escola superior de teologia es espiritualidade franciscana

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ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA ES ESPIRITUALIDADE FRANCISCANA
CNBB – Sul 3
CURSO DE ATUALIZAÇAO EM LITURGIA
03-12/07/2007
O que celebramos? Mistério Pascal de Cristo.
O que celebramos? Qual é o conteúdo da liturgia cristã? Quais são os motivos, os
temas, o objeto das celebrações da Igreja? – O mais importante na liturgia, é o que nela
ocorre invisivelmente, o conteúdo essencial da ação celebrativa.
Respostas a estas questões, encontramos nos números 5 a 10 da Constituição
Conciliar sobre a Sagrada Liturgia, Sacrosanctum Concilium.
A pergunta que encabeça esta seção é respondida em seis itens:
1) Celebramos o mistério pascal de Cristo
2) Celebramos o anúncio e sua realização
3) Celebramos o Cristo sempre presente
4) Celebramos hoje o Advento permanente
5) Celebramos na fé e na conversão diária
6) A liturgia, ápice e fonte de nossa vida.
O que é Liturgia?
A palavra “LITURGIA” é de origem grega: leitourgia, do verbo: leitourgein. Ela
provém da composição de leiton (lit) = público (do jônico ou do ático leos = povo) e de
ergon (urgia) = serviço, ação, trabalho. No sentido civil, é um “serviço feito para o
povo”, ou “serviço diretamente prestado para o bem comum”, um serviço em favor da
vida. Quem realizou e continua realizando a maior e a mais perfeita ação em favor da
vida, pela criação e pela redenção é Deus. Por isso, no sentido religioso, a palavra
liturgia refere-se ao culto de reconhecimento e agradecimento prestado a Deus. Para
São Paulo, o anúncio do Evangelho era um serviço litúrgico: “meu serviço sagrado é
anunciar o evangelho de Deus, a fim de que os pagãos se tornem oferta aceita e
santificada pelo Espírito Santo (Rm 15,16). Para ele, também são um “serviço
litúrgico” as ações em favor da comunidade necessitada. Em suas cartas, ele usa o termo
liturgia neste sentido: serviço em favor dos necessitados (Hb 1,7.14; 2Cor 9,12; Fil
2,25).
A compreensão do termo no decorrer da história:
a) Liturgia era o nome dado a qualquer serviço, civil ou militar, que os cidadãos eram
obrigados a prestar ao Estado – ou ainda, qualquer ofício ou função pública imposta
para o bem comum A mesma palavra designava serviços cúlticos, sacrifícios públicos e
a ação dos sacerdotes.
b) Na versão dos LXX , a palavra aparece cerca de 150 vezes e designa o culto externo
que os sacerdotes e levitas oferecem no templo, sobretudo os sacrifícios. A liturgia é
uma função pública e solene realizada por aqueles que estão revestidos de poder.
c) No NT, no sentido civil, como obra pública: serviço, cuidado com os pobres,
apostolado, coletas; no sentido ritual, como culto do templo; no sentido de exercício
público da religião;no sentido de culto espiritual; no sentido de culto ritual comunitário
cristão.
d) Na antiguidade cristã – culto novo que surge do Sacerdócio de Cristo nos ambientes
judeu-cristãos. A Eucaristia é o ministério público por excelência e centro de todo o
culto. No séc. IV, os gregos designam assim o rito específico da Missa segundo um
determinado estilo. São João Crisóstomo fala de divina liturgia. Santo Agostinho
praticamente ignora o termo, e a denomina de: officium, múnus, sacrum ritum,
ministerium, servitium religionis, opus sacrum, opera Dei... No séc. XVI, o termo foi
retomado designando o culto público oficial da Igreja; No séc. XVII, deu-se muita
importância às rubricas, às normas da celebração, e assim a palavra liturgia não tardaria
a designar o conjunto de normas e princípios que asseguravam que uma celebração
eclesial. O Movimento Litúrgico resgata a liturgia como mistério da salvação,
sacerdócio atuante de Cristo, sinal presencial da Igreja, vivência da História da Salvação
(passado, presente e futuro recapitulado em Cristo). Definição de Pio XII, na Mediator
Dei (20/11/1947) – A sagrada liturgia constitui o culto público que nosso Redentor,
como Cabeça da Igreja, oferece ao Pai Celestial, e é o culto que a comunidade dos fiéis
cristãos presta a seu Fundador e, por meio deste, ao Pai eterno; é, em resumo, o culto
público total do Corpo místico de Cristo, o da Cabeça e o de seus membros (MD 29).
“A liturgia é a continuação do ofício sacerdotal de Jesus” (n. 3). “Liturgia não é senão
o exercício do sacerdócio de Cristo” (MD 20)
A liturgia não é espetáculo sagrado (Não se trata da parte somente externa e sensível do
culto divino, nem do cerimonial decorativo – Pio XII – MD 25), nem cumprimento legal de ritos
(não é o conjunto de leis e preceitos pelos quais a Hierarquia ordena o conjunto de ritos – MD 25),
tampouco um conjunto de atos religiosos privados (não pode consistir na piedade individual
tornada pública, nem na união dos atos religiosos privados), nem mera expressão externa do
sentimento religioso, menos ainda uma catequese ilustrada ou um meio de
conscientização (Não é uma catequese ilustrada, mas uma atualização da salvação por meio de um
sistema de sinais).
Análise das definições: duas correntes:
a) do exterior ao interior: deve ter sido instituída por Cristo ou pela Igreja; deve
realizar-se em nome de Cristo e da Igreja; deve ser realizada por pessoas com
poder ministerial e encargo oficial; deve realizar-se em conformidade com as
normas estabelecidas; deve ser dedicada à glorificação de Deus e à santificação
dos homens.
b) do interior ao exterior: SC 7; MD 20; CIC 834-1; CEC 1070; PO 6; DP 918;
DSD 34.
