Leitura de fatos violentos publicados na mídia Ano 9, nº 10, 23/03/09 UM USO POSSÍVEL DA MÍDIA PELOS MOVIMENTOS SOCIAIS A mídia costuma pautar ou não assuntos a partir de critérios que correspondem ao hábito dos meios de comunicação de massa de classificar as ocorrências como noticiáveis ou desprovidas dessa qualidade. Tais critérios são amplos e não serão todos explorados aqui. Esta leitura toma da agenda atual um tipo específico de critério para abordar. Trata-se dos casos de estupro contra crianças ou adolescentes cometidos por pais ou padrastos. A partir do recente êxito midiático do caso de um padrasto que estuprou e engravidou uma criança de nove anos no estado de Pernambuco casos semelhantes assumiram posições mais destacadas nos meios de comunicação de massa em nosso País. Isso permite notar que a adesão da opinião pública em torno de determinados assuntos pautados pela mídia desencadeia um processo de inclusão de casos assemelhados, amparados por uma espécie de guarda-chuva detonador do tema no domínio da visibilidade pública. O ingresso dos casos que se seguem à ocorrência deflagradora da atenção pública permite que a questão passe a ser apreciada enquanto tema não isolado, podendo ser mais facilmente interpretado pelo seu caráter coletivo, social e cultural. Esse é um efeito que contribui para o fortalecimento das pressões da sociedade a propósito da temática em evidência e, conseqüentemente, colabora para o acionamento das instituições que devem se ocupar, de modo mais consistente, do problema pautado. Nesse caso, a ação midiática constrói algo como um cerco, alimentado pelos casos e pela adesão da opinião pública. O referido cerco, por sua vez, impõe aos poderes estabelecidos a necessidade de intervir publicamente, gerando-se, desse modo, o comprometimento manifesto diante da opinião pública. Esse tipo de produto midiático tem seus limites, obviamente. Um dos pontos destacáveis diz respeito à impossibilidade de se inserir todos os problemas coletivos nessa “estratégia de visibilidade”, decorrendo disso algo como uma distribuição não equânime das oportunidades de se dar sentido social aos casos trágicos vividos por inúmeros sujeitos. Um outro ponto de fraqueza está relacionado ao caráter passageiro da preocupação midiática. Esse aspecto pode ser representado como uma febre ou uma onda extremamente intensa que, com o tempo, se dissipa, assumindo a feição de coisa superada. Essa forma específica de tratamento lembra a estrutura da moda. Em determinado momento certos objetos adquirem o status de coisas mais belas do mundo para, em seguida, serem classificados como itens absolutamente inconvenientes e desclassificantes para seus portadores. Se os usuários aproveitam a Voltando ao exemplo dos últimos dias, oportunidade para o uso dos referidos objetos podemos verificar a divulgação de casos na quadra prescrita como legítima poderão ter relacionados com estupro envolvendo gratificações, entretanto, se perderem o tempo crianças e adolescentes. Isso não quer dizer justo sofrerão penalidades sociais. que o problema tenha se tornado agudo nessa A questão de tempo aqui indicada deve fase, como se fosse um surto. Em lugar ser objeto da atenção da sociedade, em disso, devemos pensar que houve um caso especial dos movimentos sociais, com o que adquiriu uma ampla adesão por parte da objetivo de potencializar as suas estratégias de população e, assim, a temática passou a ocupação do espaço midiático. Nesse sentido, figurar como problema prioritário do conhecer a agenda midiática deve momento. Tal consenso implica, corresponder a um esforço que não pode ser normalmente, no investimento da mídia no limitado às técnicas de clipagem. Além da sentido de corresponder ao desejo dos preocupação já habitual de colecionar os receptores de saber, de se emocionar, de se próprios registros no espelho midiático faz-se envolver com o assunto. É gerada, desse necessário acompanhar as aparições relativas à modo, a projeção de temas e de questões causa ou às causas típicas dos movimentos ou sociais que, com o passar dos dias vai se a eles relacionadas. Tal procedimento pode dissipando dando lugar a novos registros e contribuir para a utilização tempestiva da bandeiras. mídia a favor das bandeiras defendidas pelos movimentos. Todas essas “vantagens” devem ser sempre objeto de análises sensatas para não se tornarem justificativas ou pano de fundo para o narcisismo e a conseqüente fascinação midiática. Esse é um perigo que pode colocar as causas sociais a serviço das vaidades pessoais ou de grupo. É bom lembrar que quando a mídia é tratada como finalidade última a causa da luta perde o seu sentido que é substituído por sua imagem, por seu fantasma e, às vezes, por sua morte