graduando em Direito Público pela UNIFACS.
nas finanças públicas. Neste texto, iremos tratar exatamente sobre a classificação legal
do atos de improbidade administrativa dispostos na Lei 8.429/92, não nos detendo em
analisar cada tipo legal, mas procurar discutir os pontos polêmicos e controvertidos.
A Lei 8.429/92, que dispões sobre as sanções aplicáveis aos agentes público nos casos
de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública na
administração pública direta, indireta ou fundacional, veio regulamentar o art. 37§ 4º, da
CF, disciplinando, ainda, os atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao
erário e os que atentam contra os princípios da Administração Pública. É importante
ressaltar que “a improbidade administrativa tem como peculiaridade seu grave potencial
lesivo. Mais que sua nociva repercussão sobre a vida social, pelo mau exemplo que
dissemina e pelo rótulo de descrédito que aplica à classe dirigente, agride agudamente
os princípios nucleares da ordem jurídico-constitucional positiva.” 1
Claro que o Texto Constitucional não sintoniza o vocabulário administração apenas
com órgão do Poder Executivo. Ainda que o Legislativo e o Judiciário possuam
atribuições e funções peculiares, quais sejam, respectivamente, as de legislar e julgar,
desempenham também funções administrativas instrumentais, para que se tornem
viáveis como órgãos e tenham condições de exercer seus encargos típicos.
2. A Improbidade Administrativa
2.1 Generalidades
A palavra improbidade vem do latim, improbitate, significando, em sentido próprio, má
qualidade. Também, em sentido próprio, improbus, que deu origem ao vernáculo
ímprobo, significa mau, de má qualidade. Neste mesmo caminho, probus, em português,
probo quer dizer bom, de boa qualidade. Apoiado nestes conceito, o professor Flávio
Sátiro Fernandes leciona que “ o sentido próprio dessas palavras, pois, não se reporta,
1
Cf. PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias e FAZZIO JR., Waldo.
Improbidade Administrativa: Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público. 4. ed. São Paulo:
Atlas, 1999. p. 13.
necessariamente, ao caráter desonesto do procedimento incriminado, quando se faz
referência a ‘administrador ímprobo’.” 2
Porém, juridicamente, improbidade significa desonestidade, má fama, má conduta, má
índole, mau caráter. Neste mesmo sentido, De Plácido e Silva conceitua: “improbidade
revela a qualidade do homem que não procede bem, por não ser honesto, que age
indignamente, por não ter caráter, que atua com indecência, por ser amoral”3
Para Juarez Freitas, “ o princípio da probidade administrativa consiste na proibição de
atos desonesto ou desleais para com a Administração Pública, praticados por agentes
seus ou terceiros.”4
Simploriamente, Di Pietro conceitua o princípio da probidade como a “ honestidade no
modo de proceder”5, referindo-se à conduta do agente público.
Já, José Afonso da Silva, com fundamento na doutrina de Marcello Caetano, leciona
que “a probidade administrativa consiste no dever de o funcionário servir a
Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem
aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem
a quem queira favorecer.” 6
Como vemos, dos conceitos supra, que a probidade administrativa tem como núcleo a
honestidade. Todos são unânimes em reconhecer que a honestidade é o ponto nuclear do
princípio da probidade administrativa e, por consequência, será ímproba a atitude do
agente público ou terceiro que tenha uma relação de desonestidade perante a
Administração, incorrendo nas sanções previstas na Lei 8.429/92.
2
FERNANDES, Flávio Sátiro. Improbidade Administrativa. Revista de Direito Administrativo, n. 210,
171-181. Rio de Janeiro, out/dez 1997. p. 171.
3
DE PLÁCIDO E SILVA apud. FERRACINI, Luiz Alberto. Improbidade Administrativa: Teoria,
Jurisprudência e Prática. 2. ed. São Paulo: Agá Juris Editora, 1999. p. 29.
4
FREITAS, Juarez. Do Princípio da Probidade Administrativa e de sua Máxima Efetivação. Revista de
Direito Administrativo, n. 204, 65-84.. Rio de Janeiro, abr/jun, 1996. p. 71.
5
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 260.
