UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO - UNICAP PRÓ-REITORIA ACADÊMICA - PRAC COORDENAÇÃO GERAL DE PESQUISA PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA VOLUNTÁRIO PLANO DE TRABALHO – TIETA BITU TÍTULO DO PLANO DE TRABALHO A construção da imagem feminina no discurso pornográfico como hipótese de colisão de direitos fundamentais: entre o erotismo e a teoria dos direitos fundamentais OBJETIVO GERAL Estudar o discurso pornográfico na atualidade para a identificação de um caso de colisão de direitos fundamentais, de acordo com a teoria proposta por Robert Alexy e adotada, no Brasil, pelo Supremo Tribunal Federal. OBJETIVOS ESPECÍFICOS Para a realização do objetivo geral, são indicados os seguintes objetivos específicos: a) identificar um conceito específico de pornografia, distinto da arte erótica em geral, e sua inserção da realidade da indústria cultural, bem como as principais críticas existentes à divulgação livre de produtos pornográficos; b) traçar um recorte da crítica feminista ao discurso da indústria pornográfica, que supostamente conduziria à consideração do corpo feminino como mera mercadoria ou objeto descartável; c) construir o marco teórico a partir da teoria da argumentação jurídica racional e dos direitos fundamentais proposta por Robert Alexy e adotada largamente no Brasil, identificando seus principais elementos e a conexão entre racionalidade e democracia para a justificação da decisão jurídica; d) relacionar a teoria dos direitos fundamentais de Alexy com a revisão da literatura sobre o fenômeno social da pornografia para, com isso, verificar a hipótese inicial de existência de uma colisão de direitos fundamentais que tornaria, ao menos, problemático o consumo de material pornográfico, nos termos defendidos por parte da crítica feminista; e e) verificar quais são os direitos fundamentais envolvidos na discussão sobre a liberação ou proibição da pornografia, e como esse problema poderia ser enquadrado pela teoria proposta de Robert Alexy com ênfase na ideia de racionalidade da argumentação jurídica. PALAVRAS-CHAVE 1. Colisão de direitos fundamentais; 2. Pornografia; 3. Teoria da argumentação jurídica racional JUSTIFICATIVA (incluir bibliografia) Por ter se tornado largamente difundida no Ocidente a partir do século XX, a pornografia, enquanto fenômeno social, é objeto de diversos questionamentos na atualidade. Inicialmente dirigida a um público seleto e com baixo grau de inserção, a popularização do cinema e das técnicas de captação audiovisual (fotografia, vídeo caseiro, revistas etc.) fez com que o discurso pornográfico saísse de uma 1 posição quase insignificante e se transformasse numa verdadeira “indústria do sexo”, que envolve milhões de dólares no comércio de revistas, filmes e DVDs reproduzidos em larga escala. Segundo Paul (2006, p. 57), o discurso pornográfico deixou de ser considerado algo prejudicial e passou a ser visto como “exercício saudável da imaginação”. No entanto, a própria autora dessa afirmação aponta aspectos negativos da pornografia de massa. O principal deles seria a fetichização da prática sexual em geral, com ênfase excessiva no prazer masculino e no papel da mulher como objeto de mera satisfação alheia. Além disso, Paul (2006, p. 165195) cita pesquisas que demonstrariam que os homens expostos à pornografia tendem a rejeitar a ideia de família ou relações afetivas duradouras, além do problema decorrente da exposição de préadolescentes e crianças. Nesse contexto, a análise do fenômeno divide-se em, ao menos, três correntes. De um lado, há os liberais ou libertários, para quem a difusão do discurso pornográfico, independentemente dos efeitos de mecanização do sexo e criação de estereótipos negativos, proporciona um bem social na medida em que quebra padrões repressivos. De outro, há os que consideram a pornografia um problema de menor importância, situando-o no âmbito de uma pleiteada “independência moral” (DWORKIN, 2005, p. 533). Por fim, verifica-se a corrente de orientação marcadamente feminista, para quem a pornografia deve ser proibida por ser um discurso de estímulo à violência de gênero e à intolerância. Para Rabenhorst (2001, p. 127), tal concepção associa a pornografia a uma visão inexoravelmente machista do sexo, baseando-se nas ideias jurídicas de igualdade e não-discriminação para pleitear a interdição do comércio de material pornográfico. Ao chegar nesse impasse, a ser melhor delineado quando da revisão bibliográfica que iniciará a pesquisa, pergunta-se: como a teoria dos direitos fundamentais desenvolvida pelo alemão Robert Alexy compreenderia o debate entre defensores e opositores da pornografia? E mais: o discurso pornográfico pode ser banido numa sociedade democrática por violar direitos fundamentais? Apesar de ser farta a literatura brasileira e estrangeira sobre a teoria dos direitos fundamentais de matriz alexiana, nunca houve atenção específica para o problema da pornografia enquanto fenômeno social. O americano Ronald Dworkin, como mencionado, esforça-se em fundamentar a liberação da pornografia com base numa estratégia principiológica e substancialista pautada em direitos, da qual deduz os direitos à independência moral e à privacidade. No entanto, Alexy propõe, em sua obra, uma leitura diferente os denominados “casos difíceis (hard cases)”. Para ele, há nessas situações a conjunção de duas normas jusfundamentais ou com status de direito fundamental, que, por sua natureza de princípios e não regras, não podem ser desconsideradas no esquema tradicional de tudoou-nada para a solução de antinomias. Ou seja, os direitos fundamentais situam-se sempre em colisão, havendo de ser ponderados de acordo com os elementos do caso (ALEXY, 1997, p. 157-159). É nesse momento que se