2004.012843

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Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6, de Capinzal.
Relator: Desembargador Irineu João da Silva.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE –
LEI QUE INSTITUI A CONTRIBUIÇÃO PARA CUSTEIO
DE SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA NO
MUNICÍPIO DE CAPINZAL – NÃO CABIMENTO
PERANTE ESTA CORTE, POR SE TRATAR DE
CONTROLE CONCENTRADO DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL.
ALEGADA AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA
ISONOMIA E DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA PREVISTOS
NOS ARTS. 4º E 128, INC. II, DA CONSTITUIÇÃO
ESTADUAL – INOCORRÊNCIA – ART. 149-A DA CF
QUE MENCIONA SOMENTE A OBSERVÂNCIA AOS
INCISOS I E III DO ART. 150 DA CARTA MAGNA,
EXCLUINDO O INCISO II QUE PREVÊ O PRINCÍPIO DA
ISONOMIA – CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA
– IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta
de Inconstitucionalidade n. 04.012843-6, da Comarca de Capinzal, em que é
requerente o Ministério Público, e requerido o Município de Capinzal:
ACORDAM, em Tribunal Pleno, por maioria de votos, julgar
improcedente o pedido, atribuindo-se ao curador especial nomeado a verba
honorária de 76 URH’s. Vencido o Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto.
Custas na forma da lei.
O Coordenador Geral do Centro de Apoio Operacional do
Controle de Constitucionalidade da Procuradoria-Geral de Justiça e o Promotor
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
de
Justiça
da
Comarca
de
Capinzal
2
ajuizaram
ação
direta
de
inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, contra a Lei n. 068/02,
daquele município, a qual instituiu a cobrança da Contribuição para o Custeio
do Serviço de Iluminação Pública – COSIP.
Afirmaram os autores da actio que a norma impugnada é
inconstitucional, por ferir os princípios da isonomia e da isonomia tributária,
estabelecidos nos arts. 4º e 128, da Constituição Estadual. Além disso, tem
natureza jurídica de taxa, vinculada à remuneração de um serviço público
prestado pelo Município de Capinzal, à coletividade, como um todo, sem
beneficiar diretamente determinado imóvel ou contribuinte certo, violando,
dessa forma, o art. 145, inc. II, da CF, segundo o qual, o legislador ordinário
está proibido de instituir uma taxa para remunerar serviço público que não seja
específico e divisível.
Salientaram, também, a impossibilidade de se ampliar o rol
de tributos previstos pelo poder constituinte originário, que assegurou aos
legislados o direito de se oporem à violação de propriedade, considerado
cláusula constitucional pétrea, nos termos do art. 60, § 4º, da CF.
Ao final, postularam a concessão da medida cautelar,
determinando a suspensão da aplicação da Lei Municipal 068/02 até decisão
definitiva deste Tribunal Pleno e, por derradeiro, a procedência da ação, com a
declaração de incompatibilidade vertical da citada Lei Municipal em face dos
arts. 4º e 128, inc. II, da CE.
Instado a se manifestar, o Presidente da Câmara de
Vereadores do Município de Capinzal prestou informações, no sentido de que,
efetivamente, a Lei n. 068/02 trazia diversas irregularidades, mostrando-se
inconstitucional em vários pontos, razão pela qual, entende que a preocupação
da Promotoria de Justiça apresenta-se correta, pertinente e justa, devendo
prosperar em relação ao tributo cerceado” (fls. 46/48).
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
3
Por sua vez, o Prefeito Municipal requereu, em síntese, o
indeferimento do pedido de concessão de medida cautelar, ante a ausência
dos pressupostos legais à sua admissão, bem como,
seja julgada
improcedente a ação direta de inconstitucionalidade, reconhecendo-se, por
conseqüência, a constitucionalidade dos dispositivos impugnados.
Após, a douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela
concessão da liminar requerida, sendo suspensos os efeitos da Lei n. 068/02,
até o julgamento do mérito.
Nos termos do art. 85, § 4º, da Constituição Estadual e art.
8º da Lei n. 12.069/01, foi nomeado curador especial para defender a norma
impugnada (fls. 121), o qual requereu, em síntese: a) o indeferimento da
medida cautelar, pela ausência do fumus boni juris e risco de periculum in mora
inverso; b) o reconhecimento da carência de ação no que concerne à alegada
afronta ao art. 145, inc. II, da CF, por manifesta impossibilidade jurídica do
pedido; c) a improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade
da Lei n. 068, de 30.12.2002, por suposta violação aos arts. 4º e 1280, inc. II,
ambos da CE, porque indemonstrada a alegada violação dos referidos
dispositivos constitucionais invocados; e d) a fixação da remuneração do
curador especial.
É o relatório.
1.Trata-se
de
Ação
Direta
de
Inconstitucionalidade
proposta pelo Coordenador Geral do Centro de Apoio Operacional do Controle
de Constitucionalidade da Procuradoria-Geral de Justiça e pelo Promotor de
Justiça da Comarca de Capinzal, por meio da qual se busca excluir do
ordenamento jurídico daquele município a norma que estabeleceu a
Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (COSIP), Lei
Complementar n. 068/02.
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
4
A COSIP, prevista pelo art. 149-A da Constituição Federal
(EC n. 39/2002), tem por fim o custeio do serviço de iluminação pública,
observado o disposto no art. 150, incisos I e III, da CF (princípios da legalidade,
da irretroatividade tributária, da anterioridade e da noventena). Portanto, por
expressa disposição constitucional, tal contribuição não se submete ao
princípio da isonomia tributária.
Conforme precedentes da Superior Instância desta Corte, a
análise da constitucionalidade – ou não – de lei ou ato normativo em face de
emenda à Constituição Federal não é da competência deste Tribunal, motivo
pelo qual o pedido inicial não merece ser acolhido.
Baseiam-se tais decisões, fundamentalmente, no fato de
que a COSIP não está regulamentada na Constituição do Estado de Santa
Catarina, mas prevista apenas no supracitado art. 149-A, da CF.
O art. 102, inc. I, ‘a’, da Constituição de 1988, é claro ao
dispor que, “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente, a ação direta
de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual”.
Em tese, o controle concentrado de constitucionalidade de
ato normativo em face da Constituição Federal é da titularidade exclusiva do
Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro e
guardião da Constituição. Logo, havendo violação da Constituição Federal,
compete ao STF apreciá-la, possuindo ampla cognição para tanto, não se
limitando ao fundamento do pedido da ADI.
Destaca-se que a norma municipal que contraria a
Constituição
Federal
não
pode
ser
objeto
de
ação
direta
de
inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, nem junto aos
Tribunais de Justiça dos Estados, mas apenas argüida por meio de exceção
(controle difuso de constitucionalidade), ou nas hipóteses do art. 102, § 1 o, da
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
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CF e da Lei n. 9.882/99 (argüição de descumprimento de preceito
fundamental).
Na lição doutrinária de ALEXANDRE DE MORAES:
“(..) será inadmissível ação direta de inconstitucionalidade
perante o Supremo Tribunal Federal ou perante o Tribunal de Justiça local,
inexistindo, portanto, controle concentrado de constitucionalidade, pois o único
controle de constitucionalidade de lei e de ato normativo municipal em face da
Constituição Federal que se admite é o difuso, exercido incidenter tantum, por
todos os órgãos do Poder Judiciário, quando do julgamento de cada caso
concreto” (Direito Constitucional, 9. ed., São Paulo: Atlas, 2001, p. 586).
Com efeito, não compete ao Tribunal de Justiça declarar a
inconstitucionalidade de lei municipal em tese, frente à Constituição Federal.
Compete a este Tribunal analisar, tão somente, a inconstitucionalidade da lei
municipal frente à Constituição do Estado, pois se a lei for levada ao Supremo
Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário, este é que lhe apreciará a
inconstitucionalidade em face da Constituição Federal, por meio do controle
difuso.
