1 - Unioeste

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FORMAÇÃO DO PROFESSOR PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS NO CURSO
DE PEDAGOGIA
Daniela De Maman1
1 Introdução
A formação de professores para atuar no ensino de ciências sugere que algumas
questões sejam discutidas como encaminhamento para posteriores análises e discussões.
Entre elas, cito: Quais seriam os espaços destinados para a prática da reflexão no curso
de formação inicial de professores? Que conhecimentos são necessários para que o
futuro professor tenha condições de pensar a sua formação? O desenvolvimento
profissional docente no curso de formação inicial precisa incorporar a aprendizagem de
conteúdos específicos?
A qualidade do ensino perpassa pela discussão do que é processo de ensino, do
que é conhecimento científico, de que elementos conferem ao currículo a configuração
de conjunto estrutural de conceitos a serem desenvolvidos a partir da prática
pedagógica, de como precisa ser pensada a formação inicial docente, do quanto a
autonomia do professor, na elaboração de planejamentos de ensino, de escolha de
atividades didáticas, de seleção de conteúdos, de escolha por abordagens metodológicas
influenciam na qualidade de suas práticas pedagógicas. Sendo a autonomia docente no
exercício profissional uma condição de melhoria da qualidade do processo de ensino é
possível argumentar-se que tal condição pode ser desencadeada a partir de elementos
estruturais presentes nos cursos de formação e também de qualificação docente.
Texto elaborado a partir dos estudos no Curso de Doutorado em Educação – Dinter – Unioeste
– Campus de Francisco Beltrão/PR e UFPEL. Financiamento da CAPES e Fundação
Araucária/PR – 2013 a 2017.
1
Mestre em Educação, Docente do Curso de Pedagogia da Unioeste, Campus de Francisco
Beltrão e doutoranda do Programa de Pós - Graduação em Educação-Dinter da Universidade
Federal de Pelotas, com apoio da CAPES e Fundação Araucária.Membro do Grupo de Pesquisa
Gecibio/Unioeste/Campus de Cascavel/PR. E-mail: [email protected].
1
2 Desenvolvimento
É presente, em alguns currículos de cursos de formação de professores, a nítida
separação entre os fundamentos da educação e as metodologias do ensino, como no caso
do Projeto Político Pedagógico do Curso em que se desenvolve a pesquisa. Esta
separação promove de forma contraditória à filosofia do curso uma linha divisória em
que, de um lado (uma parte do curso) os acadêmicos são condicionados a uma formação
de especialista em educação, e de outro, professores de crianças. É como se o curso
tivesse que dar conta de duas capacitações distintas num mesmo processo de formação.
A articulação entre ambos os vieses de formação é tênue. Assim, algumas
propostas de formação inicial não se encontram articuladas com um projeto democrático
voltado para a formação de profissionais que atuarão no contexto escolar, o qual
demanda tanto especialistas em gestão escolar quanto de docência. O ideal quando se
pensa em processo formativo é alcançar a qualificação profissional sob a ótica de
desconsiderar as múltiplas influências internas e externas sobre o trabalho do professor.
Dessa maneira, as discussões sobre formação de professores e qualificação de
professores já atuantes no contexto escolar precisam levar em conta que: o professor
traz consigo experiências próprias que, muitas vezes, são postas em xeque frente ao
novo que é imposto pelos cursos de formação docente. A formação inicial alicerçada em
princípios formativos de saber científico e profissional precisa manter-se no sentido de
estreitar-se à formação continuada.
É importante considerar que o curso de formação inicial não tem alcance
permanente frente ao acompanhamento do professor no exercício da sua prática
pedagógica, das mudanças e transformações que permeiam as tendências pedagógicas
no ensino. A formação inicial em ensino de ciências precisa ser pensada como uma
formação contínua; assim, são necessárias ações através de políticas educacionais que
sustentem práticas de formação continuada, para manter presentes, na prática
pedagógica do professor, através de situações de ensino, os princípios educativos para o
ensino de ciências. Trata-se de pensar práticas de intervenção que iniciam na formação
inicial, mas que poderiam manter-se através de acompanhamentos pedagógicos, por
meio da formação continuada.
