EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ______VARA DA COMARCA DE DRACENA - SP O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por seu representante legal que esta subscreve, no exercício das funções de Promotor de Justiça do Meio Ambiente, vem mui respeitosamente a presença de Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, em face da “PREFEITURA MUNICIPAL DE DRACENA", pessoa jurídica de Direito Público Interno, com sede na Av. José Bonifácio, n.º 1437, Paço Municipal, inscrita no CNPJ SOB N.º 44.880.060/0001-11, e "ASSOCIAÇÃO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE CARNES DE DRACENA", associação civil, com sede à Av. Presidente Vargas, n°. 332, nesta cidade, na pessoa de seu Presidente, Sr. Valdir Scremin, brasileiro, comerciante, RG n.º 6.088.543 e CPF n.º 017.593.198-48, pelo que passa a expor e requerer o quanto segue. I - DOS FATOS Consoante consta dos documentos inclusos, funciona no lote de terras composto de parte das chácaras n°. 93, 108, 109 e 110, encravado na Fazenda Tocantins, Estrada Municipal do Bairro do Tigre, distante aproximadamente 1.000 metros do perímetro urbano, com área de 67.500 m2, nesta cidade, o Abatedouro Público Municipal, de propriedade da primeira Requerida (Prefeitura Municipal de Dracena) e administrado e fiscalizado pela Segunda requerida (Associação do Comércio Varejista de Carnes de Dracena", também chamado de "Associação dos Açougueiros de Dracena", conforme contrato de Cessão de Uso Gratuito, por prazo indeterminado, firmado entre as requeridas no ano de 1.989, o qual está em plena vigência até esta data. No Abatedouro Municipal, diariamente é feito o abate de animais bovinos e suínos, cuja carne abastece o comércio local, como açougues, mercados e supermercados. Todavia, o abate vem sendo feito em total desrespeito às regras legais, sendo potencial poluidor das águas do Ribeirão Santa Eufrásia, exclusivamente pela realização de sua atividade. Nesse sentido, desde a sua instalação, nunca observou qualquer regra tendente a preservar o meio ambiente, obrigando que o Ribeirão em questão, e em última razão, toda a população, suporte os efeitos de sua deletéria atividade poluidora. Segundo documento fornecido pela CETESB, e que se encontra a fls. 66 dos Autos de Inquérito Civil, "o abate bovino vem sendo realizado diariamente, na jornada de trabalho de segunda-feira aos sábados, na média diária de 10 (dez) cabeças, para suprimento dos açougues da cidade que comercializam o produto". É ainda do teor do documento, que "atualmente não existe segregação dos despejo líquidos, sendo as águas de lavagens de pisos, carcaças e equipamentos, sangue, etc., lançados sem tratamento, diretamente o córrego do matadouro, afluente do Ribeirão Santa Eufrásia (classe 2), pertencente a bacia hidrográfica do Rio do Peixe" (g.n.). Por arremate, "o lançamento vem infringindo ao disposto no Regulamento da Lei 997/76, aprovado pelo Decreto n°. 8.468/76, causando comprometimento na qualidade das águas do corpo receptor" (fls. 66). Em nova oportunidade, a CETESB informa (08 de outubro de 1.999) que "após o vencimento do prazo concedido no Auto de Infração de Penalidade e Advertência (AIIPA n°. 142108 / constante da informação COPP n°. 0048/98), retornamos no empreendimento nas datas de 09/10/98, 12/02/99 e 01/10/99), onde constatamos a persistência do lançamento "in natura" do efluentes líquidos oriundos do abate, no ribeirão Santa Eufrásia..." (fls. 106, com documentos "usque" fls. 111). A par das irregularidades constatadas, nem a Prefeitura Municipal, proprietária do Matadouro; nem a Associação dos Açougueiros, que o utiliza para suas atividades, está preocupada em resolver o problema, que vem diariamente contaminando o meio-ambiente. Tanto é verdade, que em ofício enviado por esta Promotoria de Justiça à Prefeitura Municipal, esta informou que foi solicitado ao Governo do Estado liberação de recursos em complemente a anterior convênio para execução de obras no matadouro municipal (fls. 71). Em outro documento (fls. 87), a Prefeitura Municipal diz haver enviado outro ofício, solicitando verbas no valor de R$ 112.000,00 (cento e doze mil reais) para obras de complementação do Abatedouro Público Municipal. Ocorre, que pela total falta de trato no tocante aos cuidados ambientais, bem ainda, nas próprias condições de abate, que não fornece produto seguro à população, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo informou ao Ministério Público em solicitação por nós formulada, que realmente recebeu ofício da Prefeitura Municipal de Dracena solicitando