Sobre o tema em análise, já decidiu este Tribunal Pleno:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI
QUE INSTITUI A CONTRIBUIÇÃO PARA CUSTEIO DE SERVIÇO DE
ILUMINAÇÃO
PÚBLICA
NO
MUNICÍPIO
DE
RIO
NEGRINHO
–
AFASTAMENTO DAS DISCUSSÕES ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA DA
COSIP, DA POSSIBILIDADE OU NÃO DE SE AUMENTAR POR EMENDA O
ROL DE TRIBUTOS ELENCADOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, BEM
COMO SOBRE VIOLAÇÃO AO ART. 149-A DA CF/88 – NÃO CABIMENTO
PERANTE
ESTA
CORTE,
POR
SE
TRATAR
DE
CONTROLE
CONCENTRADO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
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“ALEGADA AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E
DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA INSCULPIDOS NOS ARTS. 4º E 128, II, DA
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL – NÃO OCORRÊNCIA – ART. 149-A DA CF/88
MENCIONA TÃO-SOMENTE OBSERVÂNCIA AOS INCISOS I E III DO ART.
150 DA CF/88, EXCLUINDO O INCISO II QUE PREVÊ O PRINCÍPIO DA
ISONOMIA – CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA – IMPROCEDÊNCIA
DO PEDIDO” (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 03.017950-0, da
Comarca de Rio Negrinho, rel. Des. Torres Marques, j. 03.11.2004).
Ainda:
“CONSTITUCIONAL – LEI MUNICIPAL – CONTRIBUIÇÃO
PARA CUSTEIO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA – CONSTITUCIONALIDADE –
OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, ANTERIORIDADE,
IRRETROATIVIDADE – IMPROCEDÊNCIA.
“1. A contribuição para custeio de iluminação pública não
tem previsão na Carta Estadual, justamente por configurar uma nova
modalidade de contribuição especial, conforme previsão do art. 149-A da
Constituição Federal, introduzida pela Emenda Constitucional n. 39/2002.
“2. Conforme se depreende do texto constitucional, a
autorização para que os municípios e o Distrito Federal instituam a contribuição
para
o custeio do serviço
de
iluminação
pública
está subordinada
exclusivamente à observância dos mandamentos inscritos no art. 150, incs. I e
III da Lei Maior.
“Logo, não procede a assertiva de afronta ao art. 128, inc.
II, da Constituição Estadual, que corresponde exatamente ao art. 150, inc. II, da
Constituição Federal. Se este Diploma não determina que seja observado o
princípio da igualdade, a Carta Estadual não poderia fazê-lo, como na verdade
não o fez, até porque sequer regula a nova modalidade de contribuição.
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
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“3. Desse modo, não padece de inconstitucionalidade lei
municipal que se ajusta aos termos do art. 149-A da Constituição Federal e
respeita os princípios da legalidade, irretroatividade e anterioridade” (Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 03.027716-1, de Araranguá, rel. Des. Luiz
Cézar Medeiros, j. 07.04.2004).
E:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS
COMPLEMENTARES NºS 15/02 E 19/03, DO MUNICÍPIO DE TANGARÁ, QUE
INSTITUÍRAM A CONTRIBUIÇÃO PARA CUSTEIO DO SERVIÇO DE
ILUMINAÇÃO PÚBLICA (CIP). ALEGADA AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA
ISONOMIA
E
DA
ISONOMIA
TRIBUTÁRIA,
INSCULPIDOS,
RESPECTIVAMENTE, NOS ARTS. 4º E 128, II, DA CONSTITUIÇÃO
ESTADUAL.
RECONHECIDA.
NÃO
OCORRÊNCIA.
IMPROCEDÊNCIA
DO
CONSTITUCIONALIDADE
PEDIDO”
(Ação
Direta
de
Inconstitucionalidade n. 03.024978-8, de Tangará, rel. Des. Maurílio Moreira
Leite, 18.02.2004).
Assim, no presente caso, não compete a este Tribunal, em
sede de controle concentrado de constitucionalidade, manifestar-se sobre
alegada violação de norma da Constituição Federal.
2. Por fim, arbitram-se em 76 (setenta e seis) URH’s a
verba advocatícia a ser paga ao curador especial nomeado para exercer o
munus publico consistente na defesa do texto legal impugnado, por analogia
aos itens 20.4 e 20.5 e sugestão do item n. 21 da tabela da Ordem dos
Advogados do Brasil, Seccional de Santa Catarina.
Esta Corte de Justiça já decidiu:
“Ao curador nomeado para defender texto legal impugnado,
arbitram-se honorários de advogado com base na tabela de honorários da
Seccional da Ordem dos Advogados, conforme determina expressamente o art.
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
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22, § 2o, da Lei n. 8.906/94.” (ADI n. 1998.010045-3, de Tijucas, Rel. Des.
Monteiro Rocha, DJ de 15.01.04).
DECISÃO:
3.
Pelo
exposto,
por
maioria
de
votos,
julga-se
improcedente o pedido, atribuindo-se ao curador especial nomeado a verba
honorária de 76 URH’s.
Após a publicação da presente decisão, a Diretoria
Judiciária deverá expedir a competente certidão de URH’s.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os
Exmos. Des. Luiz Carlos Freyesleben, Rui Fortes, Gastaldi Buzzi, Marcus Tulio
Sartorato, César Abreu, Salete Silva Sommariva, Ricardo Fontes, Nicanor da
Silveira, Salim Schead dos Santos, Alcides Aguiar, Amaral e Silva, Jorge
Mussi, Pedro Manoel Abreu, Orli Rodrigues, Silveira Lenzi, Cláudio Barreto
Dutra, Sérgio Paladino, Maurílio Moreira Leite, Mazoni Fereira, Volnei Carlin,
Irineu João da Silva, Luiz Cézar Medeiros, Vanderlei Romer, Eládio Torret
Rocha, Nelson Schaefer Martins, José Volpato, Sérgio Roberto Baasch Luz,
Monteiro Rocha e Fernando Carioni. E, com voto vencido, o Exmo. Sr. Des.
Newton Trisotto.
Florianópolis, 15 de junho de 2005.
JORGE MUSSI
Presidente
IRINEU JOÃO DA SILVA
Relator
Declaração de voto vencido do Exmo. Sr. Des. Newton
Trisotto:
EMENTA ADITIVA:.
Por violação aos princípios da igualdade (CF, art. 5º,
caput), da igualdade tributária (CF, art. 150, II; CESC, art.
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
9
128, II) e da razoabilidade (CF, art. 5º, LIV; CESC, art. 4º), é
inconstitucional lei que estabelece como base de cálculo da
contribuição para o custeio de iluminação pública (COSIP) a
energia elétrica adquirida, na proporção do consumo, por
alíquotas progressivas.
1. Pretensão semelhante foi deduzida pelo Ministério
Público em relação á Lei 2.049, de 2002, do Município de Itapema (ADI n.º
2003.007030-3). Decidiu a douta maioria pela sua constitucionalidade. Divergi
pelas razões que seguem:
“1. Todo ordenamento jurídico contém princípios. Para Nelson Nery
Júnior, ‘os princípios são, normalmente, regras de ordem geral, que muitas vezes
decorrem do próprio sistema jurídico e não necessitam estar previstos
expressamente em normas legais, para que se lhes empreste validade e eficácia’
(Princípios fundamentais – teoria geral dos recursos, RT, 1997, p. 109).
Com ele consoam Luiz Guilherme Marinoni e José Carlos Barbosa
Moreira, respectivamente:
‘Os princípios beneficiam-se de uma objetividade e presencialidade
normativa que os dispensam estarem consagrados expressamente em
qualquer preceito’ (A antecipação da tutela, Malheiros, 1998, 4ª ed., p.
171).
‘O ordenamento jurídico, evidentemente, não se exaure naquilo
que a letra da lei revela à primeira vista. Nem é menos grave o erro do
julgador na solução da quaestio juris quando afronte norma que integre o
ordenamento sem constar literalmente de texto algum' (Comentários ao
código de processo civil, 7ª ed., v. 5, p. 129).