6
SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1995.
p. 616.
De forma geral, a improbidade administrativa não reclama tanta elaboração para que
seja reconhecida. Estará caracterizada sempre que a conduta administrativa contrastar
qualquer dos princípios fixados nos art. 37, caput da CF, independentemente da geração
de
efetivo
prejuízo ao
erário.
Porém,
a
Lei
8.429/92
divide
e
define,
exemplificativamente, os atos de improbidade administrativa em três categorias: os
efetivamente lesivos ao erários (art.. 10), os que importam enriquecimento ilícito do
agente público (art. 9º) acarretem ou não danos ao erários e os que atentam contra os
princípios da Administração Pública (art. 11) acarretem ou não lesão aso erários ou
enriquecimento ilícito.
2.2. Sujeitos da Improbidade Administrativa
Na caracterização dos atos de improbidade, é importante também sabermos sobre
sujeitos dos atos de improbidade administrativa. A Lei 8.429/92 dispões sobre quais são
os sujeitos passivos e ativos do ato de improbidade administrativa, definindo
expressamente tais agentes.
2.2.1 Sujeito Ativo
A Lei 8.429/92 disciplina, no seus arts. 2º e 3º, o agente do ato de improbidade
administrativa, ou seja, os sujeitos ativos da improbidade.
Didaticamente, podemos dividir o sujeito ativo em: agente público, aquele que pratica o
ato de improbidade administrativa próprio; e o terceiro, que com ele concorre
materialmente ou por indução, ou, ainda, que beneficia da prática do ato de improbidade
administrativa – ato de improbidade administrativa imprópria ou por equiparação.
Com isso, podemos relacionar, de forma geral, os sujeitos ativos próprios dos atos de
improbidade: os agente públicos, servidores públicos (estatutários, celetistas
remanescente de outros regimes anteriores) dos entes públicos (administração direta,
autarquia e fundação pública); os servidores públicos das entidades governamentais
privadas (fundações governamentais privada s, sociedades de economia mista e
empresas públicas); os contratados, particulares no exercício transitório de funções
públicas, sem vínculo profissional e os agentes políticos, respeitadas as disposições
constitucionais. No que tange aos agentes políticos, existem casos excepcionais
fundados na Constituição Federal. Os casos excepcionais, que não admitem a incidência
plena das sanções da lei em questão, são aqueles que dizem respeito ao Presidente da
República, Senadores e Deputados Federais e Estaduais.
Já, o terceiro equiparado é o agente do ato de improbidade impróprio ou equiparado.
Neste sentido, dispõe o art. 3º da Lei 8.429/92 que suas disposições são aplicáveis, no
que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a
prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer foram direta ou
indireta. Como vemos, o terceiro não faz parte dos quadros da administração ou entes
tutelados pela Lei. É um particular que venha a induzir ou se beneficiar do ato de
improbidade e, por consequência é co-autor do ato ímprobo.
2.2.2 Sujeito Passivo
A Lei 8.429/92 tem por finalidade proteger a Administração em seu sentido mais amplo
possível. Desta forma é abrangente o rol dos entes passivos dos atos de improbidade
administrativa, mas, de forma geral, é sujeito passivo a pessoa jurídica de direito
público interno (União, Estado, Município, Território, Distrito Federal e Autarquia) ou
pessoa jurídica de direito privado (Empresa Pública, Sociedade de Economia Mista,
empresa com envolvimento de capitais públicos) e, ainda, a empresa ou entidade que
receba subvenção, benefício ou incentivo fiscal ou creditício de origem público e
aquelas cuja criação ou custeio o erário concorra. Neste sentido dispõe a Lei 8.429/92
no seu artigo 1º:
Art. 1º Os atos de improbidade praticados por qualquer agente
públicos, servidor ou não, contra a administração direta ou
fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa
incorporada ao patrimônio público ou de entidade cuja criação ou
custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta
por cento do patrimônio ou receita anual, serão punidos na forma
desta Lei.
No parágrafo do mesmo artigo, a Lei estende o leque dos sujeitos passivos dos atos de
improbidade:
Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta Lei os
atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que
receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de
órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o
erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por
cento do patrimônio ou renda anual, limitando-se, nestes casos, a
sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos
cofres públicos.
