Voto - Proc. 0176273-45.2005.4.03.6301

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PODER JUDICIÁRIO
TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS
FEDERAIS DA 3ª REGIÃO
TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO
PROCESSO N.º 0176273-45.2005.4.03.6301
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL
REQUERENTE: JESUS FLORIANO DOS SANTOS
REQUERIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - I.N.S.S. (PREVID)
ORIGEM: JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DE SÃO PAULO
RELATORA: DRA. MARISA CLÁUDIA GONÇALVES CUCIO
I – RELATÓRIO
Trata-se de pedido de uniformização interposto pelo autor com fundamento no § 1º do
art. 14 da Lei nº 10.259/2001, com pedido de alteração do resultado do julgamento da 2ª.
Turma Recursal de São Paulo proferido em sentido contrário ao acórdão da extinta Turma
Recursal de Ribeirão Preto do Juizado Especial Federal da Terceira Região.
A parte autora alega que, na qualidade de portador de HIV (AIDS), ingressou com ação
em face do INSS para a concessão de auxílio-doença, tendo obtido o provimento jurisdicional
favorável pelo MM. Juiz da 2ª. Vara-Gabinete do JEF de São Paulo. O INSS recorreu da sentença
e a 2ª. Recursal de São Paulo deu provimento ao recurso da autarquia considerando que o autor
não apresentava incapacidade laborativa, conforme laudo médico pericial, deixando de
considerar as condições sócio-culturais estigmatizantes da doença da qual é portador.
Contra o acórdão proferido pela 2ª. Turma Recursal, o autor interpôs incidente de
uniformização para a Turma Regional de Uniformização, o que foi admitido, mas, por equívoco,
o incidente foi remetido à TNU.
Com o retorno dos autos, restabeleceu-se o seu regular andamento.
Regularmente intimado, o Ministério Público Federal não se manifestou no prazo. A
representante do Ministério Público Federal que comparece a esta sessão declara que o MPF não
tem interesse no feito.
É o relatório.
II – VOTO
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A decisão que recebeu o recurso merece ser mantida.
Com efeito, o incidente foi protocolado no prazo, estando o autor regularmente
representado pela Defensoria Pública da União.
Em brilhante decisão, o recurso foi recebido pela MMª Juíza Federal Coordenadora, uma
vez que cumpridas as condições recursais.
O autor anexou acórdão proferido pela Turma Recursal de Ribeirão Preto e fez a devida
confrontação fático-analítica, comprovando a divergência jurisprudencial.
Pelas razões acima, o recurso merece ser conhecido.
No mérito, o Incidente deve ser provido.
Inicialmente cumpre destacar que o juiz singular prolator da sentença julgou procedente
o pedido de condenação do INSS na implantação do benefício de auxílio-doença, considerando
em sua fundamentação o estigma social sofrido pelos portadores de HIV, sintomáticos ou não.
Em segunda instância a decisão, se ateve, tão-somente, às conclusões do laudo pericial
que não apontara a incapacidade laborativa sob o ponto de vista clínico.
Com acerto o MM. Juiz prolator da decisão, o estigma social que recai sobre o portador
do vírus HIV (AIDS), ainda que assintomático, erige-se como potencial barreira a sua plena e
efetiva inserção social em igualdade de condições. Todavia, não houve a análise das condições
sociais da parte autora.
No caso em tela, do cotejo analítico entre o acórdão vergastado e o paradigma não há
dúvida quanto à similitude fático-jurídica.
As condições sócio-culturais devem ser ponderadas. Contudo, tal análise não pode ser
feita nesta corte uniformizadora, mas sim pelas instâncias ordinárias, considerando sua idade,
escolaridade e condição econômica e social, em face da intolerância e o preconceito contra os
portadores do HIV, que ainda persiste no seio da sociedade brasileira, verificando a efetiva
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impossibilidade de sua inclusão no mercado de trabalho e, em consequência, a obtenção dos
meios para sua subsistência.
O Poder Judiciário tem coibido a discriminação contra o portador do HIV, em
consagração ao princípio da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos do
Estado Democrático de Direito.
