Jornal A Tarde, quinta-feira, 18/05/1972 Assunto: AS REFORMAS E O ENSINO... Sempre desconfiei que, nos últimos anos estivemos reformando a organização do ensino, a estrutura dos programas, o conteúdo dos currículos, a administração das escolas mais do que o ensino propriamente. Todas as reformas que se decretaram ou se anunciaram e se começaram a por em Prática estes anos, tanto ao nível das Universidades, como do ensino fundamental, parece que consistem em modificar – certamente para melhor, ao menos nas intenções - a distribuição das tarefas e dos cargos nas escolas, do que mesmo os métodos a as condições do ensino e da aprendizagem. É certo que tais mudanças visam à melhoria global da escola e do que na mesma se procura incutir no aluno. Que as mudanças adotadas são boas atesta-o a coincidência da adoção de Providências idênticas mais ou menos por todo o mundo. Ou por moda, que bem pode inspirar-se na influência universal do que é americano, ou porque está verificada a excelência dos esquemas ianques, a verdade é que a escola, os colégios, as Universidades, os programas, os currículos estão indo mais ou menos ajeitados a modelos que se desenvolveram da ampla e livre experimentação didática norte-americana. Na Alemanha, na França, na Inglaterra e, afinal, no Brasil e noutros países da América Latina, o ensino parece caminhar maciçamente para a imitação dos E. Unidos: a escola fundamental profissionalizante, os cursos primários e secundários com caráter final, concludente, não subordinados à fatalidade do ingresso na Universidade; os estudos gerais básicos separados, nas escolas superiores, dos cursos profissionais; a distribuição do professorado e das antigas atribuições das escolas e faculdades por departamentos. A questão é que muitas dessas medidas são transpostas, sem os necessários ajustamentos aos costumes, às tradições, às circunstâncias em que vivemos por séculos, com vantagens e inegáveis proveitos. As transformações foram muito radicais aqui e ali e muito bruscas noutros lugares. E, acima de tudo, todo esse afã de mudar se está processando num ritmo desigual, como acaba de acentuar o Ministro da Educação. Porém o que sobreleva a quem observa mesmo de perto, é que as medidas e providências e recursos para melhorar diretamente o ensino, esses não são objeto da mesma atenção. Dir-se-á e com razão que a reorganização das escolas, dos programas, dos currículos, da direção dos cursos destina-se a aperfeiçoar o ensino. Não pode ninguém duvidar disto: certas das modificações introduzidas têm efeito sobre a eficiência didática do professor, como a reunião de especialistas, nos departamentos, o tempo integral, a separação das matérias básicas e instrumentais, das profissionais. Fica, porém, a impressão de que pouco se tem cogitado e muito menos feito para melhorar o rendimento das aulas e o aproveitamento. Um dos pontos nevrálgicos de toda essa dificílima problemática é o Vestibular, cada dia mais mecanizado, mais técnico e, paradoxalmente, mais decepcionante, nem só porque, ao contrário do previsto, fortaleceu e ampliou a margem deixada aos famosos “cursinhos”, como porque, dado o seu caráter classificatório, deixa chegar aos cursos superiores u'a massa cada vez mais volumosa de incapazes que não conseguem acompanhar os estudos superiores e constituem um crescente motivo de desespero e desalento para o professorado. A política justa e absolutamente necessária de dar educação ao maior número, acrescendo vertiginosamente os efetivos dos ginásios e colégios, não foi, de modo algum, acompanhada de novas condições que favoreçam o desempenho das tarefas do corpo docente. Este tem uma carga cada dia mais pesada e necessita multiplicar-se em esforços, em horas extras, em aulas suplementares para ganhar a vida e ensinar... sem tempo para estudar e atualizar-se. Os alunos, aglomerados nas salas de aula, alem do espírito de dissipação que é característico dos nossos dias, dificilmente podem acompanhar com atenção a exposição do mestre, o qual por sua vez, não raro recorre a expedientes que o aliviam dos seus encargos e não contribuem para o aproveitamento dos estudantes. Ajunta-se a tudo isto o apelo constante e cada vez mais insistente às facilidades de aprovação. Desde a escola primária, o estudante é acostumado a essa facilidade, aprender pouco e querer boas notas. Nos níveis mais elevados, observa-se a corrida aos títulos que não exigem esforço, nem mesmo presença... Muitos querem apenas inscrever-se e tirar um certificado que abre as portas dos empregos. Outros lutam por abolir as provas de competência profissional como as da Ordem dos Advogados que num regimen de superprodução de diplomados deveria estender-se, antes que suprimir-se, a todas as profissões. Enfim, estamos como que descambando para a incompetência generalizada num país que cresce aceleradamente e necessita de gente capaz para o gerir. Pouco parece fazer-se no particular. Caminhamos, ao contrário, para uma alfabetização e uma instrução apenas estatística... de tantas e quantas pessoas que estiveram tais e quais anos nos “bancos escolares”, mas que pouco sabem de que precisariam aprender. Daí, que esse é um tema a merecer muito maior atenção. Se ao professorado é lícito pedir mais um sacrifício é que não afrouxe no esforço por bem ensinar, por transmitir conscienciosamente a matéria de seus programas, sem desanimar nas exigências do aproveitamento, com espírito de justiça, mas com severidade e rigor, sem contemplações com a improvisação, a displicência, a incompetência, nem com os apelos para a baixa escandalosa das médias de aprovação como agora ocorre nos colégios oficiais. Não é senão com estudo, muitos sérios que a mocidade há de alcançar para o País os progressos que todos desejamos.