Assim, “nota-se claramente que a ratio legis volta-se para o controle dos dinheiros
públicos (bens, direitos, recursos, com ou sem valor econômico), em todo espectro da
Federação brasileira e em toda e qualquer categoria de empresas e órgãos públicos,
entidades ou empresas particulares relacionadas na Lei.” 7
Existem ainda outros entes mencionados no dispositivo sob análise a “ entidade para
cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta
por cento do patrimônio ou da receita anual” (art. 1º) e “ entidade para cuja criação ou
custeio o erário haja concorrido com menos de cinqüenta por cento” (parágrafo único).
Significa dizer entidade privada, porque não inserida entre as que compõem a
administração direta, indireta ou fundacional.
Na segunda hipótese, a lei limita “ a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre
a contribuição dos cofres públicos” isto é, o ressarcimento do dano causado será
limitado à repercussão da improbidade sobre aquilo que o erário contribuiu, o que
eqüivale a dizer, são será integral, incumbindo a Fazenda Pública (art. 17, § 2º)
promover as medidas judiciais necessárias à reparação do restante dos danos.
7
FIGUEIREDO, Marcelo. Ob. cit., p. 25.
3.
CLASSIFICAÇÃO
LEGAL
DOS
ATOS
DE
IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA
3.1 Aspectos iniciais
Chegamos, em fim, ao ponto central de nossa dissertação, onde passaremos a discorrer
sobre a classificação legal dos atos de improbidade administrativa, lembrando
novamente que daremos destaque às questões polêmicas e controvertidas, evitando
assim um processo tedioso de repetição da legislação.
A Lei 8.429/92 disciplina três espécies ou grupos de atos de improbidade
administrativa:
a) os que causam enriquecimento ilícito;
b) os que causam prejuízo ao erário público;
c) os que atenta contra os princípios da Administração Pública.
Desde já, é importante ressaltar que o rol de condutas disciplinas em cada espécie legal
é meramente exemplificativa, o que fica claro pela utilização, no caput, de cada grupo,
do advérbio notadamente, podendo, assim, ocorrer outros atos que sejam ímprobos,
porém, não estejam tipificados no texto legal.
3.2 Atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito
Dispõe o art. 9º, caput, da Lei 8.429/92, que:
Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa importando
enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial
indevida em razão de exercício de cargo, mandato, função, emprego
ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta lei, e
notadamente:
De modo geral, há o enriquecimento ilícito quando o agente auferir qualquer tipo de
vantagem patrimonial indevida em razão de seu vínculo com a Administração Pública.
O núcleo das condutas tipicadoras do enriquecimento ilícito é a obtenção de vantagem
econômica, entendida esta como “qualquer modalidade de prestação, positiva ou
negativa, de que se beneficie quem aufira enriquecimento ilícito, como a definia o art.
7º da lei 3.502/58 ( Lei Bilac Pinto). Indevida é a vantagem patrimonial não autorizada
por lei” 8
A vantagem econômica, doutrinava Francisco Bilac Moreira Pinto sob a forma de
prestação positiva, “abrange todo e qualquer título ou documento representativo de
valor, tais como ações ou cotas de sociedade, títulos da dívida pública, letras de câmbio,
notas promissórias, cheques, confissões de dívidas etc.” 9
Por sua vez, a vantagem econômica, sob forma de prestação negativa, “compreende a
utilização de serviços, a locação de móveis ou imóveis, o transporte ou a hospedagem
gratuitos ou pagos por terceiro.” 10
Os núcleos verbais indicativos de conduta ímproba, inseridos nos dozes incisos do art.
9º, resumem-se nos verbos receber, perceber, aceitar, usar, adquirir e incorporar. Neste
sentido “receber, perceber e aceitar têm o sentido de entrar na posse, dela passando a ter
disponibilidade. Utilizar ou usar significa o emprego ou utilização, aqui, no próprio
benefício do agente público. Adquirir, no inciso VII, traduz alienação onerosa. Aceitar é
anuir com a proposta. Incorporar a seu patrimônio é fazer seu, tomar para si, supondo a
prévia posse, guarda ou detenção lícitas, decorrentes da condição funcional.” 11
Não vamos aqui elencar todas as hipóteses legais de atos de improbidade que ensejam o
enriquecimento ilícito, pois seria maçante. Entretanto, é importante chamarmos atenção
para alguns aspectos relevantes.