A menção, neste estudo, sobre a formação inicial e continuada, como foco de
interesse sobre a qualidade da formação em ensino de ciências para acadêmicos dos
Cursos de Pedagogia, tem um olhar específico sobre o Curso de Pedagogia da Unioeste
– Campus de Francisco Beltrão/PR. O texto resulta do olhar da professora-pesquisadora
em relação a disciplina de Fundamentos Teóricos e Metodológicos das Ciências
Naturais nos anos letivos de 2014 e 2015, sobre a qualidade do ensino desta área num
curso de formação inicial, sobre a peculiaridade que caracteriza os acadêmicos
matriculados: 80% destes acadêmicos matriculados já atuam como professores na Rede
Municipal e Privada de ensino do Município de Francisco Beltrão e Municípios da
região Sudoeste do Estado do Paraná e, desde modo já desenvolvem ou desenvolveram
atividades didáticas de ensino de ciências nas modalidades de ensino da Educação
Infantil e Anos Iniciais do ensino Fundamental I.
Em termos de índices numéricos, dos 67 alunos matriculados na disciplina no
ano letivo de 2014, 41 já atuam como professores na rede Municipal e Privada de
ensino. E dos 60 acadêmicos matriculados na disciplina no ano letivo de 2015, 47 já
atuam como professores na rede Municipal e Privada de ensino. Deste modo, é preciso
tratar a formação destes acadêmicos sob duas perspectivas: a da formação inicial e
continuada. Assim, ao longo do diálogo sobre formação docente, neste capítulo, as duas
modalidades formativas mesclam-se em termos de concepções e perspectivas para
buscar a qualidade, em termos de conhecimento profissional.
Uma das concepções refere-se ao fato de que o ofício que o professor exerce não
é uma ação isolada e sim parte de seu ponto vista e, num contexto estruturado a partir de
condições estruturais e culturais: como a escola tem uma “personalidade”, quando em
capacitação profissional, o professor tem que compartilhar os ideais e as ideias que
caracterizam cada instituição do ponto de vista da sua condição física e cultural; por
exemplo, dificilmente numa escola da Rede Municipal de Francisco Beltrão/PR, seja ela
localizada num bairro central, seja periférico, encontrar-se-á uma horta mantida e
cultivada pela comunidade escolar, já em uma escola do campo vinculada à mesma rede
de ensino é possível vislumbrar uma horta mantida pela equipe escolar e que gera
situações de ensino.
Do mesmo modo, é possível encontrar em instituições escolares um grupo já
formado de professores que tem como meta de trabalho semanal o planejamento em
grupo dos conteúdos a serem ministrados, enquanto em outras instituições sob a
orientação da mesma secretaria de educação, não há esta cultura de planejamento
coletivo, cada professor organiza seus planejamentos segundo as orientações gerais da
secretaria, mas sem trocar informações com seus colegas. Tais exemplos traduzem a
expressão “personalidade”, utilizada por Falsarella (2002), e demonstram a
precariedade, em alguns casos, do tratamento dado aos conteúdos, se consideradas as
dimensões procedimentais e atitudinais. Conforme o autor:
(...) é fundamental que ela seja encarada não simplesmente para suprir
deficiências ou como complemento da formação inicial do professor,
mas em seu sentido lato, como um continuum que, iniciando-se coma
formação inicial, acompanha o professor por toda a sua carreira, como
um dos fundamentos na construção de sua identidade profissional
(FALSARELLA, 2002, p. 77).
A formação inicial tem sido caracterizada, ao longo da história das tendências
pedagógicas no Brasil, pelo aprendizado de competências e habilidades e estas garantem
a atuação do professor no contexto escolar sem a exigência da continuidade do
aprendizado. Então, surge como demanda de políticas educacionais a chamada
reciclagem pedagógica um termo utilizado para camuflar o reducionismo da formação
inicial que não garante o desenvolvimento de práticas pedagógicas que promovam a
construção de conhecimento. A formação inicial não garante a qualidade no ensino,
desse modo é necessário visualizar e buscar superar o caráter reducionista de ambas as
formações. E ter como eixo norteador da implementação de projetos de formação
continuada, pois, segundo Falsarella (2002) é o professor que transforma a ideia de
inovação em ato pedagógico inovador, é ele que abraça uma ideia, testa esta ideia na
prática e apropria-se dela ou não, incorporando-a à sua rotina cotidiana (p. 78).
