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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DESTA
COMARCA DE NOVA FÁTIMA – ESTADO DO PARANÁ
O representante do Ministério Público
Estadual, infra-assinado, no uso de suas atribuições, com endereço
na Rua Getúlio Vargas, 265, nesta, onde recebe intimação, agindo em
favor de ANA FLÁVIA DOS SANTOS LEITE, criança, nascida em
01/3/2003, vem, com fulcro no art. 127, caput, art. 129, II e III, art. 196
e 197, da CF/88; art. 6º, I, “d”, Lei n.º 8.080, de 19 de setembro de
1990; art. 5°, caput, da Lei n.° 7.347, de 24 de abril de 1985; art. 25,
inciso IV, letra “a”, da Lei n.° 8.625, de 12 de fevereiro de 1993,
dispositivos pertinentes da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990
(Estatuto da Criança e do Adolescente), combinados com o art. 282,
do Código de Processo Civil e demais diplomas normativos
pertinentes a espécie, e com base nos inclusos documentos, propor a
presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de
antecipação de tutela,
contra o ESTADO DO PARANÁ, pessoa
jurídica de direito público interno, ora representado pelo ProcuradorGeral do Estado, Doutor Sérgio Botto de Lacerda, com endereço na
Rua Conselheiro Laurindo, nº 561, CEP 80.060-100, Centro, CuritibaPR, pelos motivos de fato e de direito que, a seguir, deduz.
I.
A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO ESTADUAL.
A Magna Carta em vigor, ampliando o campo
de atuação do Ministério Público, atribui-lhe a incumbência da defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis (art. 127), ao mesmo tempo em que, dentre
outras funções institucionais, confiou-lhe o zelo pelo efetivo respeito
dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos
nela assegurados, promovendo as necessárias medidas a sua
garantia (art. 129, inc.II e III). No mesmo sentido é o art. 120, inc. II, da
Constituição Estadual.
Ora, a saúde é o único bem dito de relevância
pública expresso na Carta Magna (v. art. 197 da CF).1[1]
Diante desse contexto constitucional, extrai-se
que o parquet, de modo genérico, pode e deve promover todas as
medidas necessárias – administrativas e/ou jurídicas – para a
restauração do respeito dos poderes públicos aos direitos
constitucionalmente assegurados aos cidadãos – mormente os direitos
fundamentais – mesmo que no plano individual, desde que se trate de
direito indisponível.
A vida e a saúde são os direitos mais
elementares do ser humano, pressupostos da existência dos demais
direitos, adequando-se na categoria de direitos individuais
indisponíveis, razão pela qual merecem especial cuidado, sobretudo
no caso sub judice – quando se trata de recusa do fornecimento de
alimento/medicamento – que atinge diretamente a saúde da criança
Ana Flávia dos Santos Leite e até a sua vida, comprometendo-o
sobremaneira.
No mesmo sentido é o entendimento do
legislador infraconstitucional, em vista do conteúdo do disposto no art.
201, da Lei Federal nº 8069/90 (Estatuto da Criança e do
Adolescente)2[2], que tutela a situação da criança aqui defendida.
Além disso, o art. 25, da Lei Federal nº 8625/93,
preconiza ser função do Ministério Público promover o inquérito civil e
a ação civil pública para proteção a interesses individuais
indisponíveis3[3].
Por fim, recentemente, o Eg. Supremo Tribunal
Federal consagrou esse entendimento:
“CONSTITUCIONAL. SAÚDE. MINISTÉRIO
PÚBLICO. LEGITIMIDADE. TRATAMENTO MÉDICO.
I – O direito à saúde, conseqüência do direito à
vida, constitui direito fundamental, direito individual
indisponível (CF, 196). Legitimidade do Ministério
Público para a propositura de ação em defesa desse
direito (CF, 127).
II – Recurso Extraordinário conhecido e
provido.4[4]”
No presente caso, claramente, ocorreu por
parte da Secretaria Estadual de Saúde direta violação aos direitos
constitucionalmente assegurados de acessibilidade à saúde pública
(art. 196, Constituição Federal)5[5] e de prioridade absoluta no direito
à vida e à saúde da paciente Ana Flávia dos Santos, criança (art. 227,
do Estatuto da Criança)6[6].
Assentada a legitimidade do Ministério Público
para o desencadeamento da ação civil pública no caso em tela (art.
201, do Estatuto da Criança e do Adolescente), imperativa é a
desincumbência desse mister por esta Promotoria.
II. BREVE SÍNTESE DOS FATOS.
A criança Ana Flávia dos Santos, nascida aos
01/03/2003, atualmente com 03 anos de idade, é portadora de
Encefalopatia Hipóxico-Isquêmica e epilepsia sintomática CID G40.4 e
F70, conforme laudo médico em anexo.
Tais deficiências, entre elas a denominada
‘paralisia cerebral’, obrigam a criança a tratamento permanente. A
criança inclusive faz uso contínuo de medicação anticonvulsionante
(Gardenal, Diazepan e Depakene) e necessita de alimentação
especial.
Até 01 ano de idade, a criança se alimentava
via oral, mas em função do não desenvolvimento normal do cérebro
(alterações na sua condição neuropsicomotora), a criança passou a
não conseguir engolir nada, motivo pelo qual foi colocada uma sonda
para alimentação, sonda essa ligada diretamente ao seu estômago
(alimentação por gastrotomia).
Essa sonda, com a qual a criança permanece
até hoje, foi colocada em 2004, mas ainda assim ela tinha refluxos,
motivo pelo qual sofreu uma operação para evitar tais refluxos, e se
alimentar com mais facilidade pela sonda, sem engasgar.