insere, para Alexy (1997, p. 111-115), o uso do princípio da proporcionalidade enquanto “máxima de otimização” para o balanceamento dos bens em disputa. Uma vez descrita a teoria da colisão dos direitos fundamentais, à qual se acopla a teoria da argumentação jurídica racional proposta pelo mesmo autor (ALEXY, 2001), tem-se como hipótese que a veiculação livre de publicações pornográficas envolve bens sociais aparentemente antagônicos (ex: moralidade pública x liberdade de expressão; liberdade sexual x dignidade da mulher), que podem ser traduzidos em direitos constitucionalmente assegurados. Há, portanto, relevância na pesquisa proposta, pois pela primeira vez o problema da pornografia – e sua eventual interdição jurídica, nos termos propostos por Smart (1989) e McKinnon (1996), dentre outras – será observado a partir do conceito normativo de colisão de direitos fundamentais, proposto na Alemanha por Robert Alexy e com forte adesão na literatura brasileira e no Supremo Tribunal Federal. Por outro lado, o caráter eminentemente doxográfico e teorético da pesquisa indicam que a aluna voluntária terá condições de conduzi-la com êxito no prazo e termos estabelecidos pelo Programa, sendo o resultado (identificação dos direitos fundamentais incidentes no caso da divulgação de material pornográfico e sopesamento nos termos propostos por Alexy) fundamental para o desenvolvimento de outras pesquisas no futuro. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997. 603 p. ______. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. São Paulo: Landy, 2001. 355 p. DWORKIN, Ronald. Temos direito à pornografia? In: ______. Uma questão de princípio. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, p. 497-554, 2005. MACKINNON, Catherine. La pornografia no es um asunto moral. In: MACKINNON, Catherine; POSNER, Richard. Derecho y pornografia. Bogotá: Siglo del Hombre, 1996. PAUL, Pamela. Pornificados: como a pornografia está transformando a nossa vida, os nossos relacionamentos e as nossas famílias. São Paulo: Cultrix, 2006. 269 p. RABENHORST, Eduardo. Dignidade humana e moralidade democrática. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. 136 p. 2 SMART, Carol. Feminism and the Power of Law. London: Routledge, 1989. 180 p. METODOLOGIA (detalhar a metodologia a ser adotada e incluir bibliografia) A pesquisa a ser desenvolvida pela aluna voluntária terá dois eixos centrais, sendo que em ambos o método será o teorético-indutivo (baseado na análise das teorias jurídicas identificadas como objeto e na elaboração de críticas internas às teorias). O primeiro eixo será a identificação e esgotamento da literatura brasileira e estrangeira que trate de modo específico sobre a questão da pornografia enquanto fenômeno social e gênero artístico. Nesse conjunto encontram-se as fontes referentes à distinção entre erotismo e pornografia, ao surgimento da pornografia como discurso na Modernidade, à tese do surgimento de uma “indústria pornográfica” a partir do século XX e, por fim, as críticas atuais sobre a difusão de publicações pornográficas e seus fundamentos. Haveria, com isso, a delimitação do objeto primeiro do estudo, uma vez que a discussão em torno da pornografia foi estipulada como problema a ser estudado. No segundo eixo, a pesquisa voltar-se-á para a revisão doxográfica acerca da teoria dos direitos fundamentais e também da teoria da argumentação jurídica racional, ambas complementares e propostas por Robert Alexy. Haverá ainda atenção especial para seu conceito de “colisão de direitos fundamentais”. Após a síntese de seu pensamento e da literatura secundária (com ênfase na recepção brasileira do autor, inclusive no STF), será delimitado o método pelo qual Alexy pretende identificar os direitos fundamentais em colisão nas situações concretas, bem como os meios para a ponderação racional destes no processo jurídico de decisão. Após essas duas primeiras etapas, propõe-se uma terceira, de cunho sintético. Nela, a pesquisa será encaminhada para que a situação concreta identificada – a difusão de publicações pornográficas – seja compreendida por meio do conceito jurídico-teórico de “colisão de direitos fundamentais”, tendo como resultados esperados a identificação dos direitos a sopesar e, ainda, as possibilidades de precedência dentro do esquema alexiano de argumentação racional. Assim, apesar de não descartar uma pesquisa empírica em fontes diretas para a conceituação da pornografia, tem-se como método central a problematização das próprias teorias (críticas em torno do discurso pornográfico e a teoria jurídica de Alexy), com vistas à confirmação ou rejeição da hipótese suscitada (resposta jurídica ao problema social da pornografia por meio do esquema colisional de direitos de Alexy). A adoção do referido método teorético-indutivo, típico das teoria/filosofia do direito, faz com que o principal material da pesquisa seja a reunião de livros, artigos e demais textos de Robert Alexy e de sua doxografia, além do material específico sobre pornografia, já descrito acima. Observe-se que tanto o método como os recursos exigidos revelam a viabilidade do desenvolvimento da pesquisa no tempo e termos especificados pelo Programa. REFERÊNCIAS (de acordo com a ABNT vigente) AARNIO, Aulis. Lo racional como razonable. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991. ALEXY, Robert. Derecho y razón prática. México: Fontamara, 1993. ______. Legal Argumentation a rational discourse. Rivista Internazionalle di Filosofia del Diritto, Roma, v.70, n.2, p.165-178 abr. 1993. ______. El concepto y la validez del derecho. Barcelona: Gedisa, 1997. ______. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. 603 p. ______. The special case thesis. 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