O QUE É LITURGIA? (cfe. Puebla 918)
- A liturgia, como ação de Cristo e da Igreja,
Liturgia é ação - é um “fazer” (“Fazei isto em memória de mim!”), um agir
comunitário que envolve ritos, ritmos, palavras e gestos, orações e cantos, sinais,
símbolos e expressões corporais que revelam a fé das pessoas presentes e torna presente
o mistério celebrado.
A obra de Cristo na liturgia – Cristo é o ator principal do Mistério da liturgia. Ele é o
Sumo e eterno Sacerdote: desde sua Encarnação, é Mediador; pela oferenda da Cruz é
Sacrificador do único Sacrifício que nos salva; por sua glorificação à direita do Pai, é
Intercessor. Ele realizou o Mistério Pascal (CEC 1085) e, glorificado, atua na Igreja
(CEC 1084, 1086, 1089), sobretudo está presente na liturgia terrena (SC 7; CEC 1088),
intercede e antecipa a vitória final ( CEC 1090). Cristo está presente na ação litúrgica:
na assembléia, em sua Palavra proclamada, na pessoa do ministro e de modo muito
especial no pão e no vinho eucarísticos (SC 7). Não se trata de uma presença estática,
mas dinâmica e salvadora.
Liturgia é “sinergia” (ação conjunta, cooperação) - desde o princípio, Deus fez do
ser humano um parceiro na ação em favor da vida (Gn 1,28-30); estabelecendo com ele
uma aliança (Gn 9,7-17); libertando-o da escravidão (Ex 3,7-12); dando-lhe uma
Constituição para preservar a vida e a liberdade (Ex 20,1-17). A maior ação de Deus foi
ter-nos dado seu Filho Jesus Cristo, pelo qual, mais do que parceiros, adotou-nos como
filhos, fez-nos membros do Corpo do seu divino Filho, herdeiros de sua promessa.
Cristo realiza plenamente a liturgia do Pai, que é proporcionar “vida em abundância”
para todos (Jo 10,10). Leva sua missão até as últimas conseqüências, dando sua vida em
resgate de muitos (cf. Mt 20,28). Cristo continua sua ação, sua liturgia por meio do seu
“Corpo Místico”, a Igreja (cf. Mt 28,20).
Para celebrar uma obra tão grande, Cristo está sempre presente em sua Igreja,
sobretudo na ação litúrgica. Ele está presente no sacrifício da missa, seja na pessoa do
ministro, oferecendo-se agora por meio do ministério dos sacerdotes ele próprio que
outrora se ofereceu na cruz, seja, sobretudo, sob as espécies eucarísticas. Está presente
com suas forças nos sacramentos, de modo que, quando alguém batiza, é Cristo quem
batiza. Está presente em sua Palavra, pois quando se lê, na Igreja, a Sagrada
Escritura, é ele que fala. Está presente, por último, quando a Igreja suplica e canta
salmos, o mesmo que prometeu: “Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu
Nome, eu estou no meio deles”(Mt 18,20).
Com efeito, nessa obra tão grande pela qual Deus é perfeitamente glorificado e os
homens santificados, Cristo associa sempre a si sua amadíssima Esposa, a Igreja, que
invoca seu Senhor e por ele presta culto ao Pai eterno.
Com razão, dessa maneira, considera-se a liturgia como o exercício do sacerdócio
de Jesus Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam e, cada um a seu modo, realizam a
santificação do ser humano; e, da mesma forma, o Corpo Místico de Jesus Cristo – isto
é, a Cabeça e seus membros – exerce o culto público integral.
Em conseqüência, toda celebração litúrgica, por ser obra de Cristo sacerdote e de
seu Corpo, que é a Igreja, é ação sagrada por excelência, cuja eficácia, ao mesmo
título e com o mesmo grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja.
(Sacrosanctum Concilium 7)
A liturgia é a expressão mais completa do mistério da Igreja. Não é mera
recordação. E entes de tudo presença misteriosa, mas real, do Senhor e sua força
libertadora em meio a seu povo. Essa presença não é uma simples presença dos
acontecimentos da vida de Jesus Cristo, mas de sua própria pessoa.
Os modos de presença da Cristo
No ministro: É o próprio Cristo que exerce, através do ministro, sua obra
santificadora por meio dos sinais sensíveis. Todos os ministros atuam de forma vicária,
isto é, “em nome e em lugar de” Cristo.
Nas espécies eucarísticas: No pão e no vinho consagrados, os cristãos reconhecem
a presença mais densa do mistério pascal.
Nos sacramentos e na sua Palavra.
Na Igreja que ora e canta: A Igreja é Esposa e o Corpo de Cristo. A imagem
conjugal (“os dois se tornarão uma só carne” Mt 19,5; Gn 2,24) expressa a inseparável
união do Senhor com seu povo da Nova Aliança.
Todas estas formas de presença são “reais”. Na celebração eucarística, apresentamse todas as presenças anteriores, mas a máxima é a de seu corpo e seu sangue nas
espécies de pão e vinho.
Da presença de Cristo na liturgia dependem seu valor e sua eficácia, não de sua
forma externa. É a presença do mistério de Cristo e de sua própria pessoa que assegura
sua força memorial, santificadora e libertadora.
A presença de Cristo na liturgia não esgota, evidentemente, sua presença no mundo
e na história. O mistério pascal é o acontecimento-síntese, cuja riqueza desabrocha
iluminando toda a história, com suas múltiplas realidades, que podem erigir-se em
conteúdo de nossa liturgia. A Igreja celebra a vida pessoal e comunitária dos cristãos,
conscientes de que a história da salvação continua hoje. Celebra a obra humana: o
trabalho, o progresso material, espiritual e cultural dos povos; os acontecimentos
históricos, sociais e políticos. A Igreja celebra a obra criadora universal em sua
totalidade, para além da obra humana.
