Org. Profª. Joilce Karine F. S. Pereira Jul/ 2013 LIBRAS: A LÍNGUA DE SINAIS DOS SURDOS BRASILEIROS Mesmo quando estiveram banidas da educação dos surdos, as Línguas de Sinais (ou mímica, com se dizia) despertavam o interesse dos educadores. Como surgiram? Quando? Por que não existe uma Língua de Sinais única para que os surdos de todo o mundo possam se comunicar entre si? Essas perguntas, porém, são as mesmas que se fazem com relação à própria existência da linguagem humana. Desde que o homem passa a refletir sobre sua existência enquanto homem, ele reflete sobre essa questão. O mito ocidental da Torre de Babel pode servir como símbolo dessa busca de respostas. São incontáveis os estudos lingüísticos, históricos, sociológicos sobre o surgimento da língua falada pela humanidade. Houve um desenvolvimento gradual, progressivo da linguagem, no qual ela se tornou o sistema complexo de significação e comunicação que é hoje, ou, como consideram outros pesquisadores, desde que existe é a linguagem formalmente completa, idêntica ao que conhecemos hoje em dia? O primeiro ponto de vista é defendido por cientistas como G. Révész, que em seu livro Origine et Préhistoire du langage (citado por Kristeva: 1981), aponta para uma perspectiva evolutiva na qual, em seis etapas, traça uma linha desde a comunicação animal até a linguagem humana altamente desenvolvida e complexa. O homem em seu estado primitivo estaria associado à dêixis, aos gritos e aos gestos. Essa visão, compartilhada durante muito tempo pela comunidade científica trouxe, e traz ainda, uma boa dose de rejeição às Línguas de Sinais das comunidades surdas, associando-as à gestualidade primitiva e portanto à inferioridade. Mais recentemente, autores passam a considerar a existência de uma língua somente a partir do momento que exista uma cultura a ela ligada, não delimitando os meios de transmissão utilizados, a extensão do vocabulário, o tipo de som emitido pelos “falantes”. Podemos afirmar, sob esse ponto de vista, que as Línguas de Sinais existiram desde que existe a língua oral humana, e sempre que existirem surdos reunidos por mais de duas gerações em comunidades (Sacks, 1990:62). Pelo fato de as Línguas de Sinais serem “faladas”, sem registro escrito[1], existe muita dificuldade de se localizarem as origens das mesmas. Por se tratarem também de comunidades pequenas e não reunidas geograficamente, o que se conhece até hoje sobre os surdos e suas Línguas de Sinais ainda é pouco. Tentarei traçar, porém, um percurso que aponte para o significado dessas Línguas de Sinais no trabalho educacional dos surdos e que possa efetivamente auxiliar o professor nesses novos tempos da inclusão escolar. Raízes históricas das Línguas de Sinais O primeiro livro conhecido em inglês que descreve a Língua de Sinais como um sistema complexo, na qual "homens que nascem surdos e mudos (...) podem argumentar e discutir retoricamente através de sinais", data de 1644, com autoria de J. Bulwer, Chirologia. Mesmo acreditando que a Língua de Sinais que conhecia era universal e seus elementos constitutivos "naturais" (icônicos, de certa forma), o fato de ter sido publicado um livro a respeito do assunto em uma época que eram raras as edições em geral já demonstra o interesse do tema, evidenciando uma preocupação com a educação dos surdos. Preocupação essa ratificada com a publicação, em 1648, do livro Philocophus, do mesmo autor, dedicado a dois surdos: o baronês Sir Edward Gostwick e seu irmão William Gostwick, no qual se afirma que o surdo pode expressar-se verdadeiramente por sinais se ele souber essa língua tanto quanto um ouvinte domine sua língua oral (in Woll,1987:12). Quase dois séculos depois, em 1809, Watson (que era neto de Thomas Braidwood, fundador da primeira escola para surdos na Inglaterra) descreve em seu livro Instruction of the deaf and dumb um método combinado de sinais e desenvolvimento da fala. Em 1760, na França, o abade l'Epée (Charles Michel de l'Epée: 1712 -1789) iniciou o trabalho de instrução formal com duas surdas a partir da Língua de Sinais que se falava pelas ruas de Paris, datilologia/alfabeto manual e sinais criados e obteve grande êxito, sendo que a partir dessa época a metodologia por ele desenvolvida tornou-se conhecida e respeitada, assumida pelo então Instituto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) em Paris como o caminho correto para a educação dos seus alunos. Thomas Hopkins Gallaudet, professor americano de surdos, visitou a instituição em 1815 com o objetivo de conhecer o trabalho lá realizado (antes ele passara pela Inglaterra tentando aprender com os Braidwod acerca da metodologia oralista que eles desenvolviam, não obtendo aceitação pois os profissionais negaram-se a ensinar em poucos meses o que sabiam). De tão impressionado que ficou, Gallaudet convidou um dos melhores alunos da escola, Laurence Clerc, a acompanhá-lo de volta aos Estados Unidos. Lá, em 1817, os dois fundaram a primeira escola permanente para surdos em Hartford, Connecticut. Ao lado de escolas que continuaram a desenvolver o método oralista, em 1821 todas as escolas públicas americanas passaram a se mover em direção à ASL (Língua de Sinais Americana) como sua língua de instrução, o que levou em 1835 à uma total aceitação da ASL na educação de surdos nos Estados Unidos. Ramos (1992:65) relata que houve em conseqüência dessa atitude uma elevação do grau de escolarização das crianças surdas, que passaram a atingir o mercado profissional de nível mais alto, a maioria delas optando por se tornarem professores de surdos. Pesquisando sobre a educação de surdos em dezessete países (Austrália, Rússia, Alemanha, Holanda, França, Espanha, França, Espanha, Suíça, Itália, Dinamarca, Suécia, Itália, Dinamarca, Suécia, Argentina e Venezuela) observei que esse movimento em direção à