DIREITO CIVIL IV – DOS CONTRATOS Prof. Silmara Helena F. Saidel AULA 08 - DAS VÁRIAS ESPÉCIES DE CONTRATOS 1- DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA. Conceito e Características. A origem histórica e remota do contrato de compra e venda está ligada à troca. Efetivamente, numa fase primitiva da civilização, predominava a troca ou permuta de objetos. Trocava-se o que se precisava pelo que sobejava para o outro. Esse sistema atravessou vários séculos como prática de negócio, até certas mercadorias passarem a ser usadas como padrão, para facilitar o intercâmbio e o comércio de bens úteis aos homens. A princípio, foram utilizadas as cabeças de gado (pecus, dando origem à palavra “pecúnia”); posteriormente, os metais preciosos. Quando estes começaram a ser cunhados com o seu peso, tendo valor determinado, surgiu a moeda e, com ela, a compra e venda. Tornou-se esta, em pouco tempo, responsável pelo desenvolvimento dos países e o mais importante de todos os contratos, pois aproxima os homens e fomenta a circulação das riquezas. Denomina-se compra e venda o contrato bilateral pelo qual uma das partes (vendedor) se obriga a transferir o domínio de uma coisa à outra (comprador), mediante a contraprestação de certo preço em dinheiro. O Código Civil enuncia dessa forma: “Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, uma dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”. O contrato em apreço pode ter por objeto bens de toda natureza: corpóreos, compreendendo móveis e imóveis, bem como os incorpóreos. Todavia, para a alienação dos últimos reserva-se, como mais adequada e correta tecnicamente, a expressão cessão (cessão de direitos hereditários, cessão de crédito, etc). No caráter obrigacional do contrato, apenas os contratantes obrigam-se reciprocamente, mas nos bens móveis, a transferência do domínio é feita pela tradição (CC 1226 e 1256) e para os imóveis, é feita pelo registro (1227 e 1245). Dispõe o art. 1267 do CC., com efeito, que “a propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição”. Do mesmo modo, “os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos, salvo os casos expressos neste Código”. Natureza Jurídica da Compra e Venda. A compra e venda é o mais importante dos contratos e a origem de quase todo o direito das obrigações, bem como de quase todo o direito comercial. Na sua caracterização jurídica, diz a doutrina que este contrato é: 1 a) Sinalagmático ou bilateral perfeito, uma vez que gera obrigações recíprocas: para o comprador a de pagar o preço em dinheiro; para o vendedor, a de transferir o domínio de certa coisa (reciprocidade de obrigação). b) Consensual aquele que se aperfeiçoa de acordo com as vontades (art. 482 CC). Em certos casos, tem caráter solene quando, além do consentimento, a lei exige uma forma para a sua celebração, como sucede na compra e venda de imóveis, em que a lei reclama a escritura pública (CC, art 108) e registro. c) Oneroso, pois ambos os contratantes obtêm proveito, ao qual corresponde um sacrifício (para um, pagamento do preço e recebimento da coisa; para outro, entrega do bem e recebimento do pagamento). Faz-se por interesse e utilidade de ambas as partes. d) Comutativo, porque de imediato se apresenta certo o conteúdo das prestações recíprocas. As prestações são certas e as partes podem antever as vantagens e os sacrifícios, que geralmente se equivalem apesar de se transformar em aleatório quando tem por objeto coisas futuras ou coisas existentes, mas sujeitas a risco. Elementos da compra e venda. O contrato de compra e venda, pela sua própria natureza, exige, como elementos integrantes, a coisa, o preço e o consentimento.. Por se tratar da espécie de contrato mais utilizada no comércio jurídico e na convivência social, a lei procura facilitar a sua celebração, (art. 482 do CC), desde que acordem no objeto e no preço. Quando se fala em elementos essenciais da compra e venda deve-se ter em vista a sua natureza específica, a par dos elementos constitutivos em geral, comum a todos eles, como requisitos de existência e de validade. a) CONSENTIMENTO O consentimento pressupõe a capacidade das partes para vender e comprar e deve ser livre e espontâneo, sob pena de anulidade, bem como recair sobre os outros dois elementos: coisa e preço. Será anulável a venda, também, se houver erro sobre o objeto principal da declaração ou sobre as suas qualidades essenciais (CC, art 139). Não existe venda se o vendedor julga estar alienando uma coisa e o comprador acredita estar adquirindo objeto diferente. Ex. o do indivíduo que se propõe alugar a sua casa da cidade e o outro contratante entende tratarse de sua casa de campo. Não basta a capacidade genérica para os atos da vida civil. Para vender exige-se também a específica para alienar, pois o cumprimento da obrigação de entregar a coisa pressupõe o poder de disposição do vendedor. No tocante ao comprador, basta a capacidade de obrigar-se. Em muitos casos, a lei impõe restrição específica à liberdade de comprar e vender, atuando a limitação como hipótese de falta de legitimação. Assim, por exemplo, é anulável a venda de ascendente a descendente, sem que os demais descendentes e o cônjuge expressamente o consintam (CC, art 496). O art. 497 do