A RESSEMANTIZAÇÃO LEXICAL NA CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA Deborah Gomes de Paula (PUC/SP- SEESP) [email protected] S3 - Pragmática e Análise do Discurso 1. Apresentação Essa comunicação está situada na área da Análise Crítica do Discurso em interface com a Lingüística Textual, e tem por tema as estratégias utilizadas pelos jornais paulistanos na construção da adesão às notícias veiculadas pelo jornal-empresa que dá acesso ao público-leitor, a partir das manchetes, linhas-finas e lides. Assim, selecionou-se implícitos culturais presentes em enunciados clichês de uso cotidiano. São considerados enunciados clichês, aqueles que são repetidos de geração a geração, mantendo a enunciação lingüística ou modificando-a, dependendo da contemporaneidade vivida pelos participantes discursivos. Os enunciados clichês são atualizados tanto para a (re)afirmação dos valores culturais quanto para uma dialogia conflitante de intertextos. Para Maingueneau (2002), a enunciação proverbial é fundamentalmente polifônica, pois o enunciador apresenta sua enunciação como uma retomada de inúmeras enunciações anteriores, relativas a todos os locutores que já proferiram aquele provérbio. Logo, o provérbio, sendo curto, apóia-se, ao mesmo tempo, nas propriedades lingüísticas do enunciado e na sua própria memorização: uma vez que o provérbio pertence ao estoque de enunciados conhecidos como tal por conjunto(s) dos falantes de uma língua; supõe-se que eles conheçam os provérbios da mesma forma que conhecem o léxico de uma língua. Tem-se por objetivo examinar o léxico enunciado no texto, com enfoque cultural, buscando a partir dos marcos de cognição sociais a modificação do discurso, por meio de valores culturais e ideológicos. O processo de ressemantização ocorre por meio da progressão semântica das escolhas lexicais, construídas a partir de metáforas e metonímias. As metonímias são construídas a partir da focalização dada pelo grupo social no referente que ora recebe valor positivo ora, negativo, dependendo do contexto e do cotexto, pois há um percurso gradual na escala de valor projetada. As metáforas, contêm implícitos culturais que são relativos a valores positivos e negativos e são construídas por zonas culturais de similitude entre unidades de áreas semânticas diferentes. Segundo Silveira (2000) a manifestação da representação em língua ocorre na inter-relação entre o texto-processo e o texto-produto, sendo o processo de natureza mental e o produto, a materialidade dessas formas de conhecimento. De acordo com Guimarães (1999), as duas categorias semânticas que fabricam as notícias são Atualidade e Inusitado. A seleção dessas categorias é argumentativa, na medida em que o que Atualidade agrupa as informações do que está acontecendo no mundo e que não podem ser conhecidas/observadas pelos leitores e o Inusitado que decorre de uma ruptura com o marco das cognições sociais, de forma a criar uma quebra de expectativa para os leitores. O material utilizado, neste trabalho, para análise está delimitado às manchetes dos jornais paulistanos: Jornal da Tarde (JT) e Diário de São Paulo (DSP). O método adotado para a análise dos textos jornalísticos é o teórico-analítico, e tem por base teórica a vertente sócio-cognitiva da Análise Crítica do Discurso, na relação das categorias propostas por Van Dijk (1997) Discurso, Sociedade e Cognição. Essa pesquisa se justifica, pois, durante o processamento da informação recebida no uso efetivo da língua, dependendo da focalização do fato no mundo, ocorre apagamento do processo histórico (discurso modificado). Dessa forma, a representação do fato traz características sociais e ideológicas que influenciam a formação da opinião. O texto jornalístico, a partir da intenção argumentativa, tem por objetivo conduzir a leitura do público-leitor, fazendo com que ele se identifique com o ponto de vista do enunciador. Durante o processamento da informação recebida no uso efetivo da língua, dependendo da focalização do fato no mundo, ocorre apagamento do processo histórico (discurso modificado). Dessa forma, a representação do fato traz características sociais e ideológicas que influenciam a formação da opinião. Nesse sentido, segundo Van Dijk (1997), as opiniões devem ser compreendidas na relação entre as Categorias Cognição, Sociedade e Discurso, pois as opiniões são construídas na dimensão cognitiva, por meio da interação social dos participantes, suas ações e funções. 