Destaco os recentes julgados da Turma Nacional de Uniformização, a
saber:
“INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA.
INCAPACIDADE. HIV. ANÁLISE DAS CONDIÇÕES PESSOAIS. PRECEDENTE DA TNU. INCIDENTE
CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Pedido de concessão de benefício de auxílio-doença.
2. Sentença de improcedência do pedido, em razão do perito judicial ter afirmado que as
patologias que acometem a parte autora não a tornam incapaz para o exercício de suas
atividades habituais. 3. Desprovimento do recurso da parte autora pela 1ª Turma Recursal do
Paraná, ao argumento de que a condição de portador do vírus HIV, por si só, não habilita o autor
à concessão de benefício previdenciário por incapacidade. 4. Incidente de uniformização de
jurisprudência, interposto pela parte autora, com fundamento no art. 14, § 2º, da Lei nº
10.259/2001. 5. Alegação de que o acórdão é divergente de precedente esta TNU (PEDILEF
2007.83.00.505228-6). 6. Admissão do incidente pela Presidência da Turma Recursal de origem.
7. Acerca da controvérsia estabelecida já se posicionou esta TNU no seguinte sentido:
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIV. ANÁLISE DAS CONDIÇÕES PESSOAIS.
PRECEDENTES. OMISSÃO DO JULGADO. 1. Nos benefícios por incapacidade, especialmente
naqueles em que a patologia seja decorrente do vírus HIV, para além do resultado da perícia
médica, cabe ao magistrado analisar as condições pessoais do segurado (cultural, estigma,
mercado de trabalho, etc). Precedentes: PEDILEF’s 200832007035293, 200932007033423,
200771950172806. 2. Caso em que o acórdão foi omisso na análise destas condições. 3.
Incidente conhecido e parcialmente provido para anular o julgado e determinar o retorno dos
autos à Turma de Origem. (PEDILEF 200563011070666, JUIZ FEDERAL ANTÔNIO FERNANDO
SCHENKEL DO AMARAL E SILVA, DOU 01/06/2012.)”. 8. Reafirmação do entendimento desta
TNU no sentido de que nos benefícios por incapacidade em que o quadro de incapacidade possa
decorrer do fato do segurado ser portador do vírus HIV, além do laudo médico pericial devem
ser considerados outros aspectos socioeconômicos do demandante. 9 Anulação do acórdão e
determinação de retorno dos autos à Turma Recursal de origem, nos termos da Questão de
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Ordem 20/TNU. 10. Incidente de uniformização de jurisprudência conhecido e parcialmente
provido, nos termos acima. (PEDILEF 50108579720124047001/ JUIZ FEDERAL ADEL
AMÉRICO DE OLIVEIRA/ DJ 26/10/2012)” .
“INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA.
INCAPACIDADE. HIV. ANÁLISE DAS CONDIÇÕES PESSOAIS. PRECEDENTE DA TNU. INCIDENTE
CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Pedido de concessão de benefício de auxílio-doença.
2. Sentença de improcedência do pedido, em razão do perito judicial ter afirmado que as
patologias que acometem a parte autora não a tornam incapaz para o exercício de suas
atividades habituais. 3. Desprovimento do recurso da parte autora pela 1ª Turma Recursal do
Paraná, ao argumento de que a condição de portador do vírus HIV, por si só, não habilita o autor
à concessão de benefício previdenciário por incapacidade. 4. Incidente de uniformização de
jurisprudência, interposto pela parte autora, com fundamento no art. 14, § 2º, da Lei nº
10.259/2001. 5. Alegação de que o acórdão é divergente de precedente esta TNU (PEDILEF
2007.83.00.505228-6). 6. Admissão do incidente pela Presidência da Turma Recursal de origem.
7. Acerca da controvérsia estabelecida já se posicionou esta TNU no seguinte sentido:
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIV. ANÁLISE DAS CONDIÇÕES PESSOAIS.