complementação de verba ("recebemos ofício da Prefeitura Municipal de Dracena, no. 075/99, datado de 26 de janeiro de 1.999, solicitando recursos para adequação do Matadouro Municipal"). Mas, é do citado documento que "em conformidade com laudo de levantamento do Matadouro, emitido pelo médico veterinário Dr. Evandro Bellusci (anexo), concluise que, nas atuais condições, não há garantia da qualidade do produto colocado à disposição da população" (fls. 134). Vale destacar, que o documento referido acima encontra-se a fls. 136, nele constando: "o estabelecimento não possui rede de esgoto ou tratamento em lagoas, sendo os afluentes direcionados ao córrego (30m)". Ao que se nota, inadequado o produto ao consumo da população. Inadequado a atividade realizada pela segunda requerida, por autorização da primeira, ao meio ambiente. Portanto, esperarmos de braços cruzados a liberação de verbas do Governo do Estado para edificações necessárias, é condenar o ribeirão Santa Eufrásia à morte. Nesse contexto, exatamente por não terem um plano para solução do problema, o que demonstra despreocupação em melhorar as condições do abate de modo a não danificar o meio ambiente, é que as Requeridas devem ser impedidas de continuar com sua atividade. De outra forma que a questão pode ser encarada, somente com o embargo é que poderíamos compelir as Requerida em alinhar e resolver a questão ambiental, através da construção de lagoas de estabilização, tratando o produto final da matança antes de jogá-lo do Ribeirão Santa Eufrásia, nos termos do que dispõe as normas invocadas pela CETESB em suas vistorias e autuações. Vale ainda anotar, que a constatação dessa situação foi sentida pelo Departamento Estadual de Proteção de Recurso Naturais (DEPRN), que através de seu Engenheiro Agrônomo chefe, Sr. Luiz Fernando de Jesus Tavares, verificou e documentou irregularidades que importam em dano ao meio ambiente. A propósito, temos: "fazendo um caminhamento pela margem do Córrego Santa Eufrásia, junto ao Matadouro Municipal de Dracena, pode-se verificar pontos de saída de efluentes oriundos da matança de animais (...) Acima desses pontos, portanto, a montante, pode-se verificar a presença de vida, pequenos peixes (...) Esta vistoria coincidiu com uma matança, podendo assim ter o processo em pleno funcionamento (matança, limpeza e despejo de efluentes no córrego)" (fls. 144). Desses fatos constatados, a conclusão da ocorrência de dano ambiental é decorrência lógica. Tanto é verdade, que do documento em questão encontramos: "verificou-se que o Dano Ambiental, resultado do despejo de efluentes oriundos da matança de animais ainda persiste". As fotos que ilustram o Laudo, bem de ver, são bastante claras, com destaque às de fls. 147, quando se pode constatar o despejo de sangue dos animais mortos diretamente no meio-ambiente. Demais disso, a atividade da até então praticada sem qualquer aviso e cuidado ao meio ambiente, tem efetivamente transformado o local. O que antes era um ribeirão, tornou-se um veio de escoamento de restos de uma matança. O que havia de vida, só é sentida à montante de onde são lançados os efluentes, como propriamente constatado pelo DEPRN. Vale dizer que o local está transformado, decorrente da atividade exclusiva das Requeridas. Outro poluidor naquelas condições não há. Portanto, as características naturais que davam ao local características ímpares foram alteradas pela segunda requerida, por autorização da primeira, através do diário despejo dos efluentes oriundos da matança de animais bovino e suínos, em especial. Meritíssimo Juiz, os fatos são esses, os quais merecem a tutela deste Juízo. Acompanhe-se: II - DO DIREITO De acordo com o art. 225 da Constituição Federal, "Todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras relações". Comentando o dispositivo, Celso Antônio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues (In Manual de Direito Ambiental e Legislação Aplicável, 2ª Edição Revista e Ampliada, Ed. Max Limonad"), p. 82, escrevem: "Assim, com relação ao artigo 225 da CF, podemos dizer que a palavra ali empregada não teve apenas o condão de referir-se ao seu aspecto de justiça, mas, ao revés, foi além, no sentido de considerar o objeto ali compreendido (meio ambiente) como um bem jurídico que a todos pertence, isto é, permitindo que independentemente de quem quer que seja possuirá o direito de ter acesso e usufruir deste bem. Entretanto, se esse direito é ínsito à própria existência do ser, ele não está apto a recusá-lo, até porque não seria possível fazê-lo, dada a sua indivisibilidade. Todavia, queremos