8
Cf. PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias e FAZZIO JR., Waldo. Ob. cit., p.
62/63.
9
Apud FIGUEIREDO, Marcelo. Ob. cit., p. 37.
10
Idem, ibidem, p. 37.
11
Cf. PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias e FAZZIO JR., Waldo. Ob. cit., p.
63.
Ponto que merece atenção diz respeito ao elemento subjetivo necessário para
caracterizar as condutas elencadas neste dispositivo: “nenhuma das modalidades admite
a forma culposa; todas são dolosas. É que todas as espécies de atuação suscetíveis de
gerar enriquecimento elícito pressupõem a consciência de antijuridicidade do resultado
pretendido. Nenhum agente desconhece a proibição de se enriquecer às expensas do
exercício da atividade pública ou de permitir que, por ilegalidade de sua conduta,
outrem o faça. Não há, pois, enriquecimento ilícito imprudente ou negligente. De culpa
é que não se trata.” 12
Ainda chama atenção a disposição prevista no inciso VII, segundo a qual é ato de
improbidade “adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego
ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução
do patrimônio ou à renda do agente público.” Nessa norma, consagra-se o aumento
patrimonial injustificado, em que há desproporção entre as rendas e rendimentos
auferidos pelo agente público e sua respectiva capacidade de adquirir bens.
Comentando tal inciso, o Professor Antônio José Mattos Neto conclui que: “a fim de
que se possa aquilatar objetivamente o acréscimo patrimonial ilegal, a lei de
improbidade, no art. 13, condiciona a posse e o exercício do
agente público à
apresentação de declaração, anualmente atualizada dos bens e valores que compõem seu
patrimônio privado. Não bastasse, a Lei nº 8.730/93 estabelece a obrigatoriedade da
declaração de bens e rendas, com indicação de suas fontes, para o exercício de cargos,
empregos e funções nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.” 13
Em torno do assunto, existe uma grande controvérsia sobre o ônus da prova. O mestre
Hely Lopes Meirelles leciona que “nesta hipótese de improbidade há inversão do ônus
da prova, pois o enriquecimento ilícito é presumido. Desta feita, cabe ao agente público
a prova da licitude do acréscimo patrimonial, indicando a origem dos recursos
necessários à aquisição.” 14
12
Idem, ibidem, p. 63.
MATTOS NETO, Antônio José. Responsabilidade Civil por Improbidade Administrativa. Revista de
Direito Administrativo, n. 210, 159-170. Rio de Janeiro, out/dez, 1997. p. 163.
14
Apud MATTOS NETO, Antônio José. p. 163/164. No mesmo sentido, Antônio Augusto Camargo e
Antônio Herman de Vasconcelos (A inversão do ônus da prova na lei da improbidade administrativa),
13
De modo diferente, pensam os Promotores de Justiça paulistas Mariano Pazzaglini
Filho, Márcio Fernando e Waldo Fazzio Júnior: “Ora, se para a caracterização da
ilicitude, há que se comprovar o nexo de ‘abuso do exercício funcional’ com
‘enriquecimento ‘, com certeza incumbe ao Ministério Público ou à entidade autora, na
ação civil pertinente, comprovar que o enriquecimento do agente público decorreu de
determinado ato de improbidade praticado no exercício da função pública. Não há que
falar em inversão do ônus probatório.”15
No mesmo sentido, o Professor Juarez Freitas entende que “em rigor, aconselha-se não
cogitar de inversão do ônus da prova em face da situação descrita no art. 9º, VII, a qual
deve ser entendida como simples exigência de que determinada prova seja vista como
suficiente para enquadramento do agente no tipo descrito.”16 E continua: “não se deve
imaginar uma inversão do ônus da prova – embora a mesma tenha quase figurado na
última formatação do texto normativo – , porém de mera consideração legal de que se
mostra suficiente, não presumível, a prova da ausência de origem para tornar ilícita a