A Constituição é igualmente formada por princípios, alguns
expressos (positivados) e outros implícitos.
Sobre o tema, leciona Raquel Fernandes Perrini:
‘Os princípios expressos são aqueles apontados explicitamente
pelo constituinte, podendo facilmente ser detectados quando da leitura do
Texto Maior.
Como exemplo, podemos citar o princípio da legalidade (arts. 5º,
inc. II, 37, caput e inc. XXXIX, e art. 84, inc. IV), princípio da igualdade
(arts. 3º, inc. III, 5º, caput e inc. I), princípio do contraditório (art. 5º, inc.
LV), princípio do Juiz Natural (art. 5º, inc. LIII), princípio do devido
processo legal (art. 5º, inc. LIV), princípio da presunção de inocência (art.
5º, inc. LVII), princípio da inafastabilidade do controle judicial (art. 5º,
XXXV), princípio da impessoalidade (art. 37, caput), princípio da
publicidade (arts. 5º, XXXIII, e 37, caput), princípio da moralidade
administrativa (art. 37, caput), princípio da responsabilidade do Estado
por atos administrativos (art. 37, § 6º), princípio da anterioridade tributária
(art. 150, inc. III, b), princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º),
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
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princípio da livre concorrência (art. 170, inc. IV), entre tantos outros
encontrados no seio constitucional.
Todavia, nem sempre a tarefa de desvendar os princípios
constitucionais se apresenta com tal singeleza.
Não raras vezes, o legislador ordinário não disse, expressamente,
quais os valores de que se utilizou para entrelaçar o ordenamento
jurídico-constitucional.
[...]
Nessa medida, podem ser considerados como parte integrante do
Texto Constitucional aqueles vetores que, embora não elencados
expressamente pelo legislador, foram por ele adotados implicitamente, e
que podem ser deduzidos através de uma interpretação sistêmica.
Os princípios implícitos se revestem da mesma importância
atribuída àqueles explicitados pelo legislador, posto que também são
tomados como alicerce do ordenamento jurídico, impondo-se,
igualmente, obediência aos comandos por eles emitidos’ (Os princípios
constitucionais implícitos, em Cadernos de Direito Constitucional e
Ciência Política 17/131-2).
A inconstitucionalidade da lei pode derivar da ofensa a princípio
constitucional, seja expresso ou simplesmente implícito.
Recorro, mais uma vez, à doutrina para reforçar a assertiva:
‘Em resumo, diz-se que a inconstitucionalidade (situação ou estado
decorrente de um ou de vários vícios) pode ser conceituada como a
desconformidade do ato normativo (inconstitucionalidade material) ou do
seu processo de elaboração (inconstitucionalidade formal) com algum
preceito ou princípio constitucional.
[...]
Os princípios, mesmo os implícitos, e inclusive aqueles enunciados
no Preâmbulo, dispõem de funcionalidade. Prestam-se para alguma
coisa. São, pois, funcionais. Eles cimentam a unidade da Constituição,
indicam o conteúdo do direito de dado tempo e lugar e, por essa razão,
fixam standards de justiça, prestando-se como mecanismos auxiliares no
processo de interpretação e integração da Constituição e do direito
infraconstitucional. Mais do que isso, experimentam uma eficácia mínima,
ou seja, se são, em muitas situações, insuscetíveis de aplicação direta e
imediata, exigindo no mais das vezes (não é o caso dos princípiosgarantia) integração normativa decorrente da atuação do Legislador, pelo
menos cumprem eficácia derrogatória da legislação anterior e impeditiva
da legislação posterior, desde que incompatíveis com seus postulados’
(Clèmerson Merlin Clève, A fiscalização abstrata da constitucionalidade
no direito brasileiro, RT, 2ª ed., 2000, p. 36 e 44).
‘Diz-se que a inconstitucionalidade reside no antagonismo e
contrariedade do ato normativo inferior (legislativo ou administrativo) com
os vetores da Constituição, estabelecidos em suas regras e princípios’
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
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(Oswaldo Luiz Palu, Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas
e efeitos, RT, 2ª ed., 2001, p. 69).
Em face do disposto no art. 111 da Constituição do Estado de
Santa Catarina, os princípios nela insculpidos e na Constituição da República são
de observância obrigatória pelos municípios:
‘O Município rege-se por lei orgânica, votada em dois turnos, com o
interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros
da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição, e os
seguintes preceitos.’
Com o caso sub judice têm pertinência os princípios da igualdade
(CF, art. 5º, caput), da igualdade tributária (CF, art. 150, II; CESC, art. 128, II) e da
razoabilidade, este compreendido no inc. LIV do art. 5º da Constituição da
República: ‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal’.
A respeito deles, anoto:
1.1. No dizer de Alexandre de Moraes ‘o princípio do devido
processo legal possui, em seu aspecto material, estreita ligação com a
noção de razoabilidade [o destaque não consta do original], pois tem por
finalidade a proteção dos direitos fundamentais contra condutas
administrativas e legislativas do Poder Público pautadas pelo conteúdo
arbitrário, irrazoável, desproporcional’ (Constituição do Brasil interpretada
e legislação constitucional, Atlas, 3ª ed., 2004, p. 368).
Há precedentes do Supremo Tribunal Federal que acolhem a tese:
‘Todos sabemos que a cláusula do devido processo legal – objeto
de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV, da Constituição – deve ser
entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o
aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à
atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material,
que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de
conteúdo arbitrário irrazoável’ (ADI n.º 1.158, voto do Min. Celso de
Mello).
‘Transgride o princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV) –
analisado na perspectiva de sua projeção material (material due process
of law) – a regra estatal que veicula, em seu conteúdo, prescrição
normativa qualificada pela nota da irrazoabilidade” (Suspensão de
Segurança n.º 1.320, Min. Celso de Mello).
O princípio do devido processo legal também se encontra na
Constituição catarinense:
‘Art. 4º. O Estado, por suas leis e pelos atos de seus agentes,
assegurará, em seu território e nos limites de sua competência, os
direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos previstos na
Constituição Federal e nesta Constituição, ou decorrentes dos princípios
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
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e do regime por elas adotados, bem como os constantes de tratados
internacionais em que o Brasil seja parte.’
Discorrendo especificamente sobre o princípio da razoabilidade –
que tem origem no direito norte-americano, segundo Paulo Armínio Tavares
Buechele (O princípio da proporcionalidade e a interpretação da Constituição,
Renovar, 1999, p. 137) –, assinala Luís Roberto Barroso:
‘O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos
atos do Poder Público para aferir se eles estão sendo informados pelo
valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais
fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em conjunto
de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente
subjetiva. É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio,
moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que
corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento
ou lugar. Há autores, mesmo, que recorrem ao direito natural como
fundamento para a aplicação da regra da razoabilidade, embora possa
ela radicar perfeitamente nos princípios gerais da hermenêutica. Sobre
este ponto em particular, veja-se a passagem inspirada de San Tiago
Dantas: ‘Não é apenas a doutrina do Direito Natural que vê no Direito
uma ordem normativa superior e independente da Lei. Mesmo os que
concebem a realidade jurídica como algo mutável e os princípios do
Direito como uma síntese das normas dentro de certos limites históricos
reconhecem que podem haver leis inconciliáveis com esses princípios,
cuja presença no sistema positivo fere a coerência deste, e produz a
sensação íntima do arbitrário, traduzida na idéia de ‘lei injusta’.
Em seguida, após a referência ao sistema americano e ao due
process of law, arrematou: ‘A lei que não pode ser considerada ‘law of
the land’ é a lei contrária ao direito. Não a um direito fixado em regras e
comandos precisos, que se tornariam, nesse caso, imutáveis; mas ao
direito como síntese, como corpo de princípios, com método de criação
normativa’.
Seja como for, é necessário seguir em busca de terreno mais
sólido e de elementos mais objetivos na caracterização da razoabilidade
dos atos do Poder Público, especialmente, para lhe conferir um cunho
normativo. Somente esta delimitação do objeto poderá impedir que o
princípio se esvazie de sentido, por excessivamente abstrato, ou que se
pervertera num critério para julgamento ad hoc.
