1 CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DA DEFESA DA SAÚDE – CAO-SAÚDE DE JUSTIÇA RUA DIAS ADORNO, 367 – SANTO AGOSTINHO – BELO HORIZONTE/MG – CEP 30190-100 TELEFONE: 3330-8399 – EMAIL: [email protected] Ministério Público-MG NOTA TÉCNICA nº 008/2010 1. Objeto: Consulta. Promotoria de Justiça da Comarca de Itaúna. Portaria Municipal instituindo normas sobre TFD – Tratamento Fora do Domicílio. Valores menores dos instituídos pela Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses e Próteses e Matérias Especiais do SUS. Impossibilidade. 2. Relatório Cuida-se de consulta elaborada pela Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde da Comarca de Itaúna, acerca dos aspectos legais da Portaria Municipal 002/2009, de lavra do Secretário Municipal de Saúde daquele município, que “instituiu normas sobre o serviço de reembolso de despesas com o Tratamento Fora de Domicílio”. Na página eletrônica deste Centro de Apoio (CAO-SAUDE), em atendimento à demanda feita pela Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde na comarca de Além Paraíba, poderá ser encontrada a Nota Técnica nº 005/2009 versando genericamente sobre o procedimento do Tratamento Fora do Domicílio. 3- Do Direito - Fundamentação 2 Instituído pelo Ministério da Saúde em 1999, em apertada síntese podemos conceituar Tratamento Fora do Domicílio (TFD) como a garantia do deslocamento dos usuários SUS para outro município ou Estado quando o atendimento de saúde a ser prestado pelo município origem não dispuser do tratamento necessário ou esgotados todos os meios de tratamento. O TFD custeia todas as despesas relativas ao transporte, seja aéreo, terrestre ou fluvial, bem como diárias para alimentação e hospedagem do paciente e seu acompanhante. A solicitação de TFD é feita pelo médico assistente do paciente nas unidades de saúde vinculadas ao SUS e autorizadas por uma comissão, de acordo com a disponibilidade orçamentária. Quando o usuário em TFD vai a óbito, a SES e o município de origem também se responsabilizam pelas despesas decorrentes com o transporte do corpo até a localidade de seu domicílio. Sua clientela consiste em todo paciente residente em Minas Gerais que necessite de Tratamento Fora do Domicílio, de conformidade com o princípio da universalidade, estabelecido na Constituição Brasileira/88. O Tratamento Fora do Domicílio, atualmente conhecido como “Deslocamento de Usuário da Média e Alta Complexidade”, estabelece que as despesas relativas ao deslocamento de usuários do SUS para tratamento fora do município de residência possam ser cobradas por intermédio do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA/SUS), observado o teto financeiro definido para cada município/estado. Os benefícios foram estabelecidos pela Portaria SAS nº 55, de março de 1999, e são concedidos quando todos os meios de tratamento existentes na origem estiverem esgotados ou ausentes e somente enquanto houver possibilidade de recuperação do paciente. 3 O financiamento consiste no fornecimento de passagens para atendimento médico especializado de diagnose, terapia ou cirurgia, concedido exclusivamente a pacientes atendidos na rede pública ou conveniada/contratada do SUS. Consiste também em ajuda de custo para alimentação e pernoite ao paciente e acompanhante (se este se fizer necessário), após a devida comprovação da necessidade, mediante análise socioeconômica efetuada por assistente social vinculado à rede pública de saúde ou ao setor de assistência social do município de origem do paciente. Não obstante a relevância desses procedimentos para garantir a todos os cidadãos do Estado o acesso universal aos serviços de saúde, os gestores estadual e municipal devem realizar esforços a fim de ampliar a capacidade instalada dos serviços de saúde locais visando atender aos usuários o mais próximo possível de suas residências. Cabe às Secretarias de Estado de Saúde (SES) propor às respectivas Comissões Intergestores Bipartites (CIBs) a estratégia de gestão, entendida como: (1) definição de responsabilidades da SES e das Secretarias Municipais de Saúde (SMS) para a autorização do TFD; (2) estratégia de utilização com o estabelecimento de critérios, rotinas e fluxos, de acordo com a realidade de cada região, além da definição dos recursos financeiros destinados ao TFD, cuja normatização é sistematizada no Manual Estadual de TFD, que o gestor municipal deve buscar junto à sua SES. A referência dos pacientes a serem atendidos pelo TFD deve ser explicitada na Programação Pactuada e Integrada (PPI) de cada município. O TFD somente será autorizado quando houver garantia de atendimento no município de referência (ou seja, no município onde o paciente será atendido), com horário e data definidos previamente. 