2. Sociedade, Cognição e Discurso Tem-se por pressuposto de que há uma interação entre o individual e o social, pois, este, guia o individual, mas o individual modifica o social. Tal pressuposto é base da Análise Crítica do Discurso, em quaisquer de suas vertentes. Sendo assim, entendese que há uma inter-relação entre as categorias analíticas Sociedade, Cognição e Discurso, pois cada uma dessas categorias se define pelas demais. A Sociedade é vista como um conjunto de grupos sociais, sendo que, cada qual é um agrupamento de pessoas que têm os mesmos objetivos, interesses e propósitos e, por essa razão, focalizam o que acontece no mundo, a partir do mesmo ponto de vista; isso resulta em uma forma de avaliação (positiva/negativa) contida na representação mental como forma de conhecimento, que é construída socialmente. A Cognição refere-se às representações mentais-tipos e gêneros de discurso que atuam na interação do individual (evento discursivo particular) e o social (cognições sociais intra, inter e extragrupo social). Todas as formas de conhecimento, seja individual ou grupal são expressas em textos, no e pelo Discurso. Assim, os conhecimentos sociais são modificados embora contenham raízes históricas, de forma que o velho (já sabido) guia a construção do novo (informação nova) e este modifica o velho. Para Van Dijk (2000) a interação entre jornal-empresa e público-leitor implica a noção de contexto (global e local), para se entender as notícias como discurso, ou seja, o discurso da notícia é uma prática discursiva sócio-interacional que constrói as notícias, para serem publicadas no veículo jornal. Para o autor (1997) o discurso da notícia é institucionalizado e relativo à ideologia da empresa-jornal que tem por objetivo construir a opinião para seus leitores, de forma a dominar as suas mentes. Como todo discurso institucionalizado, o discurso da notícia compreende a relação das categorias discursivas: Poder, Controle e Acesso. Esta comunicação está delimitada às categorias Controle (redação final) e Acesso (veículo jornal) e trata das estratégias utilizadas pela redação do jornal, embora se saiba que a ideologia do Poder, que é o jornal-empresa, atua sobre o Controle da redação para que o texto enunciado tenha Acesso ao público. As categorias Poder, Controle e Acesso objetivam construir as opiniões dos leitores. Uma opinião é uma forma de conhecimento avaliativa, que não pode ser tratada como verdade, na medida em que não pode ser conferida no mundo. Logo, o leitor que não é expectador do evento noticioso torna-se obrigado a aceitar a notícia que dá Acesso a ele. A notícia como discurso jornalístico participa como um dos discursos da mídia. Segundo Van Dijk (1980), a fabricação da notícia ocorre em várias etapas. Compreendo um contexto local e um global. O contexto global é definido por seus participantes que são agrupados pelas categorias Poder, Controle e Acesso. O contexto local é definido por atores, pessoas, que são responsáveis pela fabricação da notícia, as quais são guiadas por uma determinada escala de valores ideológicos do Poder. Extraídos de jornais paulistanos o Diário de S. Paulo (DSP) e Jornal da tarde (JT), apresentamos exemplos de que a linguagem das negociações entre redator/leitor é realizada a partir de uma interação que busca construir um acordo de forma a recorrer aos conhecimentos sociais comuns entre eles. As análises realizadas