A ofensiva político-ideológica mundial da burguesia, construída a

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A ofensiva político-ideológica mundial da burguesia, construída a partir da década
de 1980 sob a égide do neoliberalismo, engendrou em nosso continente significativas
alterações na estrutura da burguesia local dependente. Reforçou as frações ligadas ao
mercado internacional pelas finanças e exportação de commodities; abriu espaço para
frações que passam a explorar atividades dantes estatais (educação, saúde, previdência,
segurança, etc.); ampliou a presença setorial do capital internacional, principalmente por
meio de fusões e aquisições; questionou-se algumas frações industriais e comerciais pela
abertura comercial e consequente concorrência internacional.
No plano teórico, este mesmo período trouxe a ascensão de uma série ampla de
novas questões nas Ciências Sociais que abandonavam a discussão das classes sociais. Na
América Latina, as últimas tentativas de interpretação classista datam do terceiro quarto do
século XX, com destaque para a Teoria Marxista da Dependência e em especial a obra de
Ruy Mauro Marini. Esta ultima proporcionava uma acurada leitura, sob a ótica marxista, da
configuração da burguesia e do proletariado no capitalismo dependente latino-americano.
Os processos perpetrados pelo neoliberalismo guardam semelhanças importantes
com aqueles analisados por Marini em sua época, trazendo a questão do potencial
explicativo da obra de Marini para a atual dinâmica social de nosso capitalismo dependente,
principalmente quando resgatamos formulações como a incapacidade da burguesia
dependente de contrapor-se à transferência de valor no âmbito concorrencial, a
superexploração da força de trabalho e o subimperialismo.
Para Marini, o papel das economias dependentes de viabilizar uma rápida
acumulação no capitalismo central, ofertando matérias-primas que diminuem o valor do
capital constante e bens de consumo que possibilitam a desvalorização do capital variável,
coloca as burguesias centrais e dependentes em relações concorrenciais. A burguesia
dependente adentra esta concorrência com uma composição orgânica inferior à média
vigente nos países centrais, fazendo com que, através da lei de equalização da taxa de lucro,
parte da mais-valia produzida nas economias dependentes seja transferida para o centro,
processo sintetizado no conceito de troca desigual.
Com isso, a burguesia dependente tem a característica crucial de não ser capaz de
contrabalançar economicamente, recorrendo ao progresso técnico, a extorsão de parte da
sua mais-valia no âmbito da competição intercapitalista, o que acaba marcando o
capitalismo dependente em três dimensões.
Primeiro, as economias dependentes não conseguem disseminar a modalidade de
mais-valia relativa como relação de exploração padrão da força de trabalho. Segundo, a
desvantagem concorrencial ligada ao progresso técnico impede a burguesia dependente de
controlar plenamente a massa de mais-valia extraída dos trabalhadores. Terceiro, a
burguesia dependente adota uma estratégia sui generis de compensação da transferência de
parte da mais-valia: busca o aumento da massa de mais-valia apropriada, mesmo que a taxa
de mais-valia não se eleve. A lógica desta estratégia é a de se conseguir um montante tal de
mais-valia que minimize o impacto da quota transferida para o centro capitalista.
Tal referencial permite inferirmos alguns posicionamentos políticos da burguesia
dependente no Brasil, extensíveis ao conjunto da latino-americana: i) o foco no aumento da
massa de mais-valia implica uma posição contrária a quaisquer reformas progressistas no
mercado de trabalho; ii) o aprofundamento da integração ao mercado internacional
pressupõe necessariamente a formação e consolidação de frações locais interessadas
economicamente nesta integração, as quais tendem a assumir a hegemonia política perante
as demais; iii) esta hegemonia implica na pressão por políticas públicas que intensifiquem a
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integração ao mercado externo; e iv) os conflitos intraburgueses entre o imperialismo e as
frações locais não diretamente ligadas ao mercado externo tendem a não galgar o patamar
de contradição principal na luta de classes das sociedades dependentes.