PRECEDENTES. OMISSÃO DO JULGADO. 1. Nos benefícios por incapacidade, especialmente
naqueles em que a patologia seja decorrente do vírus HIV, para além do resultado da perícia
médica, cabe ao magistrado analisar as condições pessoais do segurado (cultural, estigma,
mercado de trabalho, etc). Precedentes: PEDILEF’s 200832007035293, 200932007033423,
200771950172806. 2. Caso em que o acórdão foi omisso na análise destas condições. 3.
Incidente conhecido e parcialmente provido para anular o julgado e determinar o retorno dos
autos à Turma de Origem. (PEDILEF 200563011070666, JUIZ FEDERAL ANTÔNIO FERNANDO
SCHENKEL DO AMARAL E SILVA, DOU 01/06/2012.)”. 8. Reafirmação do entendimento desta
TNU no sentido de que nos benefícios por incapacidade em que o quadro de incapacidade possa
decorrer do fato do segurado ser portador do vírus HIV, além do laudo médico pericial devem
ser considerados outros aspectos socioeconômicos do demandante. 9 Anulação do acórdão e
determinação de retorno dos autos à Turma Recursal de origem, nos termos da Questão de
Ordem 20/TNU. 10. Incidente de uniformização de jurisprudência conhecido e parcialmente
provido, nos termos acima. (PEDILEF 50108579720124047001/ JUIZ FEDERAL ADEL
AMÉRICO DE OLIVEIRA/ DJ 26/10/2012)”
“VOTO-EMENTA
-
DIREITO
PREVIDENCIÁRIO.
AUXÍLIO-
DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. (IN)CAPACIDADE PARA O TRABALHO.
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SEGURADO PORTADOR DE VÍRUS HIV (AIDS) ASSINTOMÁTICO. CONSIDERAÇÃO DE
CONDIÇÕES
SÓCIO-CULTURAIS
ESTIGMATIZANTES.
NECESSIDADE.
ACÓRDÃO
RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA ATUAL DESTE COLEGIADO.
APLICAÇÃO DA QUESTÃO DE ORDEM Nº. 13, TNU. INCIDENTE NÃO CONHECIDO.
ARTS. 7º VII, “A” E 15, §§ 1º E 3º, DA RESOLUÇÃO CJF Nº. 22 DE 4 DE SETEMBRO DE
2008 (RI/TNU). 1 - Pedido de Uniformização manejado em face de acórdão que deu
provimento ao recurso inominado da parte autora, para reformar a sentença, julgando
procedente o pedido de restabelecimento de auxílio-doença, com fundamento nas
condições sócio-culturais estigmatizantes da patologia. Segurado portador de vírus HIV
(AIDS) assintomático semi-alfabetizado que refere discriminação social. 2 - É devido,
independentemente
de
carência,
auxílio-doença/aposentadoria
por
invalidez
ao
segurado acometido de doença e afecção que por critério de estigma ou outro fator
materialize especificidade ou gravidade a merecer tratamento particularizado, entre
elas a síndrome da deficiência imunológica adquirida - AIDS (cf. art. 26, II, c/c art.
151 da Lei nº. 8.213/91). 3 - A ausência de sintomas, por si só, não implica
capacidade efetiva para o trabalho, se a doença se caracteriza por específico estigma
social. Há que se aferir se as condições sociais a que submetido o segurado permitem
o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. 4 - Jurisprudência dominante
desta Turma Nacional: “1. A interpretação sistemática da legislação permite a
concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez se, diante do caso
concreto, os fatores pessoais e sociais impossibilitarem a reinserção do segurado no
mercado de trabalho, conforme livre convencimento do juiz que, conforme o brocardo
judex peritus peritorum, é o perito dos peritos, ainda que não exista incapacidade total
para o trabalho do ponto de vista médico. 1.1. Na concessão do benefício de
aposentadoria por invalidez, a incapacidade para o trabalho deve ser avaliada do ponto
de vista médico e social. (...) 3. A intolerância e o preconceito contra os portadores do
HIV, que ainda persistem no seio da sociedade brasileira, impossibilitam sua inclusão
no mercado de trabalho e, em consequência, a obtenção dos meios para a sua
subsistência. 4. O princípio da dignidade humana é fundamento do Estado Democrático
de Direito (art. 1º, III, CF). 4.1. O Poder Judiciário tem coibido a discriminação contra
o portador do HIV, nos casos concretos e específicos que lhe são submetidos. 4.1.1.