- é o exercício do sacerdócio de Jesus Cristo;
... por parte de toda a Igreja, Cabeça e membros.
A palavra sacerdote vem do latim: sacer = sagrado; dotare = dar. Portanto,
sacerdote é aquele que pode dar o sagrado.
A figura do sacerdote aparece pela primeira vez no AT, no tempo de Abraão, cfe.
Gn 14,18-20 – Melquisedec, rei de Salém e sacerdote do Altíssimo....
O fato de Cristo ser sacerdote foi definido no Concílio de Éfeso (DZ 122). Mas o
sacerdócio de Cristo é um caso único, que não tem comparação na história nem nas
outras religiões. Cristo foi constituído único Sacerdote da Nova Aliança (Hb 3,1;
4,14ss; 9,10).
Todo sumo sacerdote é tomado do conjunto do homens e posto em favor dos
homens, instituído para as coisas voltadas para Deus, a fim de oferecer oferendas e
sacrifícios pelos pecados, para que Ele possa compadecer-se dos ignorantes e
extraviados (Hb 5,1-2).
Cristo é sacerdote por natureza: Mediador pela Encarnação – único e inigualável a
qualquer outro, porque a Encarnação faz que não só enlace Deus com os homens,
como também tenha a divindade e a humanidade numa única pessoa – por Ele flui todo
o divino para o homem e todo humano para Deus; Sacrificador pela Redenção – Todo
sacerdócio se volta para a oferenda do sacrifício. Pecando, o ser humano quis igualar-se
a Deus e caiu em tal desventura que não existia sacrifício capaz de expiar sua culpa e
puruficá-lo, menos ainda de reconcilia-lo com Deus e com a ordem criada. Cristo
ofereceu o único Sacrifício que nos salva. No Calvário, a humanidade assumida pelo
Verbo presta a Deus o culto extremo em nome de toda criatura. Ele oferece a si mesmo
em sacrifício em nome de toda a humanidade. Cristo, ao contrário dos sacerdote do seu
tempo, não desenvolveu sua vida no templo nem em ações rituais, mas inserido na vida
das pessoas e em seus ambientes. O sacrifício exterior, para ser autêntico, deve ser
expressão do sacrifício espiritual... O único sacrifício perfeito é o que Cristo ofereceu
na cruz em oferenda total ao amor do Pai e por nossa salvação. Esse Sacrifício único o
perpetua na Eucaristia. A Páscoa de Cristo é desse modo o ápice de seu Sacerdócio. A
vida surge a partir da morte. E em seu trânsito passamos todos deste mundo a Deus, do
pecado à graça, das trevas à luz, da morte à vida. Intercessor por sua glorificação –
“Cristo não entrou num templo feito por mãos humanas, mas no próprio céu, para
apresentar-se diante do acatamento de Deus em nosso favor”(Hb 9,24). Cristo é
sacerdote com um Sacerdócio único, ao interceder por nós à direita do Pai.
A Igreja participa do Sacerdócio de Cristo: porque esta função sacerdotal se
prolonga através da Igreja que sem cessar louva o Senhor e intercede pela salvação de
todo o mundo, não só celebrando a Eucaristia (SC 83). Nosso Redentor quis que a vida
sacerdotal por Ele iniciada em seu Corpo mortal, com suas orações e com seu
sacrifício, no decorrer dos séculos não cessasse em seu Corpo Místico que é a Igreja, e
por isso estabeleceu um sacerdócio visível para oferecer por completo a oblação pura
(MD 1).
A Igreja é uma comunidade cúltica, isto é, que tem como missão prestar culto a
Deus; e este culto não consiste na realização de alguns ritos, mas no culto da vida (Rm
12,1; Fl 3,3; Hb 13,15-16). Santo Agostinho afirma: Assim como aos que receberam no
batismo a unção mística damos o nome de ungidos, isto é Cristos, assim também
devemos denominar sacerdotes aquelas que são membros do único Sacerdote: Cristo.
Pelo batismo e pela confirmação, somos constituídos como povo sacerdotal (LG
10,31): linhagem escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo obtido, para anunciar
os louvores Daquele que nos chamou das trevas à sua admirável luz (1Pd 2,9).
No âmbito do povo sacerdotal, alguns, pelo Sacramento da Ordem, participam de
um modo ontologicamente distinto desse Sacerdócio, para atuar “na Pessoa de Cristo
Cabeça” (CEC 1548) a fim de serem pastores da comunidade (O presidente ordenado é
porta-voz do povo, dotado de poder de oferecer o culto interno e externo do Povo de Deus). Ambas as
formas de participação do único sacerdócio de Cristo se implicam e se dinamizam.
- é ápice e fonte da vida eclesial.
Não obstante, a liturgia é o ápice a que tende a atividade da Igreja e, ao mesmo
tempo, a fonte de onde emana toda a sua força. Pois os trabalhos apostólicos tem
como objetivo o fato de que, uma vez tornados filhos de Deus pela fé e pelo batismo,
todos se reúnam, louvem a Deus no âmbito da Igreja, participem do sacrifício e comam
a ceia do Senhor.
Por sua parte, a própria liturgia impulsiona os fiéis a que, saciados com “um
mesmo sacramento pascal”, “vivam sempre unidos” no amor de Deus; ela suplica a
Deus que “vivam sempre de acordo com a fé que professaram”; e a renovação da
Aliança do Senhor com os homens na Eucaristia inflama e arrasta os fiéis à premente
caridade de Cristo. Portanto, da liturgia – sobretudo da Eucaristia – emana em nossa
direção a graça como de sua fonte, e se obtém com a máxima eficácia a santificação
dos homens em Cristo e a glorificação de Deus, à qual as outras obras da Igreja
tendem como a seu fim .(Sacrosanctum Concilium 10)
Fonte e ápice se refere ao sentido qualitativo da liturgia na vida cristã. Uma liturgia
que não impulsione os fiéis à premente caridade de Cristo correrá o perigo de ser um
tempo e um espaço de evasão, de esquecimento culpado, de estreitamento das
conseqüências da fé.