colocar que ao dizer que o meio ambiente é (uma afirmação peremptória) direito de todos, significa que como tal esse direito deve ser tratado. Assim, por ordem da própria Constituição, elevando-o à condição de um Direito de todos, temos que, em decorrência do princípio constitucional do direito de ação, previsto no artigo 5º, XXXV, a todos pertence o direito de buscar no judiciário a proteção deste Direito contra lesão ou ameaça". A presente Ação, antes de visar impor uma sanção às Requeridas caso persista com sua atividade, visa tornar eficaz a norma Constitucional. Nesse sentido, aliás, ressaltando o avanço de nossa Constituição, colocando-a como uma das mais avançadas do mundo no trato da questão ambiental, Édis Milaré (Direito do Ambiente, Doutrina, Prática, Jurisprudência, Ed. Revista dos Tribunais, 2.000, p. 139/140) manifesta certa preocupação e ceticismo, fazendo, outrossim, um alerta: "Não basta, portanto, apenas legislar. É fundamental que todas as pessoas e autoridades responsáveis se lancem ao trabalho de tirar essas regras do limbo da teoria para a existência efetiva da vida real, pois, na verdade, o maior dos problemas ambientais brasileiros é o desrespeito generalizado, impunido e impunível, à legislação vigente. É preciso, numa palavra, ultrapassarse a ineficaz retórica ecológica - tão inócua quanto aborrecida - por ações concretas em favor do ambiente e da vida. Do contrário, em breve, nova modalidade de poluição - "a poluição regulamentar" - ocupará o centro de nossas preocupações". Nesse contexto, a "Associação do Comércio Varejista de Carne de Dracena", também chamada "Associação dos Açougueiros", que gratuitamente explora as instalações do matadouro municipal, em ultima razão visa o lucro de seus associados, proporcionando-lhes um local dotado de instalações onde possam executar a matança de animais bovinos e suínos, para em seguida comercializá-los. Apenas as despesas com água e luz correm por conta da associação, que faz o rateio entre todos os associados. De qualquer forma, no entanto, a exploração do local visa o lucro do que ali realizam o abate de animais, porque em seguida irão comercializar a carne. Pois bem. Dentre os princípios fundamentais do "Direito do Ambiente", encontra-se o princípio do "poluidor-pagador". Édis Milaré, com peculiar clareza explica seu significado que pode ser assim resumido (ob. cit., p. 100/101). A propósito, "assenta-se esse princípio na vocação retributiva do Direito Ambiental e se inspira na teoria econômica de que os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo (v.g., o custo resultante dos danos ambientais) devem ser internalizados, vale dizer, que os agentes econômicos devem levá-los em conta ao elaborar os custos de produção e, consequentemente, assumi-los. Esse princípio, escreve Prieur - visa a imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, engendrando um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico abrangente dos efeitos da poluição não somente sobre bens e pessoas, mas sobre toda a natureza". Isso porque, diz ainda o renomado Professor, "...como averba Cristine Deran, 'durante o processo produtivo, além do produto a ser comercializado, são produzidas 'externalidades negativas'. São chamadas externalidades porque, embora resultantes da produção, são recebidas pela coletividade, ao contrário do lucro, que é percebido pelo produtor privado" (g.n.). Complementando seu significado, escreve ainda, "que o princípio não objetiva, por certo, tolerar a poluição mediante um preço, nem se limita apenas a compensar os danos causados, mas sim, precisamente, evitar o dano ao meio ambiente". Por oportuno, asseguramos que esse princípio está garantido em nossa legislação, consoante dispõe o artigo 4º, Inciso VII, da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1.981 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente). Nesse sentido: Art. 4º - "A Política Nacional do Meio Ambiente visará: .... IV - "à imposição ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados ..." E a Lei que ora comentamos, deixa também claro que a atividade da Segunda Requerida (Associação dos Açougueiros), por expressa autorização da primeira (Prefeitura Municipal de Dracena), é poluidora do meio ambiente, ao dizer no artigo 3o, que "Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: III - poluição: a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: ....... c) - afetem diretamente a biota; d) - afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) - lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos". Rememore-se que os Laudos Periciais, tanto da CETESB, que inclusive vem aplicando seguidas multas à Requerida, bem como do DEPRN, tem constatado todas as hipótese acima, isto é, com o despejo dos efluentes resultantes da matança está-se afetando direta e indiretamente a biota; afetando as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; lançando matérias em desacordo com padrões ambientais estabelecidos", que são os próprios regulamentos constantes dos Autos de Infração. De outra banda, demonstrada que sua atividade é causadora de dano ao meio ambiente, sua responsabilidade é objetiva. Nesse sentido é a disposição do art. 14, §1º, da Lei n°. 