A busca de maiores massas de mais-valia pela burguesia dependente influencia
diretamente a constituição do proletariado, fato este captado pelo conceito de
superexploração do trabalho, cuja singularidade não reside na proporção dos tempos de
trabalho necessário e excedente, mas sim na extração de mais-valia privilegiando o
desgaste prematuro da força de trabalho, resultado da combinação de processos no âmbito
da produção (intensificação do processo de trabalho e aumento da jornada de trabalho) e da
circulação (remuneração abaixo do valor da força de trabalho).
O referencial teórico de Marini traz ainda uma importante contribuição para a
interpretação específica da burguesia brasileira: a ideia de subimperialismo. O capitalismo
brasileiro da década de 2000 presenciou processos como a exportação crescente de capitais
e a orientação da política externa de maior destaque regional e internacional que remetiam à
noção de subimperialismo, expressando a especificidade da dinâmica econômica e política
do capitalismo dependente alçado à condição de centro mediano de acumulação.
Teoricamente, três são as principais características do subimperialismo. A primeira
é uma política externa que não apenas busca novos mercados, mas também influência
política sobre outros países, caracterizando o que Marini chama de cooperação antagônica.
A segunda característica é o alcance de uma composição orgânica média em escala mundial
dos aparatos produtivos nacionais e uma organização monopolista dos principais ramos da
economia dependente. A terceira é a formação de um bloco burguês dominante em torno da
maior integração ao mercado internacional.
As três características parecem novamente se apresentar nos anos 2000. A política
externa na década engendrou elementos de antagonismo com os interesses estadunidenses,
como a priorização das políticas de parcerias Sul-Sul, ênfase no MERCOSUL,
protagonismo em fóruns multilaterais como o G-20, ao mesmo tempo em que ocorriam
elementos de cooperação brasileira com o projeto estadunidense, como a busca da
estabilização política da América do Sul, a exemplo do papel de mediador nas crises
internas do Paraguai Venezuela, Equador, Bolívia, comando das tropas da Missão das
Nações Unidas para a Estabilização no Haiti desde 2004 e na crise bilateral entre Equador e
Colômbia.
Tal postura da política externa coaduna-se com a consolidação de uma fração da
burguesia local exportadora de capital, principalmente na modalidade de investimentos
diretos e na forma da expansão de empresas multinacionais. O período de crescimento na
década de 2000 implicou no aumento da composição orgânica do capital na economia
brasileira, fazendo com que o grande capital brasileiro ganhasse condição de
internacionalizar a etapa produtiva, de modo a apresentar-se em outras economias com uma
composição orgânica acima (economias periféricas) ou pelo menos igual à média
(economias centrais) da vigente.
Na década de 2000, a consolidação da fração internacionalizada produtivamente
moldou um bloco no poder organizado em torno da maior integração ao mercado
internacional, contemplando as frações do agronegócio exportador de commodities e das
finanças defensora da livre mobilidade de capitais.
Uma burguesia internacionalizada pela exportação de capitais, organizada na forma
de mulitnacionais, negaria a condição de burguesia dependente? Estaria, portanto, superado
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o recurso da burguesia à superexploração do trabalho e a busca de maiores massas de maisvalia?
O referencial de Marini nos mostra que a dinâmica subimperialista apenas modifica
o papel da economia dependente na Divisão Internacional do Trabalho, agora com espaço
para multinacionais locais e exportação de capital, mas não supera a condição de
dependência, pois reforça a determinação das relações de produção a partir da vinculação
com o mercado mundial e a partilha da mais-valia produzida nestas sociedades.
Vigente a condição de dependência, a superexploração mantêm-se, mesmo que
articulada com outras formas absolutas e relativas de extração de mais-valia decorrentes
dos processos de reestruturação produtiva expraiados no âmbito internacional.
Este quadro conceitual fornece elementos para o entendimento da atual estrutura de
classe latino-americana. O papel desempenhado pelas economias dependentes a partir do
século XIX, qual seja, a de viabilizar a expansão capitalista internacional pelo barateamento
do capital constante e variável, foi mantido e reforçado na década de 2000, como nos
mostra o grande aumento das exportações de commodities. Da mesma forma se mantêm o
não controle do progresso tecnico, a não generalização da modalidade de mais-valia
relativa, alem do fato das frações burguesas locais diretamente associadas ao imperialismo
continuam desempenhando papel hegemônico por toda o continente latino-americano.
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