utilização das Línguas de Sinais na educação dos surdos passa a acontecer na maioria dos países e com as mesmas conseqüências. Surpreendentemente, em 1880, no famoso Congresso de Milão, que reuniu professores de surdos, as Línguas de Sinais passam a ser progressivamente banidas na educação de surdos, só sendo retomadas a partir da década de 1940 ou mais tarde. O que aconteceu para que ocorresse essa mudança radical de pensamento? Ainda não existem respostas claras, apenas indícios apontando para o desenvolvimento da tecnologia das próteses reabilitadoras gerando uma expectativa de superação da surdez, sobre lutas de poder entre os “novos” professores surdos exigindo o afastamento do professores ouvintes...O que temos aqui, realmente, é uma lacuna histórica a ser preenchida. A lingüística e as Línguas de Sinais Superando as decisões políticas, a ciência manteve-se curiosa com relação às Línguas de Sinais. Ferreira Brito (1993:12), aponta os trabalhos de Carrick Mallery, de 1882 (reedidatos por Umiker-Sebeok e Sebeok em 1978, em uma coletânea de dois volumes, com estudos posteriores críticos de outros autores), a respeito das Línguas de Sinais indígenas das Américas e Austrália, como os primeiros estudos lingüísticos sobre Línguas de Sinais. O pesquisador considerava a “Plains Sign Language – PSL/Língua de Sinais das Planícies Norte-Americanas” uma espécie de pantomímica. Apesar disso, porém, seu estudo torna-se importante para o avanço do estudo lingüístico das Línguas de Sinais por apresentar uma descrição bastante completa da PSL, propiciando aos seus sucessores analisar inúmeros aspectos da mesma. “Alguns estudiosos tais como Voegelin(1958), Liung(1965) e Taylor(1975) analisam a PSL em seus níveis lingüísticos (gestêmico, morfêmico e lexêmico), discutindo os três parâmetros, até então não mencionados neste livro: configuração de mão (forma), movimento (‘motion’) e ponto de articulação.” (Ferreira Brito:1993,11) Pelo fato de as Línguas de Sinais indígenas serem usadas não só pelos surdos, mas, principalmente, na comunicação intertribal, apesar de terem sido aqueles primeiros estudos extremamente importantes, considera-se como data inicial dos estudos científicos das Línguas de Sinais dos surdos, os trabalhos realizados a partir de 1957 por William C. Stokoe sobre a ASLAmerican Sign Language, financiados pelo governo norte-americano. Sua primeira publicação, Language Structure: An outline of the Visual Communication Systems of the American Deaf, de 1960, é tida como marco, como “prova” da importância lingüística das Línguas de Sinais. Em 1965 ele publica, em co-autoria com D. Casterline e C. Cronoberg, o primeiro dicionário de Língua de Sinais (A Dictionary of American Sign Language), inserindo definitivamente o estudo das Línguas de Sinais na ciência lingüística. Os Estados Unidos continuam até hoje sendo o centro mundial mais importante de pesquisa lingüística em Língua de Sinais, contando atualmente, inclusive, com alguns pesquisadores surdos em suas equipes, inaugurando um momento de trabalhos que trazem forte influência da visão culturalista. A entrada de pesquisadores surdos no cenário da pesquisa lingüística sobre as Línguas de Sinais poderá trazer uma mudança qualitativa no trabalho que vem sendo realizado até hoje. Como destaca Lucinda Ferreira Brito (1995:12), o estudo lingüístico de uma língua de modalidade gestual-visual pode afetar as teorias lingüísticas por vários motivos: os próprios preceitos teóricos que definiam a capacidade lingüística associada à fala oral; a gramática tradicional sendo obrigada a rever seus conceitos de arbitrariedade (substituindo, talvez, por convencionalidade), de simultaneidade (que não é possível na língua oral), do que é central e o que é periférico (o caso da entoação, que na língua oral é um fator paralingüístico e na Língua de Sinais faz parte do signo). O fator mais importante, porém, é a necessária mudança de atitude do lingüista diante de sua pesquisa, abandonando a ilusória neutralidade diante de seus “informantes”, e tendo que se envolver com os problemas psicossociais e educacionais dos surdos. É evidente que quando o pesquisador é surdo, quando sua língua nativa é a Língua de Sinais, todos os fatores acima descritos terão um maior aprofundamento. No Brasil, Lucinda Brito inicia seus importantes estudos lingüísticos em 1982[2] sobre a Língua de Sinais dos índios Urubu-Kaapor da floresta amazônica brasileira, após um mês de convivência com os mesmos, documentando em filme sua experiência. A idéia para a pesquisa, segundo a própria autora (1993), adveio da leitura de um artigo publicado no livro acima citado de Umiker-Sebeok (1978), de autoria de J. Kakumasu, Urubu Sign Language. No estudo, a Língua de Sinais dos Urubu-Kaapor se diferenciaria da PSL por constituir um veículo de comunicação intratribal e não como meio de transação comercial. Lucinda Brito, porém, constatou que a mesma se tratava de uma legítima Língua de Sinais dos surdos, pelos mesmos criada. O interessante de se observar, no caso dos Urubu-Kaapor, é que os ouvintes da aldeia “falam” a Língua de Sinais e a língua oral, evidentemente, enquanto que os surdos se restringem à Língua de Sinais. Assim, os ouvintes da aldeia se tornam bilíngües, enquanto os surdos se mantém monolíngües. Mas, e a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS, como surgiu? Aqui no Brasil É conhecido como o "início oficial" da educação dos surdos brasileiros a fundação, no Rio de Janeiro, do Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSM, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos- INES), através da Lei 839, que D. Pedro II assinou em 26 de setembro de 1857. Porém, já em 1835, um deputado de nome Cornélio Ferreira apresentara à Assembléia um projeto de lei que criava o cargo de "professor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdo-mudos" (Reis,1992:57). Projeto esse que não conseguiu ser aprovado. Reis relata que o professor Geraldo Cavalcanti de Albuquerque, discípulo do professor João Brasil Silvado (diretor do INSM em 1907), informou-lhe em entrevista que o interesse do imperador D. Pedro II em educação de surdos viria do fato de ser a princesa Isabel mãe de um filho surdo e casada com o Conde D’Eu, parcialmente surdo. Sabe-se que realmente houve empenho especial por parte de D. Pedro II quanto à fundação de uma escola para surdos, mandando inclusive trazer para o país em 1855 um professor surdo francês, Ernest (ou Eduard) Huet, vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris, para que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novas metodologias educacionais. A LIBRAS, em conseqüência foi bastante influenciada pela Língua Francesa de Sinais, apesar de não se encontrar, através da análise do programa de ensino adotado inicialmente por Huet (Língua Portuguesa, Aritmética, Geografia, História do Brasil, Escrituração Mercantil, Linguagem Articulada, Leitura Sobre os Lábios para os com aptidão e Doutrina Cristã), nenhuma referência à Língua de Sinais. Entretanto, poucos anos depois, Tobias Rabello Leite (diretor da escola de 1868 a 1896) publica Notícias do Instituto dos Surdos e Mudos do Rio de Janeiro pelo seu diretor Tobias Leite (1877) e Compêndio para o ensino dos surdos-mudos (1881), nos quais se percebe que havia aceitação da Língua de Sinais e do alfabeto datilológico. O autor considerava a utilidade dos dois no ensino do surdo, como forma de facilitar o entendimento professor/aluno. (Leite,1881 in Reis, 1992:60/68) É de 1873 a publicação do mais importante documento encontrado até hoje sobre a Língua Brasileira de Sinais, o Iconographia dos Signaes dos SurdosMudos, de autoria do aluno surdo Flausino José da Gama, com ilustrações de sinais separados por categorias (animais, objetos, etc). Como é explicado no prefácio do livro, a inspiração para o trabalho veio de um livro publicado na França e que se encontrava à disposição dos alunos na Biblioteca do INSM. Vale ressaltar que Flausino foi autor das ilustrações e da própria impressão em técnica de litografia. Não sabemos se a organização também foi realizada por ele. Em 1911, seguindo os passos internacionais que em 1880 no Congresso de Milão proibira o uso da Língua de Sinais na educação de surdos, estabelecese que o INSM passaria a adotar o método oralista puro em todas as disciplinas. Mesmo assim, muitos professores e funcionários surdos e os exalunos que sempre mantiveram o hábito de freqüentar a escola, propiciaram a formação de um foco de resistência e manutenção da Língua de Sinais. Somente em 1957, por iniciativa da diretora Ana Rímoli de Faria Doria e por influência da pedagoga Alpia Couto, finalmente a Língua de Sinais foi oficialmente proibida em sala de aula. Medidas como o impedimento do contato de alunos mais velhos com os novatos foram tomadas, mas nunca o êxito foi pleno e a LIBRAS sobreviveu durante esses anos dentro do atual INES. Em depoimento informal, uma professora que atuou naquela época de proibições (que durou, aliás, até a década de 1980) contou-nos que os sinais nunca desapareceram da escola, sendo feitos por debaixo da própria roupa das crianças ou embaixo das carteiras escolares ou ainda em espaços em que não havia fiscalização. É evidente, porém, que um tipo de proibição desses gera prejuízos irrecuperáveis para uma língua e para uma cultura. Pesquisar as origens da LIBRAS é realmente uma tarefa a ser realizada, pois surpreende a todos aqueles que trabalham com a comunidade surda brasileira (tão espalhada por este imenso país) a homogeneidade lingüística da mesma. Apesar dos "sotaques" regionais, podemos observar apenas algumas variações lexicais que não comprometem em nenhum momento sua unidade estrutural. Em 1969 foi feita uma primeira tentativa no sentido de tentar registrar a Língua de Sinais falada no Brasil. Eugênio Oates, um missionário americano, publica um pequeno dicionário de sinais, Linguagem das mãos, que segundo Ferreira Brito (1993), apresenta um índice de aceitação por parte dos surdos de 50% dos sinais listados. A partir de 1970, quando a filosofia da Comunicação Total e, em seguida, do Bilingüismo, firmaram raízes na educação dos surdos brasileiros, atividades e pesquisas relativas à LIBRAS têm aumentado enormemente. Em 2001 foi lançado em São Paulo o Dicionário Enciclopédico Ilustrado de LIBRAS, em um projeto coordenado pelo Professor Doutor (Instituto de Psicologia/USP) Fernando Capovilla e em março de 2002 o Dicionário LIBRAS/Português em CD-ROM, trabalho realizado pelo INES/MEC e coordenado pela Professora Doutora Tanya Mara Felipe/ UFPernambuco/FENEIS. Extraído do texto LIBRAS: A LÍNGUA DE SINAIS DOS SURDOS BRASILEIROS da pesquisadora Clélia Regina Ramos/Jornalista-USP, Pós-Graduada em Ciências da Comunicação-USP, Pós-Graduada em Lingüística Aplicada às Ciências Sociais-UERJ, Mestre e Doutora em Semiologia-UFRJ, Editora da Revista da FENEIS- Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos. SISTEMA DE TRANSCRIÇÃO PARA A LIBRAS As línguas de sinais tem características próprias e por isso vem sendo utilizado mais o vídeo para sua reprodução à distância. Existem sistemas de convenções para escrevê-las, mas como geralmente eles exigem um período de estudo para serem aprendidos, é comum entre os pesquisadores da área a utilização de um "Sistema de notação em palavras". Este sistema, que vem sendo adotado por pesquisadores de línguas de sinais em outros países e aqui no Brasil, tem este nome porque as palavras de uma língua oral-auditiva são utilizadas para representar aproximadamente os sinais. Assim, a LIBRAS será representada a partir das seguintes convenções: 1. Os