6.938/81, que dispõe: "Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: ... §1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividades..." (g.n. ). A Lei em comenta não é ponto isolado de nosso repertório de legislação. Foi recepcionada pela Constituição Federal, que no §3º, do artigo 225 não estabelece qualquer critério ou elemento vinculativo à culpa como determinante para o dever de reparar o dano causado ao meio ambiente. Nesse sentido, "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados". Com efeito, "antes mesmo da CF (leia-se, Lei 6.938/81) fazer constar em seu artigo 14 o regime da responsabilidade objetiva, em se tratando de reparação de danos ao meio ambiente, não há como deixar de falar no importante papel progressista da CF, que recepcionando o referido artigo, estabeleceu no seu art. 225 o regime da responsabilidade objetiva para fins de reparação do dano ambiental. Chega-se a essa conclusão pelo motivo de que a norma, além de estar assegurando a todos o direito a um meio ambiente sadio com qualidade de vida, não há qualquer explicação de que tal direito para ser assegurado estaria condicionado à presença do elemento culpa do poluidor, mas, ao revés, determina objetivamente a asseguração de tal direito" (Celso Antônio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues, Ob. cit., p. 125). Sobre a questão, Paulo Afonso Leme Machado (In Direito Ambiental Brasileiro - Malheiros Editora, 6ª Edição, 1.996, p. 249/250), comenta: "não se aprecia subjetivamente a conduta do poluidor, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e seu ambiente. A atividade poluente acaba sendo uma apropriação pelo poluidor dos direitos de outrem, pois na realidade a emissão poluente representa um confisco do direito de alguém em respirar ar puro, beber água saudável e viver com tranquilidade". E sobre o que vem a ser responsabilidade objetiva, é precisa a lição do O Prof. Caio Mário da Silva Pereira (Responsabilidade Civil, p. 287) que comenta a hipótese, "a doutrina objetiva, ao invés de exigir que a responsabilidade civil seja a resultante dos elementos tradicionais (culpa, dano e vínculo de causalidade entre um e outro) assenta na equação binária cujos pólos são o dano e a autoria do evento danoso. Sem cogitar da imputabilidade ou investigar a antijuridicidade do fato danoso, o que importa para assegurar o ressarcimento é a verificação se ocorreu o evento e dele emanou o dano. Em tal ocorrendo, o autor do fato causador do dano é o responsável. Com a teoria do risco o juiz não tem de examinar o caráter lícito ou ilícito do ato imputado ao pretenso responsável: as questões de responsabilidade transformam-no em simples problemas objetivos que se reduzem à uma pesquisa de relação de causalidade". Como se verifica no caso em tela, houve o dano. A Prefeitura Municipal, dona do estabelecimento de abate de animais, e a Associação dos Açougueiros, que o explora por concessão daquela, são os seus causadores. Está ai a equação binária que se assenta no dano e respectiva autoria. Impende agora reforçar, que com a atividade causadora de dano ao meio ambiente, este sofreu um impacto que lhe retirou características próprias, que o tornava único. Sofreu, através de cada dia de matança e o despejo em seu corpo de restos decorrentes de abate, um processo de degradação, ao ponto de chegar próximo de perder as características de um ribeirão, como está classificado. Seu "enfeiamento" é tanto demonstrado pela foto de fls. 06, como aquelas fotos que se encontram a fls. 147. Perde com isso a população, que próximo à zona urbana tinha um ribeirão com vida e águas limpas. Perde os proprietários da áreas lindeiras, de vez que obrigados a suportar toda a carga de despejos lançadas no ribeirão, que também já não corre por suas propriedades com as mesmas características. Em uma palavra, houve um processo de mudança não apenas na qualidade de suas águas, mas também no seu aspecto