A atuação do Estado na produção de normas jurídicas normalmente se fará diante de certas circunstâncias concretas, será
destinada à realização de determinados fins, a serem atingidos pelo
emprego de determinados meios. Deste modo, são fatores
invariavelmente presentes em toda ação relevante para a criação do
direito: os motivos (circunstâncias de fato), os fins e os meios. Além disto,
há de se tomar em conta, também, os valores fundamentais da
organização estatal, explícitos ou implícitos, como a ordem, a segurança,
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
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a paz, a solidariedade; em última análise, a justiça. A razoabilidade é,
precisamente, a adequação de sentido que deve haver entre estes
elementos.
Esta razoabilidade deve ser aferida, em primeiro lugar, dentro da
lei. É a chamada razoabilidade interna, que diz com a existência de uma
relação racional e proporcional entre seus motivos, meios e fins. Aí está
incluída a razoabilidade técnica da medida. Por exemplo: se diante de um
surto inflacionário (motivo), o Poder Público congela o preço dos
medicamentos vitais para certos doentes crônicos (meio) para assegurar
que pessoas de baixa renda tenham acesso a eles (fim), há uma relação
racional e razoável entre os elementos em questão e a norma, em
princípio, se afigura válida. Ao revés, se diante do crescimento estatístico
da AIDS (motivo), o Poder Público proíbe o consumo de bebidas
alcoólicas durante o carnaval (meio), para impedir a contaminação de
cidadãos nacionais (fim), a medida será razoável. Isto porque estará
rompida a conexão entre os motivos, os meios e os fins, já que inexiste
qualquer relação direta entre o consumo de álcool e a contaminação.
[...]
De fato, a aferição da razoabilidade importa em juízo de mérito
sobre atos editados pelo Legislativo, o que interfere com o delineamento
mais comumente aceito da discricionariedade do legislador. Ao examinar
a compatibilidade entre meio e fim, e as nuances de necessidadeproporcionalidade da medida adotada, a atuação do Judiciário
transcende à do mero controle objetivo da legalidade. E o conhecimento
convencional, como se sabe, rejeita que o juiz se substitua ao
administrador ou ao legislador para fazer sobrepor a sua própria
valoração subjetiva da dada matéria. A verdade, contudo, é que ao
apreciar uma lei para verificar se ela é ou não arbitrária, o juiz ou tribunal
estará, inevitavelmente, declinando o seu próprio ponto de vista do que
seja racional ou razoável.
A evolução dos conceitos tem atenuado o rigor das formulações
clássicas e permitido a contenção da chamada liberdade de conformação
legislativa. O controle finalístico da atuação do legislador se exerce sobre
dois momentos ‘teleologicamente relevante’ do ato legislativo, que
Gomes Canotilho assim identifica e comenta:
‘(i) Em primeiro lugar, a lei é tendencialmente uma função de
execução, desenvolvimento ou prossecução dos fins estabelecidos na
Constituição, pelo que sempre se poderá dizer que, em última análise, a
lei é vinculada ao fim constitucionalmente fixado; (ii) por outro lado, a lei,
embora tendencialmente livre no fim, não pode ser contraditória,
irrazoável, incongruente consigo mesma.
Nas duas hipóteses assinaladas, toparíamos com a vinculação do
fim da lei: no primeiro caso, a vinculação do fim da lei decorre da
Constituição; no segundo caso, o fim imanente à legislação imporia os
limites materiais da não contraditoriedade, razoabilidade e congruência’.
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
14
Por uma competência excepcional, que se exerce em domínio
delicado, deve o Judiciário agir com prudência e parcimônia. É preciso ter
em linha de conta que, em um Estado democrático, a definição das
políticas públicas deve recair sobre os órgãos que têm o batismo da
representação popular, o que não é o caso de juízes e tribunais. Mas,
quando se trata de preservar a vontade do povo, isto é, do constituinte
originário, contra os excessos de maiorias legislativas eventuais, não
deve o juiz hesitar.
O controle de constitucionalidade se exerce, precisamente, para
assegurar a preservação dos valores permanentes sobre os ímpetos
circunstanciais. Remarque-se, porque relevante, que a última palavra
poderá ser sempre do Legislativo. É que, não concordando com a
inteligência dada pelo Judiciário a um dispositivo constitucional, poderá
ele, no exercício do poder constituinte derivado, emendar a norma
constitucional e dar-lhe o sentido que desejar.
Como se demonstrou até aqui, a razoabilidade dos atos do Poder
Público – inclusive dos atos legislativos –, como parâmetro aferidor de
sua constitucionalidade, tem sido aceita em inúmeros sistemas jurídicos.
Nos Estados Unidos, como visto, o princípio se assenta na cláusula do
devido processo legal, constante das emendas de ns. 5 e 14 à
Constituição. Na Argentina, como assinala com orgulho a doutrina, o
princípio remonta ao texto original da Carta, que, no art. 28, estabelecia
que os princípios, garantias e direitos reconhecidos na Constituição não
poderiam ser alterados por leis que regulamentassem seu exercício. No
direito constitucional alemão, atribui-se ao princípio da proporcionalidade
(Verhältnismässigkeit) qualidade de norma constitucional não-escrita,
derivada do Estado de direito. Em Portugal, ele vem materializado em
regras expressas da Constituição, notadamente da proibição do excesso’
(O princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no direito
constitucional, em Cadernos de Direito Constitucional e de Ciência
Política, v. 23, p. 69-75).
O princípio da razoabilidade com freqüência é invocado em matéria
tributária. Quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.501,
de origem na Emenda Constitucional 12, de 1996, disse o Ministro Ilmar Galvão:
‘A Constituição não tolera que o Poder impositivo do Estado se
exerça de forma tão arbitrária, a ponto de alcançar simples atos de
disposição de dinheiro por parte do contribuinte, desvestidos de qualquer
repercussão econômica ou jurídica, e de forma absolutamente
indiscriminada, a ponto de sujeitar ao mesmo regime de todas as
pessoas que, de forma voluntária ou compulsória, se vêem na
contingência de movimentar recursos que, muitas vezes nem lhes
pertencem ou que encerram a totalidade de economias reunidas a duras
penas, no exercício de trabalho desqualificado e mal remunerado, sem a
menor consideração, portanto, ao aspecto da capacidade contributiva.
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
15
Entendimento em sentido contrário importa admitir absoluta
incoerência e, conseqüentemente, manifesta irrazoabilidade no sistema
constitucional, o que não é permitido ao intérprete.
Esse, na verdade o outro vício irremediável que inviabiliza a
exigência da contribuição: a irrazoabilidade.
‘O absurdo é de tal ordem’ – conforme observa o conceituado
Mestre Arnoldo Wald (‘A CPMF e o devido processo legal’, in ‘Enfoque
jurídico’, TRF – 1ª Região, agosto/96, p. 12) –, ‘que nenhuma legislação
do mundo, por mais atrasada que pudesse ser, jamais concebeu um
tributo sobre a emissão de cheques e ordens de pagamento’, ao
manifestar a sua estranheza diante do retrocesso representado pela EC
12/96 na técnica legislativa, quando se sabe que o ‘desenvolvimento de
um país também se caracteriza pelo progresso e pela coerência da
ordem jurídica vigente.’
Trata-se de diploma normativo que, desenganadamente, afronta o
princípio do devido processo legal que, também sob o ponto de vista
substantivo é de ter-se consagrado no art. 5º., LIV, como já tem
proclamado o STF, como uma garantia do cidadão a que somente seja
submetido à observância de leis razoáveis.
[...]
A indigitada emenda constitucional seria insuscetível da censura a
que se acha submetida, não fosse a norma do art. 60, § 4º, IV, da Carta
da República, que permite ao intérprete contrastá-la com o elenco de
garantias e direitos individuais nela assegurados, confronto esse que leva
à certeza de que se está diante de norma basicamente contrária razão
no Estado de Direito, comportando aplicação.’