renda assim obtida, sobretudo levando-se em conta a transparência advinda do regime
publicista de trabalho daqueles que lidam com a coisa pública. Reitere-se: a rigor, não
se deverá identificar, na situação prevista no art. 9º, VII, uma inversão do ônus da
prova, dado que não se deve esgrimir com a responsabilidade objetiva do agente
público. Trata-se tão-só de produzir simples prova da aventada desconformidade para
que se torne viável o enquadramento do agente no tipo descrito.” 17
Por fim, o Professor Juarez Freitas assume uma postura, até certo ponto, radical, ao
lecionar que “imperioso que o ônus da prova não se percebe como invertido neste como
em todos os casos de improbidade, sequer em relação aos atos de improbidade que
afetem direitos do usuário de serviços públicos (registre-se que a proteção de tais
relações de consumo radica sobretudo no art. 22 da Lei nº 8.078/90). De modo geral, o
Luiz Fabião Guasque ( Providências estruturais na investigação da improbidade administrativa) e Wallace
Paiva Martins Júnior (A responsabilidade da lei de enriquecimento ilícito), todos citados por
PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias e FAZZIO JR., Waldo. Ob. cit., p. 69/70.
15
PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias e FAZZIO JR., Waldo. Ob. cit., p. 71.
16
FREITAS, Juarez. Ob. cit., p. 67
17
Idem, ibidem, p. 74.
agente público que, por desonestidade, desrespeitar os direitos do usuário de serviços
públicos, irromperá contra a moralidade administrativa, sendo, contudo, incumbência do
autor a efetuação da prova no tocante à prática omissiva ou comissiva do agente, pois a
responsabilidade extracontratual objetiva aplica-se nestes casos, apenas às pessoas
jurídicas de direito público ou de direito privado prestadoras de serviços público.” 18
O Professor Marcelo Figueiredo, embora de forma mais branda, entende que, “na
verdade, a lei parece ter pretendido minorar o problema da corrupção do agente público.
Contudo, de forma equivocada. A formulação não é feliz. O ato jurídico de aquisição de
bens em desproporção com a renda do agente ou com sua evolução patrimonial não
pode ser considerado ato de improbidade. É dizer, a simples aquisição, isolada, não
configura improbidade. A aquisição, a compra, a venda etc. são atos lícitos e permitidos.
Existe na lei uma presunção de enriquecimento ilícito, situação muito similar às
hipóteses previstas na legislação do imposto de renda, alusivas aos ‘sinais exteriores de
riqueza’. É preciso ter cuidado ao aplicar o dispositivo. O intérprete deve dar caminhos
e meios para que o agente possa justificar por todos os meios em Direito admitidos a
origem de suas rendas e proventos e, assim, dar oportunidade para que a ‘verdade real’
(em contra-posição à ‘verdade formal’ – das declarações de renda do agente ímprobo)
venha à tona.” 19 E conclui que “o dispositivo não afasta a necessidade da demonstração,
pelo Estado, da ilicitude ou desproporção das aquisições dos bens ou rendas tidas por
‘atos de improbidade’. O Estado, por sua vez, não fica desarmando, pois poderá, com a
documentação capaz de coligir, apresentar, inclusive, pedido de indisponibilidade de
bens, visando a proibir alienações fraudulentas até que o ‘devido processo legal’ tenha
seu curso ordinário.” 20
Concordamos com Marcelo Figueiredo, no que tange a necessidade da demonstração da
ilicitude ou desproporção da aquisição dos bens através de ato de improbidade, por parte
do Ministério Público ou do ente lesado. Não se deve, de logo, inverte-se o ônus da
prova. Deverá se provar, através dos meios permitidos no direito, que a aquisição foi
oriunda de ato de improbidade administrativa, v.g. quebra de sigilo bancário,
18
FREITAS, Juarez. Ob. cit., p. 74/75.
FIGUEIREDO, Marcelo. Ob. cit., p. 44.
20
FIGUEIREDO, Marcelo. Ob. cit., p.44.