sinais da LIBRAS, para efeito de simplificação, serão representados por itens lexicais da Língua Portuguesa (LP) em letras maiúsculas. Exemplos: CASA, ESTUDAR, CRIANÇA, etc; 2. um sinal, que é traduzido por duas ou mais palavras em língua portuguesa, será representado pelas palavras correspondentes separadas por hífen. Exemplos: CORTAR-COM-FACA, QUERER-NÃO "não querer", MEIODIA, AINDA-NÃO, etc; 3. um sinal composto, formado por dois ou mais sinais, que será representado por duas ou mais palavras, mas com a idéia de uma única coisa, serão separados pelo símbolo ^ . Exemplos: CAVALO^LISTRA “zebra”; 4. a datilologia ( alfabeto manual), que é usada para expressar nome de pessoas, de localidades e outras palavras que não possuem um sinal, está representada pela palavra separada, letra por letra por hífen. Exemplos: J-O-Ã-O, A-N-E-S-T-E-S-I-A; 5. o sinal soletrado, ou seja, uma palavra da língua portuguesa que, por empréstimo , passou a pertencer à LIBRAS por ser expressa pelo alfabeto manual com uma incorporação de movimento próprio desta língua, está sendo representado pela datilologia do sinal em itálico. Exemplos: R-S “reais”, A-CH-O, QUM “quem”, N-U-N-C-A, etc; 6. na LIBRAS não há desinências para gêneros (masculino e feminino) e número (plural), o sinal, representado por palavra da língua portuguesa que possui estas marcas, está terminado com o símbolo @ para reforçar a idéia de ausência e não haver confusão. Exemplos: AMIG@ “amiga(s) e amigo(s)” , FRI@ “fria(s) e frio(s)”, MUIT@ “muita(s) e muito(s)”, TOD@, “toda(s) e todo(s)”, EL@ “ela(s), ele(s)”, ME@ “minha(s) e meu(s)” etc; 7. Os traços não-manuais: expressões facial e corporal, que são feitos simultaneamente com um sinal, estão representados acima do sinal ao qual está acrescentando alguma idéia, que pode ser em relação ao: a) tipo de frase ou advérbio de modo: interrogativa ou... i ... negativa ou ... neg ... etc Para simplificação, serão utilizados, para a representação de frases nas formas exclamativas e interrogativas, os sinais de pontuação utilizados na escrita das línguas orais-auditivas, ou seja: !, ? e ?! b) advérbio de modo ou um intensificador: muito interrogativa Exemplos: rapidamente exp.f "espantado" exclamativo NOME ADMIRAR etc; muito LONGE 8. os verbos que possuem concordância de gênero (pessoa, coisa, animal), através de classificadores, estão representados tipo de classificador em subescrito. Exemplos: pessoaANDAR, veículoANDAR, coisa-arredondadaCOLOCAR, etc; 9. os verbos que possuem concordância de lugar ou número-pessoal, através do movimento direcionado, estão representados pela palavra correspondente com uma letra em subscrito que indicará: a) a variável para o lugar: i = j = ponto próximo à 1a pessoa, ponto próximo à 2a pessoa, k' = pontos próximos à 3a pessoas, e = esquerda, d = direita; b) as pessoas gramaticais: 1s, 2s, 3s 1d, 2d, 3d 1p, 2p, 3p Exemplos: 1s = 1a, 2a e 3a pessoas do singular; = 1a, 2a e 3a pessoas do dual; = 1a, 2a e 3a pessoas do plural; DAR2S "eu dou para "você", 2sPERGUNTAR3P kdANDARk,e "você pergunta para eles/elas", "andar da direita (d) para à esquerda (e). 10. Às vezes há uma marca de plural pela repetição do sinal. Esta marca será representada por uma cruz no lado direito acima do sinal que está sendo repetido: Exemplo: GAROTA + 11. quando um sinal, que geralmente é feito somente com uma das mãos, ou dois sinais estão sendo feitos pelas duas mãos simultaneamente, serão representados um abaixo do outro com indicação das mãos: direita (md) e esquerda (me). Exemplos: ` IGUAL(md) IGUAL (me) PESSO@-MUIT@ANDAR(me) PESSOAEM-PÉ (md) Estas convenções vem sendo utilizadas para poder representar, linearmente, uma língua espaço-visual, que é tridimensional. Felipe (1988, 1991,1993,1994,1995,1996) INTRODUÇÃO À GRAMÁTICA DA LIBRAS VARIAÇÕES LINGÜÍSTICAS Na maioria do mundo, há, pelo menos, uma língua de sinais usada amplamente na comunidade surda de cada país, diferente daquela da língua falada utilizada na mesma área geográfica. Isto se dá porque essas línguas são independentes das línguas orais, pois foram produzidas dentro das comunidades surdas. A Língua de Sinais Americana (ASL) é diferente da Língua de Sinais Britânica (BSL), que difere, por sua vez, da Língua de Sinais Francesa LSF). Ex. : NOME ASL LIBRAS Além disso, dentro de um mesmo país há as variações regionais. A LIBRAS apresenta dialetos regionais, salientando assim, uma vez mais, o seu caráter de língua natural. 1.1 VARIAÇÃO REGIONAL: representa as variações de sinais de uma região para outra, no mesmo país. Ex.: VERDE Rio de Janeiro São Paulo Curitiba MAS Rio de Janeiro São Paulo Curitiba 1.2 VARIAÇÃO SOCIAL: refere-se à variações na configuração das mãos e/ou no movimento, não modificando o sentido do sinal. Ex.: AJUDAR CONVERSAR 1.3 MUDANÇAS HISTÓRICAS: com o passar do tempo, um sinal pode sofrer alterações decorrentes dos costumes da geração que o utiliza. Ex.: AZUL 2 - ICONICIDADE E ARBITRARIEDADE A modalidade gestual-visual-espacial pela qual a LIBRAS é produzida e percebida pelos surdos leva, muitas vezes, as pessoas a pensarem que todos os sinais são o “desenho” no ar do referente que representam. É claro que, por decorrência de sua natureza lingüística, a realização de um sinal pode ser motivada pelas características do dado da realidade a que se refere, mas isso não é uma regra. A grande maioria dos sinais da LIBRAS são arbitrários, não mantendo relação de semelhança alguma com seu referente. Vejamos alguns exemplos entre os sinais icônicos e arbitrários. 