1.2. Conforme a Constituição da República, ‘sem prejuízo de outras
garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios’ (art. 150) ‘instituir tratamento desigual entre contribuintes
que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão
de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da
denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos’ (inc. II).
Para Hugo de Brito Machado, ‘o princípio da igualdade é a
projeção, na área tributária, do princípio geral da isonomia jurídica, ou princípio
pelo qual todos são iguais perante a lei. Apresenta-se como garantia de tratamento
uniforme, pela entidade tributante, de quantos se encontrem em condições iguais.
Como manifestação desse princípio temos, em nossa Constituição, a regra da
uniformidade dos tributos federais em todos o território nacional’ (Curso de direito
tributário, Malheiros, 2003, 22ª ed., p. 44).
A Emenda 39 estabeleceu que na instituição da COSIP deverá ser
‘observado o disposto no art. 150, I e III’. O primeiro inciso encerra o princípio da
legalidade; o segundo, o da anterioridade.
Deverão observar os legisladores, ainda, o princípio da igualdade
(art. 5º, caput), ínsito a qualquer lei. Por isso, o fato de a EC 39 mencionar
expressamente apenas os incs. I e III do art. 150, omitindo o inc. II, não significa
que o princípio nele inserto possa ser ignorado.
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
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Os princípios em referência, inclusive os direitos e garantias
individuais do art. 5º, constituem cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4º), que não
podem ser quebradas nem mesmo via emenda constitucional.
Recorro à doutrina, mais uma vez, para reforçar a assertiva:
‘Há limitações, formais e materiais, expressas e implícitas, à
competência que o Congresso Nacional possui para emendar a
Constituição. Tais limitações são entre nós conhecidas como cláusulas
pétreas.
Dentre essas cláusulas pétreas figuram, sem dúvida, os princípios
da legalidade, da anterioridade, da segurança jurídica, da nãoconfiscatoriedade etc., que veiculem direitos e garantias dos contribuintes
contra a sanha do Fisco’ (Roque Antônio Carrazza, A reforma tributária e
as ‘cláusulas pétreas’, em Revista de Direito Tributário 67/253).
‘I – As cláusulas pétreas equivalem a determinadas matérias
insuscetíveis de alteração pelo exercício da competência reformadora,
por representarem os valores básicos, fundamentais da Constituição, que
não podem ser modificados, sob pena de alteração da própria identidade
do texto constitucional.
II – As cláusulas pétreas tributárias não se limitam aos enunciados
prescritivos dos arts. 5º, 150 a 152 da Carta Magna.
III – Além dos direitos e garantias fundamentais prescritos no art. 5º
da CF, há outros previstos em alguns setores da Constituição que
integram o seu núcleo imodificável.
IV – Todas as limitações constitucionais prescritas nos arts. 150 a
152, sem exceção, são cláusulas pétreas, porque corporificam os valores
básicos que, em matéria tributária, o legislador impediu que fossem
eliminados ou reduzidos por meio de emenda constitucional’ (Paulo
Roberto Lyrio Pimenta, Cláusulas pétreas tributárias, em Revista
Dialética de Direito Tributário 92/45-6).
‘O problema das cláusulas pétreas tributárias é um capítulo à parte.
Vamos encontrá-las, também com base no art. 60 da Constituição
Federal, que leva o pesquisador ao Título VI, ‘Da Tributação e do
Orçamento’, mais precisamente no Capítulo I, que trata do Sistema
Tributário Nacional.
Assim, no que se refere a essas cláusulas, voltadas para a
tributação, vamos encontrá-las no art. 60, como já disse, § 4º, IV, da
Constituição Federal, que tem a seguinte redação:
‘Art. 60 – 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de
emenda tendente a abolir:
IV – os direitos e garantias individuais.’
O § 2º do art. 5º da Constituição assim se expressa:
‘Art. 5º – § 2º – Os direitos e garantias expressos nessa
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios
por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte.’
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
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Portanto, são cláusulas pétreas tributárias, os seguintes princípios:
a) Princípio da Capacidade Contributiva, constante do art. 145, §
1º, da Constituição da República;
b) Princípio da Legalidade, constante do art. 150, I, da Constituição
da República;
c) Princípio da Igualdade, constante do art. 150, II, da Constituição
Federal;
d) Princípio da Anterioridade, constante do art. 150, III, ‘a’, da
Constituição Federal;
e) Princípio da Irretroatividade, constante também do art. 150, III,
‘a’, da Constituição Federal; e o
f) Princípio da Não-Confiscatoriedade, constante do art. 150, IV, da
mesma Constituição’ (Dejalma de Campos, As cláusulas pétreas
tributárias, em Revista Dialética de Direito Tributário 9/33).
‘Lembremo-nos, ainda, que a grande novidade do referido art. 60
está na inclusão, entre as limitações ao poder de reforma da
Constituição, dos direitos inerentes ao exercício da democracia
representativa e dos direitos e garantias individuais, que por não se
encontrarem restritos ao rol do art. 5º, resguardam um conjunto mais
amplo de direitos constitucionais de caráter individual dispersos no texto
da Carta Magna.
Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal (Adin 939-7/DF)
ao considerar cláusula pétrea, e conseqüentemente imodificável, a
garantia constitucional assegurada ao cidadão no art. 150, III, b, da
Constituição Federal (princípio da anterioridade tributária), entendendo
que ao visar subtraí-la de sua esfera protetiva, estaria a Emenda
Constitucional nº 3, de 1993, deparando-se com um obstáculo
intransponível, contido no art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal’
(Alexandre de Moraes, Direito constitucional, Saraiva, 2001, p. 34).
‘Dentre as normas constitucionais que não podem ser objeto de
supressão, encontram-se os direitos e garantias constitucionais
assegurados aos cidadãos. O § 2º, do art. 5º, da Constituição Federal,
estabelece que os direitos e garantias expressos no referido dispositivo
não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados. Dentre outros princípios, ao nosso ver, são intocáveis, os
princípios da estrita legalidade, o da isonomia em matéria tributária, o da
capacidade contributiva, o da segurança jurídica, o que assegura o direito
de propriedade, o da anterioridade em matéria tributária, o que veda a
tributação com caráter confiscatório e o que veda a sobreposição de
bases tributáveis.
Constitui-se regra de fechamento do sistema constitucional
tributário brasileiro a contemplada no art. 154, I, c/c as do art. 155 e 156,
da Constituição Federal. O constituinte de 1988 repartiu de forma rígida,
entre as pessoas políticas, o campo de atuação de cada uma delas.
Apontou de maneira exaustiva os eventos que podem ser eleitos pelos
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
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Estados-membros, Distrito Federal e Municípios como hipóteses de
incidência de impostos. No tocante à competência da União para tributar
por meio de impostos, enumerou alguns eventos, listados no art. 153 da
Constituição Federal, e estabeleceu no art. 154, I, que a União poderá,
mediante lei complementar, instituir impostos não previstos no art. 153,
desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de
cálculo próprios dos discriminados na Constituição Federal.
Logo, a nosso ver, essa diretriz é fundamental para o sistema e
não pode ser eliminada ou restringida nem mesmo por meio de Emenda
à Constituição. Trata-se de uma diretriz que confere maior eficácia aos
princípios da capacidade contributiva, ao que assegura o direito de
propriedade e ao que veda a instituição de tributos com efeito de
confisco, na medida em que não permite a instituição de impostos
cumulativos e cujo ‘fato gerador’ e base de cálculo sejam idênticos aos
de outros já indicados como passíveis de serem tributados por outros
impostos’ (Clélio Chiesa, O ICMS e a EC33, Dialética, 2003, p. 16).
‘Podemos afirmar, assim, que os direitos individuais envolvem as
normas constitucionais que conferem ou declaram bens que possam
integrar o patrimônio jurídico do contribuinte, ao passo que as garantias
são dispositivos de natureza assecuratória, i.e., disposições que
assegurem tais direitos.