Isto requer dos fiéis, viver consciente e participativamente a liturgia, ates como uma
necessidade de fé do que como obrigação ou mero costume, desvelando sua enorme
riqueza para a vida pessoal, familiar e social; e desafia os ministros ordenados a
conhecer e a amar a liturgia, celebrando-a como um dom de Deus a seu povo e uma
necessidade do povo para com seu Deus.
- É encontro com Deus e os irmãos;
Unem-se na liturgia dois movimentos complementares e inseparáveis: Deus voltase para o povo a fim de conceder-lhe sua graça e santifica-lo, por meio da obra da
redenção humana (movimento descendente), e o ser humano se volta para Deus a fim
de glorificá-lo por suas maravilhas, na perfeita glorificação de Deus (movimento
ascendente).
Esse dinamismo dialogal é permanente na revelação. Deus é um ser pessoal que
toma a iniciativa da salvação e põe seu amor a serviço da libertação de seu povo; e o ser
humano – individual ou coletivamente – invoca-o e louva-o, a Ele responde e obedece.
O ápice da comunicação entre Deus e o ser humano ocorre na encarnação. Em
Cristo, Ele estende a ponte definitiva à humanidade para que esta se relacione com seu
Criador. A Ascensão de Jesus não suprime esta ponte. A natureza humana e toda a
criação foram de tal modo assumidas pela encarnação que são o alicerce da
comunicação e o lugar de encontro de Deus conosco.
Deus possui... uma humanidade que, segundo o desígnio divino, é terna. A humanidade é a expressão
temporal do Filho eterno. A humanidade exprime para nós algo de Deus. Dizer que o Filho se fez ser
humano não significa que o Filho tenha deixado de ser Filho. Também não significa que o Filho tenha
continuado a ser Filho e que a humanidade lhe tenha sido acrescentada para servir-lhe de mero
instrumento de aparição e de atuação. Não. A humanidade de Deus não é um disfarce com o qual Deus
pretende dar a impressão de que assume nossa condição, embora no fundo continue permanecendo em
sua Luz inacessível, sem comunicar-se. O fato de que Deus tenha-se feito ser humano diz algo do próprio
Deus. Diz que Ele se aproximou de nós e se entregou plenamente na criação e no tempo. (L. Boff)
O núcleo de sentido na Liturgia é aquilo “que Cristo faz por obra de seu Espírito”.
Trata-se do mistério Pascal da bem-aventurada Paixão, Ressurreição dentre os mortos
e gloriosa Ascensão de Cristo, ou simplesmente do mistério de Cristo.
- banquete e sacrifício realizado na Eucaristia;
Eucaristia: Porque é ação de graças a Deus. As palavras “eucharistein” (Lc
22,19; 1Cor 11,24) e “eulogein” (Mt 26,26; Mc 14, 22) lembram as bênçãos judaicas
que proclamam – sobretudo durante a refeição – as obras de Deus: a criação, a redenção
e a santificação.
As duas palavras: “eulogein” (do grego), que significa louvar, enaltecer –
exprimindo mais o aspecto da pessoa, o bem-dizer, o atribuir o bem a quem o fez, e
“eucharistein” (do latim), significa agradecer, dar graças, acentua mais os dons, a
charis recebida. Os bens são bens gratuitos, são bênçãos.
A Eucaristia é, portanto, uma oração-atitude dirigida a Deus que nasce de um
fato maravilhoso. Diante deste fato, atribuído à grandeza e ao poder de Deus, o homem
se admira e prorrompe em aclamações, narrando, o fato de que foi testemunha. Esta
admiração do fato maravilhoso expressa três atitudes fundamentais do homem: a)
Louvor, o enaltecimento de Deus. O homem bendiz o Senhor, atribui-lhe o milagre, o
fato maravilhoso; b) a Profissão de fé. Reconhecendo que Deus operou a maravilha, o
homem sente-se pequeno, aceita a Deus como Senhor; c) Agradecimento. Diante da
maravilha da semente que brota, que cresce, que chega a flor e fruto, o homem exclama:
milagre! O homem sente-se devedor e exclama: Obrigado!
Ceia do Senhor, pois trata-se da ceia que o Senhor fez com seus discípulos na
véspera de sua paixão, e antecipação da ceia das bodas do Cordeiro na Jerusalém
celeste.
Fração do Pão, porque este rito, próprio da refeição judaica, foi utilizado por
Jesus quando abençoava e distribuía o pão como presidente da mesa, sobretudo por
ocasião da Ultima Ceia, em Emaús...
Assembléia eucarística (synaxis), porque a eucaristia é celebrada na assembléia
dos fiéis, expressão visível da Igreja.
Memorial da Paixão e da Ressurreição do Senhor.
Santo Sacrifício, porque atualiza o único sacrifício de Cristo Salvador, e inclui a
oferenda da Igreja; ou também sacrifício da Missa, “sacrifício de Louvor” (Hb 13,15).
- festa de comunhão eclesial, na qual o Senhor Jesus, por
seu MISTÉRIO PASCAL, assume e liberta o povo de Deus e, por
ele, toda a humanidade, cuja história é transformada em história
salvífica para reconciliar os homens entre si e com Deus.