Não há previsão para a retirada da sonda, eis
que a retirada de tal aparelho depende da evolução clínica da criança.
Em função da especial condição da criança,
esta apenas pode se alimentar com leite especial – NUTREN JUNIOR
(Nestlé) ou PEDIASURE (Abboh).
A determinação para que a dieta da criança se
restrinja a tal alimento foi médica, e faz parte do tratamento da criança,
ganhando ensejo verdadeiramente de medicação.
Atualmente, conforme prescrição médica em
anexo, a criança necessita de 10 latas de leite por mês.
A alimentação da criança com esse leite
especial é que a permitirá ganhar peso e crescer, sendo ainda
alimento de custo elevado, sobretudo para a família da criança, que é
de poucos recursos econômicos.
Até o começo deste ano, Ana Flávia e sua
mãe, Vera Lúcia dos Santos, moravam em Curitiba e a paciente tinha
acompanhamento médico junto ao Hospital Pequeno Príncipe, sendo
que em Curitiba, todo mês a declarante pegava gratuitamente as 11
latas de leite NUTREN JUNIOR no Posto de Saúde próximo de sua
casa, pelo SUS. Porém, por questões familiares, a criança e sua mãe
mudaram-se para Nova Fátima. Em função desta mudança, que foi
devidamente comunicada ao Posto de Saúde de Curitiba, a genitora
da criança Ana Flávia foi informada de que ela deveria então passar a
receber o leite através do Posto de Saúde do Município onde residia, e
da respectiva regional, quais sejam, Nova Fátima (Município) e
Cornélio Procópio (Regional). Porém, conforme documentos em
anexo, houve a negativa no fornecimento do alimento/medicação à
criança, pela 18ª Regional de Saúde do Paraná, a qual solicitou tal
fornecimento à Secretaria de Estado da Saúde do Paraná.
Segundo informações médicas em anexo, caso
a criança não se alimente com o leite receitado, poderá entrar em
quadro de desnutrição com sérias conseqüências, mesmo fatais.
Aduz a Secretaria de Saúde que o leite que a
criança necessita é um complemento alimentar, que deve ser
fornecido pelo Município, na forma da lei 8080/90.
Porém, embora esteja previsto no artigo 18, IV,
‘c’ de tal lei que ao município que cabe a prestação de serviços de
alimentação e nutrição, nota-se que o leite em questão, para a criança
Ana Flávia, ultrapassa a mera questão alimentar, revestindo-se de
caráter medicinal. Também não se pode dize que o mesmo é
complemento alimentar, se é a única alimentação possível para Ana
Flávia.
Segundo declarações da Doutora Julienne
Ângela Ramires de Carvalho, em anexo:
“... Declaramos que Ana Flávia dos Santos
(...) necessita de Leite especial Nutren (...) 10 latas por
mês;”
Também a Doutora Jocemara Gurmini:
“... A paciente Ana Flavia dos Santos vem
sendo acompanhada neste hospital devido a paralisia
cerebral, disfagia, impossibilidade de alimentação oral.
Para um adequado ganho pondero-estatural, evitando
a desnutrição e suas complicações, como infecções de
difícil controle, diarréias e internações prolongadas,
necessita da dieta Nutren Jr (Nestlé) por via
gastrostomia, 11 (onze) latas por mês;”
Assim, não pode haver a negativa em fornecer
a alimentação especial à criança, sob pena de não estar atribuindo
a Ana Flávia a possibilidade de, em última análise, sobreviver,
bem como de se desenvolver, dentro de suas possibilidades.
Além da necessidade de utilização do
medicamento, destaque-se que os genitores da paciente não têm
condições financeiras para sua aquisição, eis que o seu custo mensal
implica entre R$400,00 e R$800,00, dependendo do local onde seja
feita a aquisição do leite, fator que agrava a situação da criança e que
levou o Ministério Público a intervir no presente caso.
III. O DIREITO APLICADO À ESPÉCIE.
A atual Constituição Federal e a Lei Orgânica
de Saúde consagraram a prevalência de determinados direitos
fundamentais, dentre eles o direito à vida e à saúde, que no caso
concreto foram flagrantemente vulnerados.
A mera leitura dos dispositivos constitucionais
que seguem, em confronto com a hipótese dos autos, revela de pronto
a lesão em causa:
Art. 1.° A República Federativa do Brasil, (...),
constitui-se em Estado democrático de direito e tem como
fundamentos: II- a dignidade da pessoa humana;
Art. 5.° Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à (...)
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a
saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever
do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações
e
serviços
para
sua
promoção,
proteção
e
recuperação7[11].
Nesse contexto fundamental, que defende a
vida, dignidade, a saúde das pessoas e visando o atendimento integral
nessa área, a Constituição Federal impõe que as ações e serviços
públicos de saúde constituam um sistema único, onde adquirem
prioridade os serviços assistenciais.
Por seu turno, a Lei Orgânica da Saúde (Lei n°
8.080, de l9 de setembro de 1990) estabelece:
Art. 2°. A saúde é um direito fundamental do
ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1°. O dever do Estado de garantir a saúde
consiste na formulação e execução de políticas
econômicas e sociais que visem à redução de riscos de
doença e de outros agravos e no estabelecimento de
condições que assegurem acesso universal e igualitário às
ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e
recuperação .