seguiram um procedimento teórico-analítico e estão delimitadas às estratégias utilizadas pela redação dos jornais selecionados. O método adotado para a análise dos textos teve como ponto de partida a seleção lexical utilizada nas manchetes e para os segmentos selecionados e inter-relacionados. A seleção lexical é um recurso de grande importância, pois, é através dela que se estabelecem as oposições, os jogos de palavras, as metáforas, o paralelismo rítmico, etc. Existem palavras que, colocadas estrategicamente no texto, trazem consigo uma carga poderosa de implícitos. A análise apresentada tem como principal pressuposto o marco das cognições sociais. Segundo Silveira (2000), o marco das cognições sociais é um conjunto de conhecimentos que estabelecem parâmetros avaliativos para os seres e suas ações no mundo, a partir do que é contemporaneamente vivenciado modificando a experiência do já vivido anteriormente. Durante a interação comunicativa, considerar-se a orientação argumentativa para reformulação do marco de cognição social, sendo assim, a refutação é uma estratégia importante, pois, na mudança de orientação argumentativa estabelece meios de inclusão de argumentos por meio da aceitabilidade ou rejeição. 3. Discussão e Resultados Obtidos Os resultados obtidos indicam que os conhecimentos avaliativos são formados na inter-relação entre o individual e o social, reproduzida no e pelo discurso, e pela cognição social, guiado pela cultura do grupo social no qual está inserido, apesar da diversidade e variabilidade dos valores e normas que regem a conduta dos indivíduos em contextos específicos. A título de exemplificação apresentam-se as seguintes manchetes: POLÍCIA ACABA COM O GOLPE DA ‘PETROBALDE’ – (DSP) Diário de S.Paulo, 01/08/08 Linha-fina: Máquina de raio-x descobre ‘gaiolas’ secretas dentro de caminhões-tanque Lead: O combustível desviado era vendido a preço baixo em galões e baldes escondidos em uma rua de Guarulhos. A venda clandestina foi denunciada pelo DIÁRIO, em 3 de junho. POLÍCIA FECHA MINA DA ‘PETROBALDE’ EM GUARULHOS – (JT) Jornal da Tarde, 01/08/08 Linha-fina: R$ 8,2 milhões é o prejuízo do Estado das distribuidoras em sete meses com o esquema de desvio de combustível Lead: Motoristas de empresas de transporte de combustível vendiam gasolina a granel perto de distribuidoras no bairro dos Pimentas, em Guarulhos. No balde, o litro era comprado por R$ 1,60 – no posto, o preço chegava R$ 2,60. Isso era possível graças ao compartimento instalado no tanque do caminhão para desviar de 500 a 1000 litros de cada carga. 1) a partir da seleção lexical das manchetes estudadas ativa-se o marco das cognições sociais do público leitor do grupo social específico, guiado pela cultura; A criação lexical da nova expressão “Petrobalde” por composição, apresentadas em ambas as manchetes, ressematiza o conteúdo sêmico das palavras “balde” e “petro” na medida em que, a justaposição dos sentidos de origem se alternam, estabelecendo por meio da ressemantização uma recontextualização. Desse modo, de acordo com os conhecimentos já instituídos no marco das cognições sociais, a palavra “balde” deixa de ser somente balde que originariamente designa objeto/lugar onde se carrega líquidos e passa a se referir a um compartimento falso dentro de caminhões-tanque que mantém o mesmo peso, mas diminui a quantidade de líquido destinado para o depósito de combustível. E “Petro” remete inicialmente à Petrobrás, companhia brasileira de petróleo e que passa a designar “Petrobalde” esquema de desvio de combustível. A cultura compreende um conjunto de valores, presentes nas formas de conhecimento de mundo, relativas ao experienciado e vivido, socialmente. Assim, a cultura participa tanto no marco das cognições sociais de cada grupos social quanto da memória social extragrupal. 