CC., por sua vez impõe restrições à 2 aquisição de bens por tutores, curadores, testamenteiros e outras pessoas, encarregadas de zelar pelo interesse dos vendedores. b) O PREÇO O preço é o segundo elemento essencial na compra e venda. Sem a sua fixação, a venda é nula. É determinado, em regra, pelo debate entre os contraentes, conforme as leis do mercado, sendo por isso denominado preço convencional. Mas se não for desde logo determinado, deve ser ao menos determinável, mediante critérios objetivos estabelecidos pelos próprios contratantes. Vários modos de determinação futura de preço podem ser escolhidos pelos contraentes: o preço do custo, o preço em vigor no dia da expedição, a melhor oferta, o preço do costume, etc. O que não se admite é a indeterminação absoluta, deixando ao arbítrio do comprador a taxação do preço ( art. 489 do CC). Permite a lei que a fixação de preço seja deixada ao arbítrio de terceiro, que os contratantes logo designarem ou prometerem designar. Se o terceiro não aceitar a incumbência, ficará sem efeito o contrato, salvo quando acordarem designar outra pessoa (CC, art 485). O preço deve ser pago em dinheiro ou por meio de título de crédito, se for pago mediante a entrega de algum objeto, teremos um contrato de troca ou permuta, se mediante prestação de serviço, o contrato será inominado. O preço deve ser também, sério e real (justo preço), correspondente ao valor da coisa, e não vil ou fictício. c) A COISA Objeto do contrato de compra e venda, deve atender a determinados requisitos, quais sejam, os de existência, individualização e disponibilidade. Existência da coisa. É nula a venda de coisa inexistente. A lei contenta com a existência da coisa como a safra futura, por exemplo, cuja venda se apresenta como condicional (CC art 459). A venda de coisa incorpórea, como o crédito e o direito à sucessão aberta, por exemplo, é denominada cessão (cessão de crédito, cessão de direitos hereditários), mas é proibida a venda de herança de pessoa viva, pois constitui imoral pacto sucessório (CC, art. 426). A coisa pode ser específica ( objeto determinado), ou genérica (tantas sacas de café, sem precisar a sua qualidade).A coisa deve encontrar-se disponível, não estar fora do comércio (ex., órgãos do corpo humano). Efeitos da compra e venda. Os principais efeitos da compra e venda são: a) Gerar obrigações recíprocas para os contratantes (para o vendedor, a de transferir o domínio de certa coisa, e para o comprador, a de pagar-lhe certo preço em dinheiro; 3 b) Acarretar a responsabilidade do vendedor pelos vícios redibitórios (defeito oculto), e pela evicção (perda do bem pelo adquirente em conseqüência de reivindicação judicial promovida pelo verdadeiro dono ou adquirente). A principal obrigação do vendedor é a entrega da coisa ou tradição, que é o ato pelo qual se consuma a compra e venda. A tradição pode ser: a) real (ou efetiva), quando o comprador recebe a posse do material, tendo a coisa nas suas mãos; b) simbólica (ou virtual), quando representada por ato que traduz a alienação, como a entrega das chaves do apartamento vendido; c) ficta (ou tácita), no caso do constituto possessório, por exemplo, quando o vendedor transferindo a outrem o domínio da coisa, conserva-a em seu poder, mas agora na qualidade de locatário. A Responsabilidade pelos Riscos. Até o momento da tradição dos móveis e o registro dos imóveis, a coisa pertence ao vendedor. Os riscos da coisa perecer ou se danificar, até esse momento, correm por sua conta e os do preço se perder, por conta do comprador (art. 492 CC). “Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador”. Essa regra é uma conseqüência da vinculação do nosso Código ao sistema alemão. Se já houve a transferência do domínio, pela tradição ou pelo registro, quem sofre as conseqüências do perecimento é o comprador; e da perda do dinheiro, depois de pago, é o vendedor. Risco é o perigo que recai sobre a coisa objeto da prestação, de perecer ou deteriora-se por caso fortuito ou força maior. Na compra de gado, por exemplo, o comprador costuma contar, pesar e marcar os animais ao retirá-los. Enquanto as operações não forem feitas, não se pode considerar certa a coisa vendida, principalmente porque ainda se encontram na propriedade do vendedor. Mas, se este o colocou à disposição do comprador, que os contou e marcou nessa mesma propriedade, os casos fortuitos ocorridos durante tais atos correrão por conta deste. Outrossim, a coisa deve ser entregue, na falta de estipulação expressa, no local em que se encontrava ao tempo da venda, como proclama o art. 493 do Código Civil. Se a coisa for expedida “para lugar diverso” de onde se encontrava ao tempo da venda, “ por ordem do comprador, por sua conta correrão os riscos”, uma vez entregue à transportadora indicada, porque houve tradição, “salvo se das instruções dele se afastar o vendedor”, remetendo-a por meio diverso do solicitado, como dispõe o art. 494 do CC., porque assim procedendo, age como mandatário infiel. 