19
apresentação de declaração de bens. E, por fim, deve-se provar que o aumento
patrimonial tem causa ilícita. E não é qualquer causa ilícita, mas o uso indevido da
função pública para enriquecimento pessoal.
Por fim, concluímos que “seria muito interessante para o combate a corrupção
administrativa a fixação da inversão do ônus probatório nesta matéria, mas seria
também a consagração legislativa de perigosa exceção aos princípios e normas
integrantes do sistema jurídico dos direitos fundamentais” 21
Assim, deve-se ter muita cautela para a determinação da inversão do ônus da prova,
nestes casos.
3.3 Atos de improbidade administrativa que causas prejuízo ao Erário
Outra modalidade de atos de improbidade são os que causam prejuízo ao erário público,
capituladas no art. 10 e seus treze incisos. O caput da referida regra consigna como ato
de improbidade o que resulta prejudicial ao erário quando o sujeito, por ação ou
omissão, dolosa ou culposa, enseja perda patrimonial, desvio, apropriação,
malbaratamento por desaviso ou negligência, ou dilapidação dos bens ou haveres das
entidades públicas.
É importante, neste momento, fazermos uma distinção entre erário e patrimônio público.
Mais uma vez, utilizamos os ensinamento dos Promotores de Justiça paulista supracitados: “erário diz respeito ao econômico-financeiro, ao tesouro, ao fisco, enquanto
patrimônio público é noção de espectro muito mais abrangente, sintetizadora não apenas
do econômico, mas também do estético, do histórico, do turístico e do artístico. A noção
de patrimônio público não se restringe aos bens e direitos de valor econômico.” 22
Assim, no art. 10, do multicitado diploma legal, tenta-se proteger não o patrimônio
público propriamente dito, mas o Erário, o Tesouro, ou seja, o conjunto de órgãos
administrativos responsáveis pelo movimento econômico-financeiro do Estado (v.g.
21
22
PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias e FAZZIO JR., Waldo. Ob. cit., p. 72.
PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias e FAZZIO JR., Waldo. Ob. cit., p. 75.
arrecadação de tributos, pagamentos, aplicação de verbas), coibindo-se, pois atos que
venham prejudicar a Receita Pública.
Não vamos, mais uma vez, enumerar todas as hipótese legais de atos de improbidade
administrativa que causam prejuízo ao Erário. Importante ressaltar, neste tópico que, em
geral, o ato de locupletamento sem causa gera lesão ao Erário. No entanto, é possível
haver enriquecimento ilícito sem prejuízo patrimonial ao Erário. Imagine-se a hipótese
do servidor que recebe presente para dar andamento célere ao requerimento do
administrado. Nesse caso, não há lesão patrimonial ao Erário, mas tão-só a lesão moral,
também prevista no dispositivo em tela. A voluntas legis é evitar e coibir qualquer tipo
de lesão ao Tesouro público.
É importante deixar claro que, a prática de atos de improbidade não violadores do
Erário pode significar, porém, o cometimento dos atos previstos no art. 11, da Lei da
Improbidade, assim como será sempre possível o concurso de atos de improbidade.
Da mesma forma, é de se ressaltar que o ato de improbidade, no caso do art. 10, supõese que a conduta lesiva ao Erário dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva, seja ilegal.
Logo, “a interpretação há de ser sistemática. O que a lei visa reprimir, neste dispositivo,
é a conduta ilegal. Não intenta punir quem, agindo legalmente, por culpa, cause prejuízo
ao patrimônio público. Apenas a perda patrimonial decorrente de ilicitude, ainda que
culposa, ensejará a punição do agente público nas sanções do art. 12, inciso II.” 23
Num primeiro momento, pode parecer que a lei seja excessivamente rigorosa, ou seja, a
punição do agente público que laborou culposamente para a consumação de lesão ao
Erário. Porém, assim não o é “os agentes públicos, em geral, inclusive os que servem
empresas estatais ou que de qualquer modo envolvam dinheiro público, têm a obrigação
de se conduzir com diligência no desempenho de suas funções, sendo incompatível com
a natureza delas a imprudência e a negligência.” 24
23
Cf. PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias e FAZZIO JR., Waldo. Ob. cit., p.