Exemplificando, o inciso XV do artigo 5º da Constituição Federal
traz um exemplo de direito individual, qual seja, o direito de locomoção,
consubstanciado-se o ‘Habeas Corpus’, previsto no inciso LXVIII, do
mesmo artigo 5º, em verdadeira garantia, assegurando o exercício de tal
direito, como vedação dirigida ao Estado, que não poderá tolhe-lo por
ilegalidade ou abuso de poder.
Por fim, uma dica prática que pode nos auxiliar na localização de
tais direitos e garantias individuais no sistema tributário constitucional
consiste em analisar aqueles já comumente aceitos como tais, entre os
quais podemos citar: a) princípio da legalidade (art. 5º, II); b) princípio da
inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV); c) princípio do
devido processo legal e contraditório (art. 5º, LIV e LVII); d) princípio da
estrita legalidade tributária (art. 150, I); e) princípio da igualdade tributária
(art. 150, II); f) princípio da irretroatividade tributária (art. 150, III, a); g)
princípio da anterioridade tributária (art. 150, III, b); h) princípio da
vedação da utilização de tributos com efeitos de confisco (art. 150),
dentre tantos outros.
Fácil notar a vasta gama de princípios constitucionais, seja de
natureza geral, seja específicos para o direito tributário, erigidos ä
condição de cláusulas pétreas, e, quanto aos últimos, assim aceitos tanto
pela doutrina como pela jurisprudência. Certamente podemos afirmar que
tal se dá não só porque são princípios, mas, também e principalmente
porque agregam, incorporam, direitos ao patrimônio jurídico dos
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
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contribuintes, servindo, em sua totalidade, como verdadeiras garantias
dos cidadãos em face do Poder do Estado.
Não se mostra absurda, portanto, a afirmação segundo a qual
outros princípios tributários insertos na Constituição Federal, e que
possuam tais características, também devam ser tidos como direitos e
garantias individuais, e, como corolário lógico de tal raciocínio,
insuscetíveis de supressão ou mesmo ter reduzida sua esfera de
proteção e abrangência, ainda que por meio do exercício do Poder
Constituinte Derivado’ (Paulo Andreatto Bonfim, Os princípios
constitucionais tributários e o poder constituinte derivado, em Jus
Navigandi, http://www1.jus.com.br).
1.3. O tratamento desigual a contribuintes que se encontram na
mesma situação só é permitido nas hipóteses expressamente previstas na
Constituição da República, como ocorre relativamente ao Imposto de Renda (art.
153, § 2º, I) e ao IPTU (art. 182, § 4º, II), dentre outros, em relação aos quais a
progressividade das alíquotas é permitida.
Para mim, só o é se autorizado expressamente pela Constituição
da República.
No que concerne ao tema, transcrevo, parcialmente, o voto do
Ministro Celso de Mello na Medida Cautelar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n.º 2.010:
‘A Lei n.º 9.783/99, ao dispor sobre a contribuição de seguridade
social relativamente a pensionistas e a servidores inativos da União,
regulou, indevidamente, matéria não autorizada pelo texto da Carta
Política, eis que, não obstante as substanciais modificações introduzidas
pela EC n.º 20/98 no regime de previdência dos servidores públicos, o
Congresso Nacional absteve-se, conscientemente, no contexto da
reforma do modelo previdenciário, de fixar a necessária matriz
constitucional, cuja instituição se revelava indispensável para legitimar,
em bases válidas, a criação e a incidência dessa exação tributária sobre
o valor das aposentadorias e das pensões.
O regime de previdência de caráter contributivo, a que se refere o
art. 40, caput, da Constituição, na redação dada pela EC n.º 20/98, foi
instituído , unicamente, em relação ‘Aos servidores titulares de cargos
efetivos...’, inexistindo, desse modo, qualquer possibilidade jurídicoconstitucional de se atribuir, a inativos e a pensionistas da União, a
condição de contribuintes da exação prevista na Lei n.º 9.783/99.
Interpretação do art. 40, §§ 8º e 12, c/c o art. 195, II, da Constituição,
todos com a redação que lhes deu a EC n.º 20/98.
[...]
O argumento histórico, no processo de interpretação constitucional,
não se reveste de caráter absoluto. Qualifica-se, no entanto, como
expressivo elemento de útil indagação das circunstâncias que motivaram
a elaboração de determinada norma inscrita na Constituição, permitindo
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
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o conhecimento das razões que levaram o constituinte a acolher ou a
rejeitar as propostas que lhe foram submetidas. Doutrina.
O registro histórico dos debates parlamentares, em torno da
proposta que resultou na Emenda Constitucional n.º 20/98 (PEC n.º
33/95), revela-se extremamente importante na constatação de que a
única base constitucional, que poderia viabilizar a cobrança,
relativamente aos inativos e aos pensionistas da União, da contribuição
de seguridade social – foi conscientemente excluída do texto, por
iniciativa dos próprios Líderes dos Partidos Políticos que dão sustentação
parlamentar ao Governo, na Câmara dos Deputados (Comunicação
Parlamentar publicada no Diário da Câmara dos Deputados, p. 04110,
edição de 12/2/98).
O destaque supressivo, patrocinado por esses Líderes partidários,
excluiu do substitutivo aprovado pelo Senado Federal (PEC n.º 33/95), a
cláusula destinada a introduzir, no texto da Constituição, a necessária
previsão de cobrança, aos pensionistas e aos servidores inativos, da
contribuição de seguridade social.
[...]
Relevo jurídico da tese segundo o qual o legislador comum, fora
das hipóteses taxativamente indicadas no texto da Carta Política, não
pode valer-se da progressividade na definição das alíquotas pertinentes à
contribuição de seguridade social devida por servidores públicos em
atividade.
Tratando-se de matéria sujeita a estrita previsão constitucional –
CF, art. 153, § 2º, I; art. 153, § 4º; art. 156, § 1º; art. 182, § 4º, II, art. 195,
§ 9º (contribuição social devida pelo empregador) – inexiste espaço de
liberdade decisória para o Congresso Nacional, em tema de
progressividade tributária, instituir alíquotas progressivas em situações
não autorizadas pelo texto da Constituição. Inaplicabilidade, aos
servidores estatais, da norma inscrita no art. 195, § 9º, da Constituição,
introduzida pela EC n.º 20/98.
A inovação do quadro normativo resultante da promulgação da EC
n.º 20/98 – que introduziu, na Carta Política, a regra consubstanciada no
art. 195, § 9º (contribuição patronal) – parece tornar insuscetível de
invocação o precedente firmado na ADI n.º 790-DF (RTJ 147/921).
[...]
A contribuição de seguridade social não só se qualifica como uma
modalidade autônoma de tributo (RTJ 143/684), como também
representa espécie tributária essencialmente vinculada ao financiamento
da seguridade social, em função de específica destinação constitucional.
A vigência temporária das alíquotas progressivas (art. 2º da Lei
9.783/99), além de não implicar concessão adicional de outras
vantagens, benefícios ou serviços – rompendo, em conseqüência, a
necessária vinculação causal que deve existir entre contribuições e
benefícios (RTJ 174/921) – constitui expressiva evidência de que se
buscou, unicamente, com a arrecadação desse plus, o aumento da
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
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receita da União, em ordem a viabilizar o pagamento de encargos
(despesas de pessoal) cuja satisfação deve resultar, ordinariamente, da
arrecadação de impostos.
[...]
A invocação das razões de Estado – além de deslegitimar-se como
fundamento idôneo de justificação de medidas legislativas – representa,
por efeito de gravíssimas conseqüências provocadas por seu eventual
acolhimento, uma ameaça inadmissível às liberdades públicas, à
supremacia da ordem constitucional e aos valores democráticos que a
informam, culminando por introduzir, no sistema de direito positivo, um
preocupante fator de ruptura e de desestabilização político-jurídica.
Nada compensa a ruptura da ordem constitucional. Nada
recompõe os gravíssimos efeitos que derivam do gesto de infidelidade ao
texto da Lei Fundamental.