2.1 SINAIS ICÔNICOS: Uma foto é icônica porque reproduz a imagem do referente, isto é, a pessoa ou coisa fotografada. Assim também são alguns sinais da LIBRAS, gestos que fazem alusão à imagem do seu significado. Ex.: TELEFONE BORBOLETA Isso não significa que os sinais icônicos são iguais em todas as línguas. Cada sociedade capta facetas diferentes do mesmo referente, representadas através de seus próprios sinais, convencionalmente, (FERREIRA BRITO, 1993) conforme os exemplos abaixo : ÁRVORE LIBRAS - representa o tronco usando o antebraço e a mão aberta, as folhas em movimento. LSC (Língua de Sinais Chinesa) - representa apenas o tronco da árvore com as duas mãos ( os dedos indicador e polegar ficam abertos e curvos). LIBRAS LSC CASA LIBRAS ASL 2.2 SINAIS ARBITRÁRIOS: São aqueles que não mantêm nenhuma semelhança com o dado da realidade que representam. Uma das propriedades básicas de uma língua é a arbitrariedade existente entre significante e referente. Durante muito tempo afirmou-se que as línguas de sinais não eram línguas por serem icônicas, não representando, portanto, conceitos abstratos. Isto não é verdade, pois em língua de sinais tais conceitos também podem ser representados, em toda sua complexidade. Ex.: CONVERSAR DEPRESSA 3-ESTRUTURA GRAMATICAL 3.1 ASPECTOS ESTRUTURAIS: A LIBRAS têm sua estrutura gramatical organizada a partir de alguns parâmetros que estruturam sua formação nos diferentes níveis linguísticos. Três são seus parâmetros principais ou maiores: a Configuração da(s) mão(s)(CM), o Movimento - (M) e o Ponto de Articulação - (PA); e outros três constituem seus parâmetros menores: Região de Contato, Orientação da(s) mão(s) e Disposição da(s) mão(s).(FERREIRA BRITO, 1990) 3.1.1 Parâmetros principais Os parâmetros principais são : a) configuração da mão (CM) b) ponto de articulação (PA) c) movimento (M) VELHO a) Configuração da mão (CM): é a forma que a mão assume durante a realização de um sinal. Ex. : TELEFONE CM [Y] VEADO CM [5] BRANCO CM [B ] ONTEM CM [ L] b) Ponto de articulação (PA): é o lugar do corpo onde será realizado o sinal. Ex.: LARANJA APRENDER c) Movimento (M) : é o deslocamento da mão no espaço, durante a realização do sinal. Ex.: GALINHA HOMEM Direcionalidade do movimento a) Unidirecional : movimento em uma direção no espaço, durante a realização de um sinal. Ex.: PROIBID@, SENTAR, MANDAR. b) Bidirecional : movimento realizado por uma ou ambas as mãos, em duas direções diferentes. Ex.: PRONT@, JULGAMENTO, GRANDE, COMPRID@, DISCUTIR, EMPREGAD@, PRIM@, TRABALHAR, BRINCAR. c) Multidirecional: movimentos que exploram várias direções no espaço, durante a realização de um sinal. Ex. : INCOMODAR, PESQUISAR. Tipos de movimentos a) movimento retilíneo: ENCONTRAR ESTUDAR PORQUE b) movimento helicoidal: ALT@ MACARRÃO AZEITE c) movimento circular: BRINCAR IDIOTA BICICLETA d) movimento semicircular : SURD@ SAP@ CORAGEM e) movimento sinuoso: BRASIL RIO NAVIO f) movimento angular: RAIO ELÉTRICO DIFÍCIL 3.1.2 Parâmetros secundários: a) Disposição das mãos : a realização dos sinais na LIBRAS pode ser feito com a mão dominante ou por ambas as mãos. Ex.: BURR@, CALMA, DIFERENTE, SENTAR, SEMPRE, OBRIGAD@ b) Orientação das mãos : direção da palma da mão durante a execução do sinal da LIBRAS, para cima, para baixo, para o lado, para a frente, etc. Também pode ocorrer a mudança de orientação durante a execução de um sinal. Ex. : MONTANHA, BAIX@, FRITAR. c) Região de contato: a mão entra em contato com o corpo, através do : Toque : MEDO, ÔNIBUS, CONHECER. Duplo toque : FAMÍLIA, SURD@, SAÚDE. Risco : OPERAR, GRÁTIS, PESSOA. Deslizamento : CURSO, EDUCAD@, LIMP@, GALINHA. 3.1.3 Componentes não manuais: Além desses parâmetros, a LIBRAS conta com uma série de componentes não manuais, como a expressão facial ou o movimento do corpo, que muitas vezes podem definir ou diferenciar significados entre sinais. A expressão facial e corporal podem traduzir alegria, tristeza, raiva, amor, encantamento etc; dando mais sentido à LIBRAS e, em alguns casos, determinando o significado de um sinal. Ex.: O dedo indicador em [G] sobre a boca, com a expressão facial calma e serena, significa silêncio ; o mesmo sinal usado com um movimento mais rápido e com a expressão de zanga, significa uma severa ordem: Cale a boca!. A mão aberta, com o movimento lento e com expressão serena, significa calma ; o mesmo sinal com movimento brusco e com expressão séria, significa pára. Em outros casos, utilizamos a expressão facial e corporal para negar, afirmar, duvidar, questionar , etc. Ex: PORTUGUÊS LIBRAS -Você encontrou seu amigo? -VOCÊ ENCONTRAR AMIG@ - Você encontrou seu amigo. (expressão de interrogação) - Você encontrou seu amigo! - VOCÊ ENCONTRAR AMIG@ - Você encontrou seu amigo!? (expressão de afirmação) - Você não encontrou seu amigo. - VOCÊ ENCONTRAR AMIG@ - Você não encontrou seu amigo? (expressão de alegria) - VOCÊ ENCONTRAR AMIG@ (expressão de dúvida / desconfiança) - VOCÊ NÃO-ENCONTRAR AMIG@ (expressão de negação) - VOCÊ NÃO-ENCONTRAR AMIG@ (expressão de interrogação/ negação) (QUADROS apud STROBEL, 1995, p.25) Sinais faciais: em algumas ocasiões, o sinal convencional é modificado, sendo realizado na face, disfarçadamente. Exemplos: ROUBO, ATO-SEXUAL. 3.2 ESTRUTURA SINTÁTICA A LIBRAS não pode ser estudada tendo como base a Língua Portuguesa, porque ela tem gramática diferenciada, independente da língua oral. A ordem dos sinais na construção de um enunciado obedece regras próprias que refletem a forma de o surdo processar suas idéias, com base em sua percepção visual-espacial da realidade. Vejamos alguns exemplos que demonstram exatamente essa independência sintática do português : Exemplo 1: LIBRAS: EU IR CASA . (verbo direcional) Português : " Eu irei para casa. " para - não se usa em LIBRAS, porque está incorporado ao verbo. Exemplo 2: LIBRAS: FLOR EU-DAR MULHER^BENÇÃO (verbo direcional) Português: "Eu dei a flor para a mamãe." Exemplo 3: LIBRAS: PORQUE ISTO (expressão facial de interrogação) Português: "Para que serve isto?" Exemplo 4: LIBRAS: IDADE VOCÊ (expressão facial de interrogação) Português: " Quantos anos você tem? " Há alguns casos de omissão de verbos na LIBRAS: Exemplo 5:" LIBRAS: CINEMA O-P-I-A-N-O MUITO-BO@ Português: " O filme O Piano é maravilhoso ! Exemplo 6: LIBRAS: PORQUE PESSOA FELIZ-PULAR Português: "... porque as pessoas estão felizes demais!" Exemplo 7: LIBRAS: PASSADO COMEÇAR FÉRIAS EU VONTADE ...........................................DEPRESSA VIAJAR Português: " Quando chegaram as férias, eu fiquei ansiosa para viajar.” Observação : na estruturação da LIBRAS observa-se que a mesma possui regras próprias; não são usados artigos, preposições, conjunções, porque esses conectivos estão incorporados ao sinal. 