4 Deixando de seguir as instruções do comprador, o vendedor tomou para si o risco da coisa até sua efetiva entrega, e, assim, a pessoa que a transportou deixa de ser um representante do adquirente. A tradição fica, pois, adiada até a chegada ao destino. O Direito de Reter a Coisa e o Preço. Na compra e venda à vista, as obrigações são recíprocas e simultâneas, mas cabe ao comprador o primeiro passo: pagar o preço. Antes disso, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa, podendo retê-la, ou negar-se a assinar a escritura definitiva, até que o comprador satisfaça a sua parte. O Art 491 diz que: “Não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço”. Se o vendedor não está em condições de entregar a coisa, deve o comprador se precaver consignando o preço. Sendo a venda a crédito, pode o vendedor interromper a entrega, se antes da tradição o comprador “cair em insolvência”, até obter dele “caução” de que pagará no tempo ajustado (CC, 495). Da mesma forma, e para que haja igualdade de tratamento das partes, se é o vendedor que se torna insolvente, pode o comprador reter o pagamento até que a coisa lhe seja entregue, ou prestada caução. Limitação à Compra e Venda. Algumas pessoas sofrem limitações decorrentes da falta de legitimação, em razão de determinadas circunstâncias ou de situações em que se encontram não se confundindo com incapacidade, só não podem vender ou comprar de certas pessoas, como no exemplo dos ascendentes, dos condôminos, tutores, ou ainda cônjuges, ficam impedidas até estarem devidamente legitimadas. Venda de Ascendente a descendente. Art. 496 do CC. “É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido”. Parágrafo único: “Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do Cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória”. A lei não distingue entre bens móveis e imóveis, nem proíbe a venda feita por descendente a ascendente. A exigência subsiste mesmo na venda de avô a neto, e não só aos descendentes que estiverem na condição de herdeiros, pois a lei referiu-se a todos os descendentes. A finalidade da vedação é evitar as simulações fraudulentas: doações disfarçadas de compra e venda. 5 Inclui-se na proibição legal a dação em pagamento do devedor a descendentes, pois envolve alienação de bem. A venda realizada com a inobservância do disposto no art 496 do CC., é anulável, estando legitimados para ação anulatória os descendentes preteridos. Aquisição de Bens por pessoa encarregada de zelar pelos interesses do vendedor. Embora em regra a compra e venda possa ser efetuada por qualquer pessoa capaz, o Código Civil recusa legitimação a certas pessoas, encarregadas de zelar pelo interesse dos vendedores, para adquirir bens pertencentes a estes. A intenção é manter a isenção de ânimo naqueles que, por dever de ofício ou por profissão, têm de zelar por interesses alheios, como o tutor, o curador, o administrador, o empregado público, o juiz e outros, que foram impedidos de comprar bens de seus tutelados, curatelado, etc., conforme preceitua o art. 497 CC. Venda da parte indivisa em condomínio. O condômino, como todo proprietário, tem o direito de dispor da coisa. Todavia, se o bem comum for indivisível, a prerrogativa de vendê-lo encontra limitação no art 504 do CC. A venda da parte indivisa a estranho somente se viabiliza quando: a) For comunicado previamente aos demais condôminos; b) For dada preferência aos demais condôminos para aquisição da parte ideal, pelo mesmo valor que o estranho ofereceu; c) Os demais condôminos não exercerem a preferência dentro do prazo legal. Esta regra aplica-se apenas ao condomínio tradicional e não ao edilício. Assim, um condômino em prédio de apartamento não precisa dar preferência aos demais proprietários, mas se a unidade pertencer também a outras pessoas, estas devem ser notificadas para exercer a preferência legal, pois instaurou-se no caso, um condomínio tradicional dentro do horizontal. Se a coisa é divisível, nada impede que o condômino venda a sua parte a estranho, sem dar preferência aos seus consortes, pois este, se não desejarem compartilhar o bem com aquele, poderão requerer a sua divisão. Venda entre cônjuges. Um cônjuge qualquer que seja o regime de bens do casamento, exceto no da separação absoluta, só estará legitimado a alienar, hipotecar ou gravar de ônus reais os bens imóveis depois de obter a autorização do outro, ou o suprimento judicial de seu consentimento (arts. 1.657, I e 1.648 do CC, e art 226 da CF). 6 Venda mediante Amostra. Amostra é o mesmo que paradigma e constitui na reprodução integras da coisa vendida, com suas qualidade e características, apresentada em tamanho normal ou reduzido. Se a mercadoria não for, em tudo igual a amostra, caracteriza-se o inadimplemento contratual, devendo o comprador protestar imediatamente, sob pena de seu silêncio ser interpretado como tendo havido correta e definitiva entrega. Venda Ad Corpus e Venda Ad Mensuram. O art 500 do CC. apresenta regra aplicável somente à compra e venda de imóveis. Trata-se de venda ad mensuram quando o preço é estipulado com base nas dimensões do imóvel (ex., preço por alqueire), quando determina o preço de cada alqueire. Na venda ad corpus, a situação é diferente. Nessa espécie de venda o imóvel é adquirido como um todo, como corpo certo e determinado (p.ex., Chácara Palmeiras) caracterizada por suas confrontações e presume-se que o comprador adquiriu a área pelo conjunto que lhe foi mostrado, e que teve uma visão geral do imóvel. 7