A defesa da Constituição não se expõe, nem deve submeter-se, a
qualquer juízo de oportunidade ou de conveniência, muito menos a
avaliações discricionárias fundadas em razões de pragmatismo
governamental. A relação do Poder e de seus agentes, com a
Constituição, há de ser, necessariamente, uma relação de respeito.
Se, em determinado momento histórico, circunstâncias de fato ou
de direito reclamarem a alteração da Constituição, em ordem a conferirlhe um sentido de maior contemporaneidade, para ajustá-la, desse modo,
às novas exigências ditadas por necessidades políticas, sociais ou
econômicas, impor-se-á a prévia modificação do texto da Lei
Fundamental, com estrita observância das limitações e do processo de
reforma estabelecidos na própria Carta Política.
[...]
O Supremo tribunal Federal – que é o guardião da Constituição,
por expressa delegação do Poder Constituinte – não pode renunciar ao
exercício desse encargo, pois, se a Suprema Corte falhar no
desempenho da gravíssima atribuição que lhe foi outorgada, a
integridade do sistema político, a proteção das liberdades públicas, a
estabilidade do ordenamento normativo do Estado, a segurança das
relações jurídicas e a legitimidade das instituições da República restarão
profundamente comprometidas.
O inaceitável desprezo pela Constituição não pode converter-se
em prática governamental consentida. A menos, enquanto houver um
Poder Judiciário independente e consciente de sua alta responsabilidade
política, social e jurídico constitucional.’
Também quanto ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), até
a “edição da EC nº 29/2000, este Supremo Tribunal decidiu que é inconstitucional
qualquer progressividade do IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no
artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e
4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal” (AgRgAI n.º 353.180, Min. Ellen
Gracie).
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
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2. Dos comentários de Kiyoshi Harada relativos à Emenda
Constitucional 39, extraio os excertos que seguem:
‘2. A antiga proposta de Emenda Constitucional de nº 222-A
Como resultado de reiteradas decisões do Supremo Tribunal
Federal, declarando a inconstitucionalidade da taxa de iluminação
pública, instituída por diversos Municípios, estes patrocinaram a
elaboração da Proposta de Emenda Constitucional nº 222-A, para
permitir a tributação dessa taxa. Mediante alterações do inciso II, do art.
145 e de seu parágrafo 2º da Constituição Federal permitia a instituição
da taxa de iluminação pública, dispensados os requisitos da
especificidade e da divisibilidade do serviço público, prestado ou
colocado à disposição do contribuinte, bem como, abolia a proibição da
identidade de sua base de cálculo com a de impostos.
Aludida proposta, violentava o princípio da discriminação
constitucional de impostos. De fato, exatamente, por se tratarem de
espécie tributária, classificáveis como tributos desvinculados de qualquer
atuação específica do Estado, a Carta Política cuidou de nominar
taxativamente os impostos cabentes a cada entidade política,
componente da Federação Brasileira, a fim de evitar a bitributação
jurídica. Realmente, esse tipo de tributo não pode ficar na base de quem
instituiu em primeiro lugar, ou de quem pensou antes. Quanto aos
tributos vinculados à atuação específica do Estado (taxas de serviços e
de polícia, contribuições de melhoria, contribuição social), a entidade
política atuante será sempre o sujeito ativo do tributo, não havendo
necessidade de qualquer discriminação constitucional. Daí o sentido da
discriminação constitucional de impostos. E daí, também, a proibição de
a taxa ter a mesma base de calculo do imposto; do contrário, a
discriminação seria inócua, bastando mudar o nome do tributo para
contornar o rígido principio discriminador. A discriminação de rendas
tributárias, de um lado, outorga competência privativa ao ente político
contemplado e, de outro lado, retira essa competência em relação ao
ente político não contemplado. Surte, pois, duplo efeito. Por isso, aquela
proposta de Emenda era inconstitucional, por ferir cláusulas pétreas (art.
60, § 4º, incisos I e IV da CF). De fato, de nada adiantaria a Carta Magna
assegurar ao contribuinte o direito de não ser tributado por impostos
municipais não nominados em seu art. 156, se outros novos impostos
pudessem ser instituídos com nome de taxa, por meio do condenável
expediente de tentar ‘constitucionalizar um tributo ´n´ vezes condenado
pela Corte Suprema.
[...]
Pelas razões retro apontadas, a proposta de Emenda nº 222-A foi
abandonada, dando lugar à apresentação de uma outra proposta, que
resultou na aprovação da Emenda nº 39, de 19-12-2002, a qual,
acrescentou o art. 149-A à Constituição Federal, permitindo aos
Municípios e ao Distrito Federal instituir contribuição, na forma das
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
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respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública,
observado o disposto no art. 150, I e III.
Repetiu-se a mesma tática utilizada, na esfera federal, em nível de
legislação ordinária, quando convolou o antigo IPMF em CPMF, para
contornar a decisão da Corte Suprema, sem que tivesse mudado o fato
gerador da obrigação tributária. O tributo só mudou de gênero masculino
para gênero feminino, sem alteração de seu conteúdo. Lá transformou-se
o imposto em contribuição. Aqui transmudou-se a taxa em contribuição,
pelo toque mágico da varinha do legislador constituinte derivado.
Ora, chamar de contribuição, uma exação que não o é, nem pode
ser, não faz desaparecer o vício que contaminava o projeto anterior, o
qual, previa a instituição de taxa de iluminação, sem que houvesse
serviço público específico e divisível. Contribuição social é tributo de
destinação intrínseca, ou seja, tributo vinculado à atuação do Estado.
Caracteriza-se pelo fato de o Estado, no desenvolvimento de
determinada atividade de interesse geral, acarretar maiores despesas em
prol de certas pessoas (contribuintes), que passam a usufruir de
benefícios diferenciados dos demais (não contribuintes). Enfim, assentase a contribuição social no princípio da maior despesa estatal, provocada
pelo contribuinte e na particular vantagem a ele propiciada pelo Estado.
(Cf. nosso Direito financeiro e tributário, Atlas, 10ª edição, 2002, p. 309).
No caso de iluminação pública, pergunta-se, onde há particular vantagem
propiciada aos contribuintes, se todos os munícipes são beneficiários
desse serviço público? Seria legítimo considerar a população normal,
como beneficiários específicos, em confronto com o contingente de
pessoas cegas a quem o serviço público não estaria trazendo os
mesmos benefícios?
Para caracterização da contribuição social ou da taxa de serviços,
não basta a destinação específica do produto da arrecadação do tributo.
É preciso que se defina o beneficiário específico desse tributo, que
passará a ser o seu contribuinte. Se a comunidade inteira for a
beneficiária, como no caso sob estudo, estar-se-á diante de imposto, e
não de contribuição.
E aqui é oportuno esclarecer que o inciso II do art. 4º do CTN, que
torna irrelevante a destinação legal do produto da arrecadação, para
definição da natureza jurídica específica do tributo, deve sofrer
interpretação atualizada. Na época do advento do Código Tributário
Nacional, Lei nº 5.172, de 25-10-66, a contribuição social não era
considerada como tributo, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência.
Hoje, não há mais dúvida quanto a natureza tributária da contribuição
social. A Carta Política de 1988 espancou qualquer sombra de dúvida
que pudesse pairar a respeito, como bem assinala a jurisprudência da
Suprema Corte. A destinação legal do produto de sua arrecadação é
apenas um dos traços marcantes da contribuição, que, repita-se, tem
destinação intrínseca, em contraposição a impostos, que têm destinação
extrínseca.
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
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Porém, no caso sob exame, faltou o benefício diferenciado em
relação à parcela da população atingida pela exação, pelo que perde a
característica de contribuição, para enquadrar-se na espécie tributária
desvinculada de atuação estatal, qual seja, imposto, com todas as
conseqüências daí advindas.
