TER COM SENTIDO “EXISTENCIAL Suzana Alice Marcelino Cardoso

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UM TRAÇO DO PORTUGUÊS DO BRASIL: TER COM SENTIDO EXISTENCIAL
Suzana Alice Marcelino Cardoso
Universidade Federal da Bahia/CNPq/Brasil
[email protected]
1. Introdução
A qualificação do Brasil (em português do Brasil), que aparece no título desta
comunicação, assinala o reconhecimento de que ao Português, língua originária do latim
surgida na parte ocidental da Península Ibérica, se lhe atribuem nuances e diferenciações
que estão associadas a espaços geográficos, e também a características sócio-culturais,
configurando, assim, modalidades de uso que podem ser reconhecidas como diferentes
dialetos ou serem denominadas normas dominantes nas áreas respectivas. Se há um lastro
comum, e lembrando o primeiro gramático da língua portuguesa, Fernão de Oliveira que
reconhecia ([1936] 2000) que “As dicções usadas... ou são gerais a todos como Deus, pão,
vinho, céu e terra, ou são particulares...” (grifos nossos), a esse acervo geral, portanto,
também se agregam particularidades que, segundo o próprio autor, se evidenciavam
“[...] entre ofícios e tratos, como os cavaleiros que têm uns vocábulos
e
os
lavradores outros, e os cortesãos outros e os mercadores outros. Ou também se
faz em terras esta particularidade, porque os da Beira têm umas falas e os do
Alentejo outras, e os homens da Estremadura são diferentes dos de Entre Douro e
Minho, porque, assim como os tempos, assim também as terras criam diversas
condições e conceitos. E o velho, como tem o entender mais firme, com que mais
sabe, também suas falas são de peso, e as do mancebo, mais leves.” (ib. p. 97-98)
Essas particularidades se processam, pois, nos diferentes níveis de abordagem da
língua, atingindo a fonética-fonologia, a morfossintaxe, o léxico, a sintaxe, para ficarmos
apenas numa lista inicial, e ocorrem nos espaços diversos e na fala dos usuários, distintos
em diferenciadas categorias, pela própria contingência da história e das leis biológicas.
Perseguindo a trilha da diferenciação, esta comunicação traz considerações sobre
um aspecto do português do Brasil — a sua morfossintaxe —, apresentando dados sobre o
uso do verbo ter com sentido existencial, a partir do que vem revelando o Projeto Atlas
Lingüístico do Brasil (Projeto ALiB). Trata, portanto, do exame de situações em que podem
alternar ter/haver, em frase do tipo tem gente que come pouco ~ há gente que come pouco.
2. Uma breve notícia histórica
Assim, as orações existenciais que, em latim, se exprimiam com esse, passaram, no
próprio latim, a se construírem também com habere. Habere e tenere que permitiam um
uso alternativo quando no sentido de “possuir”, vêm a se distinguir, no próprio latim, pela
especificação de habere em orações existenciais, estabelecendo-se, desse modo, entre esses
dois verbos, uma relação de divergência de sentido. E desse caminho, na trilha das línguas
românicas, são ilustrativos, por um lado, o italiano essere , e de outro, o espanhol haber e o
próprio português haver, com valor existencial.
No português arcaico, ter e haver mantêm o sentido original latino, co-ocorrendo
em estruturas de posse. Verifica-se, no entanto, que, a partir do século XV, a difusão de ter
em tais estruturas se expande, restringindo-se o uso de haver nessa acepção.
O português do Brasil vem demonstrando que as orações existenciais
originariamente da competência de haver passam a ser construídas com ter. Ter caminha na
direção de haver ‘existencial’, ampliando, assim, o seu campo de significação. Esse novo
valor semântico de ter que, como se verá a seguir, está abundantemente documentado no
português do Brasil, encontra-se, também, no português africano, em Angola, Cabo Verde,
Guiné , Moçambique e São Tomé, como vem registrado no Novo Aurélio, no verbete Ter,
como acepção de número 44. Para o português do Brasil, o dicionarista qualifica-o como de
uso “popular”, dando como sinônimos haver e existir.
No que diz respeito à história latim-português, forma-se uma cadeia no tempo, no
que se refere à expressão do sentido existencial: no latim, esse, que recobre inicialmente o
conceito, é substituído por habere de onde provém a forma portuguesa usada na mesma
acepção. O português do Brasil, introduz um novo conceito para ter, o existencial, que,
assim passa a concorrer com haver.