Deus, que “deseja que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da
verdade”(1Tm 2,4), tendo falado outrora em distintas ocasiões e de muitas maneiras a
nossos pais por inte3rmédio dos profetas (Hb 1,1), quando chegou a plenitude dos
tempos, enviou seu Filho, o Verbo feito carne, ungido pelo Espírito Santo, para
evangelizar os pobres e curar os contritos de coração (cf. Is 61,1; Lc 4,18), como
“médico corporal e espiritual”, Mediador entre Deus e os homens (1Tm 2,5). Com
efeito, sua humanidade, unida à pessoa do Verbo, foi instrumento de nossa salvação.
Por isso, em Cristo “realizou-se plenamente nossa reconciliação e foi-nos dada a
plenitude do culto divino”.
Essa obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus, preparada
pelas maravilhas que Deus operou no povo da Antiga Aliança, Cristo realizou-a
principalmente pelo mistério pascal de sua bem-aventurada Paixão, Ressurreição
dentre os mortos e gloriosa Ascensão. Por esse mistério, “morrendo destruiu nossa
morte e, ressuscitando, restaurou a vida”. Pois o lado de Jesus adormecido na cruz
nasceu “o admirável sacramento de toda a Igreja”. (Sacrosanctum concilium 5)
Acontecimento e memorial – O conteúdo de nossas celebrações é essencialmente
formado pelos acontecimentos salvadores, isto é, as intervenções de Deus no tempo da
criação, que foram revelando sua presença libertadora em favor da humanidade. O que
permanecia oculto me sua verdade definitiva, revelou-se com toda a sua força no
acontecimento Cristo.
Memorial - zikkarôn (hebraico), anámnesis (grego) – não se trata de uma simples
recordação, uma simples lembrança ou uma comemoração. É uma recordação eficaz,
uma celebração que atualiza o que recorda; um sacramento do acontecimento passado.
Trata-se de uma participação no fato lembrado, graças à participação no rito celebrado.
(Ex 13,3-10). Os detalhes do texto mostram que quem participa da festa da Páscoa está,
naquele momento, saindo da escravidão, está sendo libertado pelo Senhor. (Dt 26,1-13).
– significa a presença e eficácia atuais do comemorado, de maneira que acontecimentos
que historicamente pertencem ao passado se tornam de fato presentes na vida de hoje do
povo de Deus que celebra sua fé. Foi a categoria de memorial que permitiu considerar a
liturgia como “momento histórico da salvação”. A liturgia é uma ação ritual temporal
na qual se atualiza um evento salvífico do passado histórico, por meio de sinais e
símbolos, apresentando-se com toda a sua força libertadora no hoje da assembléia
celebrante.
Páscoa como memorial – O termo páscoa é uma transliteração do aramaico paschá e do
hebraico pesah. Aparece 49 vezes no AT, indicando em 34 delas o rito da lua cheia de
primavera e em 15, o cordeiro imolado nessa ocasião. Ex. 12 recolhe a tradição das
tribos nômades que a cada início de primavera sacrificavam as “primícias” (primeiros
cordeiros nascidos naquele ano) para oferecer à divindade. Em seguida, recolhe a
tradição dos agricultores que celebravam, na mesma época, a “festa dos Ázimos”, pães
sem fermento feitos com as primeiras espigas da colheita de cevada. “Observareis, pois,
a festa dos Ázimos, porque neste dia é que fiz o vosso exército sair da terra do Egito...”
O que é, e qual o conteúdo do Mistério Pascal de Cristo? A linguagem bíblica e
litúrgica referiu-se com a expressão Mistério Pascal toda a obra salvadora de Cristo
em sua dimensão dinâmica, tendo como foco ou centro de referência a Paixão, Morte,
Ressurreição a Ascensão de Cristo. Eles não só constituem o ápice da vida de Cristo,
mas se situam na “plenitude dos tempos” como ponto de união entre a revelação do AT
e NT; são os acontecimentos da vida histórica de Jesus de Nazaré, de sua concepção
virginal à sua Ascensão ao céu; ainda, a existência total de Cristo: preexistente junto ao
Pai desde sempre, encarnado na criação como ser humano, ressuscitado e glorioso pela
eternidade. O mistério pascal é toda a obra salvadora de Deus na história de sua criação.
“Façam isto em memória de mim”. Em seguida, o ministro anuncia o que temos
de mais sagrado: “Eis o mistério da nossa fé”. E qual é o mistério de nossa fé? Qual é o
alicerce sobre o qual se apóia nossa identidade cristã, nossa vida eclesial, nossa missão?
A aclamação cantada por toda a comunidade reunida responde: “Anunciamos, Senhor,
a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde Senhor Jesus!” Nestas três
frases encontramos a resposta à pergunta fundamental: o que celebramos na liturgia
cristã? Fazemos memória de Jesus Cristo. Celebramos o mistério de nossa fé, que é o
mistério da morte e ressurreição de Jesus – o mistério pascal.
A nova Páscoa - A redenção de Cristo substitui a libertação pascal do AT, e o
Sacrifício de Cristo, o sacrifício do cordeiro, a Eucaristia sucede à Ceia Pascal.
A redenção é o resgate de um escravo, o pagamento do preço para considera-lo
juridicamente livre; implica uma recompra, o pagamento de uma dívida ou de um
resgate.
Mistério Pascal evoca a passagem do Senhor por seu povo para salva-lo, e a
passagem do povo do pecado a uma vida nova, por uma livre iniciativa do amor
misericordioso de Deus que decidiu salva-lo. O mesmo Deus que libertou seu povo do
poder do Egito, ressuscitou Jesus e o libertou da morte, fazendo-o sentar à sua direita,
instaurando assim a autoridade de Jesus como Messias. “A este Jesus que vocês
crucificaram, Deus o ressuscitou e disto nós somos testemunhas... Ele o constituiu
Senhor e Cristo” (cf. At 2,24.32.26). Com os ritos da Páscoa antiga, Jesus havia
anunciado algo novo: uma nova Páscoa e um novo êxodo. Nos textos do NT que falam
da última Ceia de Jesus é marcante a relação entre a Páscoa antiga e a Páscoa de Jesus.
