ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA ES ESPIRITUALIDADE FRANCISCANA CNBB – Sul 3 CURSO DE ATUALIZAÇAO EM LITURGIA 03-12/07/2007 O que celebramos? Mistério Pascal de Cristo. O que celebramos? Qual é o conteúdo da liturgia cristã? Quais são os motivos, os temas, o objeto das celebrações da Igreja? – O mais importante na liturgia, é o que nela ocorre invisivelmente, o conteúdo essencial da ação celebrativa. Respostas a estas questões, encontramos nos números 5 a 10 da Constituição Conciliar sobre a Sagrada Liturgia, Sacrosanctum Concilium. A pergunta que encabeça esta seção é respondida em seis itens: 1) Celebramos o mistério pascal de Cristo 2) Celebramos o anúncio e sua realização 3) Celebramos o Cristo sempre presente 4) Celebramos hoje o Advento permanente 5) Celebramos na fé e na conversão diária 6) A liturgia, ápice e fonte de nossa vida. O que é Liturgia? A palavra “LITURGIA” é de origem grega: leitourgia, do verbo: leitourgein. Ela provém da composição de leiton (lit) = público (do jônico ou do ático leos = povo) e de ergon (urgia) = serviço, ação, trabalho. No sentido civil, é um “serviço feito para o povo”, ou “serviço diretamente prestado para o bem comum”, um serviço em favor da vida. Quem realizou e continua realizando a maior e a mais perfeita ação em favor da vida, pela criação e pela redenção é Deus. Por isso, no sentido religioso, a palavra liturgia refere-se ao culto de reconhecimento e agradecimento prestado a Deus. Para São Paulo, o anúncio do Evangelho era um serviço litúrgico: “meu serviço sagrado é anunciar o evangelho de Deus, a fim de que os pagãos se tornem oferta aceita e santificada pelo Espírito Santo (Rm 15,16). Para ele, também são um “serviço litúrgico” as ações em favor da comunidade necessitada. Em suas cartas, ele usa o termo liturgia neste sentido: serviço em favor dos necessitados (Hb 1,7.14; 2Cor 9,12; Fil 2,25). A compreensão do termo no decorrer da história: a) Liturgia era o nome dado a qualquer serviço, civil ou militar, que os cidadãos eram obrigados a prestar ao Estado – ou ainda, qualquer ofício ou função pública imposta para o bem comum A mesma palavra designava serviços cúlticos, sacrifícios públicos e a ação dos sacerdotes. b) Na versão dos LXX , a palavra aparece cerca de 150 vezes e designa o culto externo que os sacerdotes e levitas oferecem no templo, sobretudo os sacrifícios. A liturgia é uma função pública e solene realizada por aqueles que estão revestidos de poder. c) No NT, no sentido civil, como obra pública: serviço, cuidado com os pobres, apostolado, coletas; no sentido ritual, como culto do templo; no sentido de exercício público da religião;no sentido de culto espiritual; no sentido de culto ritual comunitário cristão. d) Na antiguidade cristã – culto novo que surge do Sacerdócio de Cristo nos ambientes judeu-cristãos. A Eucaristia é o ministério público por excelência e centro de todo o culto. No séc. IV, os gregos designam assim o rito específico da Missa segundo um determinado estilo. São João Crisóstomo fala de divina liturgia. Santo Agostinho praticamente ignora o termo, e a denomina de: officium, múnus, sacrum ritum, ministerium, servitium religionis, opus sacrum, opera Dei... No séc. XVI, o termo foi retomado designando o culto público oficial da Igreja; No séc. XVII, deu-se muita importância às rubricas, às normas da celebração, e assim a palavra liturgia não tardaria a designar o conjunto de normas e princípios que asseguravam que uma celebração eclesial. O Movimento Litúrgico resgata a liturgia como mistério da salvação, sacerdócio atuante de Cristo, sinal presencial da Igreja, vivência da História da Salvação (passado, presente e futuro recapitulado em Cristo). Definição de Pio XII, na Mediator Dei (20/11/1947) – A sagrada liturgia constitui o culto público que nosso Redentor, como Cabeça da Igreja, oferece ao Pai Celestial, e é o culto que a comunidade dos fiéis cristãos presta a seu Fundador e, por meio deste, ao Pai eterno; é, em resumo, o culto público total do Corpo místico de Cristo, o da Cabeça e o de seus membros (MD 29). “A liturgia é a continuação do ofício sacerdotal de Jesus” (n. 3). “Liturgia não é senão o exercício do sacerdócio de Cristo” (MD 20) A liturgia não é espetáculo sagrado (Não se trata da parte somente externa e sensível do culto divino, nem do cerimonial decorativo – Pio XII – MD 25), nem cumprimento legal de ritos (não é o conjunto de leis e preceitos pelos quais a Hierarquia ordena o conjunto de ritos – MD 25), tampouco um conjunto de atos religiosos privados (não pode consistir na piedade individual tornada pública, nem na união dos atos religiosos privados), nem mera expressão externa do sentimento religioso, menos ainda uma catequese ilustrada ou um meio de conscientização (Não é uma catequese ilustrada, mas uma atualização da salvação por meio de um sistema de sinais). Análise das definições: duas correntes: a) do exterior ao interior: deve ter sido instituída por Cristo ou pela Igreja; deve realizar-se em nome de Cristo e da Igreja; deve ser realizada por pessoas com poder ministerial e encargo oficial; deve realizar-se em conformidade com as normas estabelecidas; deve ser dedicada à