77.
24
Cf. PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias e FAZZIO JR., Waldo. Ob. cit., p.
78.
Com isso, nestes casos previsto no art. 10, da Lei da Improbidade, não ser perquire se
ocorreu culpa ou dolo.
3.4 Atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da
Administração Pública
A terceira classe da improbidade corresponde aos atos que atentam contra os princípios
da Administração Pública. O art. 11, da Lei de Improbidade, estatui que constitui
improbidade atentatória contra os princípios norteadores da Administração Pública
qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade e lealdade ao interesse público. Em sete incisos, arrola outras condutas que,
especificadamente, também ofendem aqueles princípios básicos. Os princípios
revestem-se de importância, pois são normas jurídicas estruturais ou basilares de um
dado ordenamento jurídico. São dotados de maior relevância porque condicionam toda a
interpretação do direito.
Segundo, Marcelo Figueiredo é de suma importância tal disposição legal, pois “a
preocupação do legislador é de ser aplaudida, porquanto coube à doutrina um esforço de
décadas para demonstrar a importância dos princípios, sua eficácia e aplicabilidade.
Assim, mais do que nunca, atual é a advertência já clássica de Celso Antônio: violar um
princípio é muito mais grave do que violar uma norma isolada, porque as consequências
do ataque são, sem dúvida, muito maiores, devido à generalidade e raio de ação dos
princípios.” 25
Os princípios constitucionais brasileiros estão expressos ou implícitos no bojo
legislativo. São expressos os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
eficiência; implícitos são os que, embora não expressamente consagrados em lei, estão
abrigados no sistema jurídico nacional, tal como sói com o princípio da supremacia do
interesse público sobre o interesse privado, o princípio da finalidade, o princípio do
controle judicial dos atos administrativos, o princípio da razoabilidade, entre outros.
25
FIGUEIREDO, Marcelo. Ob. cit., p. 59.
Na Lei 8.429/92, o ato ímprobo pode causar, e geralmente causa, dano material ao
erário, mas também pode gerar lesão de cunho moral, porque o agente foi desleal ou
desonesto para com o poder público. Para Juarez Freitas, a figura do dano moral
precisa ter os seus contornos melhor definidos e objetivados, sendo, no entanto,
indubitavelmente, dela que se cogita nas hipóteses previstas no art. 11.” 26 (grifamos)
Assim, é importante ressaltar que as hipóteses exemplificativas do art. 11, da Lei de
Improbidade, dizem respeito ao dano moral perpetrado contra a Administração Pública
brasileira. Melhor ainda, o art. 11, trata exatamente da figura do dano moral.
Deve ser enfatizado, também, que as condutas enumeradas, no art. 11, “não autorizam
cogitar do elemento subjetivo que as motiva, sendo todas presumidamente dolosas.
Aliás, pela redação dos tipos já se evidencia que tais atitudes pressupõem a consciência
da ilicitude e a vontade de realizar ato antijurídico.” 27
Da mesma forma, deve-se observar que, se de qualquer das condutas do art. 11, resultar
enriquecimento ilícito para o agente público, a norma da incidência será a do art. 9º.
“Seja porque eventualmente subsumível a uma de suas modalidades, seja porque
compreendida no caput daquele tipo, que alude a ‘auferir qualquer tipo de vantagem
patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou
atividade’. Depois, porque o catálogo de condutas lá previsto é enumerativo,
comportando outras que se ajustem à cabeça do artigo.” 28
Porém, se assim não for e o agente público produz dano ao Erário, incidirá a norma do
art. 10, da Lei da Improbidade. Desta forma, conclui-se que o art. 11, do multicitado
diploma legal, funciona como regra de reserva, para os casos de improbidade
administrativa que não ensejam lesão ao Erário nem importam em enriquecimento
ilícito do agente público que o pratica. “Compreende-se que assim seja, visto que o bem
jurídico tutelado pelo diploma legal em questão é a probidade administrativa, objetivo
26
FREITAS, Juarez. Ob. cit., p. 62.
Cf. PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias e FAZZIO JR., Waldo. Ob. cit., p.
