Orientações aos Familiares

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Orientações aos Familiares:
O Papel da Terapia Familiar Sistêmica
Maria Rita D'Angelo Seixas
INTRODUÇÃO
Como vimos, o sofrimento dos pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) pode
ser muito grande e seus rituais por vezes são extremamente demorados, o que pode acarretar
prejuízo no seu desempenho ocupacional e social. No Capítulo 7, deixou-se claro como membros
da família, amigos e colegas de trabalho de pessoas que apresentam TOC podem sofrer
seriamente as conseqüências desse transtorno e mesmo envolver-se intensamente no problema,
sem saber o que fazer. Daí a necessidade de serem esclarecidos e orientados em relação a como
cada um pode ajudar, objetivo principal deste capítulo.
Há um certo consenso de que o TOC reflete a interação de uma predisposição biológica
(fatores genéticos) com fatores psicológicos e ambientais. As peculiaridades dessa interação
influem, portanto, na expressão final dos sintomas (ver Capítulo 4).
Sabemos ainda que as melhores respostas terapêuticas relatadas foram obtidas com a
associação do tratamento farmacológico com a terapia comportamental. Contudo, esses
tratamentos exigem muita cooperação do paciente, o que nem sempre é conseguido. Os pacientes
com TOC são, freqüentemente, muito agarrados aos seus sintomas, até porque em geral
conviveram durante muitos anos com eles e qualquer mudança pode parecer assustadora. Podem
ainda acabar controlando toda a sua família através de seus sintomas, mesmo não sendo essa a
razão da ocorrência dos mesmos. Assim, no tratamento, deve-se dar atenção à dinâmica.
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das relações familiares e conjugais. A psicoterapia familiar ou de casal pode melhorar
consideravelmente os relacionamentos e mesmo ajudar a pessoa a superar suas resistências em
tomar a medicação.
Um aspecto importante do tratamento familiar é deixar claro aos familiares que eles não são
responsáveis nem culpados pelo TOC de seus parentes. Como vimos, esse é um problema que
envolve na sua origem inúmeros fatores, entre os quais a necessidade de uma predisposição
biológica.
Como Familiares e Amigos Podem Ajudar
Existem meios de familiares e amigos prestarem uma ajuda eficaz aos pacientes:
Entender que o Portador de TOC Está Realmente Doente
Ao contrário do que muitos pensam, ele não faz seus rituais ou fica preso em seus
pensamentos repetitivos para fugir de situações difíceis ou para chamar a atenção. Esse é um dos
transtornos mentais que mais sofrimento traz para quem o tem, porque a pessoa mantém, na maior
parte do tempo, consciência do absurdo de seus pensamentos e comportamentos, mas não
consegue evitá-los. Isso faz com que esconda a si e a seus rituais, pois sente imensa vergonha
desses sintomas insensatos e teme a loucura ou que os outros pensem que está louco. Por isso,
dificilmente essas pessoas procuram ajuda de profissionais espontaneamente e condenam-se a
um isolamento enorme, porque em geral não falam de seu problema com ninguém. Sentem-se
presos por comportamentos que não entendem e que repudiam, o que aumenta de forma
insuportável a sua ansiedade.
Manter os sintomas em segredo habitualmente faz parte do quadro. Muitas vezes as
pessoas têm os sintomas desde criança e os escondem de tal forma que nem os pais percebem,
só são descobertos muito tempo depois, quando os pacientes já são adultos ou quando não
conseguem mais conter a ansiedade e os sintomas aparecem.
Quando os familiares entendem o sofrimento dessas pessoas, estamos mais próximos de
poder ajudá-las.
Aceitar que os Sintomas Obsessivo-Compulslvos Podem Deixar a
Todos Perplexos
Ver-se envolvido por sintomas como rituais de limpeza e verificação e pela lentidão
decorrente dos mesmos deixa a todos perplexos, perdidos, sem saber o que fazer e com muitos
sentimentos negativos em relação ao paciente. Como visto no capítulo anterior, muitos familiares
envolvem-se totalmente nos rituais,
Medos, Dúvidas e Manias
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atitude que, longe de ajudar, muitas vezes até intensifica o problema. O que se deve fazer
nesses casos é negociar saídas alternativas. Por exemplo: procurar convencer a pessoa que fica
três horas no banheiro, tomando banho, a ir lentamente diminuindo seu tempo de permanência e
permitindo que alguém a ajude nesse controle, pelo menos no início. Dessa forma, a atitude mais
adequada não é simplesmente envolver-se nos rituais, nem brigar contra eles, mas adotar uma
atitude de colaboração com a pessoa, dispondo-se a ajudá-la a se controlar e conquistando a sua
concordância para receber essa ajuda (ver maiores detalhes no Capítulo 7).