glorificação de Deus e à santificação dos homens. b) do interior ao exterior: SC 7; MD 20; CIC 834-1; CEC 1070; PO 6; DP 918; DSD 34. O QUE É LITURGIA? (cfe. Puebla 918) - A liturgia, como ação de Cristo e da Igreja, Liturgia é ação - é um “fazer” (“Fazei isto em memória de mim!”), um agir comunitário que envolve ritos, ritmos, palavras e gestos, orações e cantos, sinais, símbolos e expressões corporais que revelam a fé das pessoas presentes e torna presente o mistério celebrado. A obra de Cristo na liturgia – Cristo é o ator principal do Mistério da liturgia. Ele é o Sumo e eterno Sacerdote: desde sua Encarnação, é Mediador; pela oferenda da Cruz é Sacrificador do único Sacrifício que nos salva; por sua glorificação à direita do Pai, é Intercessor. Ele realizou o Mistério Pascal (CEC 1085) e, glorificado, atua na Igreja (CEC 1084, 1086, 1089), sobretudo está presente na liturgia terrena (SC 7; CEC 1088), intercede e antecipa a vitória final ( CEC 1090). Cristo está presente na ação litúrgica: na assembléia, em sua Palavra proclamada, na pessoa do ministro e de modo muito especial no pão e no vinho eucarísticos (SC 7). Não se trata de uma presença estática, mas dinâmica e salvadora. Liturgia é “sinergia” (ação conjunta, cooperação) - desde o princípio, Deus fez do ser humano um parceiro na ação em favor da vida (Gn 1,28-30); estabelecendo com ele uma aliança (Gn 9,7-17); libertando-o da escravidão (Ex 3,7-12); dando-lhe uma Constituição para preservar a vida e a liberdade (Ex 20,1-17). A maior ação de Deus foi ter-nos dado seu Filho Jesus Cristo, pelo qual, mais do que parceiros, adotou-nos como filhos, fez-nos membros do Corpo do seu divino Filho, herdeiros de sua promessa. Cristo realiza plenamente a liturgia do Pai, que é proporcionar “vida em abundância” para todos (Jo 10,10). Leva sua missão até as últimas conseqüências, dando sua vida em resgate de muitos (cf. Mt 20,28). Cristo continua sua ação, sua liturgia por meio do seu “Corpo Místico”, a Igreja (cf. Mt 28,20). Para celebrar uma obra tão grande, Cristo está sempre presente em sua Igreja, sobretudo na ação litúrgica. Ele está presente no sacrifício da missa, seja na pessoa do ministro, oferecendo-se agora por meio do ministério dos sacerdotes ele próprio que outrora se ofereceu na cruz, seja, sobretudo, sob as espécies eucarísticas. Está presente com suas forças nos sacramentos, de modo que, quando alguém batiza, é Cristo quem batiza. Está presente em sua Palavra, pois quando se lê, na Igreja, a Sagrada Escritura, é ele que fala. Está presente, por último, quando a Igreja suplica e canta salmos, o mesmo que prometeu: “Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu Nome, eu estou no meio deles”(Mt 18,20). Com efeito, nessa obra tão grande pela qual Deus é perfeitamente glorificado e os homens santificados, Cristo associa sempre a si sua amadíssima Esposa, a Igreja, que invoca seu Senhor e por ele presta culto ao Pai eterno. Com razão, dessa maneira, considera-se a liturgia como o exercício do sacerdócio de Jesus Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam e, cada um a seu modo, realizam a santificação do ser humano; e, da mesma forma, o Corpo Místico de Jesus Cristo – isto é, a Cabeça e seus membros – exerce o culto público integral. Em conseqüência, toda celebração litúrgica, por ser obra de Cristo sacerdote e de seu Corpo, que é a Igreja, é ação sagrada por excelência, cuja eficácia, ao mesmo título e com o mesmo grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja. (Sacrosanctum Concilium 7) A liturgia é a expressão mais completa do mistério da Igreja. Não é mera recordação. E entes de tudo presença misteriosa, mas real, do Senhor e sua força libertadora em meio a seu povo. Essa presença não é uma simples presença dos acontecimentos da vida de Jesus Cristo, mas de sua própria pessoa. Os modos de presença da Cristo No ministro: É o próprio Cristo que exerce, através do ministro, sua obra santificadora por meio dos sinais sensíveis. Todos os ministros atuam de forma vicária, isto é, “em nome e em lugar de” Cristo. Nas espécies eucarísticas: No pão e no vinho consagrados, os cristãos reconhecem a presença mais densa do mistério pascal. Nos sacramentos e na sua Palavra. Na Igreja que ora e canta: A Igreja é Esposa e o Corpo de Cristo. A imagem conjugal (“os dois se tornarão uma só carne” Mt 19,5; Gn 2,24) expressa a inseparável união do Senhor com seu povo da Nova Aliança. Todas estas formas de presença são “reais”. Na celebração eucarística, apresentamse todas as presenças anteriores, mas a máxima é a de seu corpo e seu sangue nas espécies de pão e vinho. Da presença de Cristo na liturgia dependem seu valor e sua eficácia, não de sua forma externa. É a presença do mistério de Cristo e de sua própria pessoa que assegura sua força memorial, santificadora e libertadora. A presença de Cristo na liturgia não esgota, evidentemente, sua presença no mundo e na história. O mistério pascal é o acontecimento-síntese, cuja riqueza desabrocha iluminando toda a história, com suas múltiplas realidades, que podem erigir-se em conteúdo de nossa liturgia. A Igreja celebra a vida pessoal e comunitária dos cristãos, conscientes de que a história da