Sua morte é apresentada como um êxodo. Ele é chamado de “cordeiro pascal”. Como
diz a antiga homilia pascal de Melitão de Sardes: “A lei se fez evangelho, o antigo
renovou-se, a figura converteu-se em realidade, o cordeiro agora é o Filho”.
“Façam isto em minha memória” – pela ação ritual acontece para nós, a Páscoa
de Jesus, no contexto da nova aliança. “Todas as vezes que comeis deste pão e bebeis
deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha”(1Cor 11,26) – trata-se de
uma atualização. O passado é trazido para o presente, no hoje da celebração litúrgica.
Pela ação memorial também o futuro torna-se presente. A memória abrange passado,
presente e futuro. No hoje da celebração, estamos, ao mesmo tempo, na Galiléia e na
Judéia da época de Jesus Cristo e no meio da multidão reunida em torno do trono e do
Cordeiro e dos anjos e santos, do qual fala o Apocalipse, descrevendo a realidade
celeste.
Uma festa para o Senhor - o memorial só tem sentido no contexto da aliança
com o Senhor. Por puro amor, por gratuidade, por compaixão, em sua imensa ternura é
que o Senhor propõe a aliança. Vocês serão o meu povo e eu serei o seu Deus: esta é a
proposta que perpassa toda a história sagrada. A iniciativa é dele. A aliança é celebrada
por um rito memorial e, de tempos em tempos, é renovada. Haverá relações de
intimidade entre os parceiros da aliança: como entre um rebanho e seu pastor, como
entre a vinha e seu agricultor, como entre um filho e seu pai, como entre a esposa e seu
esposo.
A Páscoa de Cristo na vida da comunidade - todas as celebrações da igreja
comemoram, tornam presente e nos fazem participar da vida, morte, ressurreição e
vitória de Jesus Cristo, sinal máximo do amor de Deus para com o seu povo pela ação
do Espírito Santo. A liturgia nos convida a levar a sério o mistério de sermos
conduzidos continuamente da escravidão para a liberdade, do luto para a alegria, da
servidão para a plena cidadania. A liturgia constitui o tempo da Igreja, continuação do
tempo de Cristo. A Igreja edifica-se no mundo à medida que o ser humano se insere no
Mistério Pascal de Cristo. Assim, pois, a Igreja se edifica na liturgia.
A vida cristã consiste em realizar na vida diária o Mistério Pascal de Cristo,
realizado em nós no Batismo e nutrido no Convite Pascal da Eucaristia. Renunciando
ao pecado, vivemos cada dia em novidade e liberdade (Rm 6,3-11).
Fazemos morrer em nós o que pertence ao mundo fechado em si mesmo
(idolatrias, falsidades, malignidade, apetites desordenados), buscando as coisas de
cima (Cl 3,1-9).
Toda a nossa existência consiste em realizar na vida o Mistério que celebramos
nos sacramentos. Suplicamos que todo o Corpo de Cristo se transforme numa oferenda
agradável ao Pai, para cantar seus louvores. A celebração litúrgica sintetiza e condensa
a vida cotidiana, tornada participação da Morte e Ressurreição de Cristo.
Encontramo-nos com freqüência perante uma ruptura entre o que vivemos,
celebramos e cremos; entre o que pensamos e o que fazemos; entre nossas convicções e
nossas ações. Isto se deve, muitas vezes, à deficiente formação teológica e litúrgica de
nosso povo.
Fazer teologia da liturgia é unir a ordem do pensar (Teologia vem de Theos =
Deus e logos = tratado) com a ordem da ação (Liturgia vem de leiton = público e ergon
= ação). A celebração litúrgica é um conhecimento de Deus tornado culto; e assim
atinge ela o seu mais elevado sentido. A liturgia é teologia em ação, constituindo o
momento teológico por excelência.
Páscoa de Cristo e Páscoa do Povo. A Páscoa de Cristo continua e só terminará
no dia em que o Corpo Místico tiver alcançado sua estatura perfeita. A vida cristã
consiste em realizar na vida diária o Mistério Pascal de Cristo, realizado em nós no
Batismo e nutrido no Convite Pascal da Eucaristia. Renunciando ao pecado, vivemos
cada dia em novidade e liberdade. Fazemos morrer em nós o que pertence ao mundo
fechado em si mesmo (idolatrias, falsidades, malignidade, apetites desordenados),
buscando as coisas de cima (Cl 3,1-9).
1. Partindo da observação da realidade humana, percebemos a busca e a luta pela
vida presente em cada ser humano: temos “um coração inquieto” (Santo
Agostinho); “o ser humano ultrapassa infinitamente o ser humano” (Pascal);
“somos uma consciência infeliz” (Hegel); a busca do “era mais” (Teilhard de
Chardin).
2. Tomando os dados da história da salvação, descobrimos a Páscoa como
categoria central para entender a intervenção de Deus na história humana. No
AT, Deus faz o povo passar da terra da escravidão para a terra prometida. O
sentido da Páscoa alcança plena realização em Jesus Cristo, “especialmente por
meio do mistério pascal da sua bem aventurada paixão, ressurreição da morte e
ascensão gloriosa” (SC, 5). Nele Deus cumpre seu desígnio (mistério) salvador
de fazer passar a humanidade da morte para a vida. Pelo Espírito enviado, Deus
vai estendendo o mistério da morte e ressurreição de Cristo à humanidade toda.