3.2.1 Sistema pronominal a) Pronomes pessoais : a LIBRAS possui um sistema pronominal para representar as seguintes pessoas do discurso: no singular, o sinal para todas as pessoas é o mesmo CM[G], o que diferencia uma das outras é a orientação das mãos; dual: a mão ficará com o formato de dois, CM [K] ou [V]; trial: a mão assume o formato de três, CM [W]; quatrial: o formato será de quatro, CM [54]; plural: há dois sinais : sinal composto ( pessoa do discurso no singular + grupo). configuração da mão [Gd] fazendo um círculo (nós). Primeira pessoa Singular: EU - apontar para o peito do enunciador (a pessoa que fala) Dual: NÓS – 2 Plural: NÓS – GRUPO NÓS - TOD@ Segunda pessoa Singular: VOCÊ - apontar para o interlocutor (a pessoa com quem se fala). Trial: VOCÊ – 3 Terceira pessoa Singular: EL@ - apontar para uma pessoa que não está na conversa ou para um lugar convencional. Plural : EL@ - GRUPO EL@ - TOD@ Quando se quer falar de uma terceira pessoa presente, mas deseja-se ser discreto, por educação, não se aponta para essa pessoa diretamente. Ou se faz um sinal com os olhos e um leve movimento de cabeça em direção à pessoa mencionada ou aponta-se para a palma da mão (voltada para a direção onde se encontra a pessoa referida). b) Pronomes demonstrativos: na LIBRAS os pronomes demonstrativos e os advérbios de lugar tem o mesmo sinal, sendo diferenciados no contexto. Configuração de mão [G] EST@ / AQUI - olhar para o lugar apontado, perto da 1ª pessoa. ESS@ / AÍ - olhar para o lugar apontado, perto da 2ª pessoa. AQUEL@ / LÁ - olhar para o lugar distante apontado. Tipos de referentes: Referentes presentes. Ex.: EU, VOCÊ, EL@... Referentes ausentes com localizações reais. Ex.: RECIFE, PREFEITURA, EUROPA... Referentes ausentes sem localização. c) Pronomes possessivos: também não possuem marca para gênero e estão relacionados às pessoas do discurso e não à coisa possuída, como acontece em Português: EU : ME@ IRM@ ( CM [5] batendo no peito do emissor) VOCÊ : TE@ AMIG@ ( CM [K] movimento em direção à pessoa referida) ELE / ELA : SE@ NAMORAD@ ( CM [K] movimento em direção à pessoa referida) Observação. : para os possesivos no dual, trial, quadrial e plural (grupo) são usados os pronomes pessoais correspondentes. d) Pronomes interrogativos: os pronomes interrogativos QUE, QUEM e ONDE caracterizam-se, essencialmente, pela expressão facial interrogativa feita simultaneamente ao pronome. QUE / QUEM: usados no início da frase.(CM [bO]. QUEM: com o sentido de quem é e quem é são mais usados no final da frase. QUANDO: a pergunta com quando está relacionada a um advérbio de tempo (hoje, amanhã, ontem) ou a um dia de semana específico. Ex. : EL@ VIAJAR RIO QUANDO-PASSADO (interrogação) EL@ VIAJAR RIO QUANDO-FUTURO (interrogação) EU CONVIDAR VOCÊ VIR MINH@ ESCOLA. VOCÊ PODER D-I-A (interrogação) QUE-HORAS? / QUANTAS-HORAS? Para se referir à horas aponta-se para o pulso e relaciona-se o numeral para a quantidade desejada. Ex.: CURSO COMEÇAR QUE-HORAS AQUI (interrogação) Resposta : CURSO COMEÇAR HORAS DUAS. Para se referir a tempo gasto na realização de uma atividade, sinaliza-se um círculo ao redor do rosto, seguido da expressão facial adequada. Ex.: VIAJAR RIO-DE-JANEIRO QUANTAS-HORAS (interrogação) POR QUE / PORQUE Como não há diferença entre ambos, o contexto é que sugere, através das expressões faciais e corporais, quando estão sendo usados em frases interrogativas ou explicativas. e) Pronomes indefinidos: NINGUÉM (igual ao sinal acabar): usado somente para pessoa; NINGUÉM / NADA (1) (mãos abertas esfregando-se uma na outra) : é usado para pessoas e coisas; NENHUM (1) / NADA (2) (CM [F] balança-se a mão) é usado para pessoas e coisas e pode ter o sentido de "não ter"; NENHUM (2) / POUQUINHO (CM [F] palma da mão virada para cima) : é um reforço para a frase negativa e pode vir após NADA. 3.2.2 Tipos de verbos Verbos direcionais Verbos não direcionais a) Verbos direcionais - verbos que possuem marca de concordância. A direção do movimento, marca no ponto inicial o sujeito e no final o objeto. Ex.: "Eu pergunto para você." "Você pergunta para mim." "Eu aviso você." "Você me avisa." Verbos direcionais que incorporam o objeto. Ex. :TROCAR TROCAR-SOCO TROCAR-BEIJO TROCAR-TIRO TROCAR-COPO TROCAR-CADEIRA b) Verbos não direcionais : verbos que não possuem marca de concordância. Quando se faz uma frase é como se eles ficassem no infinitivo. Os verbos não direcionais aparecem em duas subclasses : Ancorados no corpo: são verbos realizados com contato muito próximo do corpo. Podem ser verbos de estado cognitivo, emotivo ou experienciais, como: PENSAR, ENTENDER, GOSTAR, DUVIDAR, ODIAR, SABER; e verbos de ação, como: CONVERSAR, PAGAR, FALAR. Verbos que incorporam o objeto : quando o verbo incorpora o objeto, alguns parâmetros modificam-se para especificar as informações. Ex.: COMER TOMAR /BEBER COMER-MAÇÃ TOMAR-CAFÉ COMER-BOLACHA TOMAR-ÁGUA COMER-PIPOCA BEBER-PINGA / BEBER-CACHAÇA 3.2.3 Tipos de frases Para produzirmos uma frase em LIBRAS nas formas afirmativa, exclamativa, interrogativa, negativa ou imperativa é necessário estarmos atentos às expressões faciais e corporais a serem realizadas, simultaneamente, às mesmas. Afirmativa: a expressão facial é neutra. Interrogativa: sobrancelhas franzidas e um ligeiro movimento da cabeça, inclinando-se para cima. Exclamativa: sobrancelhas levantadas e um ligeiro movimento da cabeça inclinando-se para cima e para baixo. Forma negativa: a negação pode ser feita através de três processos: a) incorporando-se um sinal de negação diferente do afirmativo: TER / NÃO-TER GOSTAR / NÃO-GOSTAR b) realizando-se um movimento negativo com a cabeça, simultaneamente à ação que está sendo negada. NÃO-CONHECER NÃO-PROMETER c) acrescida do sinal NÃO (com o dedo indicador) à frase afirmativa. NÃO COMER Observação: em algumas ocasiões podem ser utilizados dois tipos de negação ao mesmo tempo. NÃO-PODER Imperativa: Saia! Cala a boca! Vá embora! 