DA ESCRITURA UMA POÉTICA Maria Luiza Zanotelli Escola Lacaniana de Psicanálise do Rio de Janeiro Email: [email protected] È tarde, a noite cai, o dia vem. Menos uma noite, mais um dia.Menos um dia, mais uma noite. Passagens, dia noite dia, noite-dia-noite.Algo novo de novo.Algo de novo... novo.Passagens, voltas.Algo revira, volta.Volta ao mesmo que dá voltas, mesmo que volta.Mas se volta, a quantas volta?Onde começa o começo, onde termina?Será o fim um começo, o começo um fim?A noite chega ao fim de um dia que em seu fim “avia”.Uma psicanálise anuncia o começo de um fim?O quê d’isto revira, no quê vira, voltas, quantas há? O quê será que d’isto volta? Uma psicanálise modifica a vida de um sujeito?Quanto ao desejo, ao gozo, à fantasia, o que d’isto resta num só depois de uma vida psicanalisante? Lacan em seu texto “A Direção do Tratamento e os Princípios de seu Poder”,nos adverte:”Nada é mais temível do que dizer algo que possa ser verdadeiro.(...)Será esse o procedimento da análise,um progresso da verdade?Já escuto os coxas grossas a murmurarem sobre minhas análises intelectualistas, quando sou o primeiro ao que eu saiba,a preservar nelas o indizível”.(1) “Preservar o indizível” no que diz respeito ao estatuto da verdade numa análise.Isto implica uma posição do lado do analista que irá dar ao tratamento uma direção.Direção da análise que não se trata da direção da vida do psicanalisante pois quanto a isto,cada sujeito é responsável por sua posição.Inclusive este que, no caso,sustenta “por si mesmo”a responsabilidade do desejo de “ser” psicanalista.Mas como se forma um a na lista do gozo? A psicanálise surge com Freud, melhor dizendo, através de sua escuta, leitura/escritura do quê a-prendia do sofrimento daquelas mulheres, as chamadas histéricas.Se pôs a ouvir, ler, escrever, descrever para “outros”,o que esta experiência discursiva lhe causava,seus efeitos,afetos,desafetos,material significante cuja escritura fora veiculada por suas letras.Funda um campo, corpo significante.A psiscanálise,sua criação. Experiência que testemunha no falante um sofrimento incurável, a dor de exsistir.Sofremos, padecemos por excesso e/ou escassez de palavras, melhor dizendo, excesso e/ou escassez de sentido que elas carreiam.Afetados pela linguagem, desta estrutura somos efeitos.Estes aos quais, cada um, a seu modo e tempo poderá dar o possível de um tratamento a esta impossível relação entre a linguagem e o desejo, uma ex-sistência. É sob o efeito das palavras que uma transferência se atualiza, tecendo as redes significantes de um sintoma que insiste em ex-sistir.Insistência que vira, revira, dá voltas.Mesmo que volta mas que a cada volta,contada e recontada por um contador,não volta o mesmo anterior. Experiência discursiva de leitura/escritura de um contador, de sua ex-sistente dor.Esta irá reordenar a posição de um sujeito no discurso, sua verdade, sua ficção.A fantasia que sustenta no desejo um modo de gozo, sua reedição.Mesmo sujeito que nas reviravoltas da demanda “a-cede” a uma outra posição, escritura versão leitor/escritor. Lacan em sua releitura do texto freudiano introduz uma concepção estrutural da transferência, situando como entrada em análise a emergência de um sujeito causado pelo significante da transferência, o sujeito suposto-saber-elemento de “arte-difícil” na análise.Este constituinte ternário irá veicular o desejo nesta experiência discursiva, estruturando o campo das demandas às quais o sujeito está aprisionado.Isto terá como efeito este “Amor-paixão-significante” que enredará a trama simbólica da demanda de Amor ao Saber sobre o desejo que institui os parceiros deste jogo. A este desejo pivô, mola da transferência, objeto causa do desejo do psicanalisante, Lacan chamou de desejo do analista, este “indizível”, vazio em torno do qual um sujeito poderá ler suas letras, tecer suas lacunas. O trabalho da transferência leva o sujeito a um esgarçamento do tecido significante onde cortes, separações, perdas irão advir entre o desejo suposto Outro e o objeto que este suporta.Restos, resíduos, dejetos que nos põem ao trabalho de escritura, literal que faz litoral entre desejo e gozo. O aparecimento do significante mestre no discurso do sujeito, implicação resultante de uma análise,não efetua nenhuma “assunção”.O significante do desejo e a castração são objeto de uma denegação, o que Lacan situa no “Ato Psicanalítico”,a partir de seu desenvolvimento sobre a questão da alienação na “Lógica do Fantasma”,como “negação fundamental”,dizsimulação da castração cujo fenômeno é a escrita,esta que se desdobra na mesma temporalidade da pulsão. “...tempo imaginário da pura articulação reversível,de pura passagem,repetição da letra”.(2) Um outro modo de satisfação da pulsão que faz um deslocamento quanto a seu objeto e seu fim.Um gozo “fora-de-si”, que arranca o sujeito das amarras do simbólico, um dizer não à castração que implica num dizer. “...é a sublimação,a qual acontece por meio da instalação deste “não”,capaz de torcer o rumo da posição subjetiva”.(3) Extrair, escrever, trabalhar a língua herdada para torná-la corpo significante, causa material, rasura, razão não-toda significante.Da escritura uma poética da letra, fim de um começo, começo de um fim. Citações: (1)Lacan,Jacques-“A Direção do Tratamento e os Princípios de seu Poder”- Escritos,Rio de Janeiro,Zahar,1998. (2)Juranville,Alain-“Lacan e a Filosofia”,Rio de Janeiro ,Jorge Zahar Editor,1987. (3)Harari,Roberto-“O que acontece no ato psicanálise”,Companhia de Freud Editora,2001. psicanalítico?;a experiência da