Sabemos quantas atitudes de dependência maciça a família deve suportar, quantas perdas
financeiras e mesmo afetivas os rituais acarretam e como todos são prejudicados pelo problema.
Isso tudo desperta sentimentos muito compreensíveis por parte dos familiares, como raiva, pena,
medo, frustração e culpa. Todos esses sentimentos dos quais a família se envergonha podem
fazê-la retardar muito seu pedido de ajuda. Ao segredo do paciente junta-se o segredo da família,
que adia a procura de tratamento até tudo ficar insuportável. Com isso, quase sempre os casos
que chegam aos profissionais já estão bastante graves. Quanto mais cedo os pacientes e suas
famílias forem atendidos, mais eficaz será o tratamento. O tratamento precoce também pode
prevenir o isolamento e a depressão, tão comuns na vida das pessoas com TOC.
Tentar Identificar Precocemente o TOC
Muitas famílias nem sabem que têm filhos com TOC, pois a detecção precoce costuma ser
difícil. Judith Rapaport, psiquiatra infantil e pesquisadora do Instituto Nacional de Saúde Mental,
nos EUA, afirma que muitos de seus pacientes adultos obsessivo-compulsivos escondiam seu
problema quando crianças e adolescentes, sofrendo meses e anos em segredo porque não
queriam ser chamados de loucos. Percebiam que seus sintomas não eram lógicos, nem poderiam
ser racionalmente justificáveis, embora não conseguissem controlá-los. Devido a isso, essas
crianças foram progressivamente isolando-se das demais, passaram a não querer sair de casa e
muitas ficavam trancadas em seus quartos de portas e janelas fechadas, evitando os germes que
temiam, ou escondendo-se para realizar seus rituais compulsivos de forma secreta. Portanto,
esses comportamentos de "isolamento" e medo podem ser indicativos de que a criança ou o
adolescente está escondendo o seu TOC. As famílias devem prestar atenção e procurar conversar
carinhosamente com seus filhos sobre isso. Por exemplo, quando a pessoa tem medo de
contaminação, é mais fácil ficar trancada no quarto sem tocar em nada, a ter que conviver com os
outros e se deixar tocar. É preciso dizer-lhes que entendem o sofrimento pelo qual estão
passando, que não são poucas as pessoas que sofrem de problemas semelhantes aos deles, que
eles não têm nenhuma culpa pelos sintomas que apresentam e que ninguém vai achar que são
loucos, embora seus comportamentos sejam estranhos. É fundamental também que as famílias
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digam a seus filhos que existem tratamentos para esses problemas e que estão prontas para
ajudá-los a procurar auxílio adequado.
Falar com Franqueza Sobre os Tratamentos Existentes e suas
Possibilidades
A primeira coisa a fazer é procurar profissionais que possam diagnosticar claramente esse
transtorno e, então, aceitar os tratamentos propostos. Os dois melhores tratamentos para o TOC
são a psicoterapia comportamental e o uso de psicofármacos específicos. Às vezes esses
tratamentos funcionam muito bem separados e outras vezes o melhor é a combinação dos dois.
Assim, qualquer proposta de tratamento deve envolver algum deles (ver Capítulos 6 e 7).
Além disso, outras formas de terapia vêm sendo propostas. As terapias psicodinâmicas têm
sido muito eficazes não tanto para os sintomas, mas para a melhoria dos relacionamentos
interpessoais, o que ajuda muito na reinserção dos pacientes na sociedade e na família. Nesse
sentido, as terapias de família e casal também vêm sendo utilizadas com muito sucesso.
Como a Família Pode se Beneficiar da Terapia Familiar
Vimos no capítulo anterior e neste, até agora, como os familiares podem ajudar os seus
membros com TOC. No Capítulo 7, falou-se da terapia comportamental e de como ela pode
envolver a família. Falaremos a seguir a respeito de como a família toda pode ser ajudada por uma
outra técnica de terapia familiar, baseada na teoria sistêmica. Essa técnica apareceu por volta dos
anos 80 e só agora começa a ser utilizada no tratamento de famílias com pessoas com TOC.
POR QUE TERAPIA FAMILIAR, SE É SÓ UM QUE ESTÁ DOENTE?