Art. 5º. São objetivos do Sistema Único de
Saúde-SUS:
III - a assistência às pessoas por intermédio de
ações de promoção, proteção e recuperação da saúde,
com a realização integrada das ações assistenciais e das
atividades preventivas;
Art. 6º. Estão incluídas ainda no campo de
atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
d) de assistência
inclusive farmacêutica;
terapêutica
integral,
Art. 7°. As ações e serviços públicos de saúde
e os serviços privados contratados ou conveniados que
integram o Sistema Único de Saúde - SUS são
desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no
artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos
seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de
saúde em todos os níveis de assistência;
II- integralidade de assistência, entendida
como um conjunto articulado e contínuo das ações e
serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos,
exigidos para cada caso em todos os níveis de
complexidade do sistema;
XII – capacidade de resolução dos serviços em
todos os níveis de assistência .
Art. 43. A gratuidade das ações e serviços
de saúde fica preservada nos serviços públicos e privados
contratados, ressalvando-se as cláusulas ou convênios
estabelecidos com as entidades privadas.
No âmbito estadual, a Lei nº 14.254, de 4 de
dezembro de 2003, garante, em seu artigo 2º, XXII, também garante o
direito de Paulo Eduardo, na seguinte dicção:
“Art. 2º São direitos dos usuários dos serviços
de saúde no Estado do Paraná:
XXII – receber medicamentos básicos e
também medicamentos e equipamentos de alto custo e de
qualidade, que mantenham a vida e a saúde”.
Logo, sendo a saúde um direito do cidadão e
dever do Estado, esse direito há de ser satisfeito de modo integral e
gratuito (LOS, art. 43), sejam os serviços de saúde de execução direta
pelo Poder Público ou os de execução indireta.
Assim: "integralidade da assistência implica,
como se enuncia, atenção individualizada, ou seja, para cada caso,
segundo as suas exigências, e em todos os níveis de complexidade.’’
Gratuidade, como o próprio nome diz, significa
que o beneficiário nada paga diretamente, pois o financiamento das
despesas com a saúde é coberto por toda a coletividade (na verdade,
como se vê, a prestação não é gratuita). Seria um absurdo falar-se em
acesso universal, integral e igualitário aos serviços de saúde, como
determina a Constituição Federal, e gratuito, como determina a Lei
Orgânica da Saúde (Lei Federal no 8080/90), e exigir que o cidadão
custeie um insumo bastante oneroso e essencial à sua saúde,
principalmente quando a situação econômica da família não propicia a
sua aquisição, como no caso.
Por fim, a igualdade do direito à vida de todos
os seres humanos significa que nos casos de doença, cada um tem o
direito a um tratamento condigno e integral de acordo com o estado
atual da ciência médica, independente de sua situação econômica.
Portanto, a Constituição da República e a Lei
Orgânica da Saúde tutelam firmemente o direito do cidadão à saúde e
impõem ao Estado o dever de garanti-lo, reconhecendo ao usuário um
direito público subjetivo que o legitima a exigir esse acesso e
assistência do Poder Público.
No caso em tela, há a agravante de estar-se
colocando em risco a saúde e até a vida de uma criança e é na defesa
deles que o ECA se pronuncia e reforça os mandamentos
constitucionais, adaptando-os à sua peculiar condição de existência,
nos seguintes termos:
Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de
todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata
esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios,
todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar
o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e
social, em condições de liberdade e de dignidade.
Art. 7º. A criança e o adolescente têm direito a
proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de
políticas sociais que permitam o nascimento e o
desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições
dignas de existência.
Art. 11. É assegurado atendimento médico à
criança e ao adolescente, através do Sistema Único de
Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às
ações e serviços para promoção, proteção e
recuperação da saúde.
Parágrafo 2º. Incumbe ao Poder Público
fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem os
medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao
tratamento, habilitação ou reabilitação.
Por outro lado, a saúde não é apenas uma
contraprestação de serviços devida pelo Estado ao cidadão, mas sim
um direito fundamental do ser humano, devendo, por isso mesmo, ser
universal, igualitário e integral, não se podendo prestar "meia-saúde",
ou seja, fornecem-se algumas prestações e negam-se outras, ou
fornecem-se apenas aquilo que permitem os recursos do momento ou
o que o protocolo dos medicamentos indica, sem se verificar a real
necessidade do paciente.
No caso vertente, fica evidenciado que esse
direito constitucional de assistência integral à saúde está sendo
frontalmente violado, especialmente pelo disposto no art. 6º da Lei
Federal Orgânica da Saúde ( Lei Federal n° 8.080/90), que salienta a
recuperação da saúde, no campo de atuação do Sistema Único de
Saúde.
Dessa forma, não só pelo fato da
impossibilidade da família arcar com os custos para aquisição dos
medicamentos, mas principalmente por se tratar de um direito que
está sendo violado, e que respeitado, proporcionaria a essa pessoa
em formação (ANA FLÁVIA DOS SANTOS LEITE) a chance de
manutenção da vida, além de uma óbvia e conseqüente melhora na
sua qualidade, impedindo a evolução da doença da qual está
acometida e que, lamentavelmente, o levará a péssima condição de
vida ou quiçá até a óbito se ignorada, é que se busca a garantia da
prestação por parte da Secretaria Estadual de Saúde.
Ressalte-se que o medicamento/alimento em
questão é tão importante para a saúde da paciente que há nos autos
declaração de duas médicas, no sentido da sua absoluta necessidade,
um dos quais inclusive demonstra as graves conseqüências da não
utilização do insumo pretendido.