exterior. Pois bem. Sendo o meio ambiente um bem passível de tutela, suas variantes também devem restar igualmente protegidas, através das mais variadas formas de indenização. Focaliza-se neste momento, portanto, a ocorrência do que se denomina "dano estético". De fato. Retornando ao artigo 3º da Lei 6.938/81 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente), temos: "Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: ... III - poluição: a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: ... d) - afetem as condições estéticas ... do meio ambiente". Mesma disposição é encontrada na Lei 7.347/85, conforme artigo 1º, Inciso III. Nesses termos: "Regem-se as disposições desta Lei, sem prejuízo da Ação popular, as ações de responsabilidade por danos causados: .... III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico" Ora, vendo o meio ambiente como um direito, o dano estético a ele causado deve ser igualmente reparado, penso não haver dúvida, na medida em que houve uma modificação duradoura de sua aparência externa, decorrente da atividade poluidora. Houve, sim, a modificação de seu aspecto morfológico, transformando águas correntes em empoçamentos de sangue e outros restos, não podendo mais o local sem contemplado como antes. Isso não pode passar despercebido, sendo razoável haja a reparação desse dano. A bem da verdade, o direito à reparação do dano estético é tratado como atributo da personalidade. A personalidade, de sua parte, é um direito (dentro de sua ampla faceta) que se encontra assegurado na Constituição Federal. Todavia, outra coisa não é o direito ao meio ambiente, que também está assegurado em nível Constitucional. Dentre eles, aliás, não há distinção de graus ou hegemonia. Ambos são direitos, dispostos em capítulo fundamental. E se para aquele direito (o da personalidade), assegura-se a reparação do dano estético quando há uma modificação na sua aparência, para esse direito (o do meio ambiente) essa reparação também deve haver, quando sofrer igualmente uma modificação em seu aspecto de aparência. Destaco, que nem mesmo o titular da indenização se diferencia, na medida em que, pertencendo a todos o meio ambiente preservado, se restar desfigurado a indenização será entregue do mesmo modo a todos, titulares desse direito, através de uma medida a ser posteriormente quantificada, entregue a um Fundo, ou então externada em uma atividade de cunho ambiental. Deste modo, sendo o meio ambiente um direito, elevado em nível constitucional, todas as ofensas a ele devem ser justamente reparadas. Daí o cabimento da reparação do dano estético, relegando-se à fase seguinte a sua quantificação. III - DO PEDIDO Nunca é tarde mencionar, que "de toda a massa líquida existente no planeta, apenas 2,7% são formados por água doce, de que a coletividade humana faz uso intensivo; e dela apenas 0,40% se encontra nas águas continentais superficiais e na atmosfera, ao passo que 22,4% de toda a massa hídrica são constituídas por águas subterrâneas. Constata-se assim, que é muito baixa a porcentagem de recursos hídricos diretamente disponíveis" (Édis Milaré, Ob. cit., p. 126). A respeito da Ação Poluidora, debalde foram as sanções administrativas, porque esta atividade, sem qualquer parcimônia, continua sendo realizada pela segunda Requerida, sob os olhos e permissão da primeira requerida, poluindo todos os dias, um pouco mais, o nosso ecossistema. E caso essa Ação não venha a ser proposta, chegaremos ao ponto de no local não haver mais ribeirão, mais apenas um veio fétido carregado de restos dos abates dos animais, o que sob hipótese alguma se pretende. Encarando a questão de outra forma, somente com o embargo é que poderíamos compelir as requeridas à alinhar e resolver a questão ambiental, através da construção de lagoas de estabilização, tratando o produto final da matança antes de jogá-lo do Ribeirão Santa Eufrásia ou em qualquer outro meio que se encontra em seu equilíbrio ambiental. Diante de todo o exposto, é a presente para requerer a Vossa Excelência, se digne de: a) - conceder MEDIDA LIMINAR, nos termos do artigo 12, da Lei n° 7.347/85, inaudita altera pars e sem justificação prévia, a fim de que a "Associação do Comércio Varejista de Carnes de Dracena", também chamado "Associação dos Açougueiros", bem como a "Prefeitura Municipal de Dracena", abstenha-se de realizar ou permitir a realização de qualquer tipo de abate de animais, em especial bovinos e suínos no estabelecimento indicado, sob pena de multa diária correspondente a R$ 2.000 (dois mil reais), devendo o valor da multa ser revertido em favor do Fundo de que cuida o artigo 13, da Lei n°. 