salvação continua hoje. Celebra a obra humana: o trabalho, o progresso material, espiritual e cultural dos povos; os acontecimentos históricos, sociais e políticos. A Igreja celebra a obra criadora universal em sua totalidade, para além da obra humana. - é o exercício do sacerdócio de Jesus Cristo; ... por parte de toda a Igreja, Cabeça e membros. A palavra sacerdote vem do latim: sacer = sagrado; dotare = dar. Portanto, sacerdote é aquele que pode dar o sagrado. A figura do sacerdote aparece pela primeira vez no AT, no tempo de Abraão, cfe. Gn 14,18-20 – Melquisedec, rei de Salém e sacerdote do Altíssimo.... O fato de Cristo ser sacerdote foi definido no Concílio de Éfeso (DZ 122). Mas o sacerdócio de Cristo é um caso único, que não tem comparação na história nem nas outras religiões. Cristo foi constituído único Sacerdote da Nova Aliança (Hb 3,1; 4,14ss; 9,10). Todo sumo sacerdote é tomado do conjunto do homens e posto em favor dos homens, instituído para as coisas voltadas para Deus, a fim de oferecer oferendas e sacrifícios pelos pecados, para que Ele possa compadecer-se dos ignorantes e extraviados (Hb 5,1-2). Cristo é sacerdote por natureza: Mediador pela Encarnação – único e inigualável a qualquer outro, porque a Encarnação faz que não só enlace Deus com os homens, como também tenha a divindade e a humanidade numa única pessoa – por Ele flui todo o divino para o homem e todo humano para Deus; Sacrificador pela Redenção – Todo sacerdócio se volta para a oferenda do sacrifício. Pecando, o ser humano quis igualar-se a Deus e caiu em tal desventura que não existia sacrifício capaz de expiar sua culpa e puruficá-lo, menos ainda de reconcilia-lo com Deus e com a ordem criada. Cristo ofereceu o único Sacrifício que nos salva. No Calvário, a humanidade assumida pelo Verbo presta a Deus o culto extremo em nome de toda criatura. Ele oferece a si mesmo em sacrifício em nome de toda a humanidade. Cristo, ao contrário dos sacerdote do seu tempo, não desenvolveu sua vida no templo nem em ações rituais, mas inserido na vida das pessoas e em seus ambientes. O sacrifício exterior, para ser autêntico, deve ser expressão do sacrifício espiritual... O único sacrifício perfeito é o que Cristo ofereceu na cruz em oferenda total ao amor do Pai e por nossa salvação. Esse Sacrifício único o perpetua na Eucaristia. A Páscoa de Cristo é desse modo o ápice de seu Sacerdócio. A vida surge a partir da morte. E em seu trânsito passamos todos deste mundo a Deus, do pecado à graça, das trevas à luz, da morte à vida. Intercessor por sua glorificação – “Cristo não entrou num templo feito por mãos humanas, mas no próprio céu, para apresentar-se diante do acatamento de Deus em nosso favor”(Hb 9,24). Cristo é sacerdote com um Sacerdócio único, ao interceder por nós à direita do Pai. A Igreja participa do Sacerdócio de Cristo: porque esta função sacerdotal se prolonga através da Igreja que sem cessar louva o Senhor e intercede pela salvação de todo o mundo, não só celebrando a Eucaristia (SC 83). Nosso Redentor quis que a vida sacerdotal por Ele iniciada em seu Corpo mortal, com suas orações e com seu sacrifício, no decorrer dos séculos não cessasse em seu Corpo Místico que é a Igreja, e por isso estabeleceu um sacerdócio visível para oferecer por completo a oblação pura (MD 1). A Igreja é uma comunidade cúltica, isto é, que tem como missão prestar culto a Deus; e este culto não consiste na realização de alguns ritos, mas no culto da vida (Rm 12,1; Fl 3,3; Hb 13,15-16). Santo Agostinho afirma: Assim como aos que receberam no batismo a unção mística damos o nome de ungidos, isto é Cristos, assim também devemos denominar sacerdotes aquelas que são membros do único Sacerdote: Cristo. Pelo batismo e pela confirmação, somos constituídos como povo sacerdotal (LG 10,31): linhagem escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo obtido, para anunciar os louvores Daquele que nos chamou das trevas à sua admirável luz (1Pd 2,9). No âmbito do povo sacerdotal, alguns, pelo Sacramento da Ordem, participam de um modo ontologicamente distinto desse Sacerdócio, para atuar “na Pessoa de Cristo Cabeça” (CEC 1548) a fim de serem pastores da comunidade (O presidente ordenado é porta-voz do povo, dotado de poder de oferecer o culto interno e externo do Povo de Deus). Ambas as formas de participação do único sacerdócio de Cristo se implicam e se dinamizam. - é ápice e fonte da vida eclesial. Não obstante, a liturgia é o ápice a que tende a atividade da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte de onde emana toda a sua força. Pois os trabalhos apostólicos tem como objetivo o fato de que, uma vez tornados filhos de Deus pela fé e pelo batismo, todos se reúnam, louvem a Deus no âmbito da Igreja, participem do sacrifício e comam a ceia do Senhor. Por sua parte, a própria liturgia impulsiona os fiéis a que, saciados com “um mesmo sacramento pascal”, “vivam sempre unidos” no amor de Deus; ela suplica a Deus que “vivam sempre de acordo com a fé que professaram”; e a renovação da Aliança do Senhor com os homens na Eucaristia inflama e arrasta os fiéis à premente caridade de Cristo. Portanto, da liturgia – sobretudo da Eucaristia – emana em nossa direção a graça como de sua fonte, e se obtém com a máxima eficácia a santificação dos homens em Cristo e a glorificação de Deus, à qual as outras obras da Igreja tendem como a seu fim .