3.2.4 Noções temporais Quando se deseja especificar as noções temporais, acrescentamos sinais que informam o tempo presente, passado ou futuro, dentro da sintaxe da LIBRAS. Ex.: Presente (agora / hoje) LIBRAS HOJE EU-IR CASA MULHER^BENÇÃO ME@ Português "Hoje vou à casa da minha mãe" LIBRAS AGORA EU EMBORA Português “Eu vou embora agora.” Passado (Ontem / Há muito tempo / Passou / Já) LIBRAS DEL@ HOMEM^IRMÃ@ VENDER CARRO JÁ Português "O irmão dela vendeu o carro." LIBRASONTEM EU-IR CASA ME@ MULHER^BENÇÃO Português"Ontem, eu fui à casa da minha mãe." LIBRAS TERÇA-FEIRA PASSADO EU-IR COMER^NOITE Português"Na terça-feira passada eu jantei no restaurante Futuro (amanhã / futuro / depois / próximo) LIBRAS EU ESTUDAR AMANHÃ Português "Amanhã irei estudar " RESTAURANTE LIBRAS PRÓXIMA QUINTA-FEIRA EU ESTUDAR Português "Estudarei na quinta-feira que vem" LIBRAS DEPOIS EU ESTUDAR Português "Depois irei estudar" LIBRASFUTURO EU ESTUDAR FACULDADE MATEMÁTICA Português "Um dia farei faculdade de matemática 3.2.5 Role-Play Este é um recurso muito usado na LIBRAS quando os surdos estão desenvolvendo a narrativa. O sinalizador coloca-se na posição dos personagens referidos na narrativa, alternando com eles em situações de diálogo ou ação. 3.3 FORMAÇÃO DE PALAVRAS Como já vimos anteriormente, na LIBRAS os sinais são formados a partir de parâmetros principais e secundários e através de alguns componentes nãomanuais. Há, também, uma série de outros sinais que são formados por processos de derivação, composição ou empréstimos do português. Vejamos alguns exemplos: 3.3.1 Sinais compostos: da mesma forma que no português, teremos compostos de palavras no qual um elemento será o principal- o núcleo - e um elemento o especificador - o adjunto. É interessante observar, que na LIBRAS a estrutura não será apenas binária e, neste caso, teremos dois ou mais elementos especificadores de uma palavra-núcleo. Ex.: Simples: CAFÉ, AMIGO, CONHECER Composto: CAVALO^LISTRAS ( zebra ) HOMEM^VENDER^CARNE ( açougueiro) CAIXA^GUARDAR^COLHER ^FACA^GARFO ( faqueiro ) Em alguns casos, quando ao sinal acrescenta-se outro, o mesmo passa a ter outro significado. Ex.: pílula PILULA^EVITAR^GRÁVIDA ( pílula anticoncepcional ) PÍLULA^CALMA ( calmante) PÍLULA^DOR DE CABEÇA (analgésico ) Médico MÉDIC@^SEXO ( ginecologista ) MÉDIC@^OLHO ( oftamotologista ) MÉDIC@^CRIANÇA ( pediatra ) MÉDIC@^CORAÇÃO ( cardiologista ) a) Sinais compostos com formatos: há execução de um sinal convencional com acréscimo de um outro sinal na "forma" do objeto que se quer especificar. Ex.: retângulo RETÂNGULO^TELEGRAMA “bilhete de telegrama” RETÂNGULO^CONSTRUÇÃO “tijolo” RETÂNGULO^DINHEIRO “cédula” RETÂNGULO^CARTA “envelope” RETÂNGULO^ÔNIBUS “passagem de ônibus” b) Sinais compostos por categorias: para classificar um sinal por categoria ou por grupo, acrescentamos à palavra-núcleo o sinal VARIADOS. Ex.: MAÇÃ^VARIADOS “frutas” CARRO^VARIADOS “meios de transportes” COR^VARIADOS “colorido” COMER^VARIADOS ‘alimentos” LEÃO^VARIADOS “animais” 3.3.2 Gênero (feminino / masculino): é interessante observar que não há flexão de gênero em LIBRAS, os substantivos e adjetivos são, em geral, não marcados. Entretanto, quando se quer explicitar substantivos dentro de determinados contextos, a indicação de sexo é feita pospondo-se o sinal "HOMEM / MULHER", indistintamente, para pessoas e animais, ou a indicação é obtida através de sinais diferentes para um e para outro sexo: Ex: HOMEM “homem” MULHER “mulher” HOMEM^VELH@ “vovô” MULHER^VELH@ “vovó” Adjetivos, pronomes e numerais não apresentam flexão de gênero, apresentando-se em forma neutra. 3.3.3 Adjetivos: Os adjetivos são sinais que formam uma classe específica na LIBRAS e sempre estão na forma neutra, não havendo, portanto, nem marca para gênero (masculino e feminino), em para número (singular e plural). Muitos adjetivos, por serem descritivos e classificadores, apresentam iconicamente uma qualidade do objeto, desenhando-a no ar ou mostrando-a a partir do objeto ou do corpo do emissor. Em português, quando uma pessoa se refere a um objeto como sendo arredondado, quadrado, listrados, etc está, também, descrevendo e classificando, mas na LIBRAS esse processo é mais “transparente” porque o formato ou textura são traçados no espaço ou no corpo do emissor, em uma tridimensionalidade permitida pela modalidade da língua. Em relação à colocação dos adjetivos na frase, eles geralmente vêm após o substantivo que qualifica. Ex: PASSADO EU GORD@ MUITO-COMER, AGORA EU MAGR@ EVITAR COMER LEÃ@ COR CORPO AMAREL@ PERIGOS@ RAT@ PEQUEN@, COR PRET@, ESPERT@ 3.3.3.1. Comparativo de igualdade, superioridade e inferioridade Em LIBRAS, também, pode ser comparada uma qualidade a partir de três situações: superioridade, inferioridade e igualdade. Para se fazer os comparativos de superioridade e inferioridade, usa-se os sinais MAIS ou MENOS antes do adjetivo comparado, seguido da conjunção comparativa DO-QUE, ou seja: • comparativo de superioridade: X MAIS ------- DO-QUE Y; • comparativo de inferioridade: X MENOS ---- DO-QUE Y. Para o comparativo de