O POSITIVISMO JURÍDICO – NORBERTO BOBBIO – Lições de Filosofia do Direito CAPÍTULO III – A TEORIA DAS FONTES DE DIREITO – A LEI COMO ÚNICA FONTE DE APLICAÇÃO p.161 – 180 40. O significado técnico da expressão "fonte do direito". São fontes do direito aqueles atos ou aqueles fatos aos quais um determinado ordenamento jurídico atribui a competência ou a capacidade de produzir normas jurídicas. Fatos = competência. Atos = capacidade. Uma norma jurídica só é valida (só pode existir juridicamente, § 33 cf) se foi produzida por uma autoridade autorizada, isto é, precisa remontar a um dos fatos ou dos atos competentes e capazes. A preocupação com as fontes do direito transcende a questão do direito em si que seria a regulamentação jurídica sobre certo assunto (do mérito), para se preocupar, com a validade das normas jurídicas (da forma), regulando a sua produção e edição: é a regulamentação da regulamentação. A doutrina jurídica distingue essas duas categorias de norma, classificando como Regras de comportamento e como regras de estrutura ou de organização. 41. Condições necessárias para que num ordenamento jurídico exista uma fonte predominante. A doutrina juspositivista das fontes é baseada no princípio da prevalência de uma determinada fontedo direito (lei) sobre todas as outras. Duas são as condições básicas para que isso ocorra: ordenamento júridico com mais de uma fonte e que estas estejam num plano diferenciado de importância. Ordenamento jurídico com mais de uma fonte: ordenamento complexo (ordenamento familiar é um sistema complexo = pai e mãe emanam normas) Ordenamento jurídico com um única fonte: ordenamento simples. Chamamos de paritário o ordenamento onde existem várias fontes colocadas no mesmo plano. Chamamos de ordenamento hierarquizado onde as fontes são colocadas em planos diferentes, estando umas subordinadas a outras. Um ordenamento integral paritário (com várias fontes) também é considerado simples, pela razão de todas estarem num só plano. Geralmente os ordenamentos são hierarquizados, com as fontes se subordinando umas às outras. a 42. Fontes qualificação jurídica; fontes de conhecimentojurídico (fontes reconhecidas e fontes delegadas) A doutrina juspositivista reconhece a existência de sistemas hierarquizados nos quais a lei é fonte predominante, por que emanada diretamente do Soberano, do Estado, sendo as demais fontes subordinadas. Essa relação de subordinação se explica num processo de reconhecimento ou de recepção ou com base num processo de delegação, de onde surgem as expressões fontes reconhecidas e fontes delegadas. Reconhecimento: quando existe um fato social precedente ao Estado que produz regras de conduta que são reconhecidas/aceitas posteriori o caráter de juridicidade. Delegação: quando delega a órgão diverso daquele portador da soberania, o poder de estabelecer normas jurídicas sobre determinadas matérias (o costume é um exemplo clássico de delegação). Normas negociais, que regulam a relação entre as partes também são um exemplo, havendo porém controvérsias a respeito. Os regulamentos são também normas delegadas por que estabelecidos pelo Executivo, com autorização do Legislativo, Fontes subordinadas: produzem fonte de conhecimento jurídico Fontes superiores: produzem fontes de qualificação jurídica Estado moderno: a lei como única fonte superior e única fonte de qualificação jurídica. 43. O costume como fonte do direito na história do pensamento jurídico e na história das instituições positivas As doutrinas de costume como fontes do direito. São três: doutrina romano-canônica; doutrina moderna e doutrina da escola histórica Doutrina romano-canônica: posiciona o fundamento da juridicidade do costume no próprio fato que funda a juridicidade da lei, que é a vontade do povo. A diferença entre a lei e o costume diz respeito somente ao modo, expresso ou tácito, com o qual o povo expressa a sua vontade. Doutrina moderna: fundamenta a validade das normas consuetudinárias ao poder do juiz que acolhe tais normas para resolver uma controvérsias. As normas consuetudinárias, visto que criadas pela sociedade, não são normas jurídicas, tornam-se jurídicas somente quando se valem valer pelo poder judiciário, mas aí então não são mais populares. Na origem, o costume é uma norma de conduta aceita espontâneamente e não em execução a lei imposta por uma político superior. Doutrina da escola histórica: o costume tem caráter jurídico independe do legislador, do poder judiciário e do cientista do direito, por que sua