(Sacrosanctum Concilium 10) Fonte e ápice se refere ao sentido qualitativo da liturgia na vida cristã. Uma liturgia que não impulsione os fiéis à premente caridade de Cristo correrá o perigo de ser um tempo e um espaço de evasão, de esquecimento culpado, de estreitamento das conseqüências da fé. Isto requer dos fiéis, viver consciente e participativamente a liturgia, ates como uma necessidade de fé do que como obrigação ou mero costume, desvelando sua enorme riqueza para a vida pessoal, familiar e social; e desafia os ministros ordenados a conhecer e a amar a liturgia, celebrando-a como um dom de Deus a seu povo e uma necessidade do povo para com seu Deus. - É encontro com Deus e os irmãos; Unem-se na liturgia dois movimentos complementares e inseparáveis: Deus voltase para o povo a fim de conceder-lhe sua graça e santifica-lo, por meio da obra da redenção humana (movimento descendente), e o ser humano se volta para Deus a fim de glorificá-lo por suas maravilhas, na perfeita glorificação de Deus (movimento ascendente). Esse dinamismo dialogal é permanente na revelação. Deus é um ser pessoal que toma a iniciativa da salvação e põe seu amor a serviço da libertação de seu povo; e o ser humano – individual ou coletivamente – invoca-o e louva-o, a Ele responde e obedece. O ápice da comunicação entre Deus e o ser humano ocorre na encarnação. Em Cristo, Ele estende a ponte definitiva à humanidade para que esta se relacione com seu Criador. A Ascensão de Jesus não suprime esta ponte. A natureza humana e toda a criação foram de tal modo assumidas pela encarnação que são o alicerce da comunicação e o lugar de encontro de Deus conosco. Deus possui... uma humanidade que, segundo o desígnio divino, é terna. A humanidade é a expressão temporal do Filho eterno. A humanidade exprime para nós algo de Deus. Dizer que o Filho se fez ser humano não significa que o Filho tenha deixado de ser Filho. Também não significa que o Filho tenha continuado a ser Filho e que a humanidade lhe tenha sido acrescentada para servir-lhe de mero instrumento de aparição e de atuação. Não. A humanidade de Deus não é um disfarce com o qual Deus pretende dar a impressão de que assume nossa condição, embora no fundo continue permanecendo em sua Luz inacessível, sem comunicar-se. O fato de que Deus tenha-se feito ser humano diz algo do próprio Deus. Diz que Ele se aproximou de nós e se entregou plenamente na criação e no tempo. (L. Boff) O núcleo de sentido na Liturgia é aquilo “que Cristo faz por obra de seu Espírito”. Trata-se do mistério Pascal da bem-aventurada Paixão, Ressurreição dentre os mortos e gloriosa Ascensão de Cristo, ou simplesmente do mistério de Cristo. - banquete e sacrifício realizado na Eucaristia; Eucaristia: Porque é ação de graças a Deus. As palavras “eucharistein” (Lc 22,19; 1Cor 11,24) e “eulogein” (Mt 26,26; Mc 14, 22) lembram as bênçãos judaicas que proclamam – sobretudo durante a refeição – as obras de Deus: a criação, a redenção e a santificação. As duas palavras: “eulogein” (do grego), que significa louvar, enaltecer – exprimindo mais o aspecto da pessoa, o bem-dizer, o atribuir o bem a quem o fez, e “eucharistein” (do latim), significa agradecer, dar graças, acentua mais os dons, a charis recebida. Os bens são bens gratuitos, são bênçãos. A Eucaristia é, portanto, uma oração-atitude dirigida a Deus que nasce de um fato maravilhoso. Diante deste fato, atribuído à grandeza e ao poder de Deus, o homem se admira e prorrompe em aclamações, narrando, o fato de que foi testemunha. Esta admiração do fato maravilhoso expressa três atitudes fundamentais do homem: a) Louvor, o enaltecimento de Deus. O homem bendiz o Senhor, atribui-lhe o milagre, o fato maravilhoso; b) a Profissão de fé. Reconhecendo que Deus operou a maravilha, o homem sente-se pequeno, aceita a Deus como Senhor; c) Agradecimento. Diante da maravilha da semente que brota, que cresce, que chega a flor e fruto, o homem exclama: milagre! O homem sente-se devedor e exclama: Obrigado! Ceia do Senhor, pois trata-se da ceia que o Senhor fez com seus discípulos na véspera de sua paixão, e antecipação da ceia das bodas do Cordeiro na Jerusalém celeste. Fração do Pão, porque este rito, próprio da refeição judaica, foi utilizado por Jesus quando abençoava e distribuía o pão como presidente da mesa, sobretudo por ocasião da Ultima Ceia, em Emaús... Assembléia eucarística (synaxis), porque a eucaristia é celebrada na assembléia dos fiéis, expressão visível da Igreja. Memorial da Paixão e da Ressurreição do Senhor. Santo Sacrifício, porque atualiza o único sacrifício de Cristo Salvador, e inclui a oferenda da Igreja; ou também sacrifício da Missa, “sacrifício de Louvor” (Hb 13,15). - festa de comunhão eclesial, na qual o Senhor Jesus, por seu MISTÉRIO PASCAL, assume e liberta o povo de Deus e, por ele, toda a humanidade, cuja história é transformada em história salvífica para reconciliar os homens entre si e com Deus. Deus, que “deseja que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade”(1Tm 