igualdade, podem ser usados dois sinais: IGUAL (dedos indicadores e médios das duas mãos roçando um no outro) e IGUAL (duas mãos em B, viradas para frente encostadas lado a lado), geralmente no final da frase. Ex: VOCÊ MAIS VELH@ DO-QUE EL@ VOCÊ MENOS VELH@ DO-QUE EL@ VOCÊ-2 BONIT@ IGUAL (me) IGUAL (md) 3.3.4 Números: A sinalização dos números na língua brasileira de sinais acontece de quatro formas dependendo do significado do número: Números Cardinais: Usado como código representativo é sinalizado da seguinte forma: Ex: número do telefone, número da caixa postal, número da casa, número da conta no banco...etc. Números Cardinais: Usado para quantidades. Também são sinalizados sem adição de movimento, porém há diferenças na configuração de mão e no posicionamento dos números de 1 a 4, observe: Ex: quantidade de canetas na mesa, quantidade de pessoas presentes, quantidade de ônibus....etc. ordinais: do primeiro até o nono tem a mesma forma dos cardinais, mas os ordinais possuem movimento enquanto que os cardinais não possuem.Os ordinais do 1 º ao 4 º têm movimentos para cima e para baixo e os ordinais do 5 º até o 9 º têm movimentos para os lados. A partir do numeral dez não há mais diferenças. Valores monetários:São sinalizados com movimentos rotacionais do 1 ao 9, seguindo a configuração de mão dos números cardinais. Do número 10 em diante acrescentasse o sinal da moeda (REAL). Para os valores de 1.000 até 9.000 usa - se a incorporação do sinal VÍRGULA ou PONTO. Observação: Para sinalizar as horas do relógio é importante saber que: Não se sinaliza as horas com dois algarismos a partir das 13h até às 24h. Acrescentasse o substantivo manhã, tarde, noite e madrugada quando necessário; Os números de 1 a 4 são sinalizados como cardinais de quantidade; As horas são sinalizadas como quantidade enquanto os minutos são sinalizados com cardinais como código representativo; Para a fração 30 minutos a configuração varia de acordo com região da comunidade surda. Para sinalizar as horas com sentido de duração é importante saber que: A partir do número 5 são usadas duas configurações (horas-quantidade + cardinal como código representativo). A duração das horas tem incorporação dos numerais quando se trata de 1 a 4h. 3.3.5 Formas de plural: há plural na LIBRAS no uso repetido de sinais ou indicando a quantidade. Ex.: MUITO-ANO(quantidade), MUITO-ANO(duração), DOIS-DIA, TRÊS-DIA, QUATRO-DIA, TODO-DIA, DOIS-SEMANA, TRÊS-SEMANA, DOIS-MÊS ... 3.3.6 Intensificadores e advérbios de modo : utiliza-se a repetição exagerada para intensificar o significado do sinal. Ex.: COMER – COMER - COMER “ Comer sem parar.” FUMAR – FUMAR - FUMAR “ Fumar sem parar.” FALAR – FALAR - FALAR “ Falar sem parar.” Advérbios de modo: MUITO: utilizado como intensificador em LIBRAS e expresso através das expressões facial e corporal ou de uma modificação no movimento do sinal. RÁPIDO: para estabelecer um modo rápido de se realizar a ação, há uma repetição do sinal da ação e a incorporação de um movimento acelerado. 3.3.7 Advérbios de tempo: (frequência) N-U-N-C-A : sinal soletrado FREQÜENTE e FREQÜENTEMENTE: mesma configuração de mão [L], mas para a segunda idéia o sinal é feito repetidamente. SEMPRE “ continuar” e MESMO: mesma configuração de mão [V] mas no primeiro há um movimento para frente do emissor. 3.3.8 Alfabeto Manual: é a soletração de letras com as mãos. É muito aconselhável soletrar devagar, formando as palavras com nitidez. Entre as palavras soletradas, é melhor fazer uma pausa curta ou mover a mão direita para o lado esquerdo, como se estivesse empurrando a palavra já soletrada para o lado. Normalmente o alfabeto manual é utilizado para soletrar os nomes de pessoas, de lugares, de rótulos, etc., e para os vocábulos não existentes na língua de sinais. 3.3.9 Empréstimos da língua portuguesa.: alguns sinais são realizados através da soletração, uso das iniciais das palavras, cópia do sinal gráfico pela influência da Língua Portuguesa escrita. Estes empréstimos sofrem mudanças formativas e acabam tornando-se parte do vocabulário da LIBRAS. Ex.: N-U-N-C-A "nunca" B-R “bar”, A-L "azul" MATEMÁTICA MARROM, ROXO, CINZA. Esta descrição sucinta da LIBRAS não é suficiente para conhecê-la na sua estrutura lingüística como um todo e, muito menos, em suas especificidades enquanto língua de uma comunidade. No entanto, parece ser um primeiro passo para que saibamos que a LIBRAS é uma língua natural com toda complexidade dos sistemas lingüísticos que servem à comunicação, socialização e ao suporte do pensamento de muitos grupos sociais. Mesmo a despeito de mais de um século de proibição de seu uso nas escolas de surdos, preconceito e marginalização por parte da sociedade como um todo, as línguas de sinais resistiram, demonstrando a necessidade essencial de sua utilização entre as pessoas surdas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRITO, Lucinda Ferreira. Por uma gramática de línguas de sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro: UFRJ, Departamento de Lingüística e Filologia, 1995. PIMENTA, Nelson; QUADROS, Ronice Muller de. Curso de Libras 1. Rio de Janeiro : LSB Vídeo, 2006. PIZZIO, Aline Lemos. REZENDE, Patrícia Luiza Ferreira. QUADROS, Ronice Muller de. Língua Brasileira de Sinais I. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2007. SILVA, Fábio Irineu da. REIS, Flaviane. GAUTO, Paulo Roberto. SILVA, Simone Gonçalves de Lima da. PATERNO, Uéslei. APRENDENDO LIBRAS COMO SEGUNDA LÍNGUA NÍVEL BÁSICO. Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina – CEFET/SC. Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação de Surdos – NEPES. Santa Catarina, 2007 FELIPE, Tanya A; MONTEIRO, Myrna S. Libras em Contexto: curso básico, livro do professor instrutor – Brasília : Programa Nacional de Apoio à Educação dos Surdos, MEC: SEESP, 2001.