Com base nos pressupostos da autora, o Estado, ao propor políticas de formação
de professores, depara-se com posturas políticas enquistadas na escola e nas práticas
pedagógicas, ou seja, determinantes em relação a atuação dos professores, ou, de forma
ampla, dos profissionais da educação. Deste modo, a imersão no universo da oferta de
cursos de formação continuada precisa partir do entendimento de que:
O problema da reforma não é simplesmente convencer os educadores
de que eles e as crianças podem ser bem sucedidos, de que é
necessário compromisso da equipe escolar com a diversidade cultural
e que para isso, é preciso que trabalhem cooperativa e coletivamente –
espaço discursivo como responsável pela formação da subjetividade
infantil (FALSARELLA, 2002, p. 79).
Assim, um aspecto fundamental a ser considerado são os discursos existentes
tanto nos contextos de formação docente quanto no contexto escolar, e a atmosfera de
trabalho que se delineia para os futuros professores, ou para os já em exercício
profissional docente, ambos definidos pela cultura interna própria de cada contexto
escolar – a personalidade da escola. Para o autor a socialização do professor na
profissão é um processo mais longo do que na maioria das profissões, confundindo-se
com o início de sua própria escolarização... (FALSARELLA, 2002, p. 81-82).
Atualmente, falar sobre a formação de professores, seja inicial, seja continuada,
significa dirigir o olhar pelo campo das políticas públicas de formação profissional
docente. A formação não se restringe à formação inicial e ela precisa perpassar pela
cultura da prática pedagógica de sala de aula ao mesmo tempo que a formação
continuada é condição para o exercício profissional docente.
Assim, o interesse específico neste estudo aponta para a necessidade de refletir
sobre processos de formação docente inicial e continuada e centrar o interesse formativo
no ensino de Ciências no interior da disciplina especifica de metodologia do ensino de
ciências, em específico para o ensino de crianças, tanto na modalidade de ensino da
Educação Infantil quanto do Ensino Fundamental I. Para tanto, a formação do
profissional que trabalha com Ensino de Ciências com crianças e a insuficiência dos
conceitos científicos presentes nos materiais didáticos de Ciências Naturais exigem do
professor a continuidade de sua formação docente. É necessário compreender que as
exigências de um processo de formação inicial poderiam caracterizar-se como
elementos constituintes de sua identidade profissional, visto que é na cotidianidade de
sua prática pedagógica que este profissional constrói o seu olhar, a direção dos seus
modelos didáticos de ensino adquiridos na primeira etapa de sua formação: a inicial.
As afirmações aqui explicitadas, de certo modo, determinam um posicionamento
no sentido de reivindicar políticas de formação que pretendam realmente provocar
olhares sobre a rotina escolar e, que se tornem sejam realmente significativas para os
professores. E que também viabilizem a formação inicial do professor e sua socialização
da profissão, as suas escolhas e decisões profissionais e seu compromisso com a
educação; a personalidade da escola (clima e cultura), a política de valorização do
magistério e a garantia de continuidade da capacitação profissional. O autor entende que
exercer o magistério nos dias de hoje significa estar em situação de permanente
ambiguidade e conflito... (FALSARELLA, 2002, p. 88-89).
Além disso, é preciso mudar algumas posturas e concepções como, por exemplo,
o papel do professor em sala de aula, enquanto elemento fundamental na organização do
conhecimento científico em saber escolar. É necessário que ele, ao invés de ser o
detentor da verdade, exerça o papel de mediador entre os conhecimentos que o aluno
traz consigo para a escola e o conhecimento científico necessário para melhor
compreensão da realidade da qual faz parte e com que em geral interage. Tal afirmação
pode vislumbrada no diálogo sobre as perspectivas para o ensino de ciências na
contemporaneidade: o aluno é sujeito da sua aprendizagem, mas esta ação não é
espontânea, é direcionada, organizada pela intervenção pedagógica do professor.