Porque, como já dissemos no início, o paciente não é o único que sofre as conseqüências de
sua enfermidade. Quando a família assiste impotente ao padecimento de um ente querido, esse se
transforma no eixo de preocupação de seus membros. Alguns se inquietam, outros se irritam,
outros se desesperam, mas ninguém fica indiferente. Ao chamarmos a família para tratamento, não
o fazemos porque a consideramos fonte ou causa do problema do portador de TOC, mas porque
sabemos que os seus membros tanto podem contribuir para diminuir os sintomas e promover
saídas mais saudáveis para todos, quanto podem envolver-se de forma tão inadequada nas
dificuldades, que com certeza reforçarão a enfermidade.
Como Funciona a Terapia Familiar Sistêmica
O ponto de partida da terapia familiar sistêmica é considerar a família como um todo, com
um objetivo comum, ou seja, um conjunto de pessoas que interage e constantemente se influencia
mutuamente para atingir metas traçadas por seus membros ao longo de seu desenvolvimento.
Isso quer dizer que cada família vai criando em conjunto, ao longo de sua vida, padrões de
relacionamento próprios, ou seja, crenças e formas de se relacionar que vão se repetindo, inclusive
de geração para geração, e envolvendo todas as pessoas que a compõem. As famílias de
pacientes com TOC não são diferentes.
Um casal quando se forma traz consigo uma série de relações familiares já estabelecidas,
que constituem uma verdadeira rede de relações humanas. Essa rede vai se criando passo a
passo e diminui ou aumenta conforme entram ou saem pessoas na vida dessa família. Contudo,
uma parte é estável, constituída pelas crenças e valores que vão se mantendo através das
gerações e que são responsáveis pela identidade daquela família, ou seja, por ela se manter como
é. Essa rede relacional, que tem aspectos conscientes e inconscientes comuns, é que vai criando a
dinâmica familiar, isto é, a forma própria de as pessoas de uma determinada família se
relacionarem entre si.
Essa dinâmica pode ser mais ou menos favorável ao bom funcionamento de cada uma das
pessoas dentro da família. Uma família flexível permite que as pessoas sejam criativas e
espontâneas. Uma família com dinâmica rígida dificulta o ajustamento das pessoas, não dando
espaço para a contestação de normas e mudanças necessárias para acompanhar os diferentes
momentos evolutivos dos seus membros. Esses acabam ficando ansiosos e desenvolvendo
sintomas que inconscientemente, de alguma forma, procuram alterar a dinâmica familiar, sem
contudo conseguir torná-la muito satisfatória.
Para entendermos essa dinâmica e modificá-la em busca de relações mais harmoniosas,
temos que, através de técnicas de terapia familiar, trazer à tona a parte inconsciente da rede
familiar e trabalhar o significado de todas essas relações para a família.
A terapia familiar sistêmica entende que os sintomas individuais têm uma função específica
dentro da dinâmica familiar. Observamos que os pacientes com TOC não fogem à regra e
desenvolvem sintomas peculiares, que desempenham importantes funções na dinâmica de suas
famílias. Uma dessas funções é reforçar as crenças ou os mitos familiares através de seus
sintomas ou ritos individuais.
Por exemplo: a família de Luís (nome fictício) acreditava que os filhos é que deveriam,
depois de adultos, sustentar a família, em retribuição aos cuidados recebidos, e as filhas deveriam
ficar em casa fazendo companhia para os pais idosos. É evidente que isso não era explicitado
dessa forma, mas toda a família vivia de forma a cumprir essas crenças. Assim, só Luís trabalhava
para sustentar todos. As irmãs tinham medo de sair de casa e ficavam em volta da mãe que, para
justificar os cuidados recebidos, não sarava nunca de vários "achaques". O pai,
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com problema de coluna, quase não podia andar e muito menos trabalhar fora. Luís era o
menino "bonzinho", o "arrimo de família", o provedor.
Após longo período desse tipo de organização, Luís desenvolveu um sintoma de "medo de
contaminação" muito forte. Passava horas desinfetando a cozinha para poder comer antes dos
outros, que esperavam pacientemente. Com o tempo, Luís perdeu o emprego e passou a ser
substituído pelo pai, que "milagrosamente" sarou. Essa mudança na vida do rapaz produziu uma
reorganização familiar. As irmãs também foram trabalhar fora e Luís ficou em casa com a mãe,
sem trabalhar, o que talvez fosse, inconscientemente (uma hipótese), o que ele desejava.