Com tudo isto, diante do desrespeito reiterado
aos direitos mais comezinhos dessa coletividade adoentada e da
paciente em questão, e do descumprimento contínuo dos deveres da
Administração Pública para com os administrados, é que se pleiteia a
tutela jurisdicional no sentido de se garantir a essa criança o
direito de chegar à idade adulta com o mínimo de dignidade e
respeito.
Portanto, o direito da criança ora pleiteado é
incontestável, de berço constitucional, devidamente demonstrado na
sua existência e individualizado na sua extensão.
Em casos análogos, já decidiu o E. Tribunal de
Justiça do Paraná.
“MANDADO DE SEGURANÇA - NEGATIVA
DO ESTADO EM FORNECER O MEDICAMENTO
'URSACOL' À MENOR IMPÚBERE, A PRETEXTO DE
NÃO FAZER PARTE DO 'RENAME' - LIMINAR
CONCEDIDA - PRIORIDADE AOS DIREITOS DA
CRIANÇA - DIREITO À SÁUDE E DIGNIDADE HUMANA
(ARTS. 1.º, III E 6.º, CF) - PRESENÇA DA
PLAUSIBILIDADE DO DIREITO E DO PERIGO NA
DEMORA - DECISÃO CONCESSIVA MANTIDA AGRAVO DESPROVIDO” (AI Nº 177.637-8, LONDRINA,
REL. JUÍZA ELIZABETH NOGUEIRA CALMON DE
PASSOS, 25/10/2005).
”APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO EM
MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTO PELO ESTADO. PRELIMINAR DE
COMPETÊNCIA
DA
JUSTIÇA
FEDERAL
PARA
APRECIAÇÃO
DA
MATÉRIA.
INOCORRÊNCIA.
AUTORIDADE COATORA ESTADUAL. MÉRITO. APELO
ESTATAL OBJETIVANDO SE DESONERAR DA
OBRIGAÇÃO DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO
DE ALTO CUSTO. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO À
SAÚDE
CONSAGRADO
CONSTITUCIONALMENTE
(ART. 196, CF), ASSEGURADO AO JURISDICIONADO
DE OBTER OS MEIOS NECESSÁRIOS PARA A
FRUIÇÃO DESSE DIREITO DE FORMA PLENA,
INCLUSIVE GRATUITA. PEDIDO QUE TAMBÉM SE
APÓIA NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE (LEI Nº 8.069/90). SENTENÇA MANTIDA
EM
GRAU
DE
REEXAME.
APELO DESPROVIDO”. (APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME
NECESSÁRIO Nº 169.129-6, CASCAVEL, REL. DES.
SÉRGIO ARENHART, 6/1/2005).
“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A
DEFESA DOS INTERESSES INDIVIDUAIS RELATIVOS À
INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA - INTELIGÊNCIA DO
ARTIGO 201, V, DA LEI Nº 8.069/90 - MEDICAMENTO
NECESSÁRIO AO TRATAMENTO DE MENOR - RISCO
DE DANO IRREPARÁVEL - DEVER DO ESTADO EM
GARANTIR A SAÚDE E A VIDA DOS INDIVÍDUOS RECURSO NÃO PROVIDO - DECISÃO UNÂNIME”.
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 154.781-3, SANTO ANTONIO DA
PLATINA, RELATOR : DES. ANTONIO LOPES DE
NORONHA, 9/3/2005).
Nem se diga, também, que tal ação deveria se
voltar exclusivamente contra o Município, eis que, primeiramente, o
fornecimento do alimento/medicamento aqui pretendido não se amolda
estritamente ao disposto no artigo 18, IV, ‘c’ da lei 8080/90, que relega
ao Município a responsabilidade de executar serviços de “alimentação
e nutrição”, pois o leite em questão é parte do tratamento médico da
criança.
Ademais, conforme já reconhecido pelo STJ e
por outros Tribunais, há solidariedade entre os entes federativos em
questões relativas à saúde, podendo qualquer deles figurar no pólo
passivo da demanda:
STJ-172561)
ADMINISTRATIVO.
MEDICAMENTO
OU
CONGÊNERE.
PESSOA
DESPROVIDA
DE
RECURSOS
FINANCEIROS.
FORNECIMENTO GRATUITO. RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA
DA
UNIÃO,
ESTADOS-MEMBROS,
DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS.
1. Em sede de recurso especial, somente se
cogita de questão federal, e não de matérias atinentes a
direito estadual ou local, ainda mais quando desprovidas
de conteúdo normativo.
2. Recurso no qual se discute a legitimidade
passiva do município para figurar em demanda judicial cuja
pretensão é o fornecimento de prótese imprescindível à
locomoção de pessoa carente, portadora de deficiência
motora resultante de meningite bacteriana.
3. A Lei Federal nº 8.080/90, com fundamento na
Constituição da República, classifica a saúde como um
direito de todos e dever do Estado.
4. É obrigação do Estado (União, Estadosmembros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às
pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso
à medicação ou congênere necessário à cura, controle
ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo, as
mais graves.
5. Sendo o SUS composto pela União,
Estados-membros e Municípios, é de reconhecer-se,
em função da solidariedade, a legitimidade passiva de
quaisquer deles no pólo passivo da demanda.
6. Recurso especial improvido.
(Recurso
Especial
nº
656979/RS
(2004/0056457-2), 2ª Turma do STJ, Rel. Min. Castro
Meira. j. 16.11.2004, unânime, DJ 07.03.2005).
TRF2-077339)
ADMINISTRATIVO.
FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS SUS - PESSOA DESPROVIDA DE RECURSOS
FINANCEIROS. ART. 196 DA CF/88 E LEI Nº 8.080/90.