3. A base de dados
O corpus base deste trabalho se constitui da documentação recolhida em cinco
capitais brasileiras — Salvador, Aracaju, Maceió, Recife e João Pessoa — integrantes da
rede de pontos do Projeto ALiB, cujo objetivo é a realização do atlas lingüístico do Brasil
no que se refere à língua portuguesa.
Iniciado em 1996, o Projeto ALiB tem por meta a realização de um atlas nacional,
com vistas à descrição e ao mapeamento do português brasileiro, desiderato que permeia a
comunidade de dialectólogos do país desde meados do século XX. Como é sabido, no
território brasileiro convivem línguas indígenas, na atualidade, em número de 180, faladas,
por uma população de cerca de 460 mil índios, línguas de imigração, presentes nos
diferentes núcleos de imigrantes que se situam, particularmente, no sul do país, e a língua
portuguesa, majoritariamente falada no país, introduzida, no continente, no século XVI.
Buscando recobrir as diferentes áreas e as variadas situações dos usos lingüísticos, o
Projeto ALiB tem como rede de pontos um conjunto de 250 localidades distribuídas por
todo o território nacional — uma área de 8.511.000 km² —, para cuja seleção se procurou
contemplar as diferentes situações culturais, as áreas de limites internos e internacionais
bem como a representatividade do ponto para a sócio-história do país, além da densidade
demográfica (Quadro 1). Observe-se que a distribuição de pontos conforme a densidade
demográfica explica o adensamento encontrado em certas áreas, como São Paulo, situado
na Região Sul, e a rarefeita malha em outras, como a Região Norte, onde se localiza a
Floresta Amazônica, ou a Região Centro-Oeste, contemplada com vastas áreas de pantanal.
Quadro 1
Rede ALiB: relação entre o número de pontos
e a densidade demográfica da região
DENSIDADE
Nº DE PONTOS
REGIÃO
DEMOGRÁFICA
NORTE
16,9
24
NORDESTE
69,6
78
SUDESTE
108,5
80
SUL
37,8
44
CENTRO-OESTE
17,0
24
O Projeto ALiB tem, assim, o objetivo maior de mapear o português brasileiro numa
perspectiva diatópica, oferecendo controle sistemático das variáveis sociais, o que vai
permitir uma visão geo-sociolingüística da nossa língua majoritariamente falada, com
resultados geolingüísticos focalizados numa perspectiva pluridimensional. Presentemente o
Projeto encontra-se com mais de 50% dos pontos documentados e tem concluído o registro
das capitais de estado de todo o Brasil. Este acervo, que não inclui Palmas, capital do
Estado de Tocantins, e Brasília, Distrito Federal, por não preencherem, em virtude da data
de fundação, os critérios estabelecidos para o Projeto, reúne dados das 25 outras capitais e
vem sendo tratado com vistas à publicação do Volume I do ALiB.
Os dados que se tomam para esta amostragem da realidade de ter existencial no
português brasileiro referem-se a cinco capitais de Estado — Salvador, Aracaju, Maceió,
Recife e João Pessoa —, situadas todas elas, segundo a divisão territorial brasileira
estabelecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na Região
Nordeste. Para tanto, considera-se não só a resposta específica obtida através da aplicação
da pergunta 46 do Questionário Morfossintático —: “Como era esta cidade, antigamente,
em termos de festas?, que admite respostas do tipo “Antigamente tinha festa”,
“Antigamente havia mais segurança” —, como também todas as ocorrências no corpo da
entrevista, que compreende além do Questionário Morfossintático, o Questionário
Fonético-Fonológico, Questionário Semântico-Lexical, a que se acrescentam Questões de
Pragmática, Questões Metalingüísticas e Temas para Discursos Semi-dirigidos. São, assim,
registros documentadas a um total de 40 informantes, oito por localidade, eqüitativamente
distribuídos conforme o gênero, a faixa etária — faixa I - 18 a 30 anos e faixa II – 50 a 65
anos — e a escolaridade — Fundamental, correspondendo aos oito primeiros anos de
escolaridade, e Universitário (Quadro 2).