Talvez seja necessária, tanto ao acadêmico, na condição de futuro professor,
quanto na condição de acadêmico-professor, a capacidade do exercício de pensar sobre
sua prática, sobre as políticas de formação que permearam, permeia ou permearão sua
identidade profissional. Não se trata aqui de – devido à impossibilidade, por vezes,
ocasionada por imobilidade de políticas educacionais direcionarem a “culpa” pelas
deficiências formativas tantos dos professores quantos dos alunos para o profissional
professor, mas de buscar ideias, apontar caminhos como da ação de refletir sobre sua
própria trajetória de formação e atuação.
Para tanto, há o futuro profissional da educação precisa exercitar a ação de
refletir sobre as nuances que permeiam o processo educativo e construir o habitus da
reflexão superando a visão individualista de sua prática. Segundo a análise de textos de
autores como: Perrenoud (2002), Pimenta, (2002), Paquay (2001), Zabala (1998), é
possível argumentar sobre a necessidade da ação de refletir sobre processos formativos
(ação para os acadêmicos futuros- professores) e sua própria atuação no campo
profissional (acadêmico futuros-professores).
Todos esses elementos que permeiam o processo educativo são complexos e
distintos dependendo das situações de aprendizagem que se apresentam no cotidiano da
sala de aula. Além disso, não se pode prever com antecedência o que acontece em sala;
por isso, o professor necessita de várias estratégias para atender essas situações, tendo
claro, segundo Perrenoud (2002), que em algum momento terei de tomar decisões
difíceis e não poderei me esconder atrás das autoridades ou especialistas (p. 54).Assim,
o professor necessita proporcionar aos alunos metas e objetivos e promover o
entendimento de que estudar e construir conhecimentos, produzir conceitos não é algo
mecânico, mas algo que pode tornar-se prazeroso. Nesse caso, o aluno precisa encontrar
sentido na atividade de ensino proposta pelo professor, assim:
O aluno encontrará o campo seguro num clima propício para aprender
significativamente, num clima em que se valorize o trabalho que se faz, com
explicações que estimulem a continuar trabalhando, num marco de relações
em que predomine a aceitação e a confiança, num clima que potencializa o
interesse por empreender e continuar o processo pessoal de construção do
conhecimento (ZABALA, 1998, p.96).
Entendo que os alunos precisam ser participantes do próprio processo de
aprendizagem. Como acontece esta participação? O professor em seu planejamento de
ensino precisa prever na escolha dos conteúdos aqueles que são próximos da realidade
dos seus alunos. Seu planejamento deve ser flexível, levando em consideração os
saberes dos alunos anteriores à escola, suas opiniões e contribuições durante as aulas,
sempre tendo como meta de ensino a ampliação desses saberes. Sobre isso o autor diz:
Para levar em conta as contribuições dos alunos, além de criar o clima
adequado, é preciso realizar atividades que promovam o debate sobre suas
opiniões, que permitam formular questões e atualizar o conhecimento
prévio, necessário para relacionar uns conteúdos com os outros (ZABALA,
1998, p. 95).
Ao pensar sobre a situação de formação docente e própria prática pedagógica
contribui-se para avançar e gerar mudanças significativas em torno da atuação
pedagógica. Sobre essa prática reflexiva, sobre o fato de uma prática reflexiva não é
apenas uma competência a serviço dos interesses do professor, é uma expressão da
consciência profissional (PERRENOUD, 2002, p. 50).
Assim, para que o profissional consiga refletir a sua prática, é necessário que ele
tenha uma visão crítica de mundo, da sociedade e do homem, mas que essa visão não
seja uma “verdade absoluta” para que seja possível parar e repensar tais questões,
sempre procurando ampliar o debate. A visão crítica de pensar e de analisar não é
decorrente única e exclusivamente da formação acadêmica, mas também da formação
de vida, da sensibilidade permanente e continuada diante dos assuntos e, por fim, dos
saberes científicos que adquiriu ao longo da formação acadêmica e vivencial. O
profissional que compreende o seu papel no processo de ensino e de aprendizagem terá
mais chances para dar os primeiros passos em direção a olhar sobre suas ações, para a
reflexão da sua prática e, possivelmente, questionar suas ações e interações
educacionais com seus alunos.