PROCESSO CIVIL. LEGITIMIDADE E INTERESSE
JURÍDICO - PEDIDO CERTO.
1 - O cumprimento do dever políticoconstitucional de proteção à saúde, consagrado no art. 196
do Texto Básico, obriga o Estado (gênero) em regime de
responsabilidade solidária entre as pessoas políticas que o
compõem, dada a unicidade do Sistema (art. 198, CF/88),
a par de restar incluso, nas atividades voltadas a assegurar
tal direito fundamental, o fornecimento gratuito de
medicamentos e congêneres a pessoas desprovidas de
recursos financeiros, para a cura, controle ou atenuação de
enfermidades.
2 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios são partes legítimas para figurar no pólo
passivo nas demandas, cuja pretensão é o fornecimento
de medicamentos imprescindíveis à saúde de pessoa
carente.
3 - O pedido é, a todo tempo, certo e, ao
menos, determinável, no sentido de que os entes políticos,
em epígrafe, forneçam medicamentos para o tratamento de
AIDS; cuidando-se, in casu, de pedido genérico ou ilíquido,
assim entendido aquele que tem delineado o "an debeatur"
e deixa postos, desde logo, os elementos ou critérios a
partir dos quais, por algum modo, será extraído o montante
da obrigação (em dinheiro, em coisas fungíveis em geral),
devendo ser objeto de liquidação de sentença; o que é
admitido pelo ordenamento processual pátrio (art. 286) e
não se confunde com pedido vago, que é a postulação
desprovida daqueles elementos basilares.
4 - Provimento do recurso do Município do Rio
de Janeiro, mostrando-se acolhível a minoração da verba
honorária, na medida em que restou vencida a Fazenda
Pública, fazendo incidir o disposto no art. 20, § 4º, do
Digesto Processual, que confere uma margem de liberdade
ao magistrado, sem que se esteja obrigado a obedecer ao
limite mínimo de 10% ou ao máximo de 20% (STJ - Corte
Especial, EREsp nº 491.055/SC, Rel. Min. Carlos Alberto
Menezes Direito, j. 20.10.2004, Informativo nº 225).
5 - Remessa necessária e recursos da União
Federal e do Estado do Rio de Janeiro desprovidos.
(Apelação
Cível
nº
340068/RJ
(2003.51.01.013768-2), 8ª Turma Especializada do TRF da
2ª Região, Rel. Juiz Poul Erik Dyrlund. j. 23.08.2005,
unânime, DJU 08.09.2005).
TJMG-051518) MANDADO DE SEGURANÇA VAGA PARA INTERNAÇÃO HOSPITALAR - SISTEMA
ÚNICO DE SAÚDE - SUS - MUNICÍPIO - ILEGITIMIDADE
PASSIVA
LITISCONSÓRCIO
NECESSÁRIO
IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - AUSÊNCIA
DE INTERESSE PROCESSUAL - PERDA DO OBJETO INOCORRÊNCIA - OFENSA A DIREITO LÍQÜIDO E
CERTO.
O Sistema Único de Saúde - SUS está
organizado de forma descentralizada, regido pelo princípio
da co-gestão, sendo partilhada entre os entes da
Federação a responsabilidade de garantir aos cidadãos o
direito constitucional à saúde. Ante a responsabilidade
solidária dos entes da Federação, cabe à municipalidade
garantir a todos o direito à saúde, no seu âmbito de
atuação. Não há que se falar em integração à lide dos
Gestores Estadual e Federal do SUS, na qualidade de
litisconsortes
passivos
necessários,
já
que
a
municipalidade possui idênticas atribuições às do Estado e
da União, conforme disposto no artigo 23, inciso II, bem
como no artigo 196, ambos da Constituição da República.
O direito à saúde então garantido pela Constituição da
República não pode ser considerado como norma
programática, não podendo, portanto, ficar adstrito à
previsão orçamentária para a sua realização, mormente
nas hipóteses de emergência. Representa ofensa a direito
líqüido e certo de receber um tratamento digno e adequado
de saúde, conforme assegurado constitucionalmente, a
conduta omissiva da autoridade responsável que deixa de
promover a internação daquele que se encontra em
situação de alto risco de morte, em hospital conveniado ou
não do SUS.
(Reexame Necessário nº 1.0145.04.1561153/001, 4ª Câmara Cível do TJMG, Juiz de Fora, Rel.
Moreira Diniz. j. 07.04.2005, unânime, Publ. 27.04.2005).
O primeiro julgado acima transcrito, do STJ,
possui passagem que se aplica de forma direta ao presente caso
concreto, eis que ali resta consignado que “É obrigação do Estado
(União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às
pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação
ou CONGÊNERE NECESSÁRIO À CURA, CONTROLE OU
ABRANDAMENTO DE SUAS ENFERMIDADES, SOBRETUDO, AS
MAIS GRAVES. (Recurso Especial nº 656979/RS (2004/0056457-2),
2ª Turma do STJ, Rel. Min. Castro Meira. j. 16.11.2004, unânime, DJ
07.03.2005).
Conforme julgado acima, ainda que não se
entenda que o Leite aqui pleiteado é remédio no sentido estrito da
palavra, não se pode deixar de negar que se trata ao menos de
congênere necessário ao abrandamento da enfermidade da paciente
Ana Flávia, conforme declarações médicas anexadas, devendo,
portanto, ser fornecido pelo SUS. Isso porque a falta de fornecimento
de tal medicação importará à paciente graves conseqüências, como
atestado em declaração médica da Doutora Jocemara Gurmini:
“... A paciente Ana Flavia dos Santos vem
sendo acompanhada neste hospital devido a paralisia
cerebral, disfagia, impossibilidade de alimentação oral.
