Confira entrevista completa com o controlador geral do município de

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Entrevista com o controlador geral do município de São Paulo, Mário Vinícius
Claussen Spinelli
Por Bruno de Vizia
Quais mecanismos são aplicados à estrutura de aprovação de projetos para
identificar irregularidades e casos de corrupção?
Há mecanismos de natureza preventiva e outros de natureza repressiva.
Especificamente na área de aprovação de projetos, uma coisa importante para prevenir
atos de corrupção é a adoção de políticas de transparência, que permitam à empresa ou
ao cidadão saber como está o andamento do requerimento dele sobre, por exemplo, a
aprovação de uma obra. Em muitos casos a pessoa não sabe como é o rito normal do
procedimento e, como esse procedimento parece nebuloso, isso pode favorecer a
corrupção. Um agente público pode cobrar indevidamente para agilizar a aprovação de
algum projeto em relação aos demais, por exemplo.
O primeiro procedimento, extremamente necessário, é tornar o processo mais
transparente. Também é importante informatizar o procedimento. Se o processo é muito
manual, com muita intervenção do servidor público, pode permitir a esse servidor atuar
de forma indevida.
Na repressão há uma série de medidas. Uma delas, adotada na Prefeitura com
muito sucesso, é a verificação de compatibilidade entre o patrimônio do servidor e sua
remuneração e a verificação da evolução patrimonial do servidor. Ou seja, se ele possui
um patrimônio que guarda correspondência com o que ele ganha. Isso já nos permitiu
identificar alguns casos.
Também há medidas importantes de responsabilização. Entrou em vigor a Lei de
Responsabilização [Lei 12.846/2013 – também chamada de Lei Anticorrupção], no dia
29 de janeiro. Há uma série de políticas de engajamento do setor privado também. No
Brasil, fala-se muito do corrupto, mas se esquece do corruptor, então é importante
engajar o setor privado para que ele não aceite pedidos de propina. E há políticas mais
gerais, de reformulação de procedimentos e redução de burocracia, o que diminui
também a corrupção.
O modelo da Controladoria Geral do Município de São Paulo é o ideal? Existem
outros modelos adotados com igual eficiência?
Não sei se é o ideal. Temos um cenário político complexo, um problema sério
com a impunidade no Brasil. Esse é um modelo que tem sido testado e tem funcionado
muito bem, considerando também o sucesso da Controladoria Geral da União (CGU) no
Governo Federal, que é uma unidade criada há pouco mais de dez anos, com enorme
sucesso. Buscamos trazer esse modelo para o município.
A Controladoria não atua só de forma reativa, respondendo a denúncias, mas
também proativa, desenvolvendo meios, utilizando a inteligência, a tecnologia da
informação e o cruzamento de dados para detectar casos de corrupção. E há uma série
de atividades desenvolvidas pela Controladoria na questão da transparência, de
estimular a participação da sociedade no controle dos gastos públicos. Também há
atividades de ordem mais repressiva, como são as ações correcionais, as auditorias e as
penalidades aplicadas aos servidores.
Considerando o modelo já testado com muito sucesso no Governo Federal, a
Controladoria é um modelo que atende bem ao que a gente entende como razoável para
prevenir e combater a corrupção.
Esse modelo pode ser exportado para outros municípios?
Não só pode como deve. Uma controladoria é estruturada com relativa
facilidade, o custo de estruturação é baixo e ela se paga rapidamente. Em São Paulo, por
exemplo, o orçamento da Controladoria no ano passado foi de R$ 3 milhões. Só o
escândalo do ISS, que detectamos, foi estimado em R$ 500 milhões nos últimos oito
anos. A arrecadação de ISS no ano passado aumentou R$ 40 milhões. É uma unidade
que se paga.
Além disso, é uma obrigação do gestor público, está consignada na Constituição
a necessidade de o gestor público estruturar o controle interno.
O que temos visto – e aí temos que ser realistas – é que, em muitos casos, criamse sistemas de controle interno fictícios. Participei de uma pesquisa acadêmica que
apontou cerca de 35 municípios que instituíram controladoria no Brasil, sendo que
pouquíssimas delas funcionam razoavelmente bem. A maior parte tem uma
controladoria que não funciona. Então, é necessário ter o aspecto político. O que o
prefeito Fernando Haddad fez foi estruturar a Controladoria e dar autonomia para ela
trabalhar.
É um modelo que não só pode como deve ser usado em outros municípios. O
controle interno é a melhor forma de prevenir e combater a corrupção, porque está mais
próximo do gasto realizado. Principalmente prevenir, porque sabemos que depois que o
recurso foi desviado, há enorme dificuldade para recuperá-lo.
Quais são os procedimentos para empresas ou cidadãos denunciarem
irregularidades?
No site da Controladoria, há todo um sistema para o encaminhamento de
denúncias, inclusive com uma série de rotinas e dicas de como formalizá-las. A pessoa
faz da própria casa dela, pela Internet, por meio do site da Controladoria.
Como as empresas podem fazer para evitar desvios?