3. Analisando a estrutura da liturgia, constatamos que a Páscoa acontecimento é
sinalizada através da Páscoa rito. Através da ação simbólica (liturgia) nos
relacionamos, participamos e ativamos o mistério pascal em nossas vidas. Isto já
no AT. Até hoje, o povo judeu, ao celebrar a Páscoa se considera como “se ele
mesmo tivesse estado no Egito e de lá tivesse sido libertado pela mão poderosa
de Deus”. Os primeiros cristãos, tinham na celebração pascal o centro de suas
vidas. Era “a noite por todo o ano esperada”. Tertuliano aconselhava as cristãs a
não casarem com um não cristão, porque teriam dificuldade de participar da
vigília pascal. São João Crisóstomo afirmava que, “o Cristo fez da nossa vida
uma Páscoa”. A liturgia cristã celebra, portanto, não temas ou idéias, mas
acontecimentos de salvação. Portanto, sempre que nos reunimos para celebrar,
celebramos a totalidade do mistério pascal de Cristo, embora sob pontos de
abordagem diversos. Sempre fazemos memória desta Páscoa e realizamos
sacramentalmente esta mesma Páscoa na vida da comunidade celebrante.
4. Procurando tornar mais clara esta dimensão, é importante lembrar o documento
“Animação da vida litúrgica no Brasil”, onde se recorda que a liturgia é a
celebração da “Páscoa de Cristo na Páscoa do povo e a Páscoa do povo na
Páscoa de Cristo”. É claro que isto não deve ser compartimentado, mas inspirar
e estruturar toda a ação celebrativa. Há momentos em que isto se evidencia mais
claramente, quando por exemplo, fazemos a recordação da vida (acontecimentos
onde contemplamos o mistério pascal de Cristo) ou proclamamos o louvor pela
salvação realizada e dada a nós (e por isso, toda e qualquer celebração, sempre
terá uma dimensão eucarística, isto é, de ação de graças).
- A liturgia é também força no peregrinar, a fim de
levar a termo, mediante o compromisso transformador da vida, a
realização plena do Reino, segundo o plano de Deus. (DP 918)
Na liturgia da terra, saboreamos de antemão e participamos da outra liturgia
celestial, que é celebrada na santa cidade de Jerusalém, à qual nos dirigimos como
peregrinos e onde Cristo está sentado à direita de Deus como ministro do santuário e
do tabernáculo verdadeiro(Ap 21,2; Cl 3,1; Hb 8,2); cantamos ao Senhor o hino de
glória com todo o exército celestial; venerando a memória dos santos, esperamos ter
contato com eles e gozar de sua companhia; aguardamos o Salvador, Nosso Senhor
Jesus Cristo, até que se manifeste ele, nossa vida, e até que nós nos manifestemos
também gloriosos com ele(Fl3,20; Cl 3,4). (Sacrosanctum Concilium 8)
Advento permanente
Toda vida dos cristãos pode ser considerada na perspectiva do Advento: a Igreja é
peregrina no mundo e na história, trilhando o caminho para a cidade definitiva, o
Reinado de Deus. Na ação celebrativa, os fiéis celebram o mistério de Cristo em sua
plenitude, isto é, orientados para o ápice da parusia e o reinado definitivo.
Celebramos na fé e na conversão diária
A sagrada liturgia não esgota toda a atividade da Igreja; isso porque, para que os
homens possam chegar à liturgia, é necessário que antes sejam chamados à fé e à
conversão: “Como poderão eles invoca-lo se não crêem nele? Como crerão se não
ouvirem falar dele? Como ouvirão sem alguém que proclame? Como proclamarão se
não forem enviados?”(Rm 10,14-15)
Por isso, aos não-fiéis a Igreja proclama a mensagem de salvação para que todos
os homens conheçam o único Deus verdadeiro e seu enviado Jesus Cristo, assim como
para que se convertam em seus caminhos fazendo penitência(Jo 17,3; Lc 24,47; At
2,38). E aos fiéis deve ela, pregar continuamente a fé e a penitência, devendo preparalos além disso para os sacramentos, ensina-los a cumprir tudo o que mandou
Cristo(Mt 28,20) e estimulá-los a todo tipo de obras de caridade, piedade e apostolado,
para que se evidencie que os fiéis, sem ser deste mundo, são lua do mundo e dão glória
ao Pai diante dos homens. (Sacrosanctum Concilium 9)
De uma celebração sem evangelização suficiente, pode decorrer facilmente uma
atitude subjetiva, ingênua, fideísta ou mágica na ação litúrgica.
A liturgia está inseparavelmente unida a uma vida cristã que se desenvolve numa
série de atividades libertadoras, sobretudo o compromisso com as causas dos
marginalizados e, em geral, o trabalho em favor de um mundo mais justo e solidário.
Liturgia é ação trinitária – é uma ação conjunta do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
É Deus que se automanifesta e se autocomunica. A liturgia, portanto, é uma ação que
procede do Pai, realiza-se em Cristo pelo Espírito Santo, e mediante o Espírito nos
incorpora ao culto de Cristo para levar-nos ao Pai. Na liturgia, vivemos em comunhão
dinâmica e vital com a Santíssima Trindade.
a) O Pai, fonte e fim da liturgia – O Pai é fonte de bênção (Ef 1,3-6). É a origem
de todo o dinamismo vital da salvação (CEC 1110). Se o Pai é a fonte de toda
bênção, também é a meta de nossa oração. Na liturgia, expressamo-nos como
filhos do Pai.
b) A obra de Cristo na liturgia – Cristo é o ator principal do Mistério da liturgia.