4 Quando o paciente retornar ao município de origem no mesmo dia, serão autorizadas apenas passagens e ajuda de custo para alimentação (para ele e acompanhante, se for o caso). Ficam vedadas as autorizações de TFD para acesso de pacientes a outros municípios para tratamentos que utilizem procedimentos assistenciais contidos no Piso da Atenção Básica (PAB), assim como o pagamento de diárias a pacientes encaminhados por meio de TFD que permaneçam hospitalizados no município de referência, em deslocamentos menores do que 50 km de distância ou realizados em regiões metropolitanas. Importante esclarecer quanto à necessidade (obrigação) de que a regulação da prestação dos serviços de saúde pública possa ser feita pelo gestor, em cada uma das esferas de competência. No caso, compete ao município gerir e executar serviços públicos de saúde incluídos no âmbito do SUS, de acordo com suas peculiaridades e especificidades, nos termos do art. 18, inciso I, lei 8.080/90, verbis: Art. 18. À direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) compete: I - planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde” Aliás, em face do Termo de Compromisso de Gestão Municipal assumido pela Secretaria Municipal de Saúde de Itaúna, conforme Portaria GM nº 399, de 22 de fevereiro de 2006 (Pactos pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão), referido município assumiu as responsabilidades gerais da gestão do SUS, na regionalização, no planejamento e programação, na 5 regulação, controle, avaliação e auditoria, na gestão do trabalho, na educação na saúde e na participação e controle social. Dito isto, percebe-se que o Secretário de Saúde Municipal pode regular a forma de pagamento dos serviços relacionados ao TFD. Tal regulação tem embasamento constitucional, conforme consta do parágrafo único, inciso II do art. 87 da CF, verbis: Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei: (...) II- expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos. Obviamente, que referida disposição constitucional, em face do princípio da simetria, se estende aos Secretários de Saúde Estaduais e Municipais. A propósito, a citação de Fernando Aith: “No que se refere aos Secretários de Saúde dos Estados, Distrito Federal e Municípios, estes possuem competência normativa análoga a dos Ministros, guardadas, como de hábito, as limitações de competências territoriais e materiais referentes às suas respectivas atribuições”.1 Com isso, conclui-se que o Gestor municipal possa regular a forma de prestação dos serviços de TFD em âmbito local. 1 Aith, Fernado – Curso de Direito Sanitáro – São Paulo: Quartier Latin, 2007, p.323. 6 Contudo, no caso concreto, a portaria nº 002, de 15 de julho de 2009, exarada pela Secretaria Municipal de Saúde de Itaúna, viola a tabela unificada que estabelece um piso (valor mínimo) a ser pago pelo gestor prestador do TFD, como veremos. A Lei Federal nº 8.080/90 – Lei Orgânica da Saúde – no seu artigo 26 dispõe que os critérios e valores para a remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistencial serão estabelecidos pela direção nacional do Sistema Único de Saúde – SUS, aprovados no Conselho Nacional de Saúde. A Portaria MS/GM nº 1.606/2001 afirma que a tabela nacional deve ser tida como referência mínima, desde que aprovada pelo Conselho Municipal de Saúde/CMS e pela Comissão Intergestores Bipartite/CIB. Em sintonia com essa norma supracitada está o Ofício nº 024/DRAC/SAS/MS – Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas /Secretaria de Atenção à Saúde – Ministério da Saúde que, atendendo solicitação deste Centro de Apoio sobre a matéria, assim se manifestou: “... de acordo com a Legislação do SUS não é permitido efetuar pagamento menor que o determinado na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses e Próteses e Matérias Especiais do SUS, uma vez que é referência nacional para o pagamento de procedimentos realizados pelos prestadores de serviços vinculados ao SUS”. 7 Verifica-se, assim, que a Portaria nº 002/SMS do município de Itaúna não poderia ter fixado, para o atendimento dos serviços com TFD, valores inferiores ao da tabela de procedimentos do Ministério da Saúde (que segue em anexo) e nem suprimir procedimentos. 6. CONCLUSÃO Em razão das análises acima descritas conclui-se que (i) o Secretário Municipal de Saúde de Itaúna, na condição de gestor, possui competência para regularização da forma de prestação e de pagamento dos serviços de TFD; (ii) a Portaria nº 002/2009 é ilegal no que tange aos valores ali estabelecidos, uma vez que a Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses e Próteses e Matérias Especiais do SUS estabelece um piso a ser pago pelo prestador do serviço, sendo este superior ao citado na portaria ora em análise. É a presente Nota. Belo Horizonte, 17 de agosto de 2010. RAFAEL MEDINA MACHADO Analista do Ministério Público MAMP: 3973 GILMAR DE ASSIS Promotor de Justiça Coordenador CAO-SAUDE