Paradoxalmente, foi o que ficou mais preso na dinâmica de fusão que queria evitar. Mudou o mito
familiar sobre a sua pessoa, mas ficou preso no mito "devemos ficar sempre unidos".
À medida que o terapeuta trabalha com toda a família em conjunto e possibilita que fique
claro para todos tramas como essa, todos podem colaborar para a mudança e libertação mútua,
principalmente do paciente.
Na sessão terapêutica criam-se situações por meio de questionamentos e /ou dramatizações
que facilitam a mobilização das vivências emocionais contidas na família e propiciam a
recuperação das partes sadias das relações. Esses momentos emocionais facilitam a entrada do
terapeuta na dinâmica da família e, aliados à reflexão e aos questionamentos provocados por ele,
permitem à família adquirir a capacidade de discriminar os efeitos nocivos de suas crenças e
romper com elas. Por exemplo: quando o terapeuta solicita que se construa na sessão terapêutica
o retrato ou a escultura simbólica da família, pode-se perceber claramente quem se relaciona
melhor com quem, quem fica mais distante ou mais próximo e o que sentem. A discussão posterior
desse "retrato" permite a busca de relacionamentos mais satisfatórios.
Acreditamos que esse trabalho com toda a família permite uma visualização e compreensão
conjunta do "drama" familiar e facilita a quebra de relacionamentos indesejáveis e sua substituição
por outros mais adequados ao bom funcionamento de todo o grupo familiar.
Através de pesquisas por nós realizadas, identificamos algumas características relacionais
próprias das famílias de pacientes com TOC, que precisam ser trabalhadas em conjunto para que
se possa aliviar o paciente que, sozinho, não consegue romper a rede de relações familiares que o
cerca e que prende a todos. Algumas dessas características são
a)
excessiva rigidez quanto a princípios morais e regras, o que leva à repressão dos
impulsos sexuais e agressivos;
b)
dificuldades de discutir em conjunto e enfrentar os conflitos, preferindo ignorá-los;
c)
excessiva ligação do filho com TOC a um dos pais com afastamento do outro,
gerando intenso ciúmes entre todos os membros da família, que se tomam
periféricos e acabam sendo coniventes e mantendo essa situação por não saberem
o que fazer.
Esses padrões são muito importantes nas dinâmicas das famílias de obsessivos porque os
indivíduos nessa situação de submissão recíproca não conseguem romper as amarras e tornar-se
independentes sem a ajuda da terapia. Quando a
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situação torna-se crítica é que aparecem ou se agravam os sintomas que, como vimos no
caso descrito, rompem as regras familiares e mantêm a fusão familiar. Uma vez identificadas e
trabalhadas essas características familiares por meio de uma terapia familiar, com certeza o
paciente passará a viver em um ambiente mais satisfatório, o que facilitará o seu tratamento.
CONCLUSÕES
A terapia familiar sistêmica pode, assim, ser muito produtiva, melhorando todos os
relacionamentos dentro da família. Por ser freqüente a existência de outros pacientes com TOC na
mesma família, que em geral têm regras familiares muito severas, a melhora conjunta evita que
novos problemas apareçam e cria um clima de maior compreensão e tolerância das diferenças e
transgressões entre os familiares.
O ambiente de mais amizade e respeito que decorre daí facilita a cada um explicitar suas
necessidades e essas serem acolhidas por todos com menos rigidez e maior boa vontade, o que
permite à família mudar suas regras com mais facilidade para atender às necessidades de cada
um, sem perder a sua forma de ser característica. Pacientes com TOC vivendo em uma família
assim têm muito mais chances de mudar e manter suas conquistas mais saudáveis porque
melhora a sua qualidade de vida dentro de casa.
Por esses motivos, sempre que possível, principalmente quando se percebe que são
importantes os fatores familiares na expressão dos sintomas, indicamos a inclusão de uma terapia
familiar no tratamento dos pacientes com TOC.
Para finalizar, deixamos uma última recomendação. Pensamos que é importantíssimo para
quem tem TOC manter-se informado sobre as constantes pesquisas e as novas descobertas sobre
esse problema médico, que surgem com freqüência, tanto relacionadas a tratamentos químicos
quanto psicoterápicos. Pensamos que tantas descobertas novas só podem ser fonte de muita
esperança e vale a pena acompanhá-las. Mantendo-se bem-informados, os pacientes e seus
familiares poderão ajudar-se mutuamente e a outros.
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