124.
28
Idem, ibidem, p.124.
27
revelado no art. 21, quando aventa a possibilidade de se caracterizar ato de improbidade,
ainda que sem a ocorrência de efetivo prejuízo.”29
4. Conclusão
De tudo que apresentamos, ao longo deste trabalho, extraímos algumas conclusões que
merecem ser destacadas dada a sua importância no contexto do tema tratado:
Os princípios da moralidade administrativa e probidade administrativa são
I.
princípios diversos, embora, às vezes é difícil precisá-los. Quanto à abrangência
de cada instituto, é de se reconhecer que a moralidade administrativa é realmente
mais ampla que a probidade administrativa, sendo que a moralidade
administrativa consiste num comportamento ético-jurídico do agente público
perante a própria Administração (internamente) e perante toda a sociedade civil
ou o particular (externamente), ao passo que a probidade administrativa consiste
no comportamento de honestidade perante a coisa pública.
II.
A Lei 8.429/92 aos dispor sobre os agente passivos do ato de improbidade peca
pela má redação art. .1º, que dispõe “administração direta, indireta ou
fundacional de qualquer dos Poderes”, aludindo com certeza aos Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário. Acontece que, apenas o Poder Executivo se
apresenta como a administração direta, indireta e fundacional.
III.
A Lei 8.429/92 disciplina três espécies ou grupos de atos de improbidade
administrativa:
a) os que causam enriquecimento ilícito;
b) os que causam prejuízo ao erário público;
c) os que atenta contra os princípios da Administração Pública.
IV.
É importante ressaltar que o rol de condutas disciplinas em cada espécie legal é
meramente exemplificativa, o que fica claro pela utilização, no caput, de cada
29
Idem, ibidem, p. 125.
grupo, do advérbio notadamente, podendo, assim, ocorrer outros atos que sejam
ímprobos, porém, não estejam tipificados no texto legal.
V.
Nos atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito e nos que atentam
contra os princípios da Administração Pública é necessária se cogitar o elemento
subjetivo que os motivam, sendo pois, presumidamente dolosos. Ao passo que,
nos atos de improbidade que causam prejuízo ao erário público não importa se
cogitar o modo da conduta, podendo ela ser culposa ou dolosa.
VI.
Na Lei 8.429/92, o ato ímprobo pode causar, e geralmente causa, dano material
ao erário, mas também pode gerar lesão de cunho moral, porque o agente foi
desleal ou desonesto para com o poder público, é o que ocorre no Art. 11, do
referido diploma legal. Ainda sobre este dispositivo, ressalte-se peca por falha
técnica, ao confundir os princípios de impessoalidade e legalidade com os
deveres funcionais da imparcialidade, honestidade e lealdade. Honestidade,
imparcialidade e lealdade nada mais são senão atributos humanos, que devem
descender dos princípios da Administração Pública, mas nunca princípios. A lei
teria feito melhor e de forma mais coerente se, pura e simplesmente, aludisse aos
princípios elencados em seu art. 4º, que como não poderia deixar de ser, são os
pronunciados na fala constitucional (art. 37, caput ).
VII.
Existe uma grande discussão na doutrina, quanto a inversão do ônus da prova
para os casos de enriquecimento desproporcional à evolução patrimonial do
agente público (art. 9º, VII). Somo partidário da necessidade da demonstração
da ilicitude ou desproporção da aquisição dos bens através de ato de
improbidade, por parte do Ministério Público ou do ente lesado. Não se deve, de
logo, inverte-se o ônus da prova. Deverá se provar, através dos meios permitidos
no direito, que a aquisição foi oriunda de ato de improbidade administrativa, v.g.
quebra de sigilo bancário, apresentação de declaração de bens. E, por fim, devese provar que o aumento patrimonial tem causa ilícita. E não é qualquer causa
ilícita, mas o uso indevido da função pública para enriquecimento pessoal.
VIII.
O art. 11, do multicitado diploma legal, funciona como regra de reserva, para os
casos de improbidade administrativa que não ensejam lesão ao Erário nem
importam em enriquecimento ilícito do agente público que o pratica.
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