validade se funda na convicção jurídica popular, no sentimento inato de justiça do pobo, sentimento que permite distinguir os costumes jurídicos de simples hábitos. As relações históricas entre a lei e o costume o costume é superior a lei (não há exemplos fidedignos, concretamente satisfatórios) o costume e a lei estão no mesmo plano (exemplo no direito canônico e na Constituição de Constantino. o costume é inferior a lei (realizada com a formação do Estado moderno e teorizado pelo positivismo jurídico. França – código civil de 1805 Obs: "Do século X ao XII o nosso direito foi puramente consuetudinário, em seguida apareciam as primeiras ordenações [regie]. O período monárquico havia representado uma fase transitória durante a qual o costume não havai cessado de decair. Enfim chega a codificação e, no dia seguinteà promulgação dos códigos, o nosso direito se tornou exclusivamente legislativo. A rivalidade entre lei e costume terminava com a derrota deste último. A codificação consagrava sua ruína e o triunfo da lei." (Lebrun) 44. A decisão do Juiz com fonte de direito. A equidade A história do poder judiciário como fonte do direito é totalmente análoga à do costume. No processo de formação do Estado moderno, o juiz perde a posição que anteriormente detinha de fonte principal do direito, para se transformar num órgão estatal, subordinado ao poder legislativo e encarregado de aplicar fielmente (mecanicamente) as normas estabelecidas por este último (doutrina da separação dos poderes de Montesquieu). O Juiz não pode mais com uma sentença própria ab rogar a lei, assim como não o pode o costume. O poder judiciário, portanto não é uma fonte principal (ou fonte de qualificação) do direito. O juiz passa a ser uma fonte subordinada, delegada. Isso não impede que o Juiz seja em qualquer caso um fonte subordinada, mais precisamente uma fonte delegada. Isso acontece quando ele se pronuncia um juizo de equidade, um juizo que não aplica normas jurídicas positivadas, decidindo "segundo consciência" ou "com base no sentimento próprio de justiça", ou ainda se inspirando no direito natural. Continua portanto sendo fonte, ainda que subordinada ou delegada, do direito. Cita-se diversos exemplos de diversos códigos que expressam essa prerrogativa aos juizes. A doutrina distingue três tipos de equidade: substitutiva (o juiz estabelece uma regra que supre a falta de uma norma legislativa): integrativida: (norma muito genérica não define com precisão todos os elementos: pela equidade se completa as partes faltantes) interpretativa: ( o juiz interpreta o conteúdo de uma norma completa. Situação polêmica: doutrina juspositivista não admite. Disposições sobre a lei em geral ao CC, artigos 12-14, contem normas precisas sobre a interpretação e não prevêem entre os vários critérios interpretativos, o recurso a equidade. Uma última questão: Juizo de equidade: é fonte de direito, o Juizo ou a equidade. 45. A chamada "natureza das coisas" como fonte do direito Deriva do juízo de equidade, sem solução de continuidade: juizo baseado na própria natureza do caso em controvérsia. Segundo o autor, se no juízo de equidade sobravam dúvidas, em relação a natureza elas só fizeram aumentar – resulta no clássico "punhado de quase nada". Ocorre que o conceito de "natureza das coisas" nunca foi examinado muito a fundo pelos juristas e nunca foi dada a ele uma definição que o subtraia das críticas que se possa fazer à definição de jusnaturalismo. Tentativa de diferenciar "natureza das coisas" das concepções jusnaturalistas"( por Dernburg) em dois pontos: limitar esse recurso a este conceito unicamente pela integração do direito pelo juiz ou intérprete, sem pretender que a natureza das coisas seja imposta ao legislador. Contrapor à consideração do homem abstrato, própria do jusnaturalismo, a consideração empírica do homem nas suas várias manifestações históricos-sociais. A escola juspositivista trata do problema da natureza das coisas no capítulo dedicado às fontes "aparentes" ou "presumidas" ou "pseudo-fontes", atribuindo um mesmo entendimento a: equidade, necessidade, natureza das coisa, etc) A essência do jusnaturalismo consiste na convicção de se poder extrair da regras fundamentais da conduta humana da própria natureza do homem. É evidente o estreito parentesco entre o conceito de "natureza humana"e o de "natureza das coisas". Aquele é abrangido por este. Finaliza o autor: À natureza das coisas importa/ interessa somente o conteúdo das normas e não o modo de sua produção.