Para um adequado ganho pondero-estatural, evitando
a desnutrição e suas complicações, como infecções de
difícil controle, diarréias e internações prolongadas,
necessita da dieta Nutren Jr (Nestlé) por via
gastrostomia, 11 (onze) latas por mês;”
Também não há que se alegar falta de prévia
dotação orçamentária para o fornecimento aqui pleiteado. A
sociedade, a população, o cidadão têm direitos aqui extraídos do
ordenamento jurídico em vigor, identificados em normas jurídicas autoaplicáveis. Submetê-los ao saldo do “caixa” do Poder Público, de
qualquer esfera, significa, na verdade, negá-los. Note-se que a
legislação supratranscrita não sujeita o direito do cidadão ao “saldo
bancário” da Administração. O Legislativo, sábio, percebeu que, assim
não fosse, tais direitos seriam sempre negados sob a desculpa da falta
de dinheiro, o que jamais poderia ser posto em dúvida, pois a ninguém
é dado conhecer o movimento financeiro de qualquer pessoa jurídica
de direito público interno. Por outro lado, antes da “Responsabilidade
Fiscal” há a “Responsabilidade Social”, muito mais importante quer nos direitos hierarquicamente superiores que ampara, quer
nas conseqüências legais àqueles que a desrespeitam.
E não se pode ignorar que nenhum
administrador público seria alcançado pelas penalidades previstas na
“Lei de Responsabilidade Fiscal” se demonstrar estar agindo em
defesa da vida, no cumprimento da Lei e de Decisão Judicial.
Sobre a questão, em casos semelhantes, já se
manifestaram os Tribunais:
“O Judiciário não desconhece o rigorismo da
Constituição ao vedar a realização de despesas pelos
órgãos públicos além daquelas em que há previsão
orçamentária; este Poder, todavia, sempre consciente de
sua importância como integrante de um dos Poderes do
Estado, como pacificador dos conflitos sociais e defensor
da Justiça e do bem comum, tem agido com maior justeza
optando pela defesa do bem maior, veementemente
defendido pela Constituição – A VIDA – interpretando a lei
de acordo com as necessidades sociais imediatas que ela
se propõe a satisfazer” (Apel. Cível nº 98.006204-7, Santa
Catarina, Rel. Nilton Macedo Machado, 08/09/98).
Mais adiante, nessa mesma Decisão:
“Com relação à previsão orçamentária para o
custeio dos medicamentos específicos, basta relembrar
que já há no orçamento do Estado, dotação apropriada; da
mesma forma não pode o apelante pretender eximir-se de
suas responsabilidades sob a alegação de que enfrenta
sérios problemas financeiros, em face da escassez de
recursos, o que soa falso em face dos gastos publicitários
que se vê nos meios de comunicação, apregoando obras e
realizações governamentais (...)”. Citando o Ministro Celso
de Mello em caso também relativo à saúde: “A
singularidade do caso (...), a imprescindibilidade da medida
cautelar concedida pelo Poder Judiciário do Estado de
Santa Catarina (...) e a impostergalidade do cumprimento
do dever político constitucional que se impõe ao Poder
Público, em todas as dimensões da organização
federativa, de assegurar a todos a proteção à saúde CF,
art. 6º, c.c art. 227, Parágrafo 1º) constituem fatores que,
associados a um imperativo de solidariedade humana,
desautorizam o deferimento do pedido ora formulado pelo
Estado de Santa Catarina (...). Entre proteger a
inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como
direito subjetivo inalienável assegurado pela própria
Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer
prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um
interesse financeiro e secundário do Estado, entendo –
uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem
ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção:
o respeito indeclinável à vida”.
“...Sendo a saúde direitos e dever do Estado
(CF, art. 196, CE, art. 153), torna-se o cidadão credor
desse País para o tratamento reclamado. A existência de
previsão orçamentária própria é irrelevante, não servindo
tal pretexto como escusa, uma vez que o executivo pode
socorrer-se de créditos adicionais. A vida, Dom maior, não
tem preço, mesmo para uma sociedade que perdeu o
sentido da solidariedade, num mundo marcado pelo
egoísmo,
hedonista
e
insensível.
Contudo,
o
reconhecimento do direito á sua manutenção (...) não tem
balizamento caritativo, posto que carrega em si mesmo, o
selo da legitimidade constitucional e está ancorado em
legislação obediente àquele comando”.
(TJSP, Des. Xavier Vieira, Agravo de Instr. Nº
96.012721-6).
“A respeito, cabe ver que a Portaria nº 21, de
21.3.95, do Ministério da Saúde, já recomendava a
utilização da combinação de novos medicamentos com o
então conhecido AZT, de modo que, somente atribuível à
incúria da Administração não Ter ela já licitado, - inclusive
com previsão orçamentária – de modo a permitir, de modo
continuado, o fornecimento de tais medicamentos aos dele
necessitados, em quantidades adrquadas. Portanto, não
socorre a agravante o argumento de necessidade de
licitação prévia ou previsão orçamentária, muito menos
cabe-lhe colocar em dúvida a eficácia dos remédios em
questão, os quais, aliás, são sempre receitados pelos
médicos” ( Agravo de Instrumento nº 82.036-5, 8ª Câm.
Dir. Público do TJSP, Rel. José Santana).