Outro aspecto a considerar é a autonomia do professor para ter a liberdade de
elaborar e/ou organizar sua prática pedagógica a partir dos seus princípios educativos.
Não se trata de valorizar uma prática pedagógica individualista, visto que no contexto
educativo é preciso mobilizar o coletivo, mas de permitir a este profissional, no decorrer
do seu exercício docente, exercer a dimensão pessoal em termos de conhecimentos
éticos e filosóficos. A autonomia envolve uma série de características que devem estar
presentes na prática pedagógica, como, por exemplo, conteúdos, metodologias e
recursos utilizados.
A autonomia também abarca a capacidade do professor saber procurar por si
mesmo encaminhamentos, abordagens metodológicas bem como soluções para a
compreensão de conteúdos. Para agir com autonomia, o professor precisa
necessariamente ter uma postura consciente das suas concepções enquanto profissional
responsável pela produção do saber. Ao partir da concepção de que o sistema
educacional necessita de profissionais reflexivos e críticos, que busquem através de suas
práticas pedagógicas trabalharem de forma integrada, dinâmica e dialógica com as
situações de ensino, promovendo a troca de saberes, para a autonomia escolar, para o
respeito mútuo entre professores e alunos.
Além de buscar a participação ativa do educando, é preciso que o educador
tenha em mente a necessidade de estar em constante atualização, isto é, estar em contato
com a pesquisa, mas também é preciso que o educador não se sinta o dono da verdade
absoluta e passe a desprezar os saberes empíricos dos seus educandos. O educador, ao
estar em constante aprimoramento, deve conservar o sentimento de humildade, precisa
despertar em seus educandos o gosto pelo aprender, por pesquisar.
Quando Freire (1996) cita que é preciso ensinar a aprender e a aprender com os
educandos o pensar certo, este prioriza a importância da ética e da não discriminação na
construção de um ensino democrático e enfatiza que o pensar certo não é somente uma
qualidade de poucos professores, mas uma qualidade alcançada mediante uma relação
dialógica de troca de saberes entre professores, entre professores e alunos, na
disponibilidade de ambos para mudar, para transformar.
O educador, para ser um profissional que ensina de forma crítica, deve ter
consciência do seu papel educador e da sua extensão; precisa agir como profissional e
não como funcionário que transfere conhecimentos, isto é, saberes. Precisa, ainda,
superar o pragmatismo no ensino e buscar um ensino progressista que valoriza a relação
educador-educando bem como as experiências informais dos alunos. Segundo o autor:
À educadora progressista não se permite a dúvida em torno do direito,
de um lado, que os meninos e as meninas do povo têm de saber a
mesma matemática, a mesma física, a mesma biologia que os meninos
e a meninas das “zonas felizes” da cidade aprendem, mas, jamais
aceita que o ensino de não importa qual conteúdo possa dar-se alheado
da análise crítica de como funciona a sociedade (FREIRE, 1996, p.
44).
Com base nas argumentações de Freire (1996), a prática pedagógica do
professor precisa estar alicerçada a um movimento de busca em relação ao seu próprio
processo de aprender. A competência é outra qualidade imprescindível do educador para
uma prática de ensino crítico bem como a consciência do inacabamento e o respeito à
autonomia dos demais seres humanos (FREIRE, 1996).
Nesse sentido, o papel do professor é o de mobilizador das situações de ensino.
Por isso a importância da reflexão com interlúdio de crescimento do conhecimento
profissional. E a partir desta afirmação, convém dizer que não há um manual didático
que disponibilize um modelo de docência a ser desenvolvido com atestado de sucesso
nem com garantia da qualidade do ensino.
É preciso que os profissionais da educação tenham consciência da quão incerta,
heterogênea e complexa são as relações que permeiam o cotidiano da sala de aula.