Primeiro elas têm que disseminar a cultura da integridade em seu próprio
ambiente de negócios. É importante que as empresas tenham a convicção de que
estamos diante de uma nova realidade com a aprovação da Lei 12.846/2013. O poder
público poderá aplicar sanções e multas pesadas em caso de corrupção. Aqui em São
Paulo, atuaremos de forma muito incisiva nesse sentido. Todos aqueles que estiverem
sendo achacados, que estiverem sendo vítimas dessas quadrilhas de desvios de recursos
públicos devem procurar os órgãos de controle e encaminhar suas denúncias.
Desde a criação da Controladoria, onze servidores já foram presos em flagrante,
boa parte deles recebendo dinheiro vivo. Essas denúncias, em muitos casos, foram
encaminhadas por pequenos empresários, cidadãos, então não há motivo para que a
pessoa não procure a Controladoria e faça sua denúncia. Apuramos com todo o cuidado,
preservando a pessoa que denunciou, se ela assim desejar. O que as pessoas não podem
é continuar sendo coniventes com esses atos porque, se assim for, podem ser
penalizadas muito severamente.
Muitos empresários alegam que todas as empresas cometem práticas ilícitas e
ficariam fora do mercado se não compactuassem com os desvios. Como proceder
nessa situação?
O mercado tem que se organizar para não aceitar mais esse tipo de prática, que é
extremamente danosa para o próprio negócio das empresas. Não tenho dúvidas de que,
se houvesse um mercado menos tolerante com esse tipo de prática, a coisa funcionaria
melhor. O que sugiro é que as associações das empresas e sindicatos mobilizem-se com
relação a isso. O setor da construção civil, que é muito forte e poderoso, não pode
conviver tão harmoniosamente em um ambiente de baixíssima integridade. Ou seja, as
empresas não podem ser tolerantes quanto a isso.
No caso do ISS, cheguei a dizer: as empresas dizem que são vítimas, mas que
vítimas são essas que não procuram os órgãos de controle após a deflagração da
operação que desvendou o esquema? Que vítimas são essas que, quando podem punir
seus algozes, não o fazem? Vítima se comporta como vítima, diz quando pagou, quanto
pagou, para quem etc.
Não dá para aceitar em um país que quer ser desenvolvido que um mercado tão
importante para a economia, como é a construção civil, funcione fechando os olhos para
esse problema enorme. Isso não podemos tolerar mais. O que eu sugiro é que as
associações de classe e sindicatos mobilizem-se, reúnam-se, divulguem a nova lei e
alertem seus associados com relação às penalidades. A lei prevê, em alguns casos, a
dissolução da empresa, na esfera judicial. Na esfera administrativa, as sanções são
pesadíssimas.
O que sugiro é que o mercado se organize. Tivemos casos na Controladoria de
pequenos empresários que nos procuraram porque não aceitaram pagar propina. Então
não podemos aceitar que empresas de um mercado tão importante quanto a construção
civil não se mobilizem para mudarmos essa situação, que é extremamente problemática
para o País.
Como você vê a participação de grandes empresas, durante anos, desses esquemas
de desvios?
Tenho convicção que as empresas tiveram vantagens financeiras. Com
raríssimas exceções elas de fato se comportaram como vítimas. De maneira geral, não
fizeram assim. Volto a dizer, vítima se comporta como vítima, quando tem
oportunidade de punir o seu algoz, o faz. O mercado está silente. As empresas estão
fingindo que nada aconteceu. E sabemos que elas obtiveram vantagens indevidas,
sabemos que recolheram menos impostos para a Prefeitura do que deveriam recolher.
Dizer que pagavam apenas para agilizar o processo não é verdade. Elas recolheram
menos tributos, no caso do ISS, do que deveriam recolher. E, nesse caso, foram
corruptoras, devendo ser penalizadas por isso. Que vítimas são essas que permanecem
escondidas? Cadê as empresas? Ainda estamos esperando elas aparecerem.
Qual o impacto da entrada em vigor da Lei Anticorrupção?
Ela veio para sanar uma dívida que o País tinha, inclusive com compromissos
internacionais firmados pelo Brasil. Vale lembrar que, dos países que ratificaram a
convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
contra o suborno transnacional, apenas três países não tinham leis de responsabilização
das empresas: Argentina, Brasil e Irlanda. Agora, o Brasil sai desse rol.
Essa medida vai ao encontro do compromisso internacional de promoção da
integridade nos negócios. É fundamental ter uma legislação como essa para criar um
ambiente de integridade nos negócios. As pessoas tendem a enxergar a corrupção como
um problema do governo. Corrupção é um problema enorme para o setor privado
também: causa concorrência desleal, reduz o nível de investimentos, reduz o nível de
confiança dos investidores. É um ambiente sujo que prejudica as empresas.
Esperamos que, a partir da lei, passemos para uma nova realidade. Em São
Paulo, vamos ser muito incisivos nisso: empresa que pagar propina aqui e for
descoberta receberá uma punição exemplar nos termos da Lei 12.846 – que prevê, por
exemplo, multas que podem chegar a 20% do faturamento bruto anual ou a R$ 60
milhões, no caso do não uso do faturamento bruto para o cálculo.
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