2,4), tendo falado outrora em distintas ocasiões e de muitas maneiras a nossos pais por inte3rmédio dos profetas (Hb 1,1), quando chegou a plenitude dos tempos, enviou seu Filho, o Verbo feito carne, ungido pelo Espírito Santo, para evangelizar os pobres e curar os contritos de coração (cf. Is 61,1; Lc 4,18), como “médico corporal e espiritual”, Mediador entre Deus e os homens (1Tm 2,5). Com efeito, sua humanidade, unida à pessoa do Verbo, foi instrumento de nossa salvação. Por isso, em Cristo “realizou-se plenamente nossa reconciliação e foi-nos dada a plenitude do culto divino”. Essa obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus, preparada pelas maravilhas que Deus operou no povo da Antiga Aliança, Cristo realizou-a principalmente pelo mistério pascal de sua bem-aventurada Paixão, Ressurreição dentre os mortos e gloriosa Ascensão. Por esse mistério, “morrendo destruiu nossa morte e, ressuscitando, restaurou a vida”. Pois o lado de Jesus adormecido na cruz nasceu “o admirável sacramento de toda a Igreja”. (Sacrosanctum concilium 5) Acontecimento e memorial – O conteúdo de nossas celebrações é essencialmente formado pelos acontecimentos salvadores, isto é, as intervenções de Deus no tempo da criação, que foram revelando sua presença libertadora em favor da humanidade. O que permanecia oculto me sua verdade definitiva, revelou-se com toda a sua força no acontecimento Cristo. Memorial - zikkarôn (hebraico), anámnesis (grego) – não se trata de uma simples recordação, uma simples lembrança ou uma comemoração. É uma recordação eficaz, uma celebração que atualiza o que recorda; um sacramento do acontecimento passado. Trata-se de uma participação no fato lembrado, graças à participação no rito celebrado. (Ex 13,3-10). Os detalhes do texto mostram que quem participa da festa da Páscoa está, naquele momento, saindo da escravidão, está sendo libertado pelo Senhor. (Dt 26,1-13). – significa a presença e eficácia atuais do comemorado, de maneira que acontecimentos que historicamente pertencem ao passado se tornam de fato presentes na vida de hoje do povo de Deus que celebra sua fé. Foi a categoria de memorial que permitiu considerar a liturgia como “momento histórico da salvação”. A liturgia é uma ação ritual temporal na qual se atualiza um evento salvífico do passado histórico, por meio de sinais e símbolos, apresentando-se com toda a sua força libertadora no hoje da assembléia celebrante. Páscoa como memorial – O termo páscoa é uma transliteração do aramaico paschá e do hebraico pesah. Aparece 49 vezes no AT, indicando em 34 delas o rito da lua cheia de primavera e em 15, o cordeiro imolado nessa ocasião. Ex. 12 recolhe a tradição das tribos nômades que a cada início de primavera sacrificavam as “primícias” (primeiros cordeiros nascidos naquele ano) para oferecer à divindade. Em seguida, recolhe a tradição dos agricultores que celebravam, na mesma época, a “festa dos Ázimos”, pães sem fermento feitos com as primeiras espigas da colheita de cevada. “Observareis, pois, a festa dos Ázimos, porque neste dia é que fiz o vosso exército sair da terra do Egito...” O que é, e qual o conteúdo do Mistério Pascal de Cristo? A linguagem bíblica e litúrgica referiu-se com a expressão Mistério Pascal toda a obra salvadora de Cristo em sua dimensão dinâmica, tendo como foco ou centro de referência a Paixão, Morte, Ressurreição a Ascensão de Cristo. Eles não só constituem o ápice da vida de Cristo, mas se situam na “plenitude dos tempos” como ponto de união entre a revelação do AT e NT; são os acontecimentos da vida histórica de Jesus de Nazaré, de sua concepção virginal à sua Ascensão ao céu; ainda, a existência total de Cristo: preexistente junto ao Pai desde sempre, encarnado na criação como ser humano, ressuscitado e glorioso pela eternidade. O mistério pascal é toda a obra salvadora de Deus na história de sua criação. “Façam isto em memória de mim”. Em seguida, o ministro anuncia o que temos de mais sagrado: “Eis o mistério da nossa fé”. E qual é o mistério de nossa fé? Qual é o alicerce sobre o qual se apóia nossa identidade cristã, nossa vida eclesial, nossa missão? A aclamação cantada por toda a comunidade reunida responde: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde Senhor Jesus!” Nestas três frases encontramos a resposta à pergunta fundamental: o que celebramos na liturgia cristã? Fazemos memória de Jesus Cristo. Celebramos o mistério de nossa fé, que é o mistério da morte e ressurreição de Jesus – o mistério pascal. A nova Páscoa - A redenção de Cristo substitui a libertação pascal do AT, e o Sacrifício de Cristo, o sacrifício do cordeiro, a Eucaristia sucede à Ceia Pascal. A redenção é o resgate de um escravo, o pagamento do preço para considera-lo juridicamente livre; implica uma recompra, o pagamento de uma dívida ou de um resgate. Mistério Pascal evoca a passagem do Senhor por seu povo para salva-lo, e a passagem do povo do pecado a uma vida nova, por uma livre iniciativa do amor misericordioso de Deus que decidiu salva-lo. O mesmo Deus que libertou seu povo do poder do Egito, ressuscitou Jesus e o libertou da morte, fazendo-o sentar à sua direita, instaurando assim a autoridade de Jesus