7.347/85 e seu regulamento, Decreto n° 92.302/86. a.1). Em decorrência, seja determinada a interdição (fechamento) do Abatedouro Público Municipal, expedindo-se mandado judicial para esse fim, lacrandose o estabelecimento por Oficiais de Justiça, lavrando-se os autos respectivos, até que seja providenciado pelas Requeridas a reforma do local, com a realização das obras necessárias à garantir que o abate não poluirá o meio ambiente; a.2). Seja ainda oficiado a CETESB de Presidente Prudente, localizada na Rua Eufrásio de Toledo n°. 38, Jardim Marupiara, CEP 19.060-100; e ao DEPRN, de Dracena, a fim de que, por intermédio de fiscalização, comuniquem o Juízo sobre qualquer violação das determinações acima, com vistas à imposição da multa, sem prejuízo das demais medidas cabíveis: A propósito da liminar ora requerida, dispõe o art. 12, "caput", da Lei da Ação Civil Pública: "Poderá o Juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo". Pacífico na doutrina e na jurisprudência que liminar pode ser concedida, desde que presentes os seus requisitos, seja em sede de ação cautelar, seja em sede de ação de conhecimento. Dito isso nota-se, no tocante a poluição ambiental causada no local, é manifesta a aparência do bom direito, mesmo porque evidente a procedência da demanda, consoante fundamentação acima. O perigo da demora, por sua vez, é óbvio, pois uma vez permitido por mais tempo que a requerida mantenha em funcionamento suas atividades, poderão ocorrer danos irreversíveis ao meio ambiente, com a poluição e morte de um ribeirão, bem esse que não pertence às requeridas. Não há dúvida do risco social (perigo da demora) em se aguardar o trânsito em julgado da demanda, para a concessão de provimento jurisdicional. O perigo de danos irreversíveis é inegável, pelo que a liminar almejada é de ser concedida. Lembre-se que as sanções administrativas impostas anteriormente não nos levaram a lugar algum. De mais a mais, "contenta-se, a concessão de medidas cautelares, com a aparência de bom direito e o risco na mora. Não se adentra, bem de ver, a exame aprofundado do mérito da postulação, o que é cediço. Tocante às ações civis públicas, previstas inclusive para proteção do meio ambiente, a lei respectiva (Lei n. 7347/85) prevê a concessão de liminar, com ou sem justificação prévia (art. 12), o que, de resto, se harmoniza com o sistema das cautelares em geral" (votação unânime, rel. Des. MARCO CÉSAR, com participação dos Des. RALPHO WALDO, SILVEIRA NETO e MÁRCIO BONILHA – JUSTITIA 157/132 - grifei). Explicita-se, portanto, a necessidade de concessão da medida acima, com os seus consectários. b) - determinar a citação das Requeridas, na pessoa de seus representantes legais, para, querendo respondam aos termos da presente aço, podendo contestá-la, no prazo legal, acompanhando seus termos até final julgamento; c) - autorizar o Sr. Oficial de Justiça a praticar os atos processuais necessários que lhe compete, na forma prevista no artigo 172, § 2º, do CPC. d) - ao final, seja a presente Ação julgada PROCEDENTE, para: d.1) que se proíba as requeridas de realizar o abate de animais (bovinos, suínos ou outro de qualquer espécie), até que trate adequadamente seus efluentes líquidos decorrente da matança, antes de jogá-lo no solo ou em qualquer corpo d'água, especialmente o Ribeirão Santa Eufrásia, construindo lagoas de estabilização (lagoa anaeróbica e lagoa fotossintética) e obedecendo as demais formalidades exigidas pela CETESB, que as especificará, a fim de que possa atuar regularmente, pena de incorrer em multa diária no equivalente a R$ 2.000,00 (dois mil reais), multa esta que será destinada ao Fundo de que cuida o artigo 13 da Lei 7.347/85 e seu regulamento, Decreto n°. 92.302/86. d.2) - condene as Requeridas, solidariamente, a reparar o dano estético, em valor a ser futuramente arbitrado, seja através do pagamento de valor ao Fundo mencionado acima, ou através da obrigação de realizar medida de cunho ambiental. A prova de todo o alegado será feita com a produção de depoimento pessoal do representante legal das Requeridas, o que desde já se requer, sob pena de confesso; perícias, vistorias, e demais provas em direito admitidas, sem a exclusão de qualquer delas. Por se tratar de ação que visa tutelar interesses difusos dos consumidores, indisponíveis e inestimáveis, dá-se à presente o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para efeitos fiscais e de alçada. Termos em que, P. deferimento. Dracena, 31 de maio de 2.000. Rufino Eduardo Galindo Campos Promotor de Justiça