Como se percebe, mostra-se irrelevante
eventual falta de prévia dotação orçamentária prevendo o atendimento
integral dos doentes, ou seja, o cumprimento da Lei. Consoante
enfatiza com lucidez João Angélico (contabilidade Pública, Ed. Atlas,
pág. 35), “durante a execução orçamentária, o Poder Executivo
pode solicitar ao Legislativo, e este conceder, novos créditos
orçamentários. Eles serão adicionados aos créditos que integram
orçamento em vigor. Por essa razão, denominam-se créditos
adicionais. Os créditos adicionais aumentam a despesa pública
do exercício, já fixada no orçamento”.
Por fim, vale transcrever parte da obra de
Germano Schwartz (Direito à Saúde – Efetivação em uma Perspectiva
Sistêmica, pág. 80/81, Ed. Livraria do Advogado):
“...Não é por falta de aporte financeiro que o
Estado poderá se eximir de seu dever. A saúde reclama
prestação sanitária tão-somente. Sarlet (1998), a respeito
da negação das prestações sanitárias com base na
ausência orçamentária estatal, refere que: “em relação
aos habituais argumentos da ausência de recursos e
da incompetência dos órgãos judiciários para
decidirem sobre a alocação e destinação de recursos
público, não nos parecer que esta solução possa
prevalecer, ainda mais nas hipóteses em que está em
jogo a preservação da vida humana” (p. 298). Ora, a
hipótese de não-existência de previsão orçamentária não
pode ser alegada pelo Estado, até porque não se pode
antever com eficácia as necessidades da população, ou
ainda, de outa banda, não se pode favorecer a omissão do
ente responsável, premiando-o por sua negligência e/ou
inércia. Ao se referir ao Sistema Único de Saúde e à
sistemática sanitária brasileira instalada pela CF/88,
Cláudio Barros Silva (1995) se posiciona expressamente
quanto à impossibilidade de condicionantes para o
exercício do direito à saúde: “Como consequência do
sistema, o acesso à assistência, à saúde, passou a ser
universal e igualitário, não havendo, por ser direito
subjetivo do cidadão, qualquer condicionante ao
exercício. O papel do Estado é garantir a satisfação
desse direito público subjetivo” (p.100).
O Supremo Tribunal Federal – STF, em
acórdão nos autos do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento
nº 238.328-0 (Julgado em 16.11.99), no voto do Relator Ministro Marco
Aurélio, quando provocado a se pronunciar sobre a matéria, afirmou
que a falta de dispositivo legal para o custeio e distribuição de
remédios para AIDS não impede que fique comprovada a
responsabilidade do Estado, pois “decreto visando-a não poderá
reduzir, em si, o direito assegurado em lei”. E, esclareça-se desde já,
com base no art. 23 da CF/98, que o cidadão pode demandar contra
qualquer dos entes federados na busca da proteção de saúde:
“SAÚDE
PÚBLICA.
FORNECIMENTO
GRATUITO DE MEDICAMENTOS POR ENTIDADE
PÚBLICA MUNICIPAL PARTICIPANTE DO SUS.
CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA EM PLEITO
ORDINÁRIO. DIREITO À VIDA. DEVER COMUM DOS
ENTES FEDERADOS. ARTS. 196 E 198 DA
CONSTITUIÇÃO
FEDERAL.
PRECEDENTES
PRETORIANOS.
AUSÊNCIA
DE
PREVISÃO
ORÇAMENTÁRIA QUE NÃO PODE PENALIZAR O
CIDADÃO. AGRAVO NÃO PROVIDO. DECISÃO
CONFIRMADA. As entidades federativas têm o dever ao
cuidado da saúde e da assistência pública, da proteção e
garantia das pessoas portadores de deficiência de saúde,
a teor do disposto no art. 23 da Constituição Federal.
Assim, não se pode prestar à fuga de responsabilidade
a mera argüição de violação ao princípio do orçamento
e das normas de realização de despesa pública,
quando verificado que o Estado, na condição de
instituição de tributo especial dirigido a suplementar
verbas da saúde, não o faz com competência devida”.
(Agravo de Instr. Nº 1999.002.12096, 9ª Câm. Cível, TJRJ,
Rel.: Des. Marcus Tullius Alves, Julgado em 02.05.2000)”.
Assim, não há óbice jurídico ao deferimento do
pedido aqui protocolado.
IV. A TUTELA ANTECIPADA.
A concessão da tutela antecipada constitui-se
em ferramenta de extrema necessidade neste pleito, exigindo para
tanto, a presença de dois requisitos essenciais: prova inequívoca do
alegado e verossimilhança da alegação.
Para a agilização da entrega da prestação
jurisdicional, não subsiste qualquer dúvida quanto à existência – mais
do que provável na espécie – do direito alegado, consoante se infere
dos argumentos e dispositivos legais mencionados. Ademais, tal
afirmativa parte do reconhecimento de que prova inequívoca não é
aquela utilizada para o acolhimento final da pretensão, mas apenas o
conjunto de dados de convencimento capazes de, antecipadamente,
através de cognição sumária, permitir a verificação da probabilidade
da parte requerente ver antecipados os efeitos da sentença de mérito.
Na hipótese vertente, a prova material
inequívoca pode ser inferida por meio de toda a documentação
coligida nos autos, e pelas razões de direito supra invocadas.
Quanto à verossimilhança do direito pleiteado,
entendida como um juízo de probabilidade que, conjugada à
necessidade de prova inequívoca, conduz-nos à idéia de que se trata,
em verdade, de uma probabilidade em grau máximo – destaque-se,
não uma certeza, embora, in casu, pelo material probatório coligido, se
pudesse dizer que ela existe -, é possível concluir através dos laudos
médicos apresentados e depoimento prestado.