como Messias. “A este Jesus que vocês crucificaram, Deus o ressuscitou e disto nós somos testemunhas... Ele o constituiu Senhor e Cristo” (cf. At 2,24.32.26). Com os ritos da Páscoa antiga, Jesus havia anunciado algo novo: uma nova Páscoa e um novo êxodo. Nos textos do NT que falam da última Ceia de Jesus é marcante a relação entre a Páscoa antiga e a Páscoa de Jesus. Sua morte é apresentada como um êxodo. Ele é chamado de “cordeiro pascal”. Como diz a antiga homilia pascal de Melitão de Sardes: “A lei se fez evangelho, o antigo renovou-se, a figura converteu-se em realidade, o cordeiro agora é o Filho”. “Façam isto em minha memória” – pela ação ritual acontece para nós, a Páscoa de Jesus, no contexto da nova aliança. “Todas as vezes que comeis deste pão e bebeis deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha”(1Cor 11,26) – trata-se de uma atualização. O passado é trazido para o presente, no hoje da celebração litúrgica. Pela ação memorial também o futuro torna-se presente. A memória abrange passado, presente e futuro. No hoje da celebração, estamos, ao mesmo tempo, na Galiléia e na Judéia da época de Jesus Cristo e no meio da multidão reunida em torno do trono e do Cordeiro e dos anjos e santos, do qual fala o Apocalipse, descrevendo a realidade celeste. Uma festa para o Senhor - o memorial só tem sentido no contexto da aliança com o Senhor. Por puro amor, por gratuidade, por compaixão, em sua imensa ternura é que o Senhor propõe a aliança. Vocês serão o meu povo e eu serei o seu Deus: esta é a proposta que perpassa toda a história sagrada. A iniciativa é dele. A aliança é celebrada por um rito memorial e, de tempos em tempos, é renovada. Haverá relações de intimidade entre os parceiros da aliança: como entre um rebanho e seu pastor, como entre a vinha e seu agricultor, como entre um filho e seu pai, como entre a esposa e seu esposo. A Páscoa de Cristo na vida da comunidade - todas as celebrações da igreja comemoram, tornam presente e nos fazem participar da vida, morte, ressurreição e vitória de Jesus Cristo, sinal máximo do amor de Deus para com o seu povo pela ação do Espírito Santo. A liturgia nos convida a levar a sério o mistério de sermos conduzidos continuamente da escravidão para a liberdade, do luto para a alegria, da servidão para a plena cidadania. A liturgia constitui o tempo da Igreja, continuação do tempo de Cristo. A Igreja edifica-se no mundo à medida que o ser humano se insere no Mistério Pascal de Cristo. Assim, pois, a Igreja se edifica na liturgia. A vida cristã consiste em realizar na vida diária o Mistério Pascal de Cristo, realizado em nós no Batismo e nutrido no Convite Pascal da Eucaristia. Renunciando ao pecado, vivemos cada dia em novidade e liberdade (Rm 6,3-11). Fazemos morrer em nós o que pertence ao mundo fechado em si mesmo (idolatrias, falsidades, malignidade, apetites desordenados), buscando as coisas de cima (Cl 3,1-9). Toda a nossa existência consiste em realizar na vida o Mistério que celebramos nos sacramentos. Suplicamos que todo o Corpo de Cristo se transforme numa oferenda agradável ao Pai, para cantar seus louvores. A celebração litúrgica sintetiza e condensa a vida cotidiana, tornada participação da Morte e Ressurreição de Cristo. Encontramo-nos com freqüência perante uma ruptura entre o que vivemos, celebramos e cremos; entre o que pensamos e o que fazemos; entre nossas convicções e nossas ações. Isto se deve, muitas vezes, à deficiente formação teológica e litúrgica de nosso povo. Fazer teologia da liturgia é unir a ordem do pensar (Teologia vem de Theos = Deus e logos = tratado) com a ordem da ação (Liturgia vem de leiton = público e ergon = ação). A celebração litúrgica é um conhecimento de Deus tornado culto; e assim atinge ela o seu mais elevado sentido. A liturgia é teologia em ação, constituindo o momento teológico por excelência. Páscoa de Cristo e Páscoa do Povo. A Páscoa de Cristo continua e só terminará no dia em que o Corpo Místico tiver alcançado sua estatura perfeita. A vida cristã consiste em realizar na vida diária o Mistério Pascal de Cristo, realizado em nós no Batismo e nutrido no Convite Pascal da Eucaristia. Renunciando ao pecado, vivemos cada dia em novidade e liberdade. Fazemos morrer em nós o que pertence ao mundo fechado em si mesmo (idolatrias, falsidades, malignidade, apetites desordenados), buscando as coisas de cima (Cl 3,1-9). 1. Partindo da observação da realidade humana, percebemos a busca e a luta pela vida presente em cada ser humano: temos “um coração inquieto” (Santo Agostinho); “o ser humano ultrapassa infinitamente o ser humano” (Pascal); “somos uma consciência infeliz” (Hegel); a busca do “era mais” (Teilhard de Chardin). 