Sachs, Jeffrey. “Aonde foi o dólar forte?” São Paulo: Folha de São Paulo 27 de fevereiro de 2001. Jel: G Aonde foi o dólar forte? Jeffrey Sachs Em sua primeira viagem internacional, o novo secretário do Tesouro norte-americano, Paul O'Neill, deu um tropeção -porque disse a verdade. Durante o governo Clinton, os ex-secretários Robert Rubin e Lawrence Summers afirmaram que os Estados Unidos tinham uma "política do dólar forte". O'Neill teria dito que "não perseguimos uma política do dólar forte". Imediatamente criticado por reverter uma antiga política, ele rapidamente recuou. Uma pena, porque seu comentário fazia muito mais sentido do que as declarações de seus antecessores. A verdade é que os EUA realmente não têm uma política cambial. Quando Alan Greenspan, presidente do Fed (o banco central norte-americano), elabora a próxima alteração na taxa de juros do país, pouca atenção se dá à taxa de câmbio em relação ao euro, ao iene ou a outras moedas. As decisões de política monetária norte-americana dependem da força ou da fraqueza da economia interna e da inflação nos EUA. Se a economia está desacelerando, se há capacidade excedente e se a inflação está baixa, as taxas de juros são reduzidas; se a economia está forte, a capacidade excedente é limitada e as pressões inflacionárias estão crescendo, as taxas de juros são aumentadas. O Fed também não intervém diretamente nos mercados de câmbio, exceto em circunstâncias extraordinárias. Apenas em um sentido os EUA realmente aplicam uma "política de dólar forte": a política monetária do Fed visa manter a inflação baixa. O dólar é mantido "forte" em termos de seu poder de compra de bens e serviços norte-americanos. Mas não é isso que os mercados acreditavam ser a política do dólar forte. Eles acreditavam que a "política do dólar forte" referia-se às taxas de câmbio. Nesse sentido, isso significaria que os EUA têm uma "política de euro fraco", ou "política de iene fraco". Isso não existe. Então por que sucessivos secretários do Tesouro disseram que os EUA têm uma "política de dólar forte"? Parte da resposta é que o apoio ao dólar forte é um slogan fácil, soa patriótico. Além disso, teria parecido hostil se Rubin e Summers insistissem que acreditavam num "euro fraco", mesmo que estivessem implicitamente dizendo isso. Uma afirmação mais verdadeira de Rubin e Summers teria sido dizer que os EUA realmente não têm uma política cambial -a resposta que O'Neill tentou dar. Existe outro motivo para as declarações deles. Algumas autoridades norte-americanas acreditam que as declarações do "dólar forte" ajudam a estabilizar os mercados de câmbio, mesmo que a política monetária dos EUA não seja dirigida para reforçar o dólar em relação ao euro ou ao iene. Alguns acreditam que sem essas declarações o dólar despencaria em relação às moedas européia e japonesa. Afinal, se o secretário do Tesouro não apoiar o dólar, o que mais sustentaria seu valor? De acordo com essa interpretação, os participantes do mercado começariam a prever o declínio do dólar. Venderiam dólares em antecipação à sua queda. Essa venda realmente levaria a um colapso da moeda norte-americana. O declínio no valor do dólar seria uma profecia que se cumpre. Opiniões que se cumprem não parecem funcionar. Declarações sobre uma "política de dólar forte" poderiam apoiar o valor do dólar por um curto período, ou mesmo anos. Mas as forças e fraquezas econômicas fundamentais teriam efeito maior sobre a taxa de câmbio do que essas profecias. Se, como hoje parece ser o caso, a economia norte-americana está enfraquecendo enquanto as economias européias continuam fortes, o dólar enfraquecerá em relação ao euro, independentemente de o secretário do Tesouro promover ou não o dólar. Um dólar mais fraco em relação ao euro ajudará a sustentar a demanda nos EUA enquanto a economia desacelera. De maneira semelhante, o iene tenderá a enfraquecer tanto em relação ao dólar como em relação ao euro, devido às fraquezas subjacentes ao Japão. Se declarações sobre uma "política do dólar forte" têm algum efeito, provavelmente ajudaram a promover a bolha financeira norte-americana entre 1998 e 2000. Os investidores nos EUA e no resto do mundo acreditaram nesse curto período que os investimentos no país eram garantia de riqueza. Isso contribuiu para o boom e o estouro das ações tecnológicas norte-americanas. A visão ingênua de que o dólar sempre será forte (e ficará ainda mais forte) em relação ao euro alimentou os fluxos de capital nos EUA. Agora que a bolha está estourando, os mercados de ações norte-americanos estão em baixa e o dólar está enfraquecendo em relação ao euro. Os excessos anteriores podem causar uma recessão nos EUA neste ano. Então qual deveria ser a política cambial do país? Basear a política monetária norte-americana nas condições econômicas domésticas, mais que na taxa de câmbio, é correto. Pequenas economias intimamente integradas com seus parceiros comerciais podem definir metas cambiais, ou atrelar suas taxas de câmbio às moedas de seus parceiros comerciais. Economias grandes e relativamente fechadas, no entanto, como as dos EUA, União Européia e Japão, fazem melhor concentrando-se em suas próprias condições econômicas, deixando os mercados determinarem a taxa de câmbio. O dólar deveria poder subir ou cair em relação ao euro e ao iene, dependendo das forças e fraquezas subjacentes às três áreas econômicas. No contexto atual, as forças de mercado provavelmente provocarão novo enfraquecimento do dólar em relação ao euro e novo enfraquecimento do iene em relação ao dólar e ao euro. O'Neill acertou, portanto, mesmo que suas palavras fossem canhestras. Os EUA não devem ter uma "política de dólar forte nem de dólar fraco", apenas uma política de políticas monetárias domésticas sensatas e a crença de que os mercados cambiais devem determinar as taxas de câmbio.