O direito à assistência à saúde e seu efetivo
atendimento são impostergáveis, inderrogáveis, irrenunciáveis,
indisponíveis e urgentes, porque deles dependem a própria existência
humana com dignidade.
Com efeito, se a tutela pretendida for
postergada para o final da lide, quando da prolação da sentença,
o dano à saúde da criança Ana Flávia poderá ser irreversível,
dado a imprescindibilidade da imediata utilização do
alimento/medicamento pela pequena paciente. Note-se, a respeito,
a declaração da mãe de Ana Flávia, que informa que não possui
medicamento para muito tempo, nem condições de conseguir tal
medicamento se não for fornecido pelo Estado:
“Que está muito preocupada com esta
negativa, eis que, em caso de não fornecimento do
leite à criança, conforme laudo médico, a mesma
poderá entrar em quadro de desnutrição com sérias
conseqüências, mesmo fatais. Que tem atualmente
pouco mais de 10 latas do leite especial, que lhe foram
fornecidas pelo Posto de Saúde de Curitiba em seu
último mês naquela cidade, as quais serão suficientes
para o próximo mês – março de 2006, mas não sabe
como fará depois de tal data, tanto pela negativa da
regional de Cornélio como pela impossibilidade de
continuar obtendo tal medicação em Curitiba, já que
eles não podem mais me fornecer, em função de minha
mudança para Nova Fátima;”
Ao persistir essa situação, viola-se o direito
fundamental do homem, que é o direito à vida e elimina-se a
relevância pública das ações e serviços de saúde.
A relevância do fundamento da lide está
imanente, em última análise, à manutenção da vida, da saúde e do
bem estar de uma criança, que depende do Poder Público para
custear-lhe a assistência e o atendimento à saúde.
É clara a necessidade da concessão da tutela
antecipada dentro de um prazo reduzido, porque quando se trata de
saúde de um ser humano, o tempo é algo fundamental, sendo a
medida juridicamente possível:
TJRS-257587) DIREITO PÚBLICO NÃO
ESPECIFICADO.
PROCEDIMENTO
CIRÚRGICO
NECESSÁRIO A PACIENTE PORTADOR DE ARTROSE
SEVERA DO QUADRIL ESQUERDO. DEVER DO
ESTADO E DO MUNICÍPIO DE TRAMANDAÍ DE
SUPORTAR A DESPESA.
Responsabilidade, em litisconsórcio passivo,
que decorre das relações de direito público surpreendidas,
mormente a partir da municipalização da saúde em gestão
semiplena do SUS.
Possibilidade de ser deferida tutela
antecipada contra o poder público, mormente quando
está em risco a saúde e a vida humana, bens
juridicamente tutelados como superdireitos na Carta
Política da República.
Agravo improvido.
(Agravo de Instrumento nº 70007302508, 3ª
Câmara Cível do TJRS, Tramandaí, Rel. Des. Nelson
Antônio Monteiro Pacheco. j. 11.03.2004, unânime).
Relembre-se ainda o princípio constitucional da
razoabilidade, ínsito no princípio do devido processo legal substancial,
eis que os direitos da criança que se encontram ameaçados (vida e
saúde) pela demora na prestação jurisdicional são muito mais
importantes do que o interesse patrimonial do Estado, sendo que os
gastos do Requerido nem serão tão altos em comparação com sua
arrecadação.
Dessa forma, presentes os requisitos
necessários, requer o Ministério Público seja concedida a medida
liminar, determinando a antecipação dos efeitos da sentença de mérito
para que seja fornecido, no prazo máximo de 15 dias, o
alimento/medicamento Leite NUTREN JUNIOR (Nestlé) à criança Ana
Flávia dos Santos Leite, nos termos prescritos por sua médica
assistente (10 latas por mês).
V. O PEDIDO.
Em face do exposto, requer-se de Vossa
Excelência:
a)
LIMINARMENTE, inaudita altera pars, a
antecipação de tutela, com o fim de ordenar judicialmente
o fornecimento do alimento/medicamento Leite NUTREN
JUNIOR (Nestlé) à criança Ana Flávia dos Santos Leite,
enquanto dele necessitar, conforme prescrição médica (10
latas por mês);
b)
fixação de multa diária, no valor de R$
2.000,00 (dois mil reais), para garantia da execução da
tutela concedida antecipadamente, a ser depositado no
Fundo para a Infância e Adolescência (FIA);
c)
a citação do réu para que, querendo,
conteste a presente ação e a acompanhe, até final
sentença, sob pena de revelia;
d) a produção de todas as provas admitidas
em direito, especialmente inquirição de testemunhas,
juntada de documentos e exames periciais que se fizerem
necessários;
e)
ao final, a procedência do pedido, nos
termos da antecipação de tutela retro, com a condenação
do réu, consistente na compra e dispensação do
alimento/medicamento Leite NUTREN JUNIOR (Nestlé) à
criança Ana Flávia dos Santos Leite, enquanto esta dele
necessitar, conforme prescrição médica (10 latas por mês);
f)
a dispensa do pagamento de custas,
emolumentos e outros encargos, nos termos do art. 18, da
Lei Federal nº 7347/85.
Dá-se à causa o valor de R$ 100,00 (cem
reais), ainda que inestimável o objeto tutelado, apenas para efeitos
fiscais.
Nestes termos,
Pede deferimento.
Nova Fátima, 21 de março de 2006.
GUILHERME MARTINS AGOSTINI
PROMOTOR DE JUSTIÇA
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