É bastante preocupante a proliferação de Emendas da espécie,
que pouco a pouco, vão desarticulando e desmontando o Sistema
Tributário Nacional, que pode não ser perfeito, mas foi esculpido pelo
legislador constituinte originário, com base em sólidos fundamentos
doutrinários. A continuar assim, não será surpresa se, amanhã, aparecer
uma Emenda autorizando os Municípios a instituir uma contribuição
destinada ao custeio das despesas com o pagamento de precatórios
judiciais, acumulados ao longo dos anos.
[...]
Conclusões:
A contribuição social, instituída pela Lei nº 13.479/2002, é de uma
inconstitucionalidade solar. Ela é cobrada de apenas uma parcela da
população, para custear um serviço público genérico, que beneficia a
sociedade como um todo. Por isso, ofende duplamente o princípio da
isonomia tributária. Primeiramente, quando cobra apenas de uma parte
dos beneficiários da iluminação pública; pela vez segunda, quando
discrimina os usuários de relojinhos não-residenciais, que pagam mais do
que os usuários de relojinhos residenciais como se aqueles
´consumissem´ mais iluminação pública do que os últimos.
Contorna e ofende o princípio da discriminação de rendas
tributárias, instituindo imposto fora do elenco taxativo do art. 156 da CF.
Violenta o art. 167, IV da CF, ao destinar o produto da arrecadação
desse imposto novo a um Fundo Especial. É o que resulta do exame
crítico e sereno, exclusivamente sob o prisma jurídico-constitucional’ (Jus
Navigandi, www1.jus.com.br).
Essas restrições foram igualmente formuladas por Hugo de Brito
Machado (A contribuição de iluminação pública – CIP, em www.hugomachado.adv.br) e por Carla Dumont Oliveira (A nova contribuição para o custeio do
serviço de iluminação pública à luz da natureza jurídica das contribuições, em
www1.jus.com.br/doutrina/texto).
As lições reproduzidas, com as quais estou de acordo, reforçam
a conclusão de que é inconstitucional a Lei 2.049, de 2002, do Município de
Itapema. Acrescento que:
2.1. Prescreve a lei impugnada que a COSIP tem como base de
cálculo o consumo de energia elétrica, por faixas progressivas: ‘A contribuição de
que trata essa Lei corresponderá ao custo anual do serviço de iluminação pública
rateado entre os contribuintes, de acordo com os níveis individuais de consumo
anual de energia elétrica’ (art. 2º).
As ‘faixas de consumo de energia’ estão dispostas em tabela anexa
ao artigo 2º.
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
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A toda evidência, inexiste qualquer vinculação entre o consumo de
energia elétrica com o custo do serviço de iluminação pública.
Data venia da douta maioria, raia ao absurdo jurídico a alíquota
progressiva. Indago: aquele que mais consome energia elétrica mais utiliza o
serviço de iluminação pública? Há manifesta violação ao princípio da
razoabilidade.
O Agravo de Instrumento n.º 2003.004797-2 revela o quão é injusta
a lei impugnada.
Do total da fatura emitida contra o agravante Cleber Francisco
Pereira Rodrigues – R$ 201,14 (duzentos e um reais e quatorze centavos) –, a
título de COSIP foi lançada a importância de R$ 60,01 (sessenta reais e um
centavo). Se considerado o ICMS incidente sobre a mesma base de cálculo – valor
da energia elétrica consumida –, tem-se que o nominado pagou R$ 167,00 (cento
e sessenta e sete reais) pela energia elétrica consumida, R$ 34,20 (trinta e quatro
reais e vinte centavos) de ICMS e R$ 60,01 (sessenta reais e um centavo) de
COSIP.
O segundo agravante, Wilson Rosa de Oliveira, a COSIP lançada
gira em torno de 36% (trinta e seis por cento) do valor da energia elétrica
consumida.
Cumpre destacar que a EC 39 é silente quanto ao fato gerador e à
base de cálculo da COSIP. Não há, portanto, autorização para a instituição de
alíquotas progressivas.
2.2. Até a promulgação da EC 39, o sistema tributário nacional previa as seguintes espécies de contribuições parafiscais: a) para a seguridade social
(CF, art. 195, I a III e § 4º); b) social do salário-educação (art. 212, § 5º); c) social
para o Sesi, Senai, Senac, Senar etc. (art. 240); d) de intervenção no domínio
econômico (arts. 149 e 174); e) de interesse das categorias profissionais (art. 149);
f) previdenciária dos funcionários públicos (arts. 40 e 149, § 1º); g) sindical
confederativa (8º, IV).
Paulo Roberto Lyrio Pimenta sustenta que a Emenda 39 criou uma
sétima espécie de contribuição:
‘Parece-nos que foi autorizada a criação de uma verdadeira nova
contribuição, que se diferencia do modelo originariamente previsto pela
Constituição, em primeiro lugar pela área a ser alcançada pela exação.
As contribuições especiais previstas pela Carta Magna (arts. 149, 195,
239, 240, 212, § 5º) destinam-se a instrumentar a atuação da União, ou
de entidade paraestatal, na ordem econômica ou na ordem social. Na
hipótese em discussão, a nova contribuição servirá como instrumento
dos Municípios e do Distrito Federal na atuação no campo dos serviços
públicos’. Ao final, conclui: ‘Em face da finalidade específica da
contribuição em exame, que não se identifica com os objetivos das
espécies mencionadas no caput do art. 149, pode-se afirmar que
constitui uma quarta espécie de contribuição especial, posicionando-se
ao lado das contribuições sociais, interventivas e corporativas’
(Contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, em
Revista Dialética de Direito Tributário 95/102).
Des. Irineu João da Silva
Ação direta de inconstitucionalidade n. 04.012843-6
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Com ele convergem Ruy Barbosa Nogueira (Curso de direito
tributário, Saraiva, p. 104) e Paulo de Barros Carvalho (Curso de direito tributário,
Saraiva, p. 79).
De acordo com Hugo de Brito Machado, “a função das
contribuições sociais, em face da vigente Constituição, decididamente não é a de
suprir o Tesouro Nacional de recursos financeiros” (Curso de direito tributário,
Malheiros, 2003, 22ª ed., p. 374); sua finalidade é específica, de atender
determinado grupo de pessoas.
A receita gerada pela arrecadação da COSIP não se destina a um
grupo específico de contribuintes. O serviço de iluminação pública será usufruído
não só pelos munícipes que ocupam, para residência ou exploração econômica,
prédios onde há consumo de energia elétrica, mas também por milhares de turistas
que transitam pela cidade, notadamente durante o verão.
Também sob este enfoque há ofensa ao princípio da razoabilidade.
2.3. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul declarou
inconstitucional lei do Município de Porto Alegre instituidora da COSIP. Consta da
ementa do acórdão:
‘Direito tributário. Apelação Cível. Contribuição para o custeio do
serviço municipal de iluminação pública (CIP) prevista no art. 149-A da
CF/88. Instituição municipal em afronta à matriz constitucional tributária e
paratributária.
Afronta a matriz constitucional tributária e paratributária a lei
municipal que, com base no art. 149-A da CF/88, instituiu Contribuição para o
Custeio do Serviço de Iluminação Pública (CIP) adotando, para tanto, como fato
gerador, o consumo individual de energia elétrica, como base de cálculo o valor
desse consumo e, como contribuinte, o próprio consumidor individual, elementos
inteiramente dissociados da despesa a ser coberta (iluminação pública), da qual
terceiros, inclusive não-munícipes, notória e induvidosamente também se
beneficiam sem, contudo, compartilharem dos ônus respectivos, sendo
extremamente injusto atribuir-se a alguns poucos, numa impertinente e
desordenada proporção, o custeio de um serviço que a todos é dirigido. Ademais,
o fato de o ICMS já utilizar o mesmo valor como base de cálculo deixa evidente
uma bitributação vedada pelo § 2º do art. 145 da CF’ (AC n.º 70010100717, Des.
Roque Joaquim Volkweiss).”
2. As expostas são as razões do dissenso.
Florianópolis, 15 de junho de 2005.
Newton Trisotto
Des. Irineu João da Silva
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