Perrenoud (2002) diz que, a cada momento, o professor realiza adaptações para
administrar as incertezas. Assim, a prática não é uma concretização de receitas e o
ensino oscila entre a rotina e a improvisação. A revitalização da docência, ou mesmo a
construção da identidade profissional, depende, em grande parte, do interesse, sim, do
professor, para experimentar novas abordagens e saber explicar o porquê de certas
atividades desenvolvidas. O exercício da reflexão sobre a própria ação envolve uma
totalidade de sentidos que perpassam desde a convergência entre questões teóricas e
práticas, como as indagações primárias sobre o homem e suas finalidades e sobre o que
ensinar e para que ensinar (PERRENOUD, 2002).
Ao se apostar para a reflexão sobre o exercício da docência, nega-se a visão
reducionista da ação docente apoiada apenas na racionalidade técnica buscando
sensibilizar o leitor para um sentido de globalidade, que suscite a necessidade de
interação docente e aluno, no sentido de complementariedade de relações de
aprendizagem. A docência - quando pensada para além da lógica do mercado e que
impulsiona a perspectiva da qualidade total - envolve o professor em sua totalidade,
pois sua prática pode ocasionar a construção do fazer, do saber e a moldagem do ser.
Assim, o exercício da docência está aliado a um compromisso consigo mesmo,
com o aluno, com o conhecimento e com a realidade. Tais afirmações levam refletir que
o ato da docência está constituído por dilemas pessoais, práticos e contextuais. O
primeiro dilema remete à condição de pensar o professor como sujeito que é constituído
por concepções éticas e filosóficas.
Segundo Enricone (2001), mais que um projeto pedagógico, é um projeto
existencial. A identidade do professor constrói-se a partir do equilíbrio entre as
características pessoais e profissionais. Nenhum professor é professor isoladamente,
mas sempre a partir do encontro com a individualidade de cada aluno. A interação que
ocorre entre professor e aluno tem sempre caráter de reciprocidade e determina o clima
vivido na classe, em que deveria predominar o apoio afetivo, técnico ou cognitivo de
uma relação solidária e prazerosa.
Em relação ao segundo e terceiro dilemas – prático e contextual – significa dizer
que, por mais que o processo de formação forneça técnicas de organização das aulas,
estas são dinâmicas e cabe ao professor, no exercício de sua reflexão sobre a observação
do cotidiano, lançar mão de subsídios para superar as situações adversas que podem
ocorrer e que lhe permitam compreender e agir diante da pluralidade de relações e
conhecimentos que são produzidos na sala de aula. Outro ponto que precisa ser
discutido para além das atitudes esperadas de um profissional ciente da sua identidade
profissional e que ainda constitui objeto de discussões do ponto de vista de modelos
didáticos de ensino é o conhecimento profissional docente, que significa o saber
necessário ao professor para orientar a sua prática pedagógica possibilitando a qualidade
do ensino.
Por um longo período na história das tendências pedagógicas, denominado de
tendência tradicional, o conhecimento profissional docente foi atribuído somente aos
especialistas e, ao professor, mergulhado no cotidiano da sala de aula, bastava
reproduzir as receitas. Hoje, porém, nos processos de formação docente, a lógica do
conhecimento profissional passa pelo aprendizado do conhecimento científico,
pedagógico, empírico e filosófico.
Outro aporte teórico que instaura processos reflexivos em torno da formação de
professores pode ser encontrado em Mizukami (2002) quando aponta para dois tipos
distintos de modelos de formação: o fundamentado na racionalidade técnica e o pautado
na racionalidade prática. O primeiro modelo compõe-se de uma estrutura curricular que
agrupa os conhecimentos de forma linear e sem margem para o saber do sujeito
envolvido no processo de ensino. O segundo modelo abrange o saber construído pelo
sujeito de modo a promover a evolução deste mesmo saber a partir da reflexão sobre a
sua construção.
Mizukami (2002) diz que, a partir deste modelo, pode-se chegar à compreensão
de que se aprende a ser professor são só durante a formação inicial, mas em processos
formativos ao longo da vivência profissional, embora seja de responsabilidade dos
cursos de formação inicial docente garantir a base de conhecimento para o exercício da
docência. Também se faz presente em suas argumentações que o modelo de docência
que o professor desenvolve na prática pedagógica pode estar apoiado muito mais nos
modelos pelos quais passou ao longo do seu processo de escolarização do que dos
modelos vivenciados em curso de formação inicial. De acordo com Mizukami (2002) no
cotidiano da sala de aula, o professor defronta-se com múltiplas situações divergentes,
com as quais não aprende a lidar durante seu curso de formação (p. 14).