Ele é o Sumo e eterno Sacerdote: desde sua Encarnação, é Mediador; pela
oferenda da Cruz é Sacrificador do único Sacrifício que nos salva; por sua
glorificação à direita do Pai, é Intercessor. Ele realizou o Mistério Pascal (CEC
1085) e, glorificado, atua na Igreja (CEC 1084, 1086, 1089), sobretudo está
presente na liturgia terrena (SC 7; CEC 1088), intercede e antecipa a vitória final
( CEC 1090). Cristo está presente na ação litúrgica: na assembléia, em sua
Palavra proclamada, na pessoa do ministro e de modo muito especial no pão e
no vinho eucarísticos (SC 7). Não se trata de uma presença estática, mas
dinâmica e salvadora.
c) O Espírito Santo na liturgia – O Espírito torna presente o Mistério de Cristo(ao
lado da anamnese, deve haver uma epiclese), que é celebrado, não repetido. Em
cada celebração sobrevém a efusão do Espírito Santo, que atualiza o único
Mistério (CEC 1104). A oração eclesial é a oração que o Espírito faz na Igreja.
Na liturgia existe uma verdadeira cooperação entre o Espírito Santo e a Igreja.
Glorificamos ao Pai por Cristo na unidade da Igreja. O Espírito Santo nos põe
em comunhão com Cristo e em comunhão com os outros na Igreja. A preparação
dos corações para celebrar devota e eficazmente o Mistério de Cristo é obra
comum do Espírito Santo e dos ministros e animadores. O Espírito une o povo
fiel, fala ao coração dos fiéis, faz oração no coração do fiel, transforma os
sinais litúrgicos com presença salvadora. O Espírito Santo origina nossa
resposta e nos leva a ter uma atitude de filial obediência para transformar o
mundo.
A liturgia é ação de Deus e de seu povo convocado pela Palavra e reunido em
nome de Jesus Cristo sob a ação do Espírito Santo. É uma ação comunitária, reunião de
pessoas animadas pela mesma fé, que tem a consciência de serem “raça eleita,
sacerdócio régio, nação santa, povo adquirido por Deus”. O primeiro elemento na
liturgia é formar a assembléia. Tomar parte na assembléia significa, na prática, assumir
a comunidade como sacramento do Senhor. Não participar da reunião celebrativa é
“machucar o corpo do Senhor”. Deus faz parceria com o ser humano, mas, em última
análise, é sempre “Deus que realiza tudo em todos” (1Cor 12,6).
Liturgia é uma ação cultual - cultuar significa venerar, honrar, homenagear. A pessoa
humana presta homenagem a Deus através de atos de adoração, devoção, oferecimento e
pedidos de ajuda. Isto se expressa através de atitudes interiores e ações externas, como
gestos, edificação de templos, etc. A fé bíblica se caracteriza tanto na elevação da
pessoa humana a Deus, quanto na iniciativa de Deus vir ao encontro do povo e realizar
conosco o seu projeto. Portanto, quem dá o primeiro passo para agir e santificar o
mundo é Deus. O melhor culto é a oferta de si mesmo, a partilha fraterna e a realização
da vontade de Deus (Mq 6,6-8; Eclo 35,1-10; Hb 10,5-10; 13,15-16).
Crise cultual - Mas Israel cedeu muitas vezes à tentação do formalismo, ao
ponto de chegar em certas circunstâncias a separar a fé da vida, ou seja, aferrava-se ao
rito, esquecendo as exigências da Aliança. Por isso, os profetas falaram duramente dos
sacrifícios (Is 1,10-17; Jr 7,21-23; Am 5,21-25), da arca (Jr 3,16), do templo (Jr 7,14;
26,1-15), do formalismo (Is 29,13). Eles não condenam o culto, mas uma prática ritual
que já não desempenha sua função de ser o lugar em que o Deus vivo da história se
encontra com seu povo. Amós encontra Deus na Justiça (Am 5,4-6,14-15), Jeremias na
conversão (Jr 7); O Sirácida na fidelidade à lei (Eclo 35). O Messias inaugurará o culto
perfeito (Ml 3,1-4).
O culto perfeito – Jesus, diante do culto do templo, mostrou-se muito livre.
Observava as práticas, mas exigia, mais do que ao rito, que se desse primazia ap amor e
à misericórdia (Mt 5,23-24; 15,5-9; Mc 7,6-9; 12,33); além disso, inaugura o culto em
Espírito e Verdade (Jo 4,24), que consiste na oferenda de sua própria vida. Toda a sua
existência é um ministério sacerdotal que culmina na oferenda de sua vida em sacrifício.
E, assim, a existência de Cristo é a plenitude do culto cristão (Hb 10,5-14; Rm 5,1-11).
Nosso único templo é o Corpo glorificado de Jesus; nosso único altar, sua Cruz; nosso
único sacerdote e sacrifício, sua pessoa. Portanto, o culto cristão não consiste em ações
organizadas à margem da vida, mas na própria existência vivida em fidelidade a Deus.
A Igreja é cúltica por natureza – A) A Igreja é o povo sacerdotal de Deus. É o
povo de Deus consagrado ao culto (Ex 19,6; Is 61,1; Ex 12,16; Ap 1,6; 20,6);
assembléia convocada pelo Senhor para escutar sua Palavra e renovar a Aliança (Dt
4,10; 9,10; At 7,38...); B) A Igreja é a esposa de Cristo que canta o louvor divino em
união com Cristo, seu Esposo (Jo 3,28-29; Mt 9,15; 2Cor 11,2; Ef 5,25-32), que
preparou seu banquete nupcial (Mt 22,2; 25,1-10); as Bodas do Cordeiro (Ap 19,7-8). A
liturgia é o encontro amoroso entre o Esposo e a Esposa, no qual Ele a purifica para
apresenta-la ao Pai. C) A Igreja é a Jerusalém celestial (Ap 21,2-3; Gl 4,26; Hb
12,26). A Igreja gloriosa e a Igreja peregrina constituem a única Jerusalém. A liturgia
celeste é descrita em analogia com a terrestre (Ap 4,8;5,9-13; 12,10-12; 19,1-2.6-7); D)
A Igreja é o Corpo de Cristo. (Rm 12,3-8; 1Cor 12,4-26).
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