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Quando o preconceito se manifesta de forma difusa, velada, disfarçada, o Estado-Juiz
deve intervir, reconhecendo as diferenças, sob pena de, na sua omissão, compactuar
com a intolerância com os portadores dessas mesmas diferenças” (PEDILEF Nº
2007.83.00.50.5258-6, Relª. Juíza Federal Maria Divina Vitória, DJ 2.2.2009); “Não há
controvérsias que para a concessão de benefício de incapacidade para portador de HIV
deve-se apurar a incapacidade social, a saber, o preconceito, a dificuldade de ingresso
no mercado de trabalho e as condições pessoais do soropositivo” (PEDILEF nº
0510549-05.2008.4.05.8100,
Rel.
Juiz
Federal
Vladimir
Santos
Vitovsky,
DOU
8.6.2012); “Não examinada na sentença ou no acórdão a existência de incapacidade
social em relação ao autor, exigível nos termos da jurisprudência da Turma (...) deve o
processo, fixada a tese da exigibilidade de o juiz analisar as condições pessoais e
sociais do segurado portador de HIV, inclusive sinais exteriores da doença, para
concessão de aposentadoria por invalidez, retornar ao Juízo de primeira instância para
produção e análise da prova (TNU - Questão de Ordem n.º 20)” (PEDILEF nº 052190661.2008.4.05.8300, Rel. Juiz Federal Janilson Bezerra de Siqueira, DOU 13.7.2012). 5
- Incidência da Questão de ordem nº. 13 desta Turma Nacional: “Não cabe Pedido de
Uniformização, quando a jurisprudência da Turma Nacional de Uniformização de
Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais se firmou no mesmo sentido do acórdão
recorrido”. 6 - Incidente de uniformização não conhecido. 7 - O julgamento deste
incidente de uniformização, que reflete o entendimento consolidado da Turma Nacional
de Uniformização, resultará na devolução à Turma de origem de todos os outros
recursos que versem sobre o mesmo objeto a fim de que mantenham ou promovam a
adequação do acórdão recorrido à tese jurídica firmada, em cumprimento ao disposto
nos arts. 7º VII, “a” e 15, §§ 1º e 3º, da Resolução CJF nº. 22 de 4 de setembro de
2008 (RI/TNU).(PEDILEF 05071068220094058400/ RELATOR JUIZ FEDERAL ALCIDES
SALDANHA LIMA/DOU 31/08/2012)”
Por todo o exposto, voto:
a) pelo conhecimento do incidente de uniformização, em virtude do
cumprimento das condições recursais (prazo, julgado divergente
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proferido por turma recursal da mesma região e cotejo da similitude
fático-jurídica do paradigma);
b) para fixar a diretriz estabelecida pela TNU de que as condições sóciosculturais estigmatizantes devem ser consideradas no caso concreto;
c)
nos termos do artigo 67, parágrafo 3º. do Regimento Interno das
Turmas Recursais e da Turma Regional de Uniformização dos Juizados
Especiais Federais da 3ª Região, Resolução 344/08 do CJF da 3ª.
Região, julgo prejudicado o presente Pedido de Uniformização de
Jurisprudência e determino o retorno dos autos à Turma Recursal de
origem para adequação do acórdão recorrido à tese jurídica firmada
pela Turma Nacional de Jurisprudência, aplicando-se a Questão de
Ordem n. 20 da TNU, se necessário.
É o voto.
São Paulo, 03 de maio 2013.
Documento assinado por JF 203-Marisa Claudia Gonçalves Cucio
Autenticado e registrado sob o n.º 0036.0DIF.16G3.0B1A.1080-SRDDJEF3ºR
(Sistema de Registro de Sentenças e Documentos Digitais - TRF da 3ª Região)
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