2. Tomando os dados da história da salvação, descobrimos a Páscoa como categoria central para entender a intervenção de Deus na história humana. No AT, Deus faz o povo passar da terra da escravidão para a terra prometida. O sentido da Páscoa alcança plena realização em Jesus Cristo, “especialmente por meio do mistério pascal da sua bem aventurada paixão, ressurreição da morte e ascensão gloriosa” (SC, 5). Nele Deus cumpre seu desígnio (mistério) salvador de fazer passar a humanidade da morte para a vida. Pelo Espírito enviado, Deus vai estendendo o mistério da morte e ressurreição de Cristo à humanidade toda. 3. Analisando a estrutura da liturgia, constatamos que a Páscoa acontecimento é sinalizada através da Páscoa rito. Através da ação simbólica (liturgia) nos relacionamos, participamos e ativamos o mistério pascal em nossas vidas. Isto já no AT. Até hoje, o povo judeu, ao celebrar a Páscoa se considera como “se ele mesmo tivesse estado no Egito e de lá tivesse sido libertado pela mão poderosa de Deus”. Os primeiros cristãos, tinham na celebração pascal o centro de suas vidas. Era “a noite por todo o ano esperada”. Tertuliano aconselhava as cristãs a não casarem com um não cristão, porque teriam dificuldade de participar da vigília pascal. São João Crisóstomo afirmava que, “o Cristo fez da nossa vida uma Páscoa”. A liturgia cristã celebra, portanto, não temas ou idéias, mas acontecimentos de salvação. Portanto, sempre que nos reunimos para celebrar, celebramos a totalidade do mistério pascal de Cristo, embora sob pontos de abordagem diversos. Sempre fazemos memória desta Páscoa e realizamos sacramentalmente esta mesma Páscoa na vida da comunidade celebrante. 4. Procurando tornar mais clara esta dimensão, é importante lembrar o documento “Animação da vida litúrgica no Brasil”, onde se recorda que a liturgia é a celebração da “Páscoa de Cristo na Páscoa do povo e a Páscoa do povo na Páscoa de Cristo”. É claro que isto não deve ser compartimentado, mas inspirar e estruturar toda a ação celebrativa. Há momentos em que isto se evidencia mais claramente, quando por exemplo, fazemos a recordação da vida (acontecimentos onde contemplamos o mistério pascal de Cristo) ou proclamamos o louvor pela salvação realizada e dada a nós (e por isso, toda e qualquer celebração, sempre terá uma dimensão eucarística, isto é, de ação de graças). - A liturgia é também força no peregrinar, a fim de levar a termo, mediante o compromisso transformador da vida, a realização plena do Reino, segundo o plano de Deus. (DP 918) Na liturgia da terra, saboreamos de antemão e participamos da outra liturgia celestial, que é celebrada na santa cidade de Jerusalém, à qual nos dirigimos como peregrinos e onde Cristo está sentado à direita de Deus como ministro do santuário e do tabernáculo verdadeiro(Ap 21,2; Cl 3,1; Hb 8,2); cantamos ao Senhor o hino de glória com todo o exército celestial; venerando a memória dos santos, esperamos ter contato com eles e gozar de sua companhia; aguardamos o Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, até que se manifeste ele, nossa vida, e até que nós nos manifestemos também gloriosos com ele(Fl3,20; Cl 3,4). (Sacrosanctum Concilium 8) Advento permanente Toda vida dos cristãos pode ser considerada na perspectiva do Advento: a Igreja é peregrina no mundo e na história, trilhando o caminho para a cidade definitiva, o Reinado de Deus. Na ação celebrativa, os fiéis celebram o mistério de Cristo em sua plenitude, isto é, orientados para o ápice da parusia e o reinado definitivo. Celebramos na fé e na conversão diária A sagrada liturgia não esgota toda a atividade da Igreja; isso porque, para que os homens possam chegar à liturgia, é necessário que antes sejam chamados à fé e à conversão: “Como poderão eles invoca-lo se não crêem nele? Como crerão se não ouvirem falar dele? Como ouvirão sem alguém que proclame? Como proclamarão se não forem enviados?”(Rm 10,14-15) Por isso, aos não-fiéis a Igreja proclama a mensagem de salvação para que todos os homens conheçam o único Deus verdadeiro e seu enviado Jesus Cristo, assim como para que se convertam em seus caminhos fazendo penitência(Jo 17,3; Lc 24,47; At 2,38). E aos fiéis deve ela, pregar continuamente a fé e a penitência, devendo preparalos além disso para os sacramentos, ensina-los a cumprir tudo o que mandou Cristo(Mt 28,20) e estimulá-los a todo tipo de obras de caridade, piedade e apostolado, para que se evidencie que os fiéis, sem ser deste mundo, são lua do mundo e dão glória ao Pai diante dos homens. (Sacrosanctum Concilium 9) De uma celebração sem evangelização suficiente, pode decorrer facilmente uma atitude subjetiva, ingênua, fideísta ou mágica na ação litúrgica. A liturgia está inseparavelmente unida a uma vida cristã que se desenvolve numa série de atividades libertadoras, sobretudo o compromisso com as causas dos marginalizados e, em geral, o trabalho em favor de um mundo mais justo e solidário. Liturgia é ação trinitária – é uma ação conjunta do Pai, do Filho e do Espírito Santo. É Deus que se automanifesta e se autocomunica. A liturgia, portanto, é uma ação que procede do Pai, realiza-se em Cristo pelo Espírito Santo, e mediante o Espírito nos incorpora ao culto de Cristo para levar-nos ao Pai. Na liturgia, vivemos em comunhão dinâmica e vital com a Santíssima Trindade. a) O Pai, fonte e fim da liturgia – O Pai é fonte de bênção (Ef 1,3-6). É a origem de todo o dinamismo vital da salvação (CEC 1110). Se o Pai é a fonte de toda bênção, também é a meta de nossa oração. Na liturgia, expressamo-nos como filhos do Pai. b) A obra de Cristo na liturgia – Cristo é o ator principal do Mistério da liturgia. Ele é o Sumo e eterno Sacerdote: desde sua Encarnação, é Mediador; pela oferenda da Cruz é Sacrificador do único Sacrifício que nos salva; por sua glorificação à direita do Pai, é Intercessor. Ele realizou o Mistério Pascal (CEC 1085) e, glorificado, atua na Igreja (CEC 1084, 1086, 1089), sobretudo está presente na liturgia terrena (SC 7; CEC 1088), intercede e antecipa a vitória final ( CEC 1090). Cristo está presente na ação litúrgica: na assembléia, em sua Palavra proclamada, na pessoa do ministro e de modo muito especial no pão e no vinho eucarísticos (SC 7). Não se trata de uma presença estática, mas dinâmica e salvadora. c) O Espírito Santo na liturgia – O Espírito torna presente o Mistério de Cristo(ao lado da anamnese, deve haver uma epiclese), que é celebrado, não repetido. Em cada celebração sobrevém a efusão do Espírito Santo, que atualiza o único Mistério (CEC 1104). A oração eclesial é a oração que o Espírito faz na Igreja. Na liturgia existe uma verdadeira cooperação entre o Espírito Santo e a Igreja. Glorificamos ao Pai por Cristo na unidade da Igreja. O Espírito Santo nos põe em comunhão com Cristo e em comunhão com os outros na Igreja. A preparação dos corações para celebrar devota e eficazmente o Mistério de Cristo é obra comum do Espírito Santo e dos ministros e animadores. O Espírito une o povo fiel, fala ao coração dos fiéis, faz oração no coração do fiel, transforma os sinais litúrgicos com presença salvadora. O Espírito Santo origina nossa resposta e nos leva a ter uma atitude de filial obediência para transformar o mundo. A liturgia é ação de Deus e de seu povo convocado pela Palavra e reunido em nome de Jesus Cristo sob a ação do Espírito Santo. É uma ação comunitária, reunião de pessoas animadas pela mesma fé, que tem a consciência de serem “raça eleita, sacerdócio régio, nação santa, povo adquirido por Deus”. O primeiro elemento na liturgia é formar a assembléia. Tomar parte na assembléia significa, na prática, assumir a comunidade como sacramento do Senhor. Não participar da reunião celebrativa é “machucar o corpo do Senhor”. Deus faz parceria com o ser humano, mas, em última análise, é sempre “Deus que realiza tudo em todos” (1Cor 12,6). Liturgia é uma ação cultual - cultuar significa venerar, honrar, homenagear. A pessoa humana presta homenagem a Deus através de atos de adoração, devoção, oferecimento e pedidos de ajuda. Isto se expressa através de atitudes interiores e ações externas, como gestos, edificação de templos, etc. A fé bíblica se caracteriza tanto na elevação da pessoa humana a Deus, quanto na iniciativa de Deus vir ao encontro do povo e realizar conosco o seu projeto. Portanto, quem dá o primeiro passo para agir e santificar o mundo é Deus. O melhor culto é a oferta de si mesmo, a partilha fraterna e a realização da vontade de Deus (Mq 6,6-8; Eclo 35,1-10; Hb 10,5-10; 13,15-16). Crise cultual - Mas Israel cedeu muitas vezes à tentação do formalismo, ao ponto de chegar em certas circunstâncias a separar a fé da vida, ou seja, aferrava-se ao rito, esquecendo as exigências da Aliança. Por isso, os profetas falaram duramente dos sacrifícios (Is 1,10-17; Jr 7,21-23; Am 5,21-25), da arca (Jr 3,16), do templo (Jr 7,14; 26,1-15), do formalismo (Is 29,13). Eles não condenam o culto, mas uma prática ritual que já não desempenha sua função de ser o lugar em que o Deus vivo da história se encontra com seu povo. Amós encontra Deus na Justiça (Am 5,4-6,14-15), Jeremias na conversão (Jr 7); O Sirácida na fidelidade à lei (Eclo 35). O Messias inaugurará o culto perfeito (Ml 3,1-4). O culto perfeito – Jesus, diante do culto do templo, mostrou-se muito livre. Observava as práticas, mas exigia, mais do que ao rito, que se desse primazia ap amor e à misericórdia (Mt 5,23-24; 15,5-9; Mc 7,6-9; 12,33); além disso, inaugura o culto em Espírito e Verdade (Jo 4,24), que consiste na oferenda de sua própria vida. Toda a sua existência é um ministério sacerdotal que culmina na oferenda de sua vida em sacrifício. E, assim, a existência de Cristo é a plenitude do culto cristão (Hb 10,5-14; Rm 5,1-11). Nosso único templo é o Corpo glorificado de Jesus; nosso único altar, sua Cruz; nosso único sacerdote e sacrifício, sua pessoa. Portanto, o culto cristão não consiste em ações organizadas à margem da vida, mas na própria existência vivida em fidelidade a Deus. A Igreja é cúltica por natureza – A) A Igreja é o povo sacerdotal de Deus. É o povo de Deus consagrado ao culto (Ex 19,6; Is 61,1; Ex 12,16; Ap 1,6; 20,6); assembléia convocada pelo Senhor para escutar sua Palavra e renovar a Aliança (Dt 4,10; 9,10; At 7,38...); B) A Igreja é a esposa de Cristo que canta o louvor divino em união com Cristo, seu Esposo (Jo 3,28-29; Mt 9,15; 2Cor 11,2; Ef 5,25-32), que preparou seu banquete nupcial (Mt 22,2; 25,1-10); as Bodas do Cordeiro (Ap 19,7-8). A liturgia é o encontro amoroso entre o Esposo e a Esposa, no qual Ele a purifica para apresenta-la ao Pai. C) A Igreja é a Jerusalém celestial (Ap 21,2-3; Gl 4,26; Hb 12,26). A Igreja gloriosa e a Igreja peregrina constituem a única Jerusalém. A liturgia celeste é descrita em analogia com a terrestre (Ap 4,8;5,9-13; 12,10-12; 19,1-2.6-7); D) A Igreja é o Corpo de Cristo. (Rm 12,3-8; 1Cor 12,4-26).