2) o processo de recontextualização da notícia ocorre por meio da refuta; A estratégia sócio-cognitiva na ativação de conhecimentos do marco das cognições sociais, retoma inicialmente o conhecimento já instituído e conhecido do leitor por meio da lexia reduzida, que remete à mesma estratégia de construção dos enunciados clichês, ou seja, à dicotomia que estabelece uma dualidade dos enunciados. Assim, tem-se a referência a empresa Petrobrás (pedra e óleo), ativada pela lexia “Petro”. Segundo Charaudeau (2004) a refutação é um ato reativo argumentativo de oposição. Assim, por meio da estratégia de acordo na interação com o leitor, tem-se como ponto de partida a lexia “Petro” que seqüenciada com “balde” constrói uma nova expressão: “Petrobalde”, estabelecendo uma quebra na expectativa por meio da refuta, da rejeição, em oposição à aceitabilidade inicial construída na interação com o leitor. Neste caso, a recontextualização dos conhecimentos, ativados inicialmente, (palavras “Petro” e “balde”), são reformulados por meio da refutação, guiadas pela cultura e ideologia, de acordo com as condições de produção atuais. 3) os conhecimentos avaliativos são formados na inter-relação entre o individual e o social na ressemantização da informação dada como nova, veiculada pelo jornal. Ambas as manchetes fazem referência à nova expressão “Petrobalde”. Mas a orientação argumentativa difere do jornal (DSP) para o (JT). Nas duas manchetes a polícia é representada pelas palavras “acaba” e “fecha” com ação terminativa em relação ao acontecimento. Ocorre que o verbo acabar se refere à permanência no tempo e fechar a um estado no tempo, que pode ser modificado. De acordo com a escolha lexical temos na manchete do jornal DSP o acontecimento representado como “golpe” progredindo por meio da linha-fina e do lead, com foco no aparato utilizado para esconder a gasolina nos caminhões-tanque. Na manchete do jornal (JT) a representação construída para o leitor se dá por meio da escolha lexical “mina”, veiculando a idéia de fonte com valor de permanência, inesgotável. Assim, nesse caso, a focalização está no esquema de desvio de combustível, no valor da perda, do prejuízo, na quantidade monetária desviada da fonte de ganhos (mina). Em síntese, constata-se que os jornais selecionados têm como estratégia jornalística caracterizar alguns movimentos sociais por uma designação mais hierarquizada, uma vez que o público-leitor, no centro dos conflitos sociais, precisa de uma ordem no caos dos acontecimentos e o jornal presta esse serviço. Como os jornais estão em constante interação, é possível constatar uma interpenetração na representação do fato noticioso e de como é tratado em cada jornal. Conclui-se que existem entre a designação e o referente designado, implícitos culturais, que são modificados pelos conceitos ideológicos e/ou culturais, para construir simbolicamente, os conhecimentos de mundo que são re-elaborados por meio da ativação dos marcos de cognição sociais, esses conhecimentos de mundo são ressemantizados e passam a construir novos significados. Referências Bibliográficas CHARAUDEAU, Patrick & MAINGUENEAU, Dominique (2004) Dicionário de análise do discurso. Coordenação da tradução Fabiana Komesu. São Paulo: Contexto. DIJK, Teun A. Van (2000) El discurso como interaccion social – estudos del discurso: introducción multidisciplinaria. Volumen 2. Gedisa Editorial (1997) Racism y análisis crítico de los medios. Paidós Comunicación: Barcelona, Espanha. (1980). La noticia como discurso – Comprensión, estructura y producción de la información. Trad. Española de Guillermo Gal, Paidós Comunicación:Barcelona – Espanha, 1990. MAINGUENEAU, Dominique (2002) Análise de textos de comunicação. 2º edição. Trad. Cecília P. de Souza-e-Silva, Décio Rocha. São Paulo: Cortez. SILVEIRA, Regina Célia Pagliuchi. (2000) “Opinião, marco de cognições sociais e a identidade cultural do brasileiro: as crônicas nacionais”. In: Português língua estrangeira: leitura, produção e avaliação de textos. (org.) Norimar Júdice. Niterói: Intertexto, (09-35).