Ainda de acordo com Mizukami (2002) ao se analisar em situações de ensino
desencadeia-se uma série de elementos sobre, por exemplo, concepções de ensino e
processo de aprendizagem, como também pode revelar ao profissional que investiga sua
própria dinâmica de aprender suas concepções frente aos conceitos construídos. Esta
afirmação leva à reflexão de que são necessários processos de formação de professores
alicerçados numa concepção crítica de educação, desenvolvida a partir de políticas
públicas para formação de professores e em parceria com órgãos governamentais.
A distinção entre teoria e prática, em cursos de formação docente, aliada à falta
de experiência docente durante a formação inicial, favorece um saber ou conhecimento
profissional fragmentado em relação a conteúdos específicos e leva os professores a
ficarem dependentes de “receitas didáticas” geralmente, distribuídas por ocasião de
cursos de qualificação profissional caracterizados como pseudosformações continuadas,
para elaborarem situações de ensino, assim tornam-se dependentes dos livros didáticos
para desenvolver conteúdos.
Para o professor desenvolver seu trabalho profissional no ensino, neste caso, no
ensino de ciências naturais, que constitui o objeto desta pesquisa, é necessário conhecer
o mundo diversificado, incluindo sua organização curricular, que vai desde o preparo da
aula, a escolha de conteúdos, técnicas de ensino, além de material didático. O diálogo,
segundo essa concepção, consiste em uma maneira de conhecer os problemas dos
alunos e partir em busca de possíveis soluções.
O professor, ao planejar suas aulas, precisa conhecer a diversidade de temas que
podem ser abordados e que servem de suporte para a construção de um novo conceito.
Desse modo, o planejamento escolar precisa estar relacionado com uma proposta de
trabalho, no sentido de o professor poder alterá-la, de acordo com as adequações que se
fizerem necessárias, no decorrer do dia-a-dia.
O espaço pedagógico que propicia esta prática de ensino tão almejada, segundo
Fracalanza (1986), precisa ser descontraído, de abertura em relação à investigação-ação,
a inter-relação com a realidade, de buscar por respostas que sirvam de alternativas e
meio de incentivar a curiosidade espontânea a despertar a curiosidade epistemológica.
Desse modo, é preciso que se tenha clareza de que os espaços de formação
docente, de formação inicial ou continuada, precisam ter, entre seus princípios
formadores, a promoção de saberes específicos sobre os conteúdos e os saberes
profissionais. E, o sujeito em processo de formação precisa igualmente ter consciência
da incompletude em termos de conhecimentos. Assim, a formação profissional do
professor de ciências, pensada a partir dos elementos mencionados por Carvalho e Gil-
Pérez (1998) e, Carrijo (1999), precisa ainda envolver as características explicitadas por
Astolfi e Develay (1991):
Especificidades da profissão de professor - Esta profissão constitui-se em uma
profissão de tomada de decisões em sistemas complexos, nas quais, interagem inúmeras
variáveis, entre elas, o aluno, o conteúdo a ser ensinado e as estratégias de ensino. O
professor, então, deve dispor de meios (ferramentas) que lhe permitam agir sobre o
complexo bem como a tomar decisões. As ferramentas devem ser escolhidas a partir da
observação, da análise, da ação, da regulação e da avaliação de situações educativas.
Assim, a prática pedagógica, tanto na Educação Infantil como nos Anos Iniciais
do Ensino Fundamental, Séries Iniciais, envolve um variado campo de conhecimentos
que precisam ser renovados e aperfeiçoados (processos que envolvem reconhecimento
de perfis conceituais, envolvem regularmente mudança e evolução conceitual), para
alcançar os objetivos do ensino. Envolve, inclusive, a compreensão de que os conceitos
científicos a serem transmitidos ao aluno devem interagir com as concepções próprias
dos alunos, gerando um amplo campo de indagações que desenvolvem o espírito crítico,
o raciocínio.
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