Quadro 2
Informantes: Salvador, Aracaju, Maceió, Recife e João Pessoa
Faixa I
Informantes
Faixa II
Fundamental Universitário Fundamental Universitário
HOMENS
5
5
5
5
MULHERES
5
5
5
5
4. Ter com sentido existencial no português brasileiro
A língua portuguesa no Brasil, para expressar o sentido existencial dispõe, no que
concerne à norma padrão, de dois verbos, existir e haver. A esses se vem juntar ter,
documentado de forma generalizada, no código oral e no código escrito, aparecendo no uso
de falantes da norma culta, sem marca de estigmatização, e já registrado no Novo Aurélio
como sinônimo de haver e existir, mas categorizado como “popular” (s.v. Ter, p. 1945)
Nos textos literários, há exemplos abundantes, para os quais se busca ilustrar com duas
frases presentes na memória do povo:

Tem certos dias em que penso em minha gente (Da canção Gente humilde,
Chico Buarque de Holanda)

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho (do poema No meio do caminho, de
Carlos Drummond de Andrade)
Uma breve referência histórica, que aponta para a antiguidade de ter existencial,
testemunha o processo de variação e de inovação que, nesse capítulo, vai caracterizar o
português brasileiro. Marroquim, em 1943, ao escrever A língua do Nordeste, ocupa-se da
questão e faz, logo de início uma observação (1996, p.95): “O verbo haver é usado no
indicativo presente e imperfeito, no infinito e às vezes no futuro do subjuntivo. É
substituído geralmente pelo verbo ter que lhe usurpou as funções.” (Grifo nosso).
Ao tratar da variação, na qual se inclui ter/haver, procura esse autor, de forma clara,
definir o seu ponto de vista com relação aos diferentes usos e faz afirmações contundentes
sobre a sintaxe nos diferentes dialetos. Assim, afirma (1996, p. 122) que “A sintaxe dialetal
matuta está sofrendo, ainda hoje [isto é, 1934], as modificações que hão de um dia fixar o
rumo da variante lingüística”. Seria uma previsão/reconhecimento da mudança de baixo
para cima que ele procurava mostrar e já a reconhecia na primeira metade do século XX,
antes da expansão dos estudos sociolingüísticos. Logo a seguir, depois de se referir à “luta
entre a língua culta e o dialeto”, faz uma pergunta a que acrescenta um lúcido comentário
(1996, p. 122):
Quem vencerá? Se a força conservadora da literatura e da instrução reage
contra a tendência modificadora, é preciso ter-se em mente que essa
tendência é animada da energia fatal e inflexível das cousas instintivas e
inconscientes.
Delineia o espaço da variação ter/haver, assegurando que “Como no resto do país, o
verbo ter assume, no Nordeste, função impessoal”. Continuando o seu pensamento, procura
definir o perfil social do usuário ao afirmar que “Em todas as classes, mesmo entre pessoas
cultas, ter tomou o lugar de haver” (1996, p.152).
A inclusão nos itens em investigação pelo Projeto ALiB dos usos de ter/haver vai
permitir a apuração do que se passa no território brasileiro e propiciar o estabelecimento de
parâmetros para a distribuição das ocorrências registradas.
Os dados do Projeto ALiB objeto de análise foram obtidos a partir da documentação
referente às cinco capitais selecionadas — Salvador, Aracaju, Maceió, Recife e João Pessoa
—, cujo levantamento foi feito, com base nos registros em mini disc, num total aproximado
de 124 horas de gravação, e/ou das respectivas transcrições grafemáticas, por estudantes
Bolsistas de Iniciação Científica1 Na elaboração desta comunicação foi significativa a
contribuição da Bolsista de Iniciação Científica Isamar Neiva, que fez a revisão
e a
tabulação dos dados, a quem registro particular agradecimento.
Os resultados espelhados pelo corpus analisado apontam a expansão do uso de ter,
com uma rarefeita presença de haver e a baixa freqüência de existir, seja na perspectiva
diatópica, seja no que revelam as variáveis sociais, como a seguir se demonstra.
4.1 Distribuição diatópica
A área considerada situa-se na Região Nordeste do Brasil, uma das grandes regiões
estabelecidas pelo IBGE segundo características geográficas e/ou culturais. Os estados
observados constituem-se nos primeiros cinco estados que a compõem, tomados no sentido
Sul-Norte. Do ponto de vista lingüístico, os dois primeiros estados — Bahia e Sergipe —,
nos quais se situam, respectivamente, as capitais Salvador e Aracaju, pertencem, segundo a
divisão dialetal do Brasil feita por Nascentes (1953), à área por ele denominada “Falares
baianos”. As demais capitais consideradas se situam na área lingüística por esse autor
identificada, do ponto de vista lingüístico, como Nordeste. Essa divisão do Brasil, feita com
base em fenômenos da própria língua, é a única existente até o presente. Espera-se com os
resultados do Atlas Lingüístico do Brasil que se venha a traçar, confirmando ou não, os
limites estabelecidos por Nascentes, a delimitação dialetal do Brasil com base em dados
empíricos recolhidos in loco, apontando, assim, as efetivas áreas dialetais brasileiras.
1
Ana Paula Santana (Salvador, todos os informantes), Camila Gusmão (Aracaju, Maceió e Recife, todos os
informantes), Nara Carvalho (João Pessoa, infs, 1 e 2) e pelos Bolsistas do Programa Permanecer Paula Reis
(João Pessoa, inf. 3) e Michel Guimarães (João Pessoa, inf. 4) que se responsabilizaram pelos inquéritos
indicados para cada um deles
Como vem demonstrado no Tabela 1, na área considerada há uma flagrante
preferência pelo uso de ter, que atinge, no geral, a casa percentual acima dos 90%, à
exceção de Salvador que apresenta um índice de 88%, enquanto os demais verbos,
conjuntamente, alcançam 5%.
Tabela 1
TER/HAVER/EXISTIR: Distribuição diatópica
Verbos
TER
HAVER
EXISTIR
TOTAL
GERAL
n°
ocorrên
% n°
ocorrên
% n°
ocorrên
% n° ocorrên
%
ARACAJU
JOÃO
PESSOA
410
95 4
1
17
4
431
100
309
95 11
3
6
2
326
100
MACEIÓ
454
98 0
0
7
2
461
100
RECIFE
363
92 26
7
4
1
393
100
SALVADOR
176
88 07
3
18
9
201
100
Localidades
TOTAIS
1712
48
52
1812
A partir dessa visão global, examinam-se as ocorrências, considerando-se as
variáveis sociais e como se comportam em relação a esse fenômeno.
4.2 Distribuição diageracional
Como se observa na Tabela 2, a faixa etária não se apresenta relevante para a
seleção das formas. Jovens e idosos preferem ter e com um percentual de ocorrência, em
relação aos demais verbos, que ultrapassa, para ambas as faixas, os 90%. Uma observação,
porém, se impõe no que toca a haver: do total de ocorrências verificadas, o maior índice,
apesar de pouco representativo, se registra na faixa etária II.
Tabela 2
TER/HAVER/EXISTIR: Distribuição diageracional
Verbos
Faixa etária
FAIXA
I
FAIXA
II
TOTAL
TER
HAVER
EXISTIR
TOTAL GERAL
n°
%
n°
%
n°
%
n°
ocorrências
ocorrências
ocorrências
ocorrências
856
97
05
0.5
23
2.5
884
856
93
1712
43
4
29
48
3.
52
928
%
100
100
1812
4.3 Distribuição diagenérica
No tocante à variação diagenérica, como se vê na Tabela 3, homens e mulheres têm
preferência por ter, com índices de ocorrência muito próximos, 94% e 95%,
respectivamente. Os demais verbos, haver e existir, não exibem diferenças consideráveis de
usos entre os dois gêneros.
Tabela 3
TER/HAVER/EXISTIR: Distribuição diagenérica
Verbos
Gênero
HOMEM
MULHER
TOTAL
TER
HAVER
EXISTIR
TOTAL GERAL
n°
%
n°
%
n°
%
n°
ocorrências
ocorrências
ocorrências
ocorrências
764
94
15
2
34
4
813
948
1712
95
33
48
3
18
52
2
999
1812
%
100
100
4.4 Distribuição diastrática
A variação diastrática, diferentemente do que se registrou em relação às demais
variáveis sociais, apresenta diferença, ainda que pouco expressiva, de uso no que se refere a
haver, forma que no padrão da língua é a responsável pela indicação do sentido existencial
e da impessoalidade. Os falantes universitários alcançaram o índice percentual de 5% no
uso de haver, cabendo aos falantes com instrução fundamental um percentual de 1%, como
se apresenta na Tabela 4.
Tabela 4
TER/HAVER/EXISTIR: Distribuição diastrática
Verbos
TER
HAVER
EXISTIR
TOTAL GERAL
n°
%
n°
%
n°
%
n°
ocorrências
ocorrências
ocorrências
ocorrências
%
Escolaridade
Fundamental
968
97
10
1
17
2
995
100
Universitário
744
91
38
5
35
4
817
100
TOTAL
1712
48
52
1812
A síntese de dados que registram as tabelas apresentados, seja considerando-se a
variável diatópica ou as variáveis sociais, exibe uma clara preferência pelo uso de ter com
sentido existencial, independentemente da região, faixa etária, escolaridade ou gênero, o
que torna evidente que se vem repetindo, no português do Brasil, a história dos verbos
existenciais no percurso latim-português. Se primitivamente para o latim, esse, que era o
verbo da expressão do sentido existencial, se vê substituído por habere, que incorpora à
expressão de posse, a existencial, que assim é passada ao português, no português do Brasil
o verbo ter incorpora ao primitivo sentido de posse, o existencial, e vem ocupando, de
forma significativa, o lugar de haver.
Observe-se que para efeito desta comunicação, foram tomados os dados globais,
consideradas a variação diatópica, diageracional, diagenérica e diastrática sem atentar para
aspectos estruturais que marcam os verbos em questão, tais como concordância, referência
a tempo decorrido, correlação com a pergunta feita pelo informante, entre outros. Assim,
não se apresentaram nem se analisaram, em separado, casos de flexão do verbo e de não
flexão, pois, como é sabido, segundo a norma gramatical haver impessoal não apresenta
flexão. A norma padrão preconiza o uso de frases do tipo havia programas, houve festas,
mas rejeita haviam programas, houveram festas. De outro lado, o fato de não se encontrar
ainda normatizado o ter ‘existencial’ leva a que se conviva com o seu uso, com ou sem
concordância com o objeto, sem que se encontre, numa ou noutra das formas, traços de
estigmatização, como se verifica em situações tais como a que refletem os exemplos
antigamente tinham homens muito mais espertos ou antigamente tinha homens muito mais
espertos. Por outro lado, não se informaram, distinguindo-os, os casos de ter, na referência
a tempo decorrido, em contextos como há tempo não o vejo, há vezes que chove no mês de
setembro, tem mais de um ano que ela viajou, tiveram meses sem chuva. Não foram,
também, postas em destaque as expressões, frases feitas do tipo Não há mal que sempre
dure nem bem que perdure. Esses aspectos, porém, apesar de não considerados para esta
apresentação, estão no objetivo geral da pesquisa específica sobre esta questão com relação
aos dados do Projeto ALiB.
5. Para concluir
Os dados do Projeto ALiB, parcialmente analisados, uma vez que foram
considerados os resultados obtidos em cinco das 25 capitais que integram o corpus
constituído, revelam uma tendência/preferência pelo uso de ter existencial em detrimento
de haver, nas regiões examinadas e, independentemente dos
fatores sociais que os
distinguem, em todos os informantes registrados. Os dados evidenciam, dessa forma, uma
mudança em curso que se vem operando no português brasileiro, atribuindo-lhe, assim, no
que diz respeito a esse aspecto, um status diferenciado do português europeu.
Referências
CARDOSO, Suzana Alice Marcelino. (1986). Ter/Haver no Português do Brasil: Mudança
Lingüística e Ensino. In: I Simpósio sobre a diversidade lingüística no Brasil, 1986,
Salvador-Ba. Atas. I Simpósio sobre a Diversidade Lingüística no Brasil. Salvador:
Instituto de Letras, v. 1. p. 223-225.
COMITÊ NACIONAL do Projeto ALiB. (2001). Atlas Lingüístico do Brasil:Questionários.
Londrina: Ed. UEL.
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Alguma poesia. In: Drummond de Andrade,
Carlos. Poesia e prosa. 6. ed. Rio da Janeiro: Aguilar, 1988. p. 15.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI. 3.ed. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1999.
MARROQUIM, Mário. A língua do Nordeste. 3. ed. Curitiba: HD Livros, 1996.
OLIVEIRA, Fernão de. Gramática da linguagem portuguesa. Edição crítica,
semidiplomática e anastática. TORRES, Amadeu; ASSUNÇÃO